O Evangelho das
FESTAS LITÚRGICAS
E DOS SANTOS MAIS POPULARES
com comentário aplicado ao mistério
ou à vida do santo
pelo
Pe. Júlio Maria
Missionário de Na. Sra. do Smo. Sacramento
2a EDIÇÃO
-1952-
Editora "O LUTADOR-" - Manhumirim
NIHIL OBSTAT
Santos, 15 Septembris 1938
P. Angelo Contessotto, S. J.
Censor
IMPRIMATUR
Caratingen, 25 Septembris 1938
Mons. Aristides Rocha
Vicarius Capitularis
AOS PREGADORES
UMA SIMPLES OBSERVAÇÃO
Tem-se escrito muito sobre a eloquência, ao ponto de certas pessoas julgarem que a arte da eloquência consiste em escrever um belo discurso, em decorá-lo e recitá-lo com firmeza.
A verdadeira eloquência não consiste nisto: ela vem de mais alto, de mais longe. Para o êxito duas qualidades são exigidas da parte do pregador e duas da parte do discurso.
I. DA PARTE DO PREGADOR
O pregador deve estar convicto do que diz e deve amar as pessoas que o escutam. A convicção pessoal do pregador é o primeiro elemento do bom resultado na pregação. Tal convicção se manifesta desde o princípio, pelo tom incisivo e firme, com que se enuncia o assunto. É preciso lançar a verdade de um só jato, em palavras vivas e fortemente destacadas.
A convicção dá algo de vigoroso, de penetrante, que fixa o espírito do auditor e o excita ao desejo de conhecer, mais a fundo, a verdade.
O amor ao auditório é o segundo elemento de sucesso. É preciso que o auditor sinta que o pregador quer fazer-lhe bem.
Trata-se de ganhar os corações e de entregá-los a Deus.
Só a caridade sabe descobrir os caminhos misteriosos, que conduzem ao coração.
É sempre eloquente quem quer salvar as almas. É sempre escutado com satisfação, quem ama. É o segredo da palavra viva e eficaz. Aí está a magia da eloquência sacra!
Que belo exemplo nos oferece São Paulo!
A sua pregação é a efusão de uma alma repleta de caridade e de verdade, destacando, habilmente, os vícios e os erros das pessoas, fulminando o mal e estendendo a mão paternal aos que o cometeram.
II. DA PARTE DO DISCURSO
A Popularidade:
O discurso deve ser popular e claro.
O sacerdote é o homem do povo, e a sua palavra deve ser compreendida por todos.
A eloquência acadêmica é profanação da eloquência sacra.
O grande modelo a imitar e, e sempre será, a palavra de Jesus Cristo.
Nunca homem falará melhor do que aquele que mais se aproximar da linguagem de Jesus Cristo.
A Clareza:
É a segunda qualidade do discurso; clareza na expressão e no sentimento.
O povo nada entende das abstrações especulativas da razão. É mister conduzi-lo do conhecido ao desconhecido, do sensível da religião às altas verdades dogmáticas. A palavra clara agrada a todos e faz o bem a todos, enquanto a fraseologia bombástica diverte alguns espíritos, mas não penetra no coração.
O tom narrativo é o mais claro e o mais compreensível para o povo: é uma espécie de dramatização da verdade a expor.
É o método do Evangelho narra e discute pouco, expõe, torna a verdade sensível pelas comparações e parábolas e deixa ao ouvinte tirar a conclusão pessoal.
Preguemos o Evangelho com convicção e amor.
Seja a nossa palavra popular e clara.
E o êxito será esplendido, ultrapassando toda expectativa.
Pe. JÚLIO MARIA
PARECER DO EXMO. SR. CENSOR R. P.
ÃNGELO CONTESSOTTO S. J.
Santos, 15 de Setembro de 1938
Exmo. e Rvmo Mons. Aristides Rocha
D.D. Vigário Captiular de Caratinga,
"O Evangelho das Festas Litúrgicas e dos Santos mais Populares" do nosso ativíssimo padre Júlio Maria é uma obra de fôlego que, em muito boa hora vem preencher uma grande lacuna na nossa literatura litúrgica e mesmo ascética.
Acho que, entre nós, ainda não existe livro nenhum que, como este tratasse tão EX PROFESSO das festas populares da Igreja.
O novo trabalho do infatigável autor, com as suas quase 500 páginas, apresenta-se admiravelmente bem, ao lado de seu irmão gêmeo "O Evangelho Dominical", que, a Editora Vozes de Petrópolis acaba de publicar.
Estes dois volumes de meditações tão instrutivas, impressos conforme todas as regras da manemotecnia, não deveriam faltar em nenhuma bibliotecazinha paroquial. E quanto bem poderiam fazer nas mãos desses inúmeros fiéis do nosso interior que, por razões múltiplas, se veem forçados a viver longe de alguma igreja, sem poder assistir à explicação dos Santos Evangelhos, como muito desejariam!
Com estes dois livros de reflexões e explicações tão práticas, o R. Pe. Júlio Maria adquiriu mais um título à gratidão de todos os seus colegas de magistério sacerdotal.
Remetendo, pois, a V. Excia. o meu NIHIL OBSTAT, peço queira transmitir ao distinto Autor as minhas mais sinceras felicitações pelo pleno êxito destas suas lucubrações literárias.
Deus guarde a V. Excia.
De V Excia. Rvma., o servo em Xto.
Pe. Ângelo Contessotto S . J.
CARTA APROBATIVA
DO EXMO. SR. VIGÁRIO CAPITULAR
DE CARATINGA
Caratinga, 25 de Setembro de 1938.
Caríssimo padre Júlio Maria,
Tenho a satisfação de transmitir a V. Rvma. o parecer elogioso do Censor e o NIHIL OBSTAT de seu novo livro: O Evangelho das Festas Litúrgicas, juntando-lhe o meu caloroso IMPRIMA TUR.
O Rvmo. Censor já analisou o novo livro, de modo que só me resta pedir a Deus que penetre em todos os presbitérios e casas religiosas, onde há de prestar imensos serviços na meditação particular e na pregação pública.
O que este livro tem de especial - o que aliás todos os seus livros têm - é de ser uma exposição doutrinal, segura e substanciosa, feita de um modo natural , simples e ao alcance de todos.
Com tal livro, qualquer pregador, seja ele até de medíocre capacidade oratória, é capaz de produzir um sermão de primeiro valor, tanto pelo fundo doutrinal , quanto pela forma sugestiva.
É um livro de ouro. CUJO sucesso está garantido pelo seu próprio valor.
Meus parabéns, caríssimo padre Júlio Maria; sei que V. Revma. está sobrecarregado de trabalhos, porém, não pode deixar descansar esta pena que tantos serviços vem prestando à Igreja, aos Sacerdotes, aos católicos, cuja fé sustenta e esclarece e até aos inimigos da religião, cujos erros
manifesta e pulveriza.
Em nossos dias de vacilações, não basta mais mostrar, simplesmente, a verdade, é preciso torná-la luminosa, palpável e atraente: e este é o dom especial , que Deus outorgou a V Rvma. e que brilha em seus numerosos livros.
Sou de V. Revma. o dedicado amigo,
Monsenhor Aristides Rocha
Vigário Capitular
INTRODUÇÃO
O presente livro é a continuação lógica do Evangelho Dominical, e o seu complemento indispensável.
Existem diversos comentários do Evangelho de cada Domingo, porém, não existe ainda, que eu saiba - um comentário ex professo, do Evangelho das principais festas litúrgicas e das festas dos Santos mais populares em nosso país.
Pensei prestar serviço a meus ilustres colegas de ministério, apresentando-lhes um auxílio para as festas, nas quais, presos pelo confessionário ou a administração de outros sacramentos, não lhes resta quase tempo para prepararem a instrução do dia.
* * *
O presente livro tem uma feição nova, especial.
Não apresenta, simplesmente, um esquema curto, dividido e substancial sobre a solenidade, mas quase sempre, toma o Evangelho do dia, tira dele o assunto do sermão ligando, deste modo, numa unidade harmoniosa, o Evangelho e o objeto da festa litúrgica. Para a festa dos Santos mais populares, tal método é uma inovação.
O Evangelho parece, às vezes, ter pouca relação com a vida do Santo, entretanto quem olha atento vê que tal Evangelho é uma lição viva dela, reproduzindo, admiravelmente, o seu traço característico.
* * *
Umas festas têm várias instruções, de modo que o orador possa variar e escolher o que melhor se adaptar a seu gênio ou às necessidades de seu povo.
A Semana Santa foi tratada com especial cuidado, fornecendo assunto para pequenos e grandes sermões para pregações mais particulares, como para as grandes cerimônias da Igreja.
A festa dos Santos contém uma breve monografia da sua vida em geral e depois destaca a sua virtude particular ou o traço saliente da sua santidade.
Deste modo, tal vida torna-se mais inteligível e ao mesmo tempo mais prática para as almas desejosas de imitá-la.
O livro não será de menor utilidade para as comunidades religiosas e as almas piedosas, apresentando-lhes um assunto para o dia da festa.
Algumas instruções são um pouco mais compridas do que no "Evangelho Dominical" porque certos assuntos exigem exposição mais completas por se tratar dos grandes mistérios, e para poupar ao sacerdote o trabalho de consultar outros livros, para dar uma instrução doutrinal completa sobre o assunto.
* * *
Cada festa é precedida de umas curtas notas litúrgicas ou históricas sobre o mistério ou outro ponto com ele relacionado.
Assim coordenado; quer me parecer que o livro será de certa utilidade para os sacerdotes no ministério, facilitando-lhes o munus sagrado da pregação e da meditação, em dias que estão geralmente mais atarefados.
Possam estas instruções, em número de 61, corresponder à grande regra da pregação sagrada, que Santo Agostinho resume:
Ut veritas pateat,
Ut veritas placeat,
Ut veritas moveat.
É a única aspiração do autor.
Pe. Júlio Maria
SOLENIDADE DO NATAL
(25 de dezembro)
Natal é aniversário do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo da puríssima Virgem Maria, em Belém, na noite de 25 de dezembro do ano 4004' do mundo, segundo a cronologia vulgar. Neste dia o sacerdote celebra três missas em lembrança e como símbolo do tríplice nascimento do Salvador:
1- A sua geração eterna no seio de seu Pai.
2- O seu nascimento temporal no seio de Maria.
3- O seu nascimento espiritual na alma do justo pela graça.
Devia-se ajuntar um quarto nascimento. que chamaríamos o místico. na alma do cristão, pela Sagrada Comunhão, que todos devem ter a peito fazer nesta noite.
PRIMEIRA MISSA
EVANGELHO (LUCAS, II 1-14)
I - E naqueles dias saiu um edito de César Augusto, ordenando o recenseamento de todo o mundo.
II - Este primeiro recenseamento foi feito por Cirino, governador da Síria.
III - E iam todos recensear-se cada um em sua cidade.
IV - E José foi também da Galileia, cidade de Nazaré, à Judeia, à cidade de Davi, que se chamava Belém, porque era da casa e família de Davi.
V - Para se recensear juntamente com sua espôsa Maria, que se achava grávida.
VI - E estando ali, aconteceu completarem-se os dias em que devia dar à luz.
VII - E deu à luz o seu filho primogênito, enfaixou e o reclinou numa manjedoura porque não havia lugar para eles na estalagem.
VIII - Ora, naquela mesma região, havia uns pastores, que vigiavam e faziam de noite a guarda ao seu rebanho.
IX - E eis que apareceu junto deles um anjo do Senhor, e a claridade de Deus os cercou e tiveram grande medo.
X - Porém, o anjo lhes disse: Não temais: porque eis que vos anuncio uma grande alegria, que terá todo o povo:
XI - Porque vos nasceu na cidade de Davi um Salvador, que é o Cristo Senhor.
XII - E eis o sinal: Encontrareis um menino envolto em panos e deitado em um presépio.
XIII - E, subitamente, apareceu com o anjo uma multidão da milícia celeste, louvando a Deus e dizendo:
XIV - Glória a Deus nas alturas, e paz na terra aos homens de boa vontade.
PRIMEIRA INSTRUÇÃO
O GRANDE MISTÉRIO
Natal é a festa do supremo encanto!
Uma doce poesia envolve o presépio. Procuremos um instante reproduzir a realidade do fato e penetrar os sentimentos, que deviam animar a Virgem Imaculada nessa noite memorável , em que o próprio Filho de Deus se dignou nascer de suas entranhas, como a flor nasce do botão, sem perturbar-lhe a auréola virginal, tornando-a mais Virgem ainda, depois do parto do que o era antes. Contemplemos uns instantes:
I - OS PREPARATIVOS do mistério.
II - A REALIZAÇÃO do mistério.
I - OS PREPARATIVOS
Meia noite.
Conforme as predições dos profetas, o silêncio era completo. Não se ouvia ao longe nem o uivo do chacal, nem perto o canto dos pastores.
Uma calma extraordinária envolvia a cidade e os campos adormecidos. O firmamento, como extasiado, fitava a gruta, submersa nas trevas, ao flanco de uma sombria montanha e embora a estrela Dalva não houvesse ainda anunciado a aurora, esta noite já se apresentava tal como tinha sido cantada pelos profetas: "Suas sombras serão iluminadas de todo o fulgor do dia; esta noite será radiante de alegrias" (Sal. 138, 11-15).
Era meia noite No seio do inverno, um vento rijo e gelado soprava sobre Belém adormecida, e gemia nas árvores desnudadas.
Dois viajantes, um operário e uma jovem, saíam da cidade,, não encontrando abrigo nas estalagens publicas. O seu exterior definhado, as suas vestes modestas, e sobre seus semblantes esta doçura tímida, que distingue a fisionomia dos humildes, lançavam uma sombra à maravilhosa beleza da Virgem e à real gravidade do seu companheiro. A jovem que parecia ter uns 14 anos; era um conjunto de pureza, de graça angelical, de singular santidade.
O peso materno, que ela carregava, não lhe perturbava a marcha virginal e nenhuma fadiga alterava a ideal transparência de seus traços.
Um amor luminoso impregnava de clarão celestial o que se via de seus traços. como se uma lâmpada estivesse acesa por detrás do alabastro de sua carne.
Os olhos eram tão divinamente doces, os lábios tão suaves, o traje tão modesto e o porte tão majestoso. Que através dos opróbrios da pobreza e da humildade. transparecia uma glória divina.
Era meia noite quando os dois viajantes entraram na gruta, onde os pastores costumavam descansar na vigia de seus rebanhos.
A gruta estava vazia; apenas havia palhas secas no fundo, uma manjedoura grosseira. e dois animais de pasto deitados ao abrigo do vento.
O operário ajudou a Virgem a entrar no miserável abrigo, acendeu algumas palhas para iluminar o sombrio recinto e retirou-se para tratar do animal, que os havia trazido.
II - A REALIZAÇÃO
A Virgem ajoelhou-se num recanto escuro; sentia chegar a hora solene, predita pelos profetas e desejada pelas súplicas dos justos. Devia nascer, nessa hora e nesse lugar, o Messias esperado!
Doce e sublime êxtase apoderou-se da Virgem. Seus pensamentos fixaram-se em Deus; seu coração ardia de amor; sua alma imaculada voou às regiões da eternidade e de repente, radiante e soluçando de amor, ela apertava ao seio virginal o divino Menino - o Salvador do mundo.
Tal o sol que emite os raios, sem que se lhe altere o foco luminoso, tal a harpa que produz melodias sem perder sua integridade, tal a flor que exala perfumes sem alterar o esplendor, o colorido, a beleza, assim a Virgem Santa, sol de amor, lira divina, flor do paraíso, havia exalado e produzido sua luz, seu poema, seu aroma, sem nada perder de sua milagrosa virgindade.
A Virgem Maria cheia de graça, nesta linguagem divina, cujas palavras são beijos, cujas frases são olhar prolongado de amor, dizia ao recém nascido:
Qual o nome, que te devo dar?
como posso chamar-te?
Um mortal? Mas, foste Concebido pela virtude do Altíssimo!
- Um Deus? Mas, tens o corpo de frágil criancinha!
- Devo prostrar-me para oferecer-te o incenso ou apresentar-te o leite materno?
- Devo prodigalizar-te os afagos maternos ou adorar-te com a fronte em terra?
Oh! Contraste maravilhoso! O céu é a tua morada e eu te acalento sobre meus joelhos. Eis-te aqui na terra, e não deixaste o trono eterno.
Uma antiga e venerável tradição conta que logo após o nascimento do Menino Deus, a doce Virgem, prostrada, exclamara : - "Enfim, eí-lo aqui, meu Deus, meu Senhor, meu Filho" Ao mesmo tempo a Virgem beijou-lhe os pés como de um Deus, as mãos como de um mestre; a fronte como de um filho.
O Cristo, o Messias, dolorosamente esperado, ardentemente desejado, o Filho do homem havia nascido!
Ele, o Deus infinito, vivia do ar onde todos haurem a vida, jazia sobre a terra, marcado com o ferrete das dores humanas: unia a seus primeiros vagidos as lágrimas que umedecem os olhos de todos os filhos de Adão.
Enquanto, lá nas alturas, os anjos entoavam e cantavam em coro, em harmonia celeste: Gloria in excelsis Deo-Glória a Deus nas alturas do céu, e paz na terra aos homens de boa vontade! No meio do enlevo do seu amor e da realidade da miséria, que cercava tanta grandeza, a Virgem Mãe, irrigando com o orvalho das lágrimas o seu primeiro sorriso de Mãe, tomou a pobre criança já enregelada pelo frio, e ferida ao contato das asperezas da terra, envolveu-a com paninhos e deitou- a sobre a palha, que guarnecia a manjedoura dos animais - o adorável Presépio de Belém.
III - CONCLUSÃO
Aí está Ele, deitado, há 1938 anos, estendendo os bracinhos, mostrando o coração, lembrando suas humilhações, indicando sua pobreza e perguntando aos séculos, que passam : Fiz eu bastante para merecer o vosso amor?
Quereis-me como a amigo neste presépio, ou me quereis como juiz na manifestação da minha glória?
Venho trazer o amor e venho pedir o amor. Quem tem medo de uma criança? Vinde, pois, a mim, vós todos que gemeis sob o peso das tribulações, vinde e eu aliviarei os vossos ombros, darei aos vossos corações o amor verdadeiro e às vossas almas a felicidade completa e eterna. Vinde ao meu presépio, ao confessionário e terminai à Mesa Sagrada, onde nos daremos o amplexo da eterna amizade!
SEGUNDA MISSA
EVANGELHO (Lucas, II. 15-20):
XV - Naquele tempo, depois que os anjos se retiraram deles para o céu, os pastores diziam entre si: Vamos até Belém e vejamos o que é que aí sucedeu e o que é que o Senhor nos manifestou.
XVI - E foram com grande pressa. E encontraram Maria e José, e o Menino deitado na manjedoura.
XVI I - E vendo isto, conheceram o que lhes tinha sido dito acerca do Menino.
XVIII - E todos os que ouviram se admiraram do que lhes diziam os pastores.
XIX - Ora, Maria conservava todas estas corsas meditando-as no seu coração.
XX - E os pastores voltaram, glorificando e louvando a Deus, por tudo o que tinham ouvido e visto conforme lhes tinha sido dito.
SEGUNDA INSTRUÇÃO
OS PASTORES PERTO DO PRESÉPIO
O Evangelho da segunda Missa de Natal é consagrado aos pastores, mostrando-os diante do presépio de Jesus e reconhecendo a verdade do que os anjos lhes haviam anunciado.
Procuremos conhecer um pouco os sentimentos destes humildes pastores em presença de Jesus. Estes sentimentos eram simples como simples eram os conhecimentos, que tinham da vinda do Messias, e como simples são as ideias do povo acerca de acontecimentos, que ultrapassam sua compreensão. Consideremos, pois:
I - As suas primeiras IMPRESSÕES.
II - Os seus SENTIMENTOS verdadeiros.
I - AS PRIMEIRAS IMPRESSÕES
As primeiras impressões devem ter sido de decepção ante a aparente contradição entre os dois sinais indicados pelos anjos, para reconhecerem o Messias esperado:
Hoje nasceu o Salvador do mundo. Achareis um menino envolto em paninhos e deitado numa manjedoura.
- como? O Salvador, o Messias manifesta-se sobre a aparência humilde de uma criancinha, chorando talvez, e sobre um trono de miséria um pouco de palha numa manjedoura!
Pouco importa a esta gente simples, mas leal. Maria sorriu-lhes; Jesus derramava luz e amor em seus corações.
O céu manifestou a notícia: eles creem e ei-los a caminho.
Semblantes espantados, marcha pesada e apressada ao mesmo tempo. E, guando chegam perto de Jesus, surpresa, emoção, e talvez lágrimas.
Eles olham, examinam a criancinha bela, radiante e meiga, que lá está deitada diante deles, numa pobreza extrema, em cima de um pouco de palha. Ao lado da criancinha uma mulher, u'a mãe resplandecente de pureza, no olhar, no gesto, na palavra e até nas manifestações de seu amor maternal.
Ela se lhes aparece tão bela, tão nobre, que não teriam a coragem de dirigir-lhe a palavra. É, porém, tão convidativa, tão meiga, que se sentem animados, a perguntar-lhe se aquele menino é seu filho, donde vem, que vem fazer, se precisa de qualquer coisa.
Examinam depois o semblante patriarcal, majestoso e humilde de José: que lhes fala com bondade e na linguagem rústica dos campos.
Os rudes pastores compreenderam as explicações de José, o olhar de Maria e as lágrimas da criancinha e lhes ofereceram tudo o que haviam trazido para Ele : frutas, leite, ovos e outros alimentos do país. José agradeceu a todos.
II - SENTIMENTOS VERDADEIROS
Nos sentimentos evangélicos nós somos inclinados a dar à ação sobrenatural uma parte preponderante, que quase suplanta a ação natural. É um erro.
Deus formou a nossa natureza e dotou-a de muitos recursos.
Devemos empregar estes recursos enquanto são úteis para o nosso fim e não recorrer à ação milagrosa, senão quando tais recursos são impotentes.
Deus não transformou de repente o espírito e o coração dos humildes pastores, os primeiros que chamou para perto de seu berço, a lhe prestarem suas homenagens.
Eram rústicos e ignorantes antes da aparição dos anjos e assim permaneceram.
Ora, os sentimentos das pessoas ignorantes e rústicas são, sobretudo, a admiração e dedicação. Tudo aquilo lhe era novo e refulgente
Conservavam no olhar o resplendor da luz, que aparecera no céu, enquanto aos seus ouvidos ecoavam ainda as melodias celestes. Para eles o estábulo era palácio, o presépio, trono, e a criancinha, um Rei.
Aproximaram-se deste presépio, cheios de admiração, de estupor, de espanto, e sob estes sentimentos, prostraram-se de joelhos e beijaram com veneração os pezinhos deste Rei, uns sorrindo e outros chorando e maravilhados pela beleza do quadro humilde, mas divinamente sublime.
Na alma do povo simples, um segundo sentimento segue este primeiro: é a dedicação.
Que poderíamos fazer para ele? Que poderíamos oferecer-lhe? Perguntam uns aos outros. E os pobres pastores acham naturalmente que tal Rei, não pode ficar hospedado numa estrebaria; é preciso uma casinha onde possa abrigar-se contra o frio e a chuva.
Consultam, indagam, e pouco depois, embora o Evangelho não o diga, encontram uma casinha, que oferecem a José para ali fixar-se enquanto permanecer em Belém.
III - CONCLUSÃO
São estes os dois sentimentos, que o divino Menino quer encontrar em nós, visitando-o em seu humilde presépio: a admiração e a dedicação.
Não merece a nossa admiração, o Altíssimo, que se faz criancinha, o Todo Poderoso, que se faz fraqueza, o Rei, que se faz escravo?
Sim, é bem o Deus admirável Mirabilis Deus!
Salmo - 67, 36).
Não basta, porém, a admiração. É preciso como os pastores, oferecermos-lhe o presente de nossa dedicação, o presente de nosso coração para amá-lo, o presente de nosso corpo para servi-lo, o presente de nossos bens para suavizar-lhe os sofrimentos, na pessoa dos que sofrem, o presente de nosso espírito para fazê-lo conhecido daqueles que vivem afastados do seu amor.
Amar é dar! Amando ao pequeno Jesus, façamos-lhe o presente do que nos é mais querido neste mundo!
TERCEIRA MISSA
EVANGELHO (João, 1, 1-14)
I - No princípio era o Verbo e o Verbo estava em Deus e o Verbo era Deus.
II - Ele estava no princípio em Deus.
III - Todas as coisas foram feitas por Ele e nada do que foi feito, foi feito sem Ele.
IV - NEle estava a vida, e a vida era a luz dos homens.
V - E a luz resplandeceu nas trevas, e as trevas não a compreenderam.
VI - Houve um homem enviado por Deus, que se chamava João.
VIII - Ele não era a luz, mas era para dar testemunho da luz, afim de que todos cressem por meio dele.
VIII - Ele não era a luz, mas era para dar testemunho da luz.
IX - (O Verbo) era a luz verdadeira que ilumina todo o homem que vem a este mundo.
X - Estava no mundo e o mundo foi feito por Ele, e o mundo não O conheceu.
XI - Veio para o que era seu e os seus não O receberam.
XII - Mas a todos os que O receberam, deu poder de se tornarem filhos de Deus, aos que creem em seu nome.
XIII - Os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus.
XIV - E o Verbo se fez carne e habitou entre nós e vimos a sua glória, glória como do Unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade.
TERCEIRA INSTRUÇÃO
O TRÍPLICE NASCIMENTO
O Evangelho da terceira Missa é uma página sublime.
São João tomou o seu voo de águia e sem preâmbulo, penetra na eternidade, onde nos mostra o Verbo com Deus, sendo Deus e Criador de tudo o que existe.
Descendo destas vertiginosas alturas, mostra-nos o Verbo feito carne, no meio deste mundo, trazendo a todos a luz da verdade e a salvação.
Era homem, mas era Deus embora não recebido pelos seus filhos da terra, Ele manifestou, entretanto, a sua glória no Tabor, na ressurreição e na ascensão.
Temos deste modo a história dos três nascimentos do Salvador:
I - O seu nascimento ETERNO no seio do Pai.
II - O seu nascimento TEMPORAL no seio de Maria.
III - O seu nascimento ESPIRITUAL nas almas.
I - O SEU NASCIMENTO ETERNO
Dizer que o Filho de Deus nasceu na eternidade, é um modo popular de exprimir um fato, que ultrapassa a nossa compreensão.
O Verbo divino, sendo a segunda Pessoa da Santíssima Trindade, nunca nasceu, pois sempre existiu, sendo eterno como o Pai e o Espírito Santo.
No Evangelho, Jesus Cristo instituiu-se o Filho de Deus:
Para que o Filho de Deus seja glorificado (João XI, 4).
Disseram todos : És tu, o Filho de Deus?
Ele respondeu - Vós o dizeis, eu o sou. (Lucas XXII, 70).
Ele será grande e será chamado o Filho de Deus (Lucas I. 32).
Se Jesus Cristo é Filho de Deus, Deus é, pois, seu Pai.
E ouviu-se do céu uma voz : Tu és o meu filho amado, em ti pus minhas complacências (Marc. I.II) .
Jesus Cristo o proclama bem alto : É meu Pai quem me glorifica (João VIII. 54).
Tudo o que meu Pai possui, é meu (João XVI. 15).
como meu Pai me enviou, assim eu vos envio a vós (João XX. 21).
A ideia de Filho e de Pai suscita, naturalmente, a ideia de nascimento; por isso dizemos que o Verbo nasceu do pai Eterno, desde toda eternidade, embora nunca nascera e nunca deixe de nascer, sendo tal nascimento eterno.
A Missa celebrada à meia noite, significa que este nascimento eterno do Filho de Deus não pertence ao tempo, mas está acima e fora do tempo.
De fato, o instante da meia noite é de transição. Não pertence nem ao dia precedente nem ao dia seguinte. Pertence aos dois. Assim o Verbo divino não pertence nem ao passado, nem ao futuro; Ele não começou, nem acaba: é eterno.
II - O SEU NASCIMENTO TEMPORAL
Deus Eterno, condoeu-se dos homens, perdidos pelo pecado original e resolveu livrá-los da escravidão do mal.
Sendo puro espírito, portanto invisível, sem corpo, não podia, de maneira conveniente, aparecer neste mundo, ensinar a verdade e a virtude.
Podia tomar um corpo fictício ou tomar um corpo emprestado; mas, por que enganar os homens e mostrar-se como não era na verdade?
Resolveu-se, pois, a nascer de u'a mulher. O Deus Eterno, o Verbo Imaculado de Deus, quis nascer neste mundo; devia nascer, porém, de u'a mulher virgem, como nascera na eternidade de um Pai virgem. É o milagre da Encarnação.
Jesus Cristo, o Verbo feito carne, nasceu do seio imaculado de Maria, por obra do Espírito Santo, que lhe comunicou a fecundidade, sem perturbar a sua virgindade.
Maria Virgem era casada com um homem virgem, o justo José, e sem que coabitassem, nasceu dela o Filho de Deus feito homem.
Por uma série de disposições da Providência, Maria e José foram obrigados a deixar Nazaré onde habitavam, para se inscreverem em sua terra de origem, que era Belém.
É ali, na pobreza de uma gruta, que à meia noite nasceu Jesus. Foi à meia noite para mostrar de novo que se Ele veio a este mundo, não era do mundo e vinha salvar e resgatar pelos seus merecimentos, tanto os justos do Antigo Testamento, como os homens de boa vontade do Novo Testamento.
O passado e o futuro reúnem-se aos pés deste presépio para dar-se a mão e se separarem definitivamente num amplexo de misericórdia, devendo a lei nova, toda de luz e de amor, substituir a lei antiga, repleta de sombras e de figuras.
III - O SEU NASCIMENTO ESPIRITUAL
Jesus Cristo veio para salvar os homens, mostrando lhes o caminho da verdade e dando-lhes o exemplo do homem regenerado, vivendo no meio deles e como um deles.
Ele habitou entre nós, diz São João, e nós vimos a sua glória, que era uma glória toda divina. Esta glória é a sua habitação espiritual nas almas, pela graça; sendo esta graça, no dizer de São Pedro, uma participação à natureza divina - divinae consortes naturae - (Pet. 1. 4) .
Jesus quer viver em nós, sobretudo pela sagrada comunhão, sendo esta habitação, a presença física de seu corpo adorável e depois uma presença mística, após a desaparição das santas espécies. Tal habitação de Deus nas almas é uma das glórias do gênero humano. Faz do coração do homem o templo de Deus, como o diz São Paulo :
Não sabeis que sois o templo de Deus? (Cor. III. 16).
Os vossos membros são o templo do Espírito Santo (1. Cor. Vl. 19).
Vós sois o templo de Deus vivo. (2. Cor. VI. 16).
VI - CONCLUSÃO
Os anjos cantaram por cima do presépio: - Glória a Deus e paz aos homens de boa vontade. A glória de Deus é Jesus, é a sua Encarnação, é a sua habitação nas almas. A paz é a salvação, que Ele vem trazer pela sua doutrina e pelos seus exemplos.
Sejamos estes homens de boa vontade, adorando o pequeno Jesus, abrindo-lhe o nosso coração para amá-lo e cumprir fielmente a sua lei divina, toda de perdão e amor.
Seja o nosso coração o presépio no qual o Verbo Eterno, feito Verbo Encarnado, possa nascer espiritualmente, para ali manifestar a sua glória, como Filho Unigênito, vindo do Pai, cheio de graça e verdade, na expressão do Evangelho de hoje.
QUARTA INSTRUÇÃO
MARIA E JOSÉ PERTO DO PRESÉPIO
Natal! É o dia das suaves e su b limes recordações.
É o dia do mistério, que faz palpitar os corações mais indiferentes.
É o dia em que o povo cristão se prostra diante do presépio para aí adorar o Deus feito homem, feito criança, nos braços de sua pura e imaculada Mãe, a Virgem Maria.
Não só podemos aproximar-nos, mas até reverentes e amantes beijar os pezinhos do Menino Deus e também a mão da Virgem, que, sorridente, nos apresenta o seu tesouro, a nossa salvação. Façamos reviver uns instantes as cenas enternecedoras dessa noite gloriosa. Os fatos são conhecidos, mas não basta conhecê-los; é preciso fazê-los reviver dando-lhes as cores da gratidão e do amor, Contemplemos, pois, junto do presépio:
I - A VIRGEM MÃE de Jesus
II - SÃO JOSÉ esposo de Maria
I - A VIRGEM MÃE DE JESUS
Era alta noite José e Maria não encontraram agasalho nas casas de Belém e se foram, pobres e desprezados, até à gruta onde se abrigavam os pastores na estação invernal.
A gruta estava deserta.
José amarra o jumentinho, em que a Virgem Santa montará e vai explorar o interior da gruta. Paredes nuas, rochosas e irregulares.
No chão, palha e feno em desordem: no fundo, a manjedoura e nada mais.
É a mobília do palácio do Rei dos Reis, para quem o luxo dourado como trapo nauseabundo, não passa de farrapos. Se se tratasse apenas de sua pessoa, o humilde José apreciaria tal palácio; trata-se, porém, de sua doce espôsa, a Virgem, que lhe foi confiada por Deus. E ele se sente inquieto Entretanto, faça-se a vontade de Deus. José começa a limpeza, enquanto a Virgem, numa infratuosidade do rochedo, ocupa-se da frugal refeição. Passaram-se as horas.
Era à meia noite!
Sobre a manjedoura, onde docemente está vagindo uma criancinha recém-nascida, a Virgem inclina a cabeça aureolada e transfigurada.
Ao vê-la de pé, ativa e preocupada, ninguém teria a lembrança de ser ela mesma a mãe da criancinha. Entretanto, para compreendê-lo, basta ver os cuidados e carinhos amorosos, com que cerca a frágil criancinha. Perfeitamente pura de toda mácula, ela a envolve nos paninhos quentes, que confeccionara em Nazaré. Depositou-a sobre a palha áspera, no presépio após tê-la longamente beijado e abraçado, contempla-a como em êxtase de amor.
A criança adormece alentada pela adoração de sua mãe.
Na meia treva da gruta, seu semblante alvo e puro resplandece como uma estrela.
II - SÃO JOSÉ, O ESPOSO DF MARIA
José prostrado pela fadiga dorme ainda à entrada da gruta.
Com vagar e sem palavras, a Virgem Santa acorda-o e o conduz à manjedoura.
À vista do menino adormecido e de Maria, cujo semblante transfigurado e radiante não revela nem fadiga, nem dor, José fica mudo de espanto.
Menos preparado que sua espôsa, para assistir ao inefável mistério, que acaba de realizar-se e de que nem suspeitava neste lugar, são-lhe precisos alguns instantes para compreender, plenamente, o que se passa.
Grossas lágrimas deslizam lentamente ao longo de suas faces coloridas pela emoção.
Longo soluço levanta-lhe o peito e um som rouco e mal articulado aperta-lhe a garganta.
Cai de joelhos, a fronte no pó da terra. Quereria chorar, soluçar, rir; não o pode porém. Adora, aniquilado pelo sentimento de sua indignidade. O anjo lhe tinha dito:
"O que dela nascer é obra do Espírito Santo; ela dará à luz um filho e o chamarás Jesus, porque Ele há de salvar seu povo dos seus pecados. (Mateus, I. 20-21).
E dizer e compreender que Maria, sua espôsa é quem acaba de dá-lo à luz. Meu Deus, meu Deus! E ver que ele mesmo, pobre e ignorante, de mãos calejadas e de rosto queimado, está misturado com este sublime mistério!
Oh! Deus, será possível?
E José chora, soluça, queria fugir mas, não; humilha-se e adora.
III - CONCLUSÃO
A criança acordou. Os vagidos, as palpitações de seu coraçãozinho, irradiam-se para Maria e José, inclinados sobre o berço de palha.
A Virgem Santa, sorrindo ternamente ao Menino, de olhos ainda fechados à luz do dia, toma-o nos braços e o deposita nos de José, que quase desmaia de emoção e amor.
Num beijo prolongado, com o rosto banhado de lágrimas. José exprime sua gratidão e seu amor.
Eis a cena de Belém. O natal de Belém da Palestina. Possa ele reproduzir-se para nós. como José, vamos ao presépio adorar nosso Redentor.
Adoremo-lo nos braços de sua Mãe e dela o recebamos para cobri-lo dos beijos de nossa adoração, de nosso amor, e de nossa eterna gratidão. Lembremo-nos de que só se encontra Jesus nos braços de sua Mãe e que só ela é quem deve apresentá-lo à nossa adoração, como o apresentara à adoração de José, dos pastores e dos magos.
QUINTA INSTRUÇÃO
GLÓRIA E LÁGRIMAS
Maria e José, para obedecerem ao edito de César Augusto, encaminharam-se para Belém, lugar de origem de sua família.
Os santos esposos não encontraram hospedagem nas casas da cidade e foram obrigados a se recolherem numa gruta onde se refugiavam os pastores, que ali guardavam os seus rebanhos.
É naquela gruta que vai realizar-se o mais sublime dos mistérios: O nascimento do Filho de Deus. Contemplemos hoje esta inebriante verdade, vendo o singular contraste entre:
I - O PARAÍSO na gruta de Belém.
II - As primeiras LÁGRIMAS de Jesus
I - O PARAÍSO NA GRUTA
Apenas Maria Santíssima havia-se recolhido, um inefável êxtase apoderou-se dela. Uma luz divina inunda a sua alma, enquanto um amor veemente faz palpitar-lhe o coração.
No meio desta luz e deste amor, tendo os braços estendidos em atitude de súplica e os joelhos sobre a palha da gruta, recebe de repente, o Filho de Deus feito criancinha.
como , é belo e resplandescente o divino Menino!
A ditosa Mãe contempla e aperta-o ao seio, cobre-o de lágrimas e de beijos e adora-o com profunda humildade. É o seu Deus. Mas é também o seu Filho.
Lá nas alturas, Ele reina e triunfa cercado de glória, e em seus braços é pobre criança a tremer de frio. Quem compreenderá os sentimentos da Virgem Mãe nesse delicioso momento? Ninguém! Pois precisaria compreender a imensidade deste amor, para nós incompreensível. São José entrando na gruta, presencia este espetáculo inaudito, e quase desmaia de alegria e admiração. U'a multidão de anjos desce do Paraíso, fazendo ressoar cânticos melodiosos:
- Glória a Deus nas Alturas e paz na terra aos homens de boa vontade.
Tanta glória em meio de tanta miséria!
II - AS LÁGRIMAS DE JESUS
Enquanto a Virgem Santa envolvia o celeste menino em paninhos, adorava-o como seu Deus e Salvador e depois, soluçando de emoção, coloca-o com imenso carinho e delicadeza, no presépio que São José havia preparado, juntando aqui e acolá, no chão, palhas secas e um pouco de feno, estendendo por cima, o manto que o encobrira na viagem.
Entre os homens, a criança mais pobre encontra ao nascer, agasalho e choupana. O Salvador não encontra nem teto, nem berço; mas é deitado numa velha e rústica manjedoura. O Menino Jesus verdadeiramente homem e sujeito às intempéries, sentindo a dureza das palhas como também o arrepio do frio, começa a derramar as suas primeiras lágrimas!
Um Deus que chora! Et lacrymatus est Jesus (Joannes XI. 35).
Os anjos recolhendo essas lágrimas levam-nas até ao trono do divino Pai, que na sua misericórdia, as transforma em rocio precioso para purificar os pecados do mundo.
Mas, não é só a dureza do berço e o rigor da estação que fazem chorar ao Salvador recém-nascido. É a malícia dos pecados dos homens. A vista dos tormentos que o esperam. A inqualificável ingratidão do mundo. Estes são os verdadeiros motivos, que o afligem e antes, que o seu coração goteje sangue, lhe arrancam lágrimas.
III - CONCLUSÃO
Aproximemo-nos do humilde berço em que nascera Aquele que nem o céu, nem a terra podem conter. Jesus ali não fala com palavras; fala com exemplos ensinando-nos a amar a humildade, a mortificação.
Ó Jesus, eu creio que Vós estais ao mesmo tempo, no Paraíso e nessa pobre gruta, na glória lá em cima, e na miséria aqui na terra! Mas, que diferença, ó Jesus!
No Paraíso, o vosso trono é o seio do Eterno Pai e nesta gruta, é um tosco e desajeitado presépio. Lá, eu vos contemplo cheio de glória e majestade; aqui eu vos vejo pobre humilhado, aflito! Lá, vejo estrelas saem de vossas mãos e aqui, lágrimas brotarem de vossos olhos!
Mas, se vos encontro mais glorioso no Paraíso, aqui vos acho mais amável. Ó Jesus, deixai cair uma dessas lágrimas sobre o meu coração, para amolecê-lo tornando-o mais sensível às finezas de vosso amor.
SEXTA INSTRUÇÃO
O PRESÉPIO DO AMOR
Que nos apresenta a solenidade de hoje?
Um estábulo, um presépio, uma criança recém nascida.
É Natal ! Tudo isso é simples, mas o que é maravilhoso, é que durante dezenove séculos todos os povos da terra comemoram ainda o presépio. É um fato histórico.
Jesus Cristo pertence à história. Antes da invasão dos Bárbaros, podia-se ver em Roma a ata do seu nascimento redigida em Belém. Era uma noite de dezembro. Dois pobres viandantes não encontrando agasalho nas casas de Belém, refugiam-se numa gruta abandonada, e ali uma Virgem deposita, numa manjedoura, o mais belo dos filhos dos homens - o seu filho. No dia seguinte, fá-lo inscrever nos registros de Belém. Este filho é Jesus Cristo, e este presépio é hoje representado, honrado e transformado no mundo inteiro.
Consideremos um instante:
I - Este presépio HONRADO
II - Este presépio TRANSFORMADO
I - O PRESÉPIO HONRADO
O mundo inteiro canta o estábulo e a criancinha de Belém. Interrogando o passado, ouvem-se cânticos, festas populares em honra deste presépio.
Por que tais manifestações, enquanto tantos outros berços ficam envolvidos no silêncio e no esquecimento? - Digitus: Dei est hic!
Só Deus pode dar este atrativo singular a este pobre berço.
As honras do mundo passam.
Hoje é a glória; amanhã o esquecimento, o desprezo.
Quem canta hoje o berço dos dominadores mundiais, desde Alexandre até Napoleão?
A vida deles pertence à história, mas uma história que não suscita mais nem entusiasmo nem amor, apenas a admiração estéril dum fato passado.
O berço de Belém ao contrário, suscita chamas de amor, de zelo, faz nascer virtudes heroicas e desabrochar a pureza e o martírio. A meia noite de Belém separa dois dias e dois mundos. Esse Natal é um dia novo, uma época nova, um Testamento novo, uma vida nova! Esta vida foi esperada e desejada pelos profetas, aclamada pelos anjos e vivida pelos homens de boa vontade. Essa criancinha é, verdadeiramente, Deus feito homem, o desejado das nações, o libertador do mundo.
II - O PRESÉPIO TRANSFORMADO
O estábulo de Belém, por inspiração de Deus, tornara-se basílica e igreja, onde virão uns após outros, procurar a verdade, as sumidades intelectuais, os poderosos como os humildes, onde se juntarão os sofrimentos de todas as espécies, para encontrarem consolações, energias e reconfortos.
Nesse estábulo, transformado em templo do Altíssimo, o presépio se tornará tribuna, donde ressoará a palavra do Verbo Divino. Esta tribuna será trono para o novo Rei, cujo poder será eterno.
CHRISTUS VINCIT, CHRI STUS REGNAT,
CHRISTUS IMPERATl
Esse estábulo é, pois, um palácio. Esse presépio é trono.
Essa criança é Rei . Esse Rei é Deus . Os anjos o proclamam, cantando: - Glória a Deus nas alturas, e na terra, paz aos homens de boa vontade (Lucas II. 1 4 ).
A estrela o anuncia: - Nós vimos a sua estrela (Mateus II. 2).
Virão os pastores: - Vamos até Belém e vejamos o que sucedeu, o que o Senhor nos anunciou (Lucas II. 1 5 ) .
Seguirão os Magos para conhecer esse Rei divino e oferecer-lhe o incenso como a um Deus, o ouro como a um rei, a mirra como a um mortal. - Entrando em casa, acharam o Menino com Maria, sua Mãe, e prostrando-se o adoraram. (Mateus II. I I).
A terra esgotará suas riquezas para adornar seus templos.
Os mártires dar-lhe-ão o sangue, bradando com entusiasmo: - Tu ES CHRISTUS! Sois o nosso Rei e nosso Deus!
III - CONCLUSÃO
Nós também, neste dia glorioso, vamos até Belém, penetremos no estábulo. aproximemo-nos do presépio e beijemos os pés deste Menino divino, que nos vem trazer a paz e a felicidade. O mundo, do alto de seus frágeis arcos de trinfo, brada: Independência, Liberdade e Gozo Jesus, do fundo de seu presépio, nos murmura: Obediência, Pureza e Pobreza!
Escutemos bem o recém-nascido, pois Ele vem não como Juiz, mas como Amigo; não como Mestre, mas como Salvador. Vem reinar, mas o seu reino é de amor e de misericórdia.
Sic nos amantem, quis non redamareti'
Quem não amará a quem tanto nos ama?
CIRCUNCISÃO DE JESUS
(1o de Janeiro)
A festa da circuncisão, que se celebra a 1o de Janeiro, dia da oitava de Natal , lembra-nos que, oito dias depois de seu nascimento, Nosso Senhor cumpriu a cerimônia da lei Judaica, pela qual, o filho devia consagrar-se a Deus, segundo o sinal da aliança de Deus a Abraão. Era o pacto entre Deus e Abraão, o qual exigia que toda criança do sexo masculino fosse circuncidada oito dias depois do nascimento.
"E aquele que não o for, havia dito Deus, será rejeitado dentro do vosso povo, porque insulta o pacto, que fiz convosco" (Gênesis XV II.10).
A circuncisão era o sinal distintivo dos Judeus entre os infiéis e a confirmação das promessas, que Deus fizera a Abraão. Esta cerimônia era o principal e mais necessário sacramento do Antigo Testamento. Era a condição essencial da incorporação do povo eleito de Deus. Há Santos padres que a comparam com o batismo, reconhecendo nela um símbolo da purificação do pecado original e da santificação pela graça de Deus. (S. Tomás de Aquino).
EVANGELHO (Lucas, II. 21)
Naquele tempo, depois que se completaram os oito dias para ser circuncidado o Menino, foi lhe posto o nome de JESUS, corno lhe tinha chamado o anjo, antes que fosse concebido no ventre (materno) .
SÉTIMA INSTRUÇÃO
OS ENSINAMENTOS DA CIRCUNCISÃO
Jesus é homem perfeito, como é Deus perfeito.
Ele tem a nossa sensibilidade para experimentar as nossas dores como as nossas alegrias. Ele não quer subtrair-se a nenhum sofrimento e não esquece nem um instante, que vem a este mundo como Vítima.
Para isso, vêmo-lo pequenino, gemer, chorar, soluçar como qualquer outra criança de sua idade. A circuncisão é uma cerimônia legal imposta por Deus a Abraão, como sinal da aliança entre Ele e o seu povo: - No oitavo dia será o menino circuncidado. (Levit. XII. 3).
Contemplemos esta cena tocante:
I - Em sua realização.
II - Em sua significação.
I - A REALIZAÇÃO
Maria e José, que se submeteram ao edito do Imperador Romano, sujeitam-se à lei divina.
Segundo Santo Epifânio, a operação sagrada foi feita na própria gruta de Belém (Adv. Hoer. XI. 9) e foi o próprio José quem a executou. (Talmud c. 1.).
Nas famílias importantes, a cerimônia da circuncisão fazia-se com toda a solenidade e assistência dos parentes e vizinhos como vimos em o nascimento de São João Batista (Lucas I. 58). Parecia-se com o nosso batismo cristão.
É provável que para a circuncisão do Menino Jesus a assistência limitou-se aos pastores, que foram convidados pelos anjos para irem adorar o Menino.
As incisões feitas na carne da criança eram dolorosas e arrancavam gemidos inarticulados do peito oprimido, e lágrimas jorravam de seus olhos apenas abertos à luz do dia.
É a primeira imolação da doce Vítima, que vem imolar-se pela salvação dos homens.
As primeiras gotas do Sangue Redentor jorravam na escuridão da gruta, recolhidas carinhosamente pela Virgem Mãe. À vista desta criancinha de oito dias, que chorava, os anjos cantavam sem dúvida, pela primeira vez, o hino ao sangue do Cordeiro, que São João devia ouvir um dia. (Apocalipse V. 12).
Nesse momento, de fato, o Salvador era mais do que um Cordeiro divino, realizando ao pé da letra, pelo seu primeiro sacrifício, a palavra do Precursor: - Eis o Cordeiro de Deus, eis o que tira os pecados do mundo. (João 1. 2 9).
II - A SUA SIGNIFICAÇÃO
Mas por que se sujeitou o Menino Jesus a esta cerimônia?
A lei de Moisés era formal , sem dúvida, porém, supunha e exprimia condições (Levit. XII – I . 2), que não se aplicavam nem a Jesus, nem a Maria, de modo que legalmente, ambos eram dispensados de seu cumprimento.
Encontramos três razões de ordem superior à lei mosaica, que os determinaram a submeter à lei o Filho de Deus.
PRIMEIRA RAZÃO:
A santificação do rito e das pessoas às quais é aplicado.
Do mesmo modo que o Batismo é o sinal, que distingue o Cristão e o faz filho adotivo de Deus, assim a circuncisão era o sinal da aliança de Deus com os filhos de Abraão.
A circuncisão do Israelita dava-o a Deus, enquanto a circuncisão do Filho de Deus feito homem dava Deus à humanidade, consagrando definitivamente e de modo visível, a aliança dos dois contraentes.
Deste modo, graças à circuncisão de Jesus, o sinal do pacto divino, não estava simplesmente gravado na carne do homem, mas na carne do próprio Deus, na pessoa de Jesus Cristo.
SEGUNDA RAZÃO:
Jesus Cristo fazendo-se homem tomou a aparência do pecador - in similitudinem hominum factus – (Philip. II. 7).
Ora, a circuncisão, na expressão de Bossuet, era o "sacramento dos pecadores e a expressão da sua servidão”.
Logo, o Salvador, sobre quem Deus havia colocado a iniquidade de todos (Is. 53. 6) devia sujeitar-se à sua aplicação.
Desde a sua entrada no mundo o gládio da imolação devia marcá-lo para o castigo final.
TERCEIRA RAZÃO:
A forma e o simbolismo da circuncisão obrigavam o Salvador a submeter-se a seu rito. O sangue era derramado; havia verdadeiro sacrifício de um sentido especial.
A forma da circuncisão indicava a libertação das inclinações originais da corrupção humana. Por isto era imposto ao circunciso um nome novo. (Gen. XVI I . 5).
Jesus devia ser circunciso significando que vinha arrancar a raça humana ao jugo do pecado e elevá-la, pela graça, à participação de sua própria vida.
III - CONCLUSÃO
A circuncisão é, pois, a entrada de Jesus na vida de imolação, que Ele começou neste dia, derramando as primeiras gotas de seu precioso sangue.
Esta festa deve excitar em nós sentimentos de gratidão a Jesus e à Santíssima Virgem que apresentou seu Filho ao ferrete do sacrifício, para que o sangue de seu Jesus purificasse e santificasse as almas.
Deve ainda excitar em nós o ódio ao pecado, causa destes sofrimentos de Jesus, e ensinar-nos o espírito de mortificação e de sacrifício, conforme o exemplo do nosso divino modelo.
OITAVA INSTRUÇÃO
O SANTO NOME DE JESUS
Na ocasião da circuncisão impunha-se ao recém-nascido o nome legal, como se faz hoje na ocasião do batismo.
Cabia a José impôr este nome ao Salvador. Não houve necessidade de procurá-lo, pois duas vezes um mensageiro celeste o havia trazido do céu, e confiado, a primeira vez a Maria e a segunda ao próprio José.
A Igreja instituiu a festa do Santo nome de Jesus.
A festa de um nome. Por que isso? A Igreja, inspirada pelo Espírito Santo, deve ter encontrado razões poderosas, que justifiquem o culto prestado a este nome. Meditemos estas razões, considerando:
I - A origem deste nome
II - A sua doçura
I - A SUA ORIGEM
I - Este nome vem do céu.
Ora, os nomes dados por Deus são realidades. Não são, simplesmente, sinais, representações, mais ou menos exatas em relação ao que exprimem. Constituem uma face, um aspecto das coisas, que se transportam ao domínio da palavra.
São substanciais, e sua substância é a coisa nomeada, em seu ideal eterno, e por este ideal, em sua realidade criada e vivida. Devia, pois, vir do céu porque a terra era incapaz de imaginar tal nome. No dia da Anunciação, o Arcanjo Gabriel disse a Maria:
Eis que darás à luz um filho e pôr-lhe-ás o nome de Jesus (Lucas I. 31).
Mais tarde, um anjo veio avisar a São José que deveria receber Maria como espôsa, porque o que nela foi concebido é obra do Espírito Santo. E ela dará à luz um filho, ao qual porás o nome de Jesus. (Mateus 1. 21).
Nenhuma hesitação era possível: Deus havia mandado do alto do céu, o nome que devia para sempre distinguir o Verbo Divino feito homem; seu nome devia ser Jesus.
Jesus quer dizer Salvador. O próprio anjo indicara a José a significação: - Porás o nome de Jesus, porque Ele salvará o seu povo de seus pecados. (Mateus 1. 2-1).
Este nome já havia sido usado no Antigo Testamento.
Um Jesus, ou Josué, havia introduzido os Israelitas na terra da promessa. Um outro, grão-sacerdote, havia restaurado o culto divino na cidade santa, após o cativeiro de Babilônia.
Dar, pois, o nome de Jesus a esta criancinha, nascida numa época, em que se esperava tanto a vinda do Messias, era por sobre a sua fronte a auréola de Salvador. O nome é apenas um grupo de sílabas, porém traz a honra da pessoa, é como o seu estandarte, a sua bandeira.
A bandeira é apenas um pedaço de pano; entretanto, para defendê-la, imolam-se vidas, e quando ela surge nos desfiles, curvam-se as frontes mais altivas.
Não se pode tocar na bandeira, sem tocar na carne viva da nação, que representa.
Ó Jesus, o vosso nome é a Bandeira sagrada, que nos une e nos estimula! Ela nos lembra que somos filhos deste Jesus, que significando Salvador, fez-nos salvos, predestinados ao céu pelo seu sangue.
II - SUA DOÇURA
Este nome sagrado eternizou-se todo embebido de amor.
Quem o pronunciou em primeiro lugar?
Foi o Pai Eterno, na glória do céu, comunicando-o ao Arcanjo, que devia trazê-lo à terra.
É, pois, um nome consagrado por lábios divinos, pelo Eterno, desde toda a eternidade.
O Arcanjo o recolhe com respeito, repete-o em adoração e o leva para a terra.
Repetido mil vezes pela Virgem Imaculada e por José, ele ecoou até ao céu.
Saiu mais tarde, vibrante e amoroso do peito dos Apóstolos, que o foram anunciar ao mundo inteiro. Foi o brado supremo desta legião de mártires, que deram a sua vida, pronunciando-o com os lábios tintos de sangue, de amor, e de heroísmo.
Os Eremitas confiaram-no ao eco dos desertos e as Virgens murmuravam-no em seus colóquios íntimos. Deste modo, chegou até nós, através destes lábios abençoados, todo refulgente de glória e embalsamado de amor.
Eis porque o nome de Jesus exerce poder incomparável no céu, na terra e no inferno, como diz o Apóstolo: - Por isso Deus o exaltou e lhe deu um nome, que está acima de todo nome; para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho no céu, na terra e no inferno e toda língua confesse que o Senhor Jesus Cristo está na glória de Deus Pai. (Philip . II. 9).
No céu o nome de Jesus é o encanto e o objeto de contínuos louvores dos bem-aventurados.
Na terra, devia dominar todas as harmonias e estar gravado em todos os monumentos mas, infelizmente a ingratidão dos homens chegou até renegar este nome e há lábios, que não só o não pronunciam, mas até o blasfemam.
No inferno, o nome de Jesus prostra por terra a fronte orgulhosa dos demônios, e estes não podendo mais amá-lo, adoram-no amaldiçoando-o, mas reconhecendo sua grandeza e seu poder. No purgatório, este nome sagrado espalha esperança e amor, sendo continuadamente repetido pelas almas benditas, como farol, que lhes indica a glória futura do céu.
III - CONCLUSÃO
Quantas pessoas há neste mundo que pronunciam este nome sagrado com indiferença, como se fora nome de um estranho ! Não somos nós deste número?
Oh ! por que esperar que sejamos um dia forçados a adorá-lo? Amemo-lo desde já como nome do nosso maior Benfeitor, do nosso Pai querido, do nosso grande amigo.
Amá-lo pouco é desconhecer a sua origem. a sua significação, a sua doçura!
Ó Jesus, para amar o vosso nome, devo amar-vos a vós mesmo. E amando-vos, pronunciarei o vosso nome com amor, corno se pronuncia com amor o nome de uma pessoa querida.
Amando-vos saber-ei distinguir o vosso nome nas leituras, nas conversações e o sentirei vibrar em meu coração.
Entre as demonstrações de amor, há uma muito simples e ao alcance de todos, que a liturgia prescreve: É inclinar a cabeça, cada vez que se lê ou se ouve pronunciar o nome de Jesus, como também dizer com convicção na recitação do pai Nosso: Santificado seja o Vosso nome!
NONA INSTRUÇÃO
PODER DO NOME DE JESUS
São Paulo diz que o nome de Jesus está acima de todo outro nome (Philip. I I. 9), para indicar a glória suprema de Jesus, que ultrapassa toda outra glória, porque é substancial.
Ele chama, como testemunha, o céu, a terra, o inferno.
E estes respondem dobrando o joelho. Tal poder do nome de Jesus não é bastante conhecido, havendo cristãos, que pensam ser apenas um costume piedoso honrar e exaltá-lo.
Há mais do que isso: É um meio de salvação: - Quem invocar o nome de Jesus será salvo, diz o Apóstolo. Meditemos um instante o poder deste nome sagrado.
I - Através do mundo inteiro
II - Na alma de cada cristão
I - NO MUNDO INTEIRO
O céu inclina- se. A bondade divina se comove e a onipotência submete-se, desde que este nome é invocado. Contra ele a resistência é impossível. Abranda-se a Justiça e a cólera divinas. Pedi a meu Pai em meu nome, diz Jesus, e Ele vos dará. (João 1 6. 23).
Os anjos prostram-se em adoração, porque, diz o Apóstolo: Jesus é tanto mais elevado acima dos anjos, quanto o seu nome é superior aos nomes, que eles receberam!
A qual dos anjos já disse Deus: - Tu és meu filho, eu te gerei hoje?
E ainda: Eu lhe serei um Pai e Ele será para Mim um Filho.
E quando Ele introduz o seu primogênito no universo, diz: Todos os anjos do Altíssimo hão de adorá-Lo (Hebr. 1. 3-6).
Os santos que cantam na glória o Cântico do Cordeiro, exclamam: Senhor! Quem não glorificará o teu nome? (Apoc. XV. 6) Pois todos, eles foram salvos por causa deste nome. (Sal. CV8).
A terra adora este nome de salvação e o adorou antes mesmo que o Messias aparecesse.
Esperei, Senhor: o teu Jesus (ou salvação) diziam os Patriarcas (Gen. 49. 18).
Alegrar-me-ei no Senhor, diz Habacuc, e exultarei em meu Deus, meu Jesus (Habac. I II.-8). Céus, exclama Isaías, desça o vosso orvalho, abra-se a terra e germine Jesus (a salvação)! (Is. 415, 8).
Depois da aparição do Salvador, a adoração deste nome torna-se uma alegria sem par São Paulo, em suas epístolas, o pronuncia 219 vezes, como se não pudesse saciar-se de ouvi-lo e repeti-lo.
Santo Agostinho escreve em suas confissões: O meu coração de criança era alimentado do nome do Salvador, ao mesmo tempo que do leite da minha mãe, e tudo o que lia, por tocante que fosse, nunca me pôde arrebatar sem este nome. (Conf. III. 4).
São conhecidos os cantos entusiastas e ternos de São Bernardo em honra do sagrado nome de Jesus; para ele, este nome era luz, alimento e unção.
Os Apóstolos e os mártires galgam, com delícias, o patíbulo da morte, pelo nome de Jesus. (Act. V. 41). Os santos o pronunciavam como e m êxtase e uns entre eles, como o Bem-aventurado Suzo, gravaram-no sobre o peito com ferro em brasa, ou aos golpes da lâmina cortante. Os moribundos exalam o último suspiro repetindo com amor, o brado de São João: - Vinde, Senhor Jesus - (Apocalipse .ft· 20).
II - NA ALMA DE CADA UM
Que sentimento deve inspirar-nos este nome?
A admiração, a gratidão ou a confiança?
Tudo isso, sem dúvida; mas sobretudo a confiança.
Nunca se pode ter demasiada confiança em Deus. Quando chamamos: "Em nome de Jesus" , "Em nome de Vosso Filho, - lembrando a Deus tudo o que Ele tem feito para nós Deus não pode desviar a cabeça. Sente-se comovido.
Ouvindo este nome, Deus vê surgir diante de Si esses quadros inefáveis da Encarnação, do nascimento, de Belém, de Nazaré, do Calvário, do Cenáculo e perante estas cenas, jamais Deus pode deixar de ouvir e atender aquele que O implora.
Aliás há uma promessa divina: - Qui invocaverit nomen Domini, salvus er it (Rom. 10. 13). Aquele que invocar o nome do Senhor será salvo.
O termo é positivo, não excluindo ninguém, nem pedido algum.
Deus, sem dúvida, pode fazer-nos esperar para experimentar a nossa confiança, porém, o pedido, de qualquer modo e forma por Ele escolhido, será atendido.
Armados com o nome de Jesus, tudo realizaremos na ordem da salvação.
Nada podemos de nós mesmos, nem sequer pronunciar, meritoriamente, o nome de Jesus, senão pelo Espírito Santo (a graça); lembremo-nos, porém, de que esta graça esta sempre à nossa disposição e é alcançada desde que pedida.
Existe na vida espiritual a lei admirável da colaboração divina, que faz que o homem nada possa por si e tudo somente com Deus; e considerada do lado de Deus, faz que Deus tudo possa por Si, mas nada faz na obra da santificação sem a colaboração do homem. O nome de Jesus traz em si a salvação, porém não salva senão pela cooperação daquele que pronuncia este nome divino, que é no dizer de São Bernardo : - luz, alimento e unção.
III - CONCLUSÃO
O nome de Jesus é, pois, um poder divino, que Deus coloca em nossas mãos, ou melhor em nossos corações, para que o invoquemos e façamos invocar pelos outros.
Façamos conhecer o poder deste nome divino, para que todos se aproveitem dele.
Este nome: Jesus - é para o coração do homem um ponto luminoso, uma estrela refulgente que lhe indica o céu.
Ó Deus, santificado seja o vosso nome sob o doce nome de Jesus!
Queremos repeti-lo às criancinhas, para ficarem puras e piedosas! Queremos repeti-lo à mocidade ardente, para que seja um ideal e um sustento para ela nas horas das lutas. Queremos repeti-lo aos aflitos e aos sofredores, para que lhes ensine a resignação e a confiança. Queremos colocar o suave nome de Jesus, sobre os lábios descoloridos e trêmulos dos moribundos, para neles reavive a fé, o arrependimento do passado e a esperança numa vida, que vai começar e que não acabará mais!
FESTA DA EPIFANIA
(6 de janeiro)
Não concordam os escritores quanto a data da chegada dos Reis Magos a Belém, nem quanto ao lugar, onde adoraram o Menino Deus.
Fôra ainda no estábulo, ou numa casinha menos miserável posta a seu uso pelos habitantes? Sem discutir a questão, a piedade prefere vê-los na gruta.
A tradição no-los representa sempre em número de três: Gaspar, Belchior e Baltazar Vinham da região do Eufrates, que conservava ainda a lembrança das predições feitas por Balaam, a respeito de um estrela milagrosa.
Tal profecia e aquela outra de Daniel, mais explícita ainda, espalhou-se entre os povos do Oriente, onde havia formado uma espécie de expectativa, que se transmitia às populações.
EVANGELHO (Mateus, II. 1 12):
1 - Tendo, pois, nascido Jesus em Belém de Judá, reinando o rei Herodes, eis que uns Magos chegaram do Oriente a Jerusalém,
II - dizendo : onde está o rei dos judeus que é nascido? Porque nós vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo.
III - E ouvindo isto o rei Herodes, perturbou-se e toda Jerusalém com ele.
IV - E convocando todos os príncipes dos sacerdotes e os Escribas do povo, perguntava-lhes onde havia de nascer o Cristo.
V - E eles disseram : - Em Belém de Judá, porque assim foi escrito pelo profeta:
VI - E tu Belém, terra de Judá, não és a mínima entre as principais de Judá: porque de ti sairá o chefe, que há de comandar Israel, meu povo.
VII - Então Herodes, tendo chamado secretamente os Magos, inquiriu deles, cuidadosamente, que tempo havia que lhes aparecera a estrela.
VIII - E enviando-os a Belém, disse: Ide e informai-vos bem acerca do menino e quando o encontrardes, comunicai-me afim de que também eu vá adorá-lo.
IX - E eles, tendo ouvido as palavras do rei, partiram; e eis que a estrela, que tinham visto no Oriente ia diante deles até que chegando sobre onde estava o menino, parou.
X - Vendo a estrela, ficaram possuídos de grandíssima alegria.
XI - E entrando na casa, encontraram o menino com Maria, sua Mãe, e prostrando-se o adoraram; e abrindo seus tesouros lhe ofereceram presentes (de) ouro, incenso e mirra.
XII - E tendo recebido aviso em sonhos para não tornarem a Herodes, voltaram, por outro caminho para o seu país.
DÉCIMA INSTRUÇÃO
OS REIS MAGOS
Enquanto os grandes acontecimentos de Belém iam entrando na sombra do passado, sem talvez sair do ambiente desta população operária, rural, outros fatos iam-se desenrolando, além das fronteiras de Israel , onde viviam os povos Persas, Árabes, Caldeus, que também esperavam a vinda de um Libertador.
O profeta Daniel havia dito: - Eu o estou vendo, mas Ele ainda não existe. Eu o contemplo, posto que ainda venha de longe. Uma estrela brilhará sobre Jacó, um cetro se levantará sobre Israel!
Os sábios traziam gravada na memória a lembrança deste vaticínio. E eis que um dia, três destes sábios, que a tradição diz serem reis, e que são intitulados "os Reis Magos", viram no firmamento essa milagrosa estrela, de grandeza e brilho maravilhosos.
Percorramos uns instantes a narração tocante do Evangelho de hoje. Tudo ali é suave, claro e cheio dos sentimentos mais nobres; vejamos:
I - A viagem dos Reis Magos.
II - A adoração ao Menino Jesus.
I - A VIAGEM DOS MAGOS
Um dia os três Magos avistaram, no firmamento, uma estrela extraordinária, enquanto uma voz interior lhes fez compreender que tal estrela indicava o nascimento do grande Rei, esperado pelos Judeus. Sentiam-se impelidos por urna força estranha a irem à presença deste Rei. Era o convite da graça divina.
Mil objeções nasciam naturalmente em seu espírito; eram reis, como deixar o reino? Eram sábios. como deixar os estudos? Nem sabiam o lugar onde devia nascer tal Rei. como conhecê-lo? Para que lado se dirigir? A quem pedir explicações?
A todas essas objeções a voz interior respondia que confiassem em Deus.
Não hesitaram mais; com boa comitiva que carregava os víveres e os presentes, a caravana pôs-se em marcha, enquanto brilhava a estrela, que lhes parecia indicar o caminho.
Vindo do extremo da índia, ou da Pérsia, como indicavam os seus nomes, ou ainda de Sabá Median , Efa, Tarses, ou também da Arábia ou Etiópia, conforme as profecias de Isaías (Is. 6 0 . 6) eles tinham que percorrer os imensos desertos, que separavam estes lugares de Jerusalém mas nada era capaz de desanimá-los, e após uns meses de viagem, ei-los de repente, defronte da cidade suntuosa de Jerusalém, guiados até ali pela estrela.
Ali a estrela desapareceu e fez acreditar aos Magos que tinham diante de si a cidade do grande Rei. Apressaram-se, portanto, em descer até à cidade, fazendo aos moradores uma pergunta, que se lhes afigurava tão natural: - Onde está o Rei dos Judeus?
O espanto foi geral. Ninguém conhecia tal Rei recém-nascido.
Até mesmo o velho Herodes, avisado das perguntas feitas pelos Magos, começou a tremer em seu palácio.
Foram logo consultados os príncipes dos sacerdotes e doutores da lei, que responderam a pergunta, citando a profecia de Miquéias: - Em Belém de Judá.
Herodes tenta dominar a sua inquietação. Fingindo querer também adorar o novo Rei, pede aos Magos que procurem, cuidadosamente, o Menino, e voltem para comunicar-lhe onde se encontra o lugar. Um novo assassínio estava decretado no espírito do velho criminoso. Saindo da cidade, a estrela apareceu de novo e conduziu os Magos até Belém, onde parou, dardejando seus raios sobre um ponto fixo, corno se quisesse dizer: - Aqui está aquele a quem procurais.
II - A ADORAÇÃO DO MENINO
Os Magos olharam, julgando encontrar qualquer palácio, mas não tinham diante de si, senão uma pobre choupana, ou a gruta miserável do nascimento. Não hesitaram: a sua fé não conhecia vacilações.
Desceram de seus altaneiros camelos e entraram na humilde casinha. Et intrantes domum.
Singular espetáculo para homens acostumados às grandezas e ao luxo. Admirável provação de uma fé, que lhes impôs tantos sacrifícios!
Um sinal no céu, meses e meses de viagem, (alguns pensam dois anos) Jerusalém perturbada, Herodes ansioso, tantas excitações nas promessas dos profetas, tudo isso termina numa choupana quase em ruínas, a criancinha e a jovem mãe, ambos simples, pobres, frágeis, semelhantes pelas aparências a todas as demais crianças e a qualquer jovem mãe!
Não havia outra alternativa possível, senão a de confessar a amarga decepção ou a de reconhecer um mistério divino, que ultrapassava toda concepção humana!
Pobres Magos, tinham que escolher entre uma imensa mistificação ou uma manifestação divina : ou tomarem de novo os animais e voltarem desiludidos para a sua terra ou então prostrarem-se de joelhos e adorar esta criancinha como o Rei, o Libertador esperado interiormente esclarecidos pelo Espírito divino, que os havia conduzido até ali, os humildes Magos não hesitaram; receberam a inteligência dos desígnios de Deus, que se escondem aos orgulhosos e se desvendam aos humildes, prostram-se com a fronte no pó da terra e adoram este menino como o Rei. O Deus, o Homem esperado, para salvar a humanidade. Os felizes viandantes do Oriente tiveram a intuição do sacrifício redentor. Viram mais ainda: compreenderam que nesta abdicação de toda glória, a beleza real deste novo Rei, se mostrava de certo modo, acima da sua própria grandeza, despojando-se dela. O esplendor divino, que até aí haviam adorado no sol, aparecia-lhes mais inteligível, mais radiante, mais expressivo nos traços humanos e delicados da Virgem Mãe, no frágil aniquilamento de Jesus.
Compreenderam o próprio Deus, enquanto Deus pode ser compreendido. Mediram a majestade do grande Rei, e pressentiram a intensidade e a extensão de seu sacrifício.
Abrindo os seus tesouros ofereceram o incenso ao Verbo Encarnado, o ouro ao herdeiro do reino divino, a mirra à vítima já assinalada para o sacrifício.
III - CONCLUSÃO
O exemplo dos Magos arrebata. Mas não basta admirá-lo: é preciso imitá-lo.
A primeira lição que nos dão é o desapego aos bens e às honras do mundo, deixando tudo para encontrar Jesus.
E nós, talvez somos dominados pela moleza, que quereria tudo fazer, mas nada faz.
A segunda lição é a confiança em Deus. Seguem caminhos longos e penosos, certos de encontrar o que Deus lhes revelou E nós, ao menor insucesso ficamos desanimados.
A terceira lição é o espírito de fé, que vê a mão de Deus em tudo, e tudo dispõe para o bem dos eleitos. Os Magos encontram Jesus sob as aparências mais contrárias a suas ideias. Pouco importa; prostram-se e adoram-nO como se O vissem em sua glória.
E nós paramos diante da maldade dos homens, revoltamo-nos quando as coisas não se realizam conforme os nossos desejos; e eis porque não encontramos o Menino Jesus com sua Mãe; não se manifestam senão àqueles que o procuram indicados pela estrela da fé. Peçamos, pois, aos santos reis Magos este desapego, esta confiança em Deus e este espírito de fé, que tanto os distinguiu em sua vinda a Belém.
11a INSTRUÇÃO
OS EXEMPLOS DOS REIS MAGOS
A criancinha, o Deus escondido na humilhação da carne e do presépio, fôra visitado primeiramente pelos pobres pastores. O Rei, o Sacerdote, o Profeta ia receber a visita dos Magos, a que a tradição cristã atribui qualquer coisa destes três títulos.
Trouxeram o ouro, que serve para pagar tributo aos reis; o incenso, que perfuma os altares e as mãos do sacerdote, e a mirra, que simboliza o sofrimento e as perseguições do Profeta. O exemplo dos Reis Magos, assim como os presentes, que ofereceram ao Menino Jesus, ficarão para sempre como regra e modelo de todos aqueles que Deus chama à luz e ao calor de seu amor. Percorramos esta suave cena:
I - Meditando esta regra.
II - Contemplando este modelo.
I - REGRA DOS CONVITES DE DEUS
Vinham da Pérsia ou dos países de Sabá, Median e Efa.
Eram reputados sábios. Os seus nomes significam Sacerdotes, na língua persa, e Grandes, nas línguas semitas.
A Igreja reconhece-lhes a tríplice auréola de sábios, sacerdotes e príncipes. Tinham os nomes de Belchior, Gaspar e Baltazar.
O Evangelho, na sua inspirada concisão, diz que tinham visto no Oriente a estrela do Rei dos judeus e tinham vindo adorá-lo. Qual era este augusto e surpreendente sinal?
São João Crisóstomo e outros exegetas pensam que era um dos anjos da milícia celeste, que aparecera, aos Pastores, manifestando-se depois aos Magos, sob a forma luminosa e resplandecente de uma estrela. Um ato de fé da parte dos Magos correspondera à irradiação do astro misterioso, como um ato de fé da parte dos Pastores havia feito eco ao concerto angelical. Os três Reis Magos puseram-se a caminho seguindo o astro luminoso, que lhes serviu de guia noturno. Chegados perto de Jerusalém, desaparecera aquele estranho sinal.
Entraram na cidade à procura de quem lhes, desse notícia do anunciado acontecimento.
Perguntaram: - Onde está aquele que nasceu, Rei dos judeus?
A primeira resposta foi a admiração, o espanto!
O Rei dos judeus era Herodes, tirano, ímpio, cruel e odiado pelo povo.
O Rei dos judeus era ele - e ai daquele que tivesse a ousadia de usurpar-lhe o título e as soberbas honrarias.
Apontaram, pois, aos Magos, o palácio do Rei da terra, quando vinham procurar o Rei do Céu.
A perturbação foi geral; Herodes, supersticioso e desconfiado, sentiu um arrepio de ódio. Mas, a situação era grave.
O prestígio dos Magos. o sinal visto no céu, valorizavam a pergunta por eles feita:
"Onde está aquele que nasceu Rei dos judeus?”
Herodes temeu perder o trono e ser substituído por este Rei nato dos judeus.
Sob pretexto de consideração para com os Reis Magos, convocou os chefes da nação judaica, os príncipes dos sacerdotes e escribas, para saber deles onde devia nascer o Messias.
A resposta não podia ser assunto de contestação:
"Em Belém de Judá" , conforme a profecia de Miquéias.
Herodes interrogou os Magos acerca do tempo e lugar onde lhes tinha aparecido o astro desconhecido. Suas intenções eram, evidentemente criminosas. Receando ser desmascarado, dissimulava.
Tomadas as informações precisas, faltava-lhe apenas a certeza de que havia nascido, em Belém, o Rei prometido.
Fingindo-se comovido pela narração e atraído pela simpatia ao recém-nascido, ofereceu aos Magos os seus préstimos para melhor assegurar-se da verdade dos fatos. Mandou-os a Belém com a missão de se informarem cuidadosamente de tudo que dizia respeito ao Deus Menino, pedindo que, encontrando-o, voltassem a avisá-lo para que ele também pudesse ir adorar o Messias.
Os Magos, de nada suspeitando, anuíram aos desejos do déspota, e saindo da cidade, tomaram a direção indicada.
II - O MODELO APRESENTADO
Neste momento apareceu-lhes a estrela milagrosa. Seguia, suavemente, a direção de Belém.
Chegada ao termo, parou sobre a gruta onde repousava o Menino Deus.
Espetáculo singular para homens acostumados a contemplar a grandeza cercada de luxo. Provação suprema e admirável da fé, que lhes tinha feito empreender viagem tão longa, guiados pela aparição duma estrela. Sendo pagãos, a ideia natural, que tinham do Messias e que tinham os próprios judeus era de um grande Rei, um Conquistador, um homem de gênio, que dominaria todos os Impérios e homens.
Os Magos pensavam encontrar, pois, um rei verdadeiro, cercado de glória e majestade, descendente da estirpe gloriosa de Davi, que retomaria em mão o cetro caído das mãos de seus antepassados para estendê-lo sobre o mundo inteiro, e com ele governar todas as nações.
Repletos destes pensamentos de grandeza e de poder, os Magos encontram a primeira desilusão na ignorância de Herodes acerca do nascimento deste grande Rei: e apesar das indicações da estrela, a destruição completa destas ideias ao verem-se de repente, numa cidade rústica, diante duma miserável gruta.
Estes homens admiráveis não se deixaram levar nem enganar pelas aparências, mas compreenderam que, se o luxo e a grandeza são o apanágio de qualquer rei, o Grande Rei, porém, o Salvador deve superar este luxo e esta grandeza.
Os potentados da terra são escravos do luxo e da majestade; são dominados por estes títulos mas não os dominam. O Grande Rei deve dominar tudo isso e por isso estar acima de tudo, livre e desapegado de tudo; o que só se faz pela pobreza, miséria e esquecimento.
São ideias divinas, contrárias às ideias humanas.
Por isso, sem hesitação, sem admiração, mas com naturalidade perfeita entram na gruta, encontram o Menino nos braços de sua Mãe; prostram-se por terra, adoram o grande Rei, sob aparência de frágil criancinha e veneram a grande Rainha sob o exterior humilde. Aclamam o poder divino, através do véu da pobreza e da miséria.
Compreenderam o Deus - porquanto Deus é compreensível - entreviram a Majestade do Rei supremo pressentiram a imensidade do seu sacrifício. E, abrindo seus tesouros, ofereceram ao Deus humanado, o incenso; ao herdeiro de Deus, o ouro; à vítima divina, a mirra. E a Virgem Imaculada, nesta atitude meditativa, lhes sorria e apertava ao seio o seu Filho, que era também o Filho de Deus, seu próprio Deus e Filho.
III - CONCLUSÃO
Em permuta de seus presentes, os Magos receberam conforme narra a tradição - as graças, que simbolizavam os seus presentes.
O ouro, o incenso e a mirra simbolizam as três virtudes, que constituem o espírito evangélico: a caridade, o espírito de oração e a mortificação dos sentidos.
Tornaram-se os primeiros apóstolos de seu país. Documentos antiquíssimos dizem que um deles acompanhou São Tomé às índias.
Pensa-se que os três foram martirizados pela fé cristã.
Seus corpos reunidos em Constantinopla, foram, mais tarde, transferidos a Milão, e no século XII para Colônia, onde se veneram até hoje os restos mortais daqueles que, tão abnegadamente, deixaram bens, posição e terras para visitar e adorar o Filho de Deus, baixado do céu num miserável presépio. A grandeza nunca é maior e mais sublime do que quando sabe despojar-se voluntariamente de seus raios, fazer-se pequena e acessível aos outros!
É o que fez Jesus Cristo, e o que souberam imitar os Reis Magos.
12a INSTRUÇÃO
OS REIS MAGOS EM CAMINHO
O exemplo dos Reis Magos está repleto de lições práticas para a nossa vida que convém relevar algumas delas.
Admiremos-lhes o desapego, a confiança, o espírito de fé:
Procuremos imitar a sua generosidade.
Prosseguir caminho sob os resplendores da estrela, torna a jornada fácil e suave; a estrela, porém, pode desaparecer, como desaparecera para eles; então é a provação.
Saber caminhar na provação, com a mesma confiança de quando se caminha sob o resplendor da estrela da fé, é a lição prática para todos nós.
Vejamos um instante como fizeram os Magos e como devemos fazer nas provações, examinando:
I - O caminho através do desconhecido.
II - O caminho sem estrela.
I - O CAMINHO ATRAVÉS DO DESCONHECIDO
Os Reis Magos, seguindo a indicação da estrela, nem sabiam para onde iam: aventuraram-se em caminhos ignotos. A nossa vida, também, é uma estrada desconhecida. Chegaremos ao término? quando? em que estado? Mil perguntas nos assaltam. Por que tentar responder a elas? Vamos para onde Deus nos chama. A sua estrela nos apareceu um dia.
É sua vontade manifestada, não milagrosamente, como para os Magos, mas seguramente, pela reflexão, a oração, o conselho de nosso diretor ou confessor. O desconhecido para os Magos eram as vastas regiões, que deviam atravessar: vales, montes, rios, florestas e desertos. A duração desta viagem, conforme o lugar donde partiram, talvez tivesse sido de um ano ou mais, porém, nunca disseram: - É muito longe! quando chegaremos lá?!
As diversas intempéries das estações não os desconcertaram, os perigos deixaram-nos calmos e confiantes. É que eles sabem estar, plenamente, fazendo a vontade de Deus.
Deus é o ordenador de tudo: por que inquietar-se?
Nada acontece sem o seu consentimento; por que desconfiar dEle?
Ele é nosso Pai; por que desejar conhecer os seus desígnios?
O que Ele quer é o nosso maior bem. Que pensar dos Magos, se descurando de seguir a estrela, se deixassem absorver pelos mil acidentes das estradas, pelo medo dos perigos, pelo aborrecimento de um caminho, que se prolongasse indefinidamente?
Que devemos, pois, pensar de nós?
Por que esta ansiedade, esta tristeza, estes desejos apressados, esta inquietude persistente? A razão é que não fitamos bastante a estrela da vontade divina. Consideramos demais as contingências humanas.
É preciso que conservemos, ao longo do caminho, esta confiança da partida, que outrora, talvez, nos dava tanta alegria e tanta força.
Nada foi mudado senão nós mesmos. Perdemo-nos à vista das coisas humanas. Não marchamos sob a direção da estrela da fé; às vezes lembramo-nos dela vagamente.
II - CAMINHO SEM ESTRELA
Depois de terem transposto espaços imensos, os Magos encontraram-se num país desconhecido. Pouco lhes importara - a estrela avançava com eles.
Eis, entretanto, que de repente, procuram-na e não mais a encontram. Para onde ir? Que fazer? São estrangeiros e veem-se longe da pátria. A quem confiar seu destino? Tinham tudo a recear - Deus os teria abandonado?
Não, não! É a provação; Deus parece abandoná-los um instante, para entregá-los à própria iniciativa. Os meios divinos desapareceram... recorreram então aos meios humanos. Consultaram os habitantes. Estes os conduziram ao rei.
O rei convocou os sábios. Destes concursos naturais jorrou a luz! O grande Rei devia nascer em Belém de Judá. E Belém estava distante apenas duas horas de marcha, mais ou menos.
como explicar o desaparecimento da estrela? Por que Deus não os conduziu até ao termo da viagem?
São perguntas que a fé viva dos Magos não faz sequer a si mesmos.
Cabe a Deus dirigi-los, ora pela luz duma estrela, ora pelas indicações dos homens: pouco importa! Ele é o Mestre, e os Magos tem nEle confiança cega: partem, pois, com plena certeza de alcançar a meta. Apenas deram alguns passos, e a estrela apareceu de novo no firmamento. Deus quer recompensar a sua iniciativa prudente, ativa e confiante.
Tal é, muitas vezes, a nossa situação. Depois de ter empreendido tal obra por inspiração divina, ou resolvido tal progresso, depois de ter marchado à luz penetrante duma estrela divina, eis que, de repente, ficamos envolvidos nas trevas: o presente, o futuro, tudo se nos apresenta obscuro, e ficamos a sós, como abandonados por todos, e entregues à nossa iniciativa pessoal.
Era tão doce deixar-se conduzir, e ver diante de si um caminho já traçado tudo desapareceu. Por que estas trevas? Por que?
Para desenvolver as nossas próprias qualidades. Pelo costume da obediência, tínhamos, talvez, perdido a iniciativa pessoal , a coragem e Deus deixa de nos guiar de um modo, para orientar-nos de outro; mas é sempre Deus.
III - CONCLUSÃO
A exemplo dos Magos, tenhamos sempre os olhos fixos na estrela da vontade divina.
Se ficamos lânguidos, hesitantes, incertos, é que estamos olhando demais para as contingências humanas, para as dificuldades, as oposições: falta-nos a confiança em Deus.
A estrela brilha sempre em cima de nossas cabeças, mas é preciso fitá-la; ela se manifesta sob a forma de um dever, que se impõe, de um ordem legítima, de uma inspiração recebida na oração.
A estrela divina pode desaparecer, mas Deus a substitui por outra, humana, talvez, para nós. Procuremos o nosso caminho mesmo às apalpadelas!
Deus, o tempo, os esforços eis os três elementos, que sempre trazem o sucesso.
13a INSTRUÇÃO
OS MAGOS DIANTE DE JESUS
Os Reis Magos terminaram a sua longa viagem, guiados pela estrela milagrosa, e ei-los na humilde ermida de Belém, diante duma criancinha e sua mãe.
Quais foram as impressões dos santos Reis perante o Menino Jesus, tão pobre e tão divinamente belo?
Vendo a sua adoração imediata e os presentes, que lhe ofereceram, logo se reconhece o seu espírito de fé. É este espírito de fé que forma a base do espírito religioso, como a ausência forma a base da indiferença. Contemplemos este espírito de fé dos Magos:
I - Em seu encontro com o Menino Deus.
II - Na formação do senso sobrenatural.
I - ENCONTRO DO MENINO DEUS
Para conhecer bem os sentimentos dos Magos ao encontrarem o Menino Jesus, precisamos conhecer as suas disposições primeiras.
Tais disposições eram as dos orientais, para os quais o luxo fazia parte da dignidade, e o poder participava da nobreza. E eis que encontraram em Belém pobreza e fraqueza.
Entretanto, nem uma palavra de desilusão - ou de espanto de seus lábios. Sente-se que estão dominados por outros pensamentos mais elevados; houve neles uma ação de conversão progressiva, criando uma espécie de senso cristão.
A alma dos Magos estava bem disposta, dócil, humilde, e iluminada por Deus, havia formado um novo ideal, feito de desapego, de pobreza, de paz e amor.
Eles compreenderam pela reflexão, durante as longas horas da viagem através dos desertos, que há um reino de Deus na terra, no qual todos são irmãos: pobres e ricos, em caminho para um reino divino, na glória, que deve começar já aqui na terra, pelo reino de Deus entre os homens.
E aqui, na humildade e na pobreza, acabam de encontrar o grande Rei: grande pela humildade, sublime pela pobreza, divino pela pureza.
Compreenderam tudo: a estrela não foi somente luz para os seus olhos, mas também para a sua alma. Ei-los, pois, conforme o costume oriental, inclinados até ao chão, com a fronte no pó da terra.
É para adorar o Menino que vieram de tão longe e este momento de adoração compensa-os ao cêntuplo. A graça interior mostra-lhes neste pequenino ser, um Deus verdadeiro, o único Deus, imenso e onipotente. Perto deles, Maria e José, transfigurados, parecem-se com os dois querubins de ouro, que, por ordem de Deus, foram colocados ao lado da arca da aliança... Estáticos, eles estendem as asas sobre esta cena, que não é da terra.
II - O SENSO SOBRENATURAL
Para compreender as coisas de Deus, é preciso que a mentalidade do homem seja transformada. Em consideração à natureza, o homem enxerga apenas pelos sentidos, e não sabe elevar o seu olhar acima da matéria. Julga as coisas pelas aparências, e as procura conforme os seus interesses.
Se possui um pouco de ciência, facilmente desdenha a fé.
Se vive na opulência, nela se aprisiona e torna-se egoísta. Se é ignorante e pobre, alimenta-se de inveja e ódio.
Em resumo: o orgulho, a sensualidade, o amor às riquezas foram sempre os grandes perturbadores da ordem.
Corno libertar-se deste jugo? Substituindo-o por urna mentalidade oposta, feita de humildade e sacrifício. É o que nos ensina o exemplo dos Magos.
A) São homens de vida interior, sabem fitar o céu, sentem a necessidade de Deus e da oração. É a primeira disposição para adquirir o senso sobrenatural.
B) A segunda disposição é a fidelidade à graça. Desde a aparição da estrela, os Magos puseram-se a caminho, continuando até ao fim, consultando sempre a estrela, sem desanimar, nem pela extensão do caminho, nem pelas dificuldades sempre renascentes.
C) A terceira disposição é a docilidade em admitir verdades, que a simples razão não explica, mas que Deus manifesta.
Chegados perante o mistério de um Deus pobre e fraco, os magos prostram-se e adoram. o Menino, com fé sincera.
A sua fé apoia-se na manifestação da estrela. Seus preconceitos dissiparam-se e consequentes com a sua fé, em face do exemplo de um Deus, eles penetram o sentido da humildade e do sacrifício.
como é raro ver os homens inclinarem-se diante das provas mais convincentes, mas que não se apoiam sobre a simples razão, e sim sobre a palavra divina.
Encontram-se, bastantes vezes, homens convencidos do erro em que vivem, mas não querendo voltar atrás, para não darem o braço a torcer, como se diz vulgarmente. Falta lhes o senso da humildade.
III - CONCLUSÃO
Os incréus de hoje não tomam o tempo para refletir; procuram a verdade sem atenção, sem ordem, sem persistência, fiando-se em seus próprios esforços e não em Deus. Ora, a fé é um dom; porém este dom pode ser merecido e conquistado.
O espírito de fé é uma espécie de senso sobrenatural, que a razão não possui e que a ciência não dá: É um senso sobrenatural divino, que só Deus pode criar em nós.
Para criá-lo, Deus exige a cooperação dos desejos, dos esforços e das súplicas.
Com este senso sobrenatural encontraremos Jesus em toda parte: no céu, no Tabernáculo, no próximo, em nossa alma, e como os Magos, em toda parte poderemos adorá-lo.
FESTA DA SAGRADA FAMÍLIA
PADROEIRA ESPECIAL DA LIGA CATÓLICA
(Primeiro Domingo depois da Epifania)
O culto da Sagrada Família veio na época oportuna, para reagir contra os elementos dissolventes da família cristã.
O culto do Sagrado Coração de Jesus é o culto da misericórdia.
O de Maria Santíssima é o da confiança.
O da Eucaristia é o do amor.
O da Sagrada Família é o culto familiar.
"É com razão, escreveu o Papa Leão XIII, que o culto d a Sagrada Família foi introduzido no meio dos católicos, tomando dia por dia mais extensão. Não se pode imaginar coisa mais salutar e mais eficaz para as famílias, que o exemplo da Sagrada Família, o qual encerra a perfeição de todas as virtudes domésticas".
Num breve datado de 14 de Junho de 1892, S.S. Leão XIII instituiu a Associação universal das famílias cristãs, sob o título de "Associação da Sagrada Família".
Já em 1844, na Bélgica, havia sido lançado o fundamento da "Liga Católica", pelo Capitão Belletable, sendo aprovado pela Santa Sé em 1847. Esta associação tão bem dirigida pelos padres Redentoristas, está hoje espalhada em quase todas as cidades do Brasil, contando milhares e milhares de associados e fazendo um bem imenso no meio do povo.
Janeiro é o mês consagrado à Sagrada Família (1).
(1) Ver o nosso livro: "Ensinamentos de Nazaré", ou Mês prático da Sagrada Família.
EVANGELHO ( Lucas II. 42-52):
42 - Naquele tempo quando Jesus chegou à idade de doze anos, subiram seus pais a Jerusalém, segundo costumavam por ocasião daquela festa.
43 - Acabados os dias, quando voltaram, ficou. O Menino Jesus em Jerusalém, sem que seus pais o soubessem.
44 - E julgando que fosse na comitiva, caminharam uma jornada, e procuraram-no entre os parentes e conhecidos.
45 - E não o encontrando, voltaram a Jerusalém em busca dele.
46 - E aconteceu que três dias depois o encontraram no templo, sentado no meio dos doutores, ouvindo-os e interrogando-os.
47 - E todos os que o ouviam, estavam maravilhados de sua sabedoria e das suas respostas.
48 - E quando o viram, admiraram-se. E sua Mãe disse-lhe: Filho, por que procedeste assim conosco? Eis que teu pai e eu te procurávamos cheios de aflição.
49 - Respondeu-lhes Ele: Para que me buscáveis?
Não sabíeis que devo ocupar-me nas coisas de meu Pai?
50 - E eles não entenderam o que lhes disse.
51 - E desceu com eles e foi a Nazaré, e era lhes submisso. E sua Mãe conservava todas estas coisas no seu coração.
52 - E Jesus crescia em sabedoria, em idade e em graça diante de Deus e diante dos homens.
14a INSTRUÇÃO
A FAMÍLIA DIVINO-HUMANA
Que suaves lembranças suscita o nome de Nazaré!
É ali que viviam Jesus, Maria e José. É ali que os anjos um dia contemplaram, num lar perfeito, a união mais suave, o amor mais puro que podem reinar nas famílias e nas almas.
É certo que a Família de Nazaré foi toda sobrenatural, porém, o sobrenatural não destrói, mas aperfeiçoa o natural. O sobrenatural derramando os seus raios sobre uma família, parece o sol iluminando a natureza : embeleza e aquece.
Contemplemos um instante estes dois elementos da Sagrada Família de Nazaré:
1 - O elemento humano.
2 - O elemento divino.
1 - O ELEMENTO HUMANO
Estamos acostumados a contemplar a Jesus isolado, em sua Pessoa de Salvador adorável, seja no presépio, seja o suave adolescente da oficina, ou o Mestre divino em sua vida pública ou sofredora.
É necessário aproximar às vezes de Jesus neste quadro luminoso de Nazaré, a Virgem Santa e São José, pois nada é mais atraente do que o espetáculo de uma família ideal, onde tudo é sinceridade, desinteresse, ternura e amor.
Todos nós sentimos o atrativo de uma tal família, porém, elas são tão raras neste mundo de misérias!
Mas não exageremos o sublime quadro, dando-lhe unicamente cores sobrenaturais; havia também, cores da natureza.
Há pessoas que representam a Sagrada Família, como três estátuas esculpidas no mármore, belas, mas frias; expressivas, mas mortas. São três cabeças aureoladas de ouro e olhos fitas no céu, e não deixando esta atitude senão perante o mundo exterior, perante os estranhos, retomando-a logo que se encontram a sós, de portas fechadas.
Tudo isso é belo, é grande, é sobrenatural, porém, não é humano.
O Evangelho bem meditado deixa entrever uma outra cena.
A humanidade de Jesus não é um adorno, é uma realidade viva: não é uma qualidade passageira, é um estado fixo, permanente, que se manifesta nas trevas da noite, como no clarão do pleno dia.
Jesus aceitou todas as consequências desta humanidade, e si, às vezes, como no Tabor, afastou o véu que escondia a sua divindade, não foi senão de passagem e por um milagre. Ora, em frente de uma regra, o milagre permanece uma exceção.
Falando da infância de Jesus o Evangelho diz apenas que: Ele era submisso a Maria e a José (Luc. II. 51).
É, pois, de Maria e de José que Jesus recebia diariamente ordens e conselhos; é deles que tudo aprendia, é graças à suas lições e a seus cuidados que Jesus crescia em idade e em sabedoria.
Mais tarde, durante os três anos de seu ministério, Jesus vivia a nossa vida, partilhava as nossas refeições, nossas fadigas, nosso repouso.
Os fariseus o censuravam de não praticar as austeridades de João Batista, isto é, que se assemelhava demais a nós.
Jesus era homem. Em Nazaré era menino, adolescente, tendo deste estado todos os encantos e todas as necessidades.
II - O ELEMENTO DIVINO
Não devemos representar-nos Nazaré, como uma família muda e glacial, alheia a nossos sentimentos.
Oh! Neste caso, para ser perfeito, cumprindo os nossos deveres, seria mister tornar-nos insensíveis às alegrias da convivência!
Precisávamos guardar silêncios prolongados, multiplicar sempre as nossas orações, e passar neste mundo, corno urna sombra no meio dos vivos...
Não ! Tal não é o ideal de Nazaré!
Jesus fez tudo bem feito, isto é, cada coisa conforme suas leis.
As suas afeições e até os seus menores atos estavam saturados do elemento divino, mas conservavam o encanto e a beleza do humano.
Jesus era as delícias de Maria e José.
José foi para ele um pai, pelo cuidado, vigilância e amor.
Quanto a Maria era urna mãe, mãe verdadeira conforme a natureza e a graça. É tão doce contemplar Jesus neste quadro delicioso da afeição familiar. Ele é corno um de nós, até na própria família. Neste ambiente Jesus torna-se mais acessível a nossos pensamentos, a nossa imitação e mais atraente ao nosso coração.
A nossa vida é toda vulgar e composta de mil pequeninas coisas que parecem não ter valor. Lembremo-nos, de que Jesus durante sua vida escondida, perto de Maria e de José, salvava o mundo, expiava o pecado, nos reconciliava com seu Pai, tão bem como quando percorria a Palestina pregando o reino de Deus, ou quando se entregava aos algozes para sofrer os tormentos da sua paixão.
Tudo é grande quando é feito por amor de Deus, como tudo é pequeno quando falta este amor. As grandes almas mostram-se grandes até nas pequenas coisas, enquanto as almas pequenas mostram-se pequenas até nas grandes coisas.
É o elemento divino que eleva, enriquece e valoriza as pequenas coisas.
III - CONCLUSÃO
Fitemos de vez em quando, o quadro encantador e eloquente da Sagrada Família. Nós também, além da nossa vida particular, privada, interior, ternos que sujeitar-nos às exigências da vida social. Pode, às vezes, ter o seu fundamento, o acusarem as almas piedosas de insaciáveis, e egoístas. Não, a piedade, o amor de Deus não estreitam, mas dilatam as almas e os corações.
As almas piedosas deviam ser na convivência social, mais amáveis e mais alegres que aqueles que só vivem para si, para o mundo, senão para o mal.
A lembrança de Deus na vida humana, é um raio de sol , que a ilumina e aquece. como Jesus, as criancinhas devem submissão a seus pais, mas uma submissão alegre e expansiva.
As mães devem ser cuidadosas, vigilantes, porém, de uma vigilância cheia de ternura como a da Virgem Santíssima. Os maridos devem ser ativos, zelosos, mas de uma atividade ponderada, que coloca em primeiro lugar os interesses de Deus e a obediência à lei divina, como fazia São José.
Jesus, Maria, José, eis a família ideal, humana e divina, vivendo para Deus, no meio dos homens, fazendo tudo bem feito para agradar a Deus e aos homens.
15a INSTRUÇÃO
A UNIÃO DE NAZARÉ
Nazaré é a família ideal, é modelo que deve ser reproduzido o mais possível pelas famílias que aspiram a realizara união que faz a felicidade de um lar ou de uma comunidade.
A união da família é a fonte da paz e da virtude.
É por falta de examinar uma família modelo que tantas famílias periclitam, desagregam-se.
Examinemos hoje, na família:
I - As condições da sua união.
II - Os ensinos da Sagrada Família.
I - AS CONDIÇÕES DA UNIÃO
Cada família é uma pequena sociedade, e até a mais bela de todas as sociedades.
Ora, uma sociedade é o agrupamento de diversas pessoas, unidas pelos laços da mesma natureza, e dirigidas por uma hierarquia.
Nas famílias, o agrupamento não é fortuito; é o desabrochar de várias vidas numa única haste, resultando a sua hierarquia da ordem, na qual se produz este desabrochamento: há a raiz e o tronco, os ramos e as flores: todos vivificados pela mesma seiva, que os anima.
Uma comunidade religiosa goza da mesma união, porém, não baseada sobre a natureza, mas sobre a graça e a escolha divina. Uma comunidade é uma verdadeira família espiritual, sobrenatural, formada por Deus, pelo que se chama: a vocação.
A união é a grande força da família.
Para conservar e fortificar esta união, Deus deposita em cada um de seus membros um instinto de aproximação, que se chama o amor paternal. maternal e fraternal.
Infelizmente, à medida que a família cresce em número, a personalidade de cada membro se desenvolve igualmente, e aos interesses comuns, vão-se sucedendo interesses pessoais, que a dividem, e às vezes a separam. O egoísmo é, pois, o grande inimigo da união da família. Este egoísmo desagrega o centro primitivo, para construir centros separados.
Outros elementos de desunião vão brotando deste elemento dominante: são as divergências de ideia, de gostos, de caráter e de hábitos.
Juntemos a estes elementos os defeitos de cada um: os defeitos pessoais, que nós diminuímos facilmente; os dos outros, que alargamos maliciosamente, e eis a desunião em vez de união, a luta em vez da paz, o desgosto em vez da felicidade.
Ah! se soubéssemos afastar da família este terrível e desastrado egoísmo; se soubéssemos colocar acima dos nossos interesses pessoais os da família; a sociedade de hoje não se debateria numa crise quase sem remédio, que a avassala e perde tão desastradamente.
Conhecemos o mal. Contemplemos agora em sua ideal beleza, a família, que soube, completamente, remover este mal, e conservar-se modelo entre todas as famílias e para todos os seus membros.
II - OS ENSINOS DA SAGRADA FAMÍLIA
Conhecendo a base da família e o seu mal. Ser-nos-á fácil analisar os sublimes ensinos, que nos dá a S. Família, reduzindo tudo aos três pontos seguintes:
a) as mesmas ideias
b) os mesmos gostos
c) o mesmo caráter
IDEIAS. Jesus, Maria e José tinham as mesmas ideias a respeito de todas as coisas. Hauriam-nas na própria fonte da verdade, da sabedoria, e da justiça, em Deus, que era a sua luz e o seu guia. A concordância das ideias religiosas entre os membros de uma família é fator preponderante na união e na paz. Divergências secundárias atenuam-se sob a influência das ideias religiosas, enquanto nestas, tal divergência é fonte perene de amargura e de sofrimento.
GOSTOS. A conformidade dos gostos é outra fonte de união.
Em Nazaré, os gostos de Maria e de José eram os de Jesus. Nossos gostos dependem menos de nós do que as nossas ideias. As ideias vêm do estudo, da reflexão e do ambiente.
Os gostos resultam do temperamento de cada um.
Não depende de nós ressentir tal ou tal gosto, porém, depende de nós ordenar este gosto, e pouco a pouco, modificá-lo. Não é permitido sacrificar ideias justas, mas é necessário sacrificar às vezes, gostos, embora excelentes.
Querer que os outros adotem nossos gostos é, muitas vezes, perigoso; pode até ser desastroso; mas adotar os gostos alheios é prudente e, bastante vezes, virtuoso. Aliás, diz S. Francisco de Sales, é coisa mais rápida.
CARÁTER. O que dissemos dos gostos pode-se dizer do caráter. Há, entretanto, uma diferença: o caráter pode ter defeitos e todo defeito é um mal, e este mal é inimigo da união dos corações; logo deve ser corrigido. Estes defeitos são: a vivacidade, a rudeza, o mau humor, o rancor, o espírito de contradição, a susceptibilidade, a teimosia, a falta de delicadeza, de ordem e de pontualidade. É, a lista longa das misérias humanas. Nada disto existia em Nazaré.
Ali, um vivia para o outro. Cada qual procurava agradar ao outro: o caráter era o mesmo para todos os três: bondade e dedicação.
Se alguém houvesse peguntado a Maria ou a José o que desejavam, eles teriam respondido: agradar a Jesus. E se houvessem perguntado o mesmo a Jesus, Ele teria respondido: agradar a Maria e a José!
III - CONCLUSÃO
Um olhar prolongado sobre a Sagrada Família em Nazaré, muito nos há de ensinar. Essa visão encantadora nos incutirá o gosto de imitar esta vida toda dedicada aos outros.
É impossível representar-se Maria e José ocupando-se dos seus próprios interesses e não dos de Jesus. Esquecidos de si mesmos, sua única ocupação era trazer o seu espírito, coração e olhos sempre atentos aos menores desejos ou necessidades dos outros.
Viver para si: é estreitar-se e tornar-se pequenino.
Viver para os outros: é alargar-se, é tornar-se grande.
Meditemos, de vez em quando, a vida suave, a união sem nuvens, a dedicação mútua de Jesus, Maria e José em Nazaré, e pouco a pouco, sentiremos a necessidade de imitar estes belos exemplos, procurando semear em redor de nós, a dedicação e a alegria, fruto da união dos corações, a qual deve reinar em toda família natural ou espiritual.
16a INSTRUÇÃO
AS AFEIÇÕES DE NAZARÉ
Os Atos dos Apóstolos, numa frase divina, traçam o programa das famílias e das comunidades, quando dízem dos primeiros cristãos, que formavam um coração e uma alma - Erat cor unum. et anima una (Act. IV-32).
Esta palavra resume, admiravelmente, a vida familiar de Nazaré. O coração de cada um dos membros da Sagrada Família pertencia aos outros pela afeição:
Meditemos aqui este traço de união, considerando :
I - O seu exercício exterior
II - A sua fonte interior
I - O EXERCÍCIO EXTERIOR
Representando-nos a casinha de Nazaré, vemo-la toda resplandescente, apesar de sua pobreza, toda ardente, apesar da nudez de suas paredes. Afeições doces e sorridentes irradiam de todos os recantos, conservando entre seus felizes habitantes, uma doce e suave alegria.
Deixemos Belém. Deixemos os primeiros anos e consideremos Jesus na idade, em que a sua personalidade começa a destacar-se.
Ele tem 7 anos, está repleto das graças da infância.
É impossível vê-lo sem amá-lo; e a afeição, que suscita, é saturada de veneração.
Em pé desde os primeiros albores do dia, ei-lo que se junta a Maria e a José, que o esperam.
- Meu filhinho, meu querido Jesus, exclama Maria, abrindo os braços; e o Menino, de longa e loura cabeleira que parece formar uma auréola em redor de seu semblante puro e sorridente, vai apoiar a fronte sobre o peito da Mãe, da Mãezinha querida, esta fronte alva, esta fronte divina, sobre a qual se depositam com delícias os lábios virginais e amorosos daquela Mãe.
Seus olhares encontram-se, exprimindo toda a ternura de sua alma.
José espera, mas não em vão, pois ele também dará e receberá as carícias daquela divinal criança e contemplará aquele olhar, que fala.
Tal olhar, sem dúvida, não pode dizer tudo o que diz a Maria, porém ele enche a grande alma e o coração do justo José. Que momentos de suprema felicidade!
E estes momentos renovam-se a cada ocasião, que suscita uma saída ou uma volta, uma serviço pedido ou prestado. Tais ocasiões eram numerosas, pois nas famílias pobres, a criança se faz o auxiliar da mãe e torna-se, gradualmente, o aprendiz do ofício paternal.
Era-lhes submisso, diz o Evangelho; donde se deve concluir que Maria e José lhe ordenavam, o instruíam, o formavam.
Jesus devia tudo aprender, tal um menino, que nada sabe. De fato, em seu pequeno cérebro humano, operava-se um trabalho, desenvolvia-se a ciência experimental, como acontece às outras crianças.
Jesus sabia tudo pela divindade, mas adquiria experimentalmente o que conhecia já divinamente. A ação de Maria e de José não era uma simples aparência, e a aplicação de Jesus não era uma simulação complacente. Seus progressos eram reais, donde nasceram, para os santos esposos, novas alegrias; e para o Menino Jesus novas expressões de gratidão a cada ensino recebido.
II - A FONTE INTERIOR
A afeição entre os membros da Sagrada Família não é, simplesmente, um fato: é um modelo a imitar. Jesus quis viver, em todo o seu rigor, a condição de todo homem vindo a este mundo; e nem sequer se apartava desta vida comum, em segredo, perto de seus pais.
Não devemos imaginar que ele se colocava diante de Maria e José, como sobre um altar, para receber as suas adorações. Era ele mesmo que se inclinava com respeito, sendo-lhes submisso em tudo! Se a adoração destas duas grandes almas não se manifestava exteriormente em genuflexões, constituía, interiormente, a sua atitude contínua. Todos os seus sentimentos e atos eram como inspirados por este espírito de respeito e de adoração. Na pessoa de Jesus eles viam Deus, e para não prostrar-se a seus 'pés, era-lhes preciso a ordem e a graça divina.
Representemo-nos, às vezes, estas cenas íntimas; não é uma ficção, é uma simples constituição do passado. Vejamos Jesus ajudando Maria nos serviços domésticos. Com quanta graça ele procurava evitar a sua Mãe uma fadiga e prestar-lhe os serviços a seu alcance varrendo, atiçando o fogo, preparando lenha, etc., etc. Sigamo-lo na oficina de José: quer aprender o manejo de cada instrumento, faz uns ensaios bastante informes no começo, mais perfeitos, pelo decorrer do tempo. É fácil representar-se a atitude de uns e de outros. A admiração, o respeito, a ternura, a alegria dos pais... como a simplicidade, docilidade do Menino, e os sorrisos que acompanharam estes atos. Nunca houve o mínimo desacordo: vivem dos mesmos pensamentos e dos mesmos sentimentos. Nunca uma repreensão: a razão é simples: eram perfeitos.
Nunca um esquecimento, uma falta de atenção: amam-se tanto! Cada um sonha com o outro, vive para o outro.
III - CONCLUSÃO
Tal é a doce afeição, que envolvia a Sagrada Família.
O amor mútuo substituía o egoísmo nestes corações de justos. É um modelo: procuremos reproduzi-lo, senão com a perfeição de Nazaré, pelo menos com o esforço de cada dia, para que o mundo, vendo a união das famílias católicas, repita o que os judeus disseram do divino Mestre: Vejam como o amava!
Para alcançar esta união, este amor mútuo em nossas respectivas famílias, duas condições são necessárias:
a) cada um deve procurar ser mais atencioso, mais afetuoso para com os outros.
b) Ver e amar a Jesus na pessoa de cada um deles.
Tal amor, natural em si, mas sobrenaturalizado pela presença mística de Jesus, será sólido, duradouro e será uma fonte de felicidade nas famílias.
SÃO SEBASTIÃO
(20 de Janeiro)
EVANGELHO (Lucas VI. 17-24)
17 - Naquele tempo, descendo Jesus da montanha com os seus Apóstolos, deteve-se na planície, Ele e a comitiva de seus discípulos, e uma grande multidão de povo de toda a Judeia e de Jerusalém, e da região marítima de Tiro e de Sidônia.
18 - que tinham vindo para o ouvir, e para ser curados das suas doenças. E os que eram vexados pelos espíritos imundos, ficavam sãos.
19 - Todo o povo procurava tocá-lo: porque saía Dele uma virtude, que os curava a todos.
20 - Levantando os olhos para os seus discípulos, dizia : Bem-aventurados vós os pobres: porque vosso é o reino de Deus.
21 - Bem-aventurados vós, que agora tendes fome: porque sereis saciados. Bem-aventurados vós que agora chorais: porque rireis.
22 - Bem-aventurados sereis quando os homens vos odiarem, e quando vos repelirem e carregarem de injúrias, e rejeitarem o vosso nome como mau, por causa do Filho do homem.
23 - Alegrai-vos nesse dia, e exultai: porque eis que é grande a vossa recompensa no céu: porque era assim que os pais deles tratavam os profetas.
24 - Mas ai de vós, ó ricos: porque tendes a vossa consolação (neste mundo).
17a INSTRUÇÃO
FÉ E CORAGEM
No Evangelho do dia, a Igreja aplica a S. Sebastião estas palavras: Bem-aventurados sereis quando os homens vos odiarem, e quando vos repelirem e carregarem de injúrias por causa do Filho do homem.
Esta síntese é a vida e a morte do Santo mártir, que festejamos a 20 de janeiro.
Ele soube lutar, sofrer e morrer por Jesus Cristo, com coragem e dignidade, e eis porque ele é proclamado Bem-aventurado no mundo inteiro.
Meditemos um instante:
I - A vida admirável do Santo.
II - As lições de dignidade que nos ministra.
I -A VIDA DO SANTO
Sebastião nasceu em Narbonne, na França, em 260 mais ou menos, da estirpe de um nobre francês.
Foi para Milão, onde recebeu educação, essencialmente cristã.
Abraçou ali a carreira militar, em 283, distinguindo-se logo pela lealdade, o brio e a coragem.
Sob o reinado de Diocleciano, Sebastião, conhecido pela sua bravura e prudência, foi distinguido pelo Imperador com o título de Comandante da guarda imperial, honra que era reservada aos mais ilustres oficiais. O Imperador admirava a figura imponente, séria e reservada do jovem comandante, e o fez habitar em seu próprio palácio. Diocleciano ignorava que Sebastião era cristão, e este guardava o segredo, não por falta de coragem, mas, para mais eficazmente poder socorrer os cristãos perseguidos neste tempo.
Tendo entrada franca em todas as prisões, ia visitar e aliviar os sofrimentos das pobres vítimas, ali detidas pelos pagãos fanáticos, que odiavam a religião cristã.
* * *
As numerosas conversões e milagres operados por vários santos, e pelo próprio Sebastião, acenderam mais o ódio pagão e fizeram recrudescer a perseguição contra os cristãos, a ponto de muitos destes deixarem a cidade para procurar refúgio nos campos.
O Papa São Caio, vendo a vida de Sebastião exposta a iminente perigo, aconselhou-lhe que se retirasse também; Sebastião, porém, preferiu expor e dar até a sua vida, a abandonar seus encarcerados. "Pois bem, meu filho, disse-lhe o Papa, fica na arena da luta defendendo a Igreja sob o título de Capitão imperial.
Pouco depois Diocleciano soube, por uns cristãos apóstatas, que o comandante da guarda imperial era cristão. Repreendeu-o, recorrendo a promessas e ameaças para que Sebastião deixasse a religião de Jesus Cristo.
- Sou cristão, respondeu Sebastião; sempre julguei ser uma loucura implorar o auxílio de uma pedra inerte, que o homem pode quebrar sem castigo.
O Imperador exasperou-se diante desta linguagem firme e leal.
- Eu te distingui, exclamou, entre os principais vassalos da minha corte, e eis que me desobedeces, e insultas os meus deuses!
Sempre invoquei Jesus Cristo para a vossa salvação e a conservação do Império, e sempre adorei o Deus, que está no céu, respondeu o intrépido militar.
* * *
O tirano jurou castigar imediatamente o Comandante, porém, receava uma sublevação do exército que muito estimava a Sebastião; recorreu, pois, a uma tropa de archeiros nômades (Kabylos) que neste momento estava em Roma, assalariada pelo Imperador.
Estes, alheios aos sentimentos de estima, que animavam os soldados romanos, obedeceram sem escrúpulos. Prenderam Sebastião como se fosse um malfeitor, sem consideração da sua alta patente de oficial despojaram-no de seus vestidos e amarraram-no a um tronco de árvore para servir de alvo às flechas, deixando-o no local do crime quando o julgavam morto.
De noite, Santa Irene veio retirar o corpo para sepultá-lo, mas encontrou-o respirando ainda; levou-o para casa.
Poucas semanas depois, Sebastião estava restabelecido dos ferimentos recebidos.
Ter-lhe-ia sido fácil escapar à fúria dos pagãos, porém, o nobre militar quis continuar a luta em favor da religião.
Um dia, Sebastião foi colocar-se na escadaria do palácio, na hora em que Diocleciano ia passando; espavorido e julgando ser a sombra esmagadora de Sebastião, que se apresentava no palácio, o Imperador recuou, interpelando o fantasma:
- Não és tu Sebastião, a quem condenei à morte?
O herói respondeu com dignidade e desassombro:
- Sim, sou eu. Jesus Cristo me restituiu a vida e, em nome dele, venho acusar-vos de todos os males com que atormentais os cristãos.
Fora de si, cheio de ódio, Diocleciano mandou prender o militar, que vinha despertar os seus remorsos, e fê-lo conduzir ao Hipódromo, onde foi morto a pauladas.
Eram 20 de Janeiro de 288.
II - LIÇÃO DE CORAGEM
O que se depreende da vida de São Sebastião, é antes de tudo uma lição de convicção e de dignidade.
São Sebastião era cristão, e este título, para ele, superava todos os outros títulos. Nobre pela família e rico pela posição que ocupava, venerado por suas qualidades, podia aspirar a ocupar as primeiras dignidades do Império; mas, antes de tudo, se proclamava cristão, e os cnstãos, nesta época, eram perseguidos cruelmente pelos imperadores pagãos de Roma.
Sem ostentação, mas com admirável convicção, Sebastião, sob o brilho da dignidade e do uniforme de Comandante da guarda imperial, consagrava sua vida a fazer o bem, a sustentar a coragem dos vacilantes, a mitigar os sofrimentos de seus irmãos.
Sabia a que perigos estava exposto; não ignorava que, cedo ou tarde, a traição ou a inveja haveria de denunciá-lo como adepto fervoroso de uma religião que Roma pagã pretendia afogar no sangue de seus adeptos. Ele sabia de tudo, mas nada tomava em consideração: quis empregar a sua vida, a sua dignidade, o seu poder a fazer o bem, e desde que tudo isso não servia mais para a realização deste bem, ele preferiu perder tudo.
Era bem o militar, mas o militar nobre, o militar que quer defender a sua pátria terrestre, sem sacrificar a pátria do céu. Se a sua espada pertence à pátria, a sua alma pertence a Deus.
Se deve benefícios ao Imperador, maiores beneficias deve a Deus. Se é soldado, é também cristão.
E eis Sebastião, de fronte erguida, brioso e digno para cumprir o seu ideal, sem hesitação, sem medo, sem respeito humano. A esta lição de convicção, o nobre soldado junta a lição de dignidade.
O exército o estimava e venerava, de modo que a palavra de seus lábios era o bastante para levantar a guarda imperial, como muitos outros já haviam feito, e dirigir contra o próprio Imperador a espada com que o ameaçava. Mas Sebastião era um santo, e um santo nunca é um revoltoso.
Respeitando a ordem de seu superior, ele sujeita-se com toda docilidade e prefere perder a vida a ser infiel a seu juramento de fidelidade ao chefe do governo.
Que coragem neste gesto sublime, em que Sebastião, depois de flechado pelos bárbaros, como um vulgar malfeitor, a despeito de sua dignidade e brio, vai ao encontro do sanguinário Diocleciano para dizer-lhe, publicamente, que a perseguição movida contra os cristãos é injusta e que estes cristãos são seus melhores e mais fiéis súditos.
Quase morrera, uma primeira vez, prefere morrer de fato, antes que calar-se, quando sente o dever de falar, para não aprovar, pelo silêncio, atos de crueldade, que o mundo e a consciência reprovam, mas que outros não sentem a coragem de assinalar.
III - CONCLUSÃO
Recolhamos estas preciosas lições da vida do glorioso mártir São Sebastião.
Lição de convicção religiosa, que sabe colocar acima dos interesses terrenos, os interesses de Deus e das almas.
Lição de dignidade, no cumprimento de seu dever, sem alarde, mas também sem respeito humano. Hoje em dia, carecemos muito destas lições preciosas. Há tantas vacilações na sociedade, porque há muitas nas almas. Há tanta falta de dignidade na humanidade, porque os princípios religiosos deixaram de dirigir os cidadãos.
Deus, em primeiro lugar e acima de tudo. Não podemos servir a dois senhores, disse o divino Mestre.
Sirvamos, pois, a Deus, e coloquemos abaixo de Deus todos os interesses passageiros, a situação a fortuna e até a própria vida, como soube fazê-lo São Sebastião.
Eis como se realizou no ilustre mártir, a Bem-aventurança proclamada pelo Salvador:
Bem-aventurados aqueles que são odiados e injuriados, por causa do Filho do homem.
SANTA INÊS
SEGUNDA PADROEIRA DAS FILHAS DE MARIA
(21 da Janeiro)
EVANGELHO (Mateus XXV. 1-14)
1 - Naquele tempo disse Jesus esta parábola: O reino do céu é semelhante a dez virgens, que empunhando as suas lâmpadas, saíram ao encontro do esposo (e da espôsa).
2 - Cinco delas eram loucas, e cinco prudentes.
3 - As cinco loucas tomaram as suas lâmpadas, mas não levaram azeite consigo;
4 - Ao passo que as prudentes levaram azeite nas suas vasilhas, juntamente com as lâmpadas.
5 - Ora, como o esposo tardasse a vir, cochilaram e adormeceram.
6 - A meia noite, porém, soou o grito: Eis que vem o esposo! Saí ao seu encontro!
7 - Então se levantaram todas aquelas virgens e aprontaram as suas lâmpadas.
8 - As loucas pediram às prudentes: Dai-nos de vosso azeite, porque as nossas lâmpadas se apagaram.
9 - Não é possível - responderam as prudentes - não chegaria para nós e para vós; ide antes aos vossos vendeiros e comprai para vós.
10 - Enquanto iam comprar, chegou o esposo. As que estavam preparadas entraram com ele para a sala das núpcias, e fechou-se a porta.
11 - Mais tarde chegaram também as outras virgens e disseram: Senhor, Senhor, abre-nos!
12 - Ele, porém, replicou: Em verdade, vos digo que não vos conheço!
13 - Estai, pois, alerta! porque não sabeis nem o dia, nem a hora.
18a INSTRUÇÃO
O HEROISMO DE SANTA INÊS
O Evangelho que a liturgia aplica á Santa Inês é o das cinco Virgens prudentes e cinco loucas. Todas eram virgens, porém a cinco faltou a vigilância e a lâmpada da fé apagou-se em sua alma, enquanto as cinco prudentes, mais cuidadosas, haviam trazido o óleo necessário para manter acesas as suas lâmpadas.
Esta lâmpada é a fé, que é a base da santificação. O óleo é a vida pura.
Santa Inês soube manter acesa a lâmpada da sua fé, conservando-a pela sua pureza; e, com esta lâmpada na mão, foi bater à porta do divino Esposo, para dele receber a recompensa.
Percorramos um instante esta vida admirável, destacando:
I - O heroísmo da simpática santinha.
II - As lições, que nos ministra.
I - O HEROÍSMO DE SANTA INÊS
Santa Inês é uma das quatro virgens dos primeiros séculos, que a Igreja invoca no Cânon da Missa. Ignora-se o seu nome verdadeiro, sendo conhecida pelo de Inês, cujo sentido, em latim, "AGNUS" significa a inocência do cordeirinho. É por isso que é representada com um cordeirinho nas mãos. Inês nasceu em Roma no fim do terceiro século, e foi martirizada em 304 , sob o reinado de Diocleciano, o mesmo que mandara matar São Sebastião:
Desde a infância a pequena Inês nutria um especial amor à pureza; ao ponto que na idade de 10 anos, fez o voto de castidade e de perpétua fidelidade ao Esposo das Virgens.
Chegada à idade de 13 anos, suas raras qualidades, sua formosura excepcional, como a sua grande fortuna, atraíram os pretendentes, a quem Inês nem sequer dedicava um olhar, ficando alheia a todo atrativo mundano.
* * *
O filho do Prefeito de Roma, encontrando-a um dia, ao voltar da escola, sentiu-se apaixonado por ela e resolveu pedi-la em casamento. A resposta foi sublime e sem réplica: "Desde muito tempo, pertenço a um Esposo celestial e invisível! Amando-o, sou casta, aproximando-me dele, sou pura, possuindo-o sou virgem; o meu coração é todo dele."
Incapaz de compreender a elevação de tal linguagem, o jovem pagão adoece de paixão e de ciúme.
A causa do mal é comunicada ao pai do jovem, que recorre a todos os meios para ganhar Inês: elogios, galanteios e promessas, mas tudo é inútil. "Não, responde Inês, sou despôsada com Aquele a quem os anjos servem. A Ele só, guardo fidelidade." Após as promessas vêm as ameaças: mesmo resultado. O semblante de Inês fica imperturbável.
Mesmo quando lhe mostram os instrumentos do suplício, cujo simples aspecto fazia tremer o homem mais valente.
Inês olha com indiferença· e desprezo.
- Olha bem, Inês, perderás a vida que ainda não começaste a gozar!
- como? Ser infiel àquele que me coroou por espôsa e me deu o anel dos esponsais? Não, nunca! Amo só a Cristo!
- Não cedes, Inês? Condenar-te-ei!
* * *
No dia seguinte, Inês comparece perante o tribunal do Prefeito Sinfrônio, e vendo este a perseverança daquela criança tão linda, tão simpática, lhe diz:
- Tu queres conservar a tua virgindade, pois bem, eu te mandarei ao templo de Vesta, para ofereceres sacrifícios a nossa deusa!
Inês responde sem hesitar:
Se recusei o teu filho, homem dotado de vida e de inteligência, como hei de inclinar-me diante de deuses sem vida, nem inteligência?
- Tenho dó da tua idade, continua o Prefeito.
- Deus não considera o número dos anos. Responde Inês. mas sim os sentimentos da alma.
***
Através da multidão que assiste ao julgamento sumário, perpassa um movimento de comiseração por aquela criança tão nobre e tão encantadora. Ouve-se um sussurro:
Morrer tão nova! E por querer !Que loucura!
Mas o inferno se enraivece ser vencido por uma menina de 13 anos? Que vergonha! Nova luta.
***
Era a inocência, a candura, a virgindade o que mais resplandecia em Inês.
O prefeito, a termo de argumentos, ameaça a virgem de encerrá-la numa casa de prostituição se perseverar em sua recusa.
Inês não vacila, e responde :
- “Jesus Cristo vela sobre a pureza de sua espôsa e não permitirá que lha roubem. Ele é meu defensor e abrigo.
Podes derramar o meu sangue; porém, jamais conseguirás profanar o meu corpo, que é consagrado a Jesus Cristo."
A ordem é executada; a menina é arrastada para uma casa de perdição e ali é despida e fechada num quarto. Os libertinos acorrem abrem o quarto, mas recuam diante de uma cena nunca vista. De repente os cabelos da santa haviam crescido a tal ponto que encobriam o seu corpo virginal inteiro, servindo-lhe de vestido. Uma luz resplandecente cerca-a, e um anjo vela a seu lado. Os jovens libertinos, nem se atrevem a levantar os olhos sobre a aparição.
Só o filho do Prefeito, mais audacioso que os outros, quer aproximar-se, mas cai fulminado aos pés de Inês!
* * *
O pai, informado do acontecido, acorre; ameaça a donzela e por fim suplica-lhe obter de seu Deus a ressurreição do filho, prometendo também professar a sua religião se tal suceder. Inês prostra-se de joelhos, reza e ressuscita o jovem fulminado. Este, levantando-se brada em alta voz:
- Há só um Deus verdadeiro. Os templos nada são e os deuses, que ali se adoram, são vãos e nada podem.
O jovem se fez cristão. O Prefeito estupefato nada mais pode fazer, remete o caso nas mãos de seu substituto e retira-se. Este manda acender uma enorme fogueira e lançar Inês no meio das chamas. Pela oração da jovem heroína. as chamas cercam-na como uma muralha. sem tocar-lhe nem de leve, enquanto a virgem canta um hino de ação de graças.
* * *
Vencido, o tirano a condena à decapitação. Inês exulta e caminha alegre para o lugar do suplício.
Todos choram, só ela exulta. Admiram-lhe a coragem, o desprendimento da vida. O algoz sente faltar-lhe a coragem. Toma Inês pela longa cabeleira. levanta o punhal mas ele que nunca tremia nas execuções, hesita.
Tanta dignidade, tanta formosura. tanta virtude, uma mocidade em flor, lhe paralisam o ferro. Inês não perde o sangue frio, e calma. como se se tratasse de uma ninharia, anima o algoz.
- Fere-me, diz ela, sem medo, para entregar-me mais depressa Aquele a quem amo; destrói este corpo, que contra a minha vontade, agradou a olhos mortais!
Os assistentes soluçam; Inês fica sorrindo. Inclina a cabeça, esperando o golpe. O algoz, horrorizado, mas obedecendo às ordem do tirano, levanta a espada e a deixa cair sobre o pescoço da virgem. A cabeça aureolada pela longa cabeleira, rola, no chão e o sangue sagra o solo de Roma, envolvendo-o nos doces perfumes do martírio. Era mais uma flor de pureza, de castidade, de virgindade que ia adornar a Igreja Imortal de Jesus Cristo E lá do céu, a figura delicada e heroica da jovem mártir através de tantos séculos encanta e atraí esta legião de Virgens, que se chamam "FILHAS DE MARIA" tendo sido escolhida pela Igreja para servir-lhes de padroeira e de modelo.
II - LIÇÕES QUE NOS MINISTRA
Uma menina de treze anos, de alta sociedade, de peregrina beleza, de uma imensa fortuna, podendo aspirar a tudo. o que o mundo oferece de gozo, despreza, por amor de Jesus Cristo, o que se lhe apresenta de mais sedutor: nobreza, mocidade, fortuna, beleza e honras; afronta, sorrindo, os tiranos, os algozes, e a própria morte. Eis o que a fé inspira; eis o que faz a religião, eis o que pode a graça divina!
Nós temos esta mesma fé, pertencemos a esta mesma religião, temos como sustento esta mesma graça, e entretanto, temos medo do menor sacrifício, que a fé exige de nós, que a prudência nos impõe, ou o amor de Jesus Cristo nos inspira.
Sem espírito de sacrifício, não pode haver religião verdadeira. Per crucem ad lucem, diziam os antigos. Não se alcança a luz senão através da cruz. Uma segunda lição, não menos importante, necessária em nosso século, é a pureza, a modéstia, o santo pudor, que forma a auréola e a formosura da menina, da jovem e da espôsa. Hoje a triste e vergonhosa moda triunfa como rainha, e manda os seus sequazes percorrerem o mundo; estes sequazes são: a indecência, a lascívia, o cinema imoral, os romances, a promiscuidade, que se dão as mãos para arrancar das crianças e das jovens, o que possuem de mais sagrado: a pureza, um coração virgem num corpo virgem.
III - CONCLUSÃO
Filhas de Maria, e vós todas, jovens, olhai para a simpática e heroica Inês, e repeti a palavra de Santo Agostinho, lendo o heroísmo dos santos do deserto: Quod isti et istae, cur non ego? - O que os outros podem, porque eu não o poderia fazer?
Não vos contenteis em admirar, mas procurai mudar estas duas virtudes, que se destacam com tanto fulgor na vida de Santa Inês:
O ardor da fé e da convicção.
A castidade de coração e do corpo. Tal é a lâmpada acesa de que fala o Evangelho: a fé; e o óleo que alimenta esta lâmpada: a vida pura.
SÃO FRANCISCO DE SALES
(29 de Janeiro)
EVANGELHO (Mateus - V. 13-20)
13 - Vós sois o sal da terra. Mas se o sal se desvirtuar, com que se há de restituir-lhe a virtude? Fica sem préstimo algum; é lançado fora e pisado pela gente.
14 - Vós sois a luz do mundo. Não pode permanecer oculta uma cidade situada sobre um monte.
15 - Nem se acende uma luz e se mete debaixo do alqueire, mas, sim, sobre o candieiro para alumiar a todos que estão na casa.
16 - Assim também brilhe diante dos homens a vossa luz, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem o vosso Pai celeste.
17 - Não julgueis que vim abolir a lei e os profetas; não os vim abolir, mas levar à perfeição.
18 - Pois em verdade vos digo que passará o céu e a terra mas não passará um "i" nem um ápice sequer da lei, enquanto não chegar tudo à perfeição.
19 - Quem abolir algum desses mandamentos, por mínimo que seja, e ensinar assim a gente, passará por ínfimo no reino do céu. Aquele, porém, que os guardar e ensinar será considerado grande no reino do céu.
19a INSTRUÇÃO
SÃO FRANCISCO E A MANSIDÃO
Jesus Cristo compara a santidade ao sal, que preserva da corrupção e à luz, que dissipa as trevas.
São Francisco de Salles foi sal, pela sua vida apostólica, que preservou tantas almas da corrupção do erro e do vício. Foi um luzeiro resplandescente pela sua mansidão e bondade atraente. Nos últimos anos de sua vida, foi introduzida a causa de Beatificação de S. Francisco Xavier.
Falando deste acontecimento, um sacerdote observou: Já temos São Francisco de Assis, São Francisco de Bórgia, São Francisco de Paula e São Francisco Xavier; falta apenas São Francisco de Salles.
O Prelado sorriu e respondeu com íntima convicção: "Custe o que custar, quero ser santo também; teremos um São Francisco de Salles'' A profecia realizou-se e 45 anos mais tarde Francisco de Salles recebia as honras dos altares.
Percorramos hoje esta vida admirável, vendo:
I - como o Santo adquiriu a mansidão.
II - como nós podemos adquiri-la.
I - Como ADQUIRIU A MANSIDÃO
Nasceu o Santo, no castelo de Salles, em França, aos 21 de agosto de 1567.
Recebeu, com o leite materno, os exemplos e o ensino de uma vida santa, de que se aproveitou admiravelmente, distinguindo-se por sua piedade e seus talentos extraordinários.
Ainda criança, consagrou-se a Maria Santíssima e fez voto de castidade.
O inferno furioso assaltou o piedoso jovem com pensamentos horrendos de desespero, mostrando-lhe o lugar, que ocuparia no inferno, à ponto de provocar-lhe grave enfermidade.
Após urna visita a Roma, e a Loreto, tendo readquirido a paz da alma, resolveu executar o ideal de abraçar o sacerdócio. Sabemos por ele mesmo que era naturalmente ardente e arrastado à cólera. Desde criança, fazia esforços inauditos para reprimir os ímpetos de sua natureza, e, à força de contemplar os exemplos do Deus humilde e manso, chegou a construir sobre as ruínas de seu defeito dominante, o reino de uma virtude, que constitui o seu característico: a mansidão.
A mansidão extraordinária de Francisco fazia dizer a S. Vicente de Paulo: " como Deus deve ser bom, se Francisco, seu ministro, é já tão bom!"
* * *
O velho Bispo de Genebra, que muito o estimava, encarregou-o da conversão dos protestantes de Chablais, onde estes hereges haviam queimado as igrejas, destruindo as cruzes, demolido os conventos e proscrito o culto católico.
Foi uma luta heroica, da qual Francisco saiu vencedor.
Os hereges ameaçaram de matá-lo, mas o zeloso missionário não desanimou.
Um milagre espantoso abriu os corações. Uma mulher protestante levava ao cemitério um filho que perdera. No caminho encontra Francisco:
- Pai, exclama ela, restituí-me o meu filho, pelo menos para batizá-lo.
Francisco prostra-se de joelhos, reza, e o morto abre os olhos.
Está vivo. Foi batizado e viveu ainda dois dias, para que todos pudessem averiguar o milagre.
Essa mulher, sua família e muitas outras famílias de protestantes converteram-se.
No fim de três anos de pregação e de sacrifícios, mais de 72000 calvinistas haviam abraçado a fé católica.
* * *
O Bispo de Genebra quis ter Francisco por coadjutor no Bispado. O santo resistiu, mas devia submeter-se à voz do Papa que lhe ordenava aceitar o Episcopado.
Tomou por modelo S. Carlos Borromeu, a quem imitou perfeitamente, trabalhando dia e noite, pelos exemplos, pelos escritos e pela pregação, a ganhar almas para Jesus Cristo.
A sua palavra suave, convincente tocava e convertia os corações mais empedernidos.
Durante 20 anos, governou sua Diocese. Junto com Santa Joana de Chantal, fundou a ordem da Visitação, que tantas almas santas tem dado à Igreja, entre as quais se destaca Santa Margarida Maria.
Negócios urgentes obrigaram-no a viajar para Lyon, onde adoeceu durante o Natal, e onde faleceu quase repentinamente, de congestão, no dia dos Santos inocentes, 28 de dezembro de 1622, na idade de 56 anos. Uma das suas últimas palavras foi o resumo da sua vida: "Deus é o Senhor: que Ele faça de mim o que bem lhe parecer. Nunca tive vontade diferente da sua.
II - LIÇÕES PRÁTICAS
O mundo inteiro admira a bondade, a mansidão de São Francisco de Salles; mas poucos se lembram das lutas que o Santo sustentava para dominar as inclinações de ira e de violência; que era o fundo de seu temperamento sanguíneo nervoso.
Ninguém nasce santo, pois todos somos filhos de uma raça decaída. Francisco nasceu com um temperamento irascível, colérico; porém, descobrindo esta inclinação, que constituía o seu defeito dominante, não poupou esforços, nem mediu sacrifícios para reagir contra esta inclinação; e o fez tão bem que se tornou o homem mais brando e mais bondoso, que a história registra.
A sua aplicação em não deixar escapar nenhuma rudeza, nenhuma palavra desatenciosa, nenhum gesto de impaciência, foi contínua. Os atos sucederam aos atos, os sacrifícios aos sacrifícios, até gerarem nele o hábito, que se tornou uma segunda natureza, pronta a suportar a todos, a fazer o bem a todos, a tudo acolher sem precipitação. como sendo, obra de Deus.
A nervosidade é uma moléstia de nossa época, não mais a ira ou cólera dos antigos, mas um estado de sensibilidade, de irritação, que abala os nervos, e conserva muitas pessoas em perpétua nervosidade. A educação de hoje, as dificuldades da vida, a pressa que há em tudo, provocam e desenvolvem este estado, a ponto que certas pessoas vivem, continuamente, irritadas no interior, esperando apenas a ocasião de um desabafo, em palavras ásperas, em gestos imperativos. e até em blasfêmias.
Em vez de combaterem o seu defeito, como São Francisco, contentam-se com as desculpas:
- Este é o meu gênio! - Não está em mim conter-me! - Sou nervoso!, etc.
São desculpas de egoísmo, da preguiça, do comodismo.
A santidade é flor desta terra, mas precisa ser semeada pela graça, cultivada pelo esforço, defendida pela luta, para ser um dia colhida por Deus.
III - CONCLUSÃO
Recolhamos esta lição dos exemplos do grande Santo: A prática da bondade.
É uma virtude tão bela, tão suave. tão agradável a Deus e aos homens, que Nosso Senhor a indica como característico de seu próprio coração: Aprendei de mim que sou manso e humilde de Coração (Mateus XI. 29).
A mansidão não nasce da natureza, mas do combate aos defeitos da natureza. O homem é essencialmente egoísta, e por isso é áspero para quem resiste às suas ideias e aspirações.
Se sentirmos em nós as agitações da irascibilidade, os impulsos do nervosismo, tomemos resoluções enérgicas de fazer atos positivos de oposição.
Não basta convencer-se da beleza, que há na virtude da mansidão, é mister que haja atos positivos, tendo por fim deter a irascibilidade interior, regular os gestos exteriores e opôr-lhe o contra-peso dos atos contrários, até não deixar mais nada escapar espontaneamente, submetendo a ira e a nervosidade ao império da vontade.
APRESENTAÇÃO DE JESUS
(2 de fevereiro)
EVANGELHO (Lucas II. 22-32)
22 - Naquele tempo, depois que foram concluídos os dias da purificação de Maria, segundo a lei de Moisés, levaram-no a Jerusalém para o apresentarem ao Senhor,
23 - Segundo o que está escrito na lei do Senhor: Todo varão primogênito será consagrado ao Senhor;
24 - e para oferecerem em sacrifício, conforme o que (também) está escrito na lei do Senhor, um par de rolas ou de pombinhos.
25 - Ora havia então em Jerusalém um homem chamado Simeão, e este homem (era) justo e temente (a Deus) e esperava a consolação de Israel: e o Espírito Santo estava nele.
26 - E tinha-lhe sido revelado pelo Espírito Santo que não veria a morte, sem ver primeiro o Cristo do Senhor.
27 - E foi ao templo (conduzido) pelo Espírito (de Deus). E trazendo os pais do Menino Jesus, para cumprirem segundo o costume dá lei a seu respeito,
28 - ele também o tomou em seus braços, e louvou a Deus, e disse:
29 - Agora, Senhor, deixa partir o teu servo em paz, segundo a tua palavra:
30 - porque os meus olhos viram a tua salvação,
31- a qual preparaste ante a face dos povos:
32 - luz para iluminar as nações, e glória de Israel, seu povo.
20a INSTRUÇÃO
OS DOIS MISTÉRIOS
Meditando bem o Evangelho desta festa, encontramos nele a expressão nítida de três grandes mistérios, que se unem num único, que a Igreja chama a "apresentação de Jesus no templo", mas que no fundo inclui tudo o que há de mais tocante e sublime na religião.
De fato, temos diante de nós: um Homem Deus oferecido a Deus; o Soberano Sacerdote da nova aliança num estado de vítima; o Redentor do mundo resgatado; uma virgem purificada; e enfim: u'a mãe imolando o seu filho.
Quantos prodígios na ordem da graça!
Entre estes grandes mistérios, escolhamos os dois primeiros para meditá-los. :estes dois mistérios são :
I - A apresentação de Jesus no templo.
II - A purificação da Mãe de Jesus.
I - A APRESENTAÇÃO DE JESUS
Nada mais simples, em aparência, do que a narração do Evangelho, mas, nada mais sublime na realidade: Maria indo ao templo para ser purificada e oferecer a Deus o seu Filho querido.
A narração evangélica é de uma simplicidade encantadora.
Para compreendê-la bem, é mister lembrar aqui duas leis dadas outrora por Deus a Moisés, e que São Lucas menciona.
A primeira é a do Levítico: "A mulher que der à luz um filho, abster-se-á de aparecer no templo, por 40 dias.
No quadragésimo dia, apresentará ao sacrifício um cordeiro de um ano e uma rola, como oferta pelo pecado. Se não puder ser um cordeiro, oferecerá duas rolas. O sacrificador orará por ela, e assim ficará purificada" (Levit. XII).
A segunda lei é a do Êxodo, que diz: "Os primogênitos lhe devem ser consagrados, e resgatados com 5 ciclos de prata" (Exod. XIII).
Conhecendo estas duas leis compreende-se a narração evangélica. Limita-se a patentear que Maria se submeteu à purificação, e que Jesus, por Maria, sujeitou-se à apresentação, como sendo a coisa mais natural e comum. De fato, nada há mais natural; porém, é ordinário do mesmo modo, como Maria deu à luz o seu filho Jesus, o envolveu de paninhos e o deitou no presépio.
Tanto no fato, como no modo de contá-lo, é a continuação dos acontecimentos ordinários da vida humana, em Jesus e Maria.
Querendo, entretanto, que estes mesmos acontecimentos, tão comuns, se tornem mais extraordinários possível, basta considerar que este menino, que se faz apresentar e resgatar pela sua mãe é o Filho de Deus, o Santo dos santos, o Redentor do mundo; e que esta mãe, que se faz purificar, é a Virgem das virgens, a Rainha dos anjos, a Mãe de Deus.
As duas leis citadas diziam respeito a todas as mães, menos à Mãe de Deus, e a todos os primogênitos, menos ao Menino Deus.
Evidentemente, aquela que do Espírito Santo concebera e dera à luz o Santo dos Santos, não tinha que purificar-se de mancha nenhuma; e aquele que nascera para remir o mundo, não tinha precisão de resgate.
II - PURIFICAÇÃO AVE MARIA
Que prodígio de discrição, de submissão e de humildade se nos apresenta na pessoa da Mãe de Jesus.
Após todas as honras que recebera do Anjo, de Isabel, dos pastores e dos Magos, após o hino cantado por ela mesma, das suas grandezas; da vista profética das homenagens que havia de receber através dos séculos, ela, a mulher bendita entre todas as mulheres, submete-se à humilhação comum das outras mulheres! É simplesmente espantoso!
Por que não rediz ela nesse momento que Deus fez nela grandes coisas; que era Bem-aventurada; bendita como era bendito o fruto de seu seio?
Porque Maria não exclama que veio trazer ao mundo a purificação, longe de procurá-la?
Que veio apresentar o resgate do mundo, longe de resgatar o seu filho?
Ao primeiro aspecto parece que o seu silêncio prejudica a divindade de Jesus Cristo; pois fazendo-o passar como filho do homem, ela parece desmentir tantos milagres e profecias, que o proclamaram o Filho de Deus! Assim teria raciocinado qualquer outra criatura, que não fosse Maria, mas aqui tudo é divino. E o que é divino é sempre simples e sem ostentação.
Nada, pois, devemos esperar de Maria senão um proceder simples, como convém a sua humildade, em tudo o que diz respeito a ela mesma.
Numa união maravilhosa com o espírito de humildade e de sacrifício de seu divino Filho, ela esconde todas as suas grandezas, encobre toda a sua glória, para rebaixar-se e sujeitar-se às mais humilhantes prescrições!
Ela, que outrora, como simples menina, desconhecida por si mesma, como o era pelo mundo, ciosa de conservar o seu voto de castidade, havia tido a audácia de discutir com o Arcanjo, que lhe anunciara sua elevação à dignidade de Mãe de Deus dizendo que não conhecia varão - virum non cognosco! (Lucas I. 3.4) esta mesma virgem feita Mãe de Deus, da altura da divina maternidade, como da altura desta virgindade, desce, abaixa-se até parecer perante os homens, despojada desta dupla glória.
Oh! sim, é uma virtude quase incompreensível! É a glória das glórias, a da humildade.
Neste simples ato vulgar, comum, aos olhos do mundo, Maria eleva-se a uma altura, que desconcerta o espírito humano. Recolhamos apenas este contraste singular: Maria professa a virgindade ao ponto de sacrificar-lhe a honra e tornar-se Mãe de Deus; pratica a humildade a ponto de sacrificar-lhe a honra desta mesma virgindade. Deste modo, a Virgem Santa sai desta purificação, de que não precisava, mais pura, mais virgem, mais digna Mãe de Deus, porque praticou o que a humildade tem de mais elevado e de mais profundo.
III – CONCLUSÃO
Procuremos entrar nas disposições de Maria Santíssima neste duplo mistério da festa: a apresentação de Jesus e a sua própria purificação.
Vendo nela obediência tão exata a uma lei, que não lhe dizia respeito, aprendamos deste sublime modelo, a obedecer pontualmente a todas as práticas, que nos são prescritas pela lei divina, eclesiástica ou deveres de estado. Não podemos subtrair-nos sem pecado. A lei é feita para todos.
As prerrogativas da dignidade, da posição, do nascimento, não dão o direito de dispensar-se dela.
Qual criatura foi maior e mais elevada do que Maria?
Entretanto ela obedece a uma lei, que não a obrigava. E nós pobres pecadores, queríamos dispensar-nos de leis feitas para nós, necessárias a nossa salvação. como Jesus, ofereçamo-nos a Deus, pelas mãos de Maria, para cumprir a sua vontade!
21a INSTRUÇÃO
A PROFECIA DE SIMEÃO
É uma das páginas mais enternecedoras do Evangelho que vamos meditar. É o terceiro mistério da Apresentação de Jesus no templo.
Terminada a cerimônia da purificação à porta do Templo, a Sagrada Família quis passar pela abertura, que conduzia ao vestíbulo dos Israelitas, para ali fazer a apresentação do primogênito.
Ali, de repente, aparece um nobre ancião, conhecido por todos e por todos venerado por suas raras virtudes.
É o velho Simeão .
Assoma à porta, no mesmo momento que a Sagrada Família se ia retirando. Pára de súbito, fita o Menino, olha para a Mãe, examina o pai, e um longo soluço de imensa alegria escapa da garganta do velho e venerando sacerdote. Reconheceu o Messias prometido, o Salvador do mundo!
Assistamos a esta cena:
I - Narrando simplesmente o fato
II - Contemplando o efeito no Coração de Maria
I - A NARRAÇÃO DO FATO
Escutemos bem a passagem comovente do Evangelho:
Havia então em Jerusalém um homem chamado Simeão, e este homem justo e temente a Deus, esperava a consolação de Israel e o Espírito Santo estava nele.
Havia-lhe sido revelado pelo Espírito Santo que não veria a morte, sem ver primeiro o Cristo do Senhor (Lucas II. 25-26).
Que retrato admirável o deste ancião vergado sob o peso dos anos, mas sustentado pelo ardor da virtude e dos nobres desejos. Sentimo-nos em presença de tudo o que a lei antiga havia formado de mais venerável. E que fazia este venerando ancião?
O Evangelho o diz: esperava a Consolação de Israel . o Messias.
Tal era a sua ocupação, a sua profissão de vida, sua razão de ser. Esperava em nome da humanidade inteira.
Com uma timidez inspirada, o ancião coloca-se ao lado da jovem Mãe.
O seu coração palpita com veemência. Suplicante, docemente comovido, ele pede à Mãe que deposite, em seus braços, este menino sorridente, no qual reconhece o seu Salvador. Maria cede-lhe o seu tesouro, pois o Espírito Santo lhe comunica secretamente, que este venerando ancião, de barbas brancas e de voz trêmula, vem mandado por Deus, para fazer qualquer coisa de excepcional. O ancião aperta o Menino contra o peito ofegante, cobre-o de beijos e de lágrimas, e adora-o como ao Santo de Israel. Cena comovente que Santo Agostinho resume nesta frase deliciosa: O ancião carregava a criança; e a criança dirigia o ancião.
Simeão canta depois o seu "Nunc dimittis", o seu êxtase de gratidão:
Agora, Senhor, deixa morrer em paz o teu servo, segundo a tua palavra, porque os meus olhos contemplaram o teu Salvador, que suscitaste ante a face de todos os povos, como uma luz, para ser revelada às nações!
O santo ancião pede a morte, porque viu o Salvador!
Ver o Salvador: tal é o termo, o fim de sua vida. Agora não tem mais nada a desejar: Seu nome de Simeão está plenamente realizado; Simeão significa: Que foi atendido.
O santo ancião foi atendido.
Ele havia esperado tantos anos o que agora contempla:
O Salvador do mundo;
Suscitado à face de todos os povos;
como uma luz resplandecente;
Que vai ser revelado a todas as nações
Quadrupla esperança de Simeão!
E tudo isto está ali diante dele, nos braços duma Virgem Mãe! Oh, Deus! É o bastante para morrer de alegria! E Simeão deseja a morte.
II - O GLÁDIO DO CORAÇÃO
O profeta Simeão radiante, entregou, aos braços de sua Mãe, esta criança mais radiante ainda!
Maria e José estavam admirados das coisas, que o santo ancião dizia de Jesus (Lucas II.33) mas eis que, de repente, a cena toma outro aspecto. Simeão olha para Maria, bela e resplandecente da glória da maternidade divina, e de súbito, no meio de um prolongado soluço, lentas como as pancadas da morte, caem de seus lábios trêmulos, palavras aterradoras.
A jovem Mãe, de 16 anos apenas de idade, escuta, pálida, calma com o heroísmo da mãe dos Macabeus, de cabeça inclinada sobre o cordeirinho divino, que ela aperta contra o peito, como se quisesse escondê-lo dentro do coração.
Eis que este menino está posto para a ruína e para a ressurreição de muitos em Israel e para ser o alvo da contradição. E uma espada trespassará a tua alma, afim de se descobrirem os pensamentos escondidos nos corações de muitos. (Lucas II. 3.4-JS).
Maria escutou esta terrível profecia. Parecia-lhe que Simeão era para ela: o profeta do gládio.
O fúnebre futuro aparecia-lhe luminoso. O Cristo, o seu Jesus, o seu Filho, o seu tesouro, o seu amor, será o cordeiro divino, que deverá ser imolado pela salvação do mundo.
Ela deixará o templo, levando o gládio a trespassar-lhe o coração.
- Nobre filha de Abraão, és digna de teu antepassado, ao imolar no Moriah, o seu filho Isaac.
O gládio passou, apenas, nas mãos de Abraão; o teu permanece em teu coração.
A via dolorosa do santo Patriarca foi, apenas, de três dias, antes do sacrifício; mas a tua é uma vida inteira, pelo conhecimento, que tens dos sofrimentos futuros.
Só as mães são capazes de adivinhar a tua lenta, lacerante e angustiada agonia, que tem um caráter especial, pois é composta da ternura maternal e da timidez da Virgem.
Ternura maternal que te faz apertar o teu tesouro sobre o coração para poupar-lhe qualquer sofrimento.
Timidez virginal, que uma simples sombra sobressalta.
Esta ternura e esta timidez eram os dois gumes do gládio, que trespassava, incessantemente, o coração daquela que era a pureza perfeita, inclinada sobre um berço.
E lá está ela, esta Mãe radiante e Virgem dolorosa, no esplendor da sua maternidade virginal e na alvura da sua virgindade maternal. Lá está ela, heroica em sua resignação, sublime em seu amor, divina em seu ofício. Ela ali está, como estará mais tarde ao pé da cruz, com o olhar fixo sobre o seu Jesus, que, doce e sorridente, vendo as lágrimas de sua querida Mãe, e sentindo as pulsações aceleradas de seu coração, aproxima a sua loura cabecinha e a reclina sobre o peito maternal. Simeão olha, compreende, e um longo soluço levanta o seu peito, enquanto as lágrimas embargam-lhe a voz trêmula. Nenhuma frase cai de seus lábios. Ele disse tudo o que lhe havia inspirado o Espírito Santo. Não deve ajuntar mais nada, pois o humano não deve misturar-se com o divino.
O nobre ancião beija uma última vez o Salvador e desaparece, esperando a morte.
Ele tinha visto o Messias! Faltava, apenas, possuí-lo.
III - CONCLUSÃO
Cena tocante esta da Purificação de Maria, da apresentação de Jesus, e sobretudo da profecia de Simeão. Maria, a Mãe gloriosa e Virgem dolorosa ao mesmo tempo, deixou o templo, deixou o profeta do gládio, mas levou o gládio cravado no coração. Jesus devia ser, como o acabava de vaticinar Simeão, o alvo da contradição, e ela: a Rainha dos mártires.
Através do nevoeiro do futuro, ao longe, num céu es curo e ameaçador, aclarado pelas centelhas dos relâmpagos, ela vê um jovem açoitado, coroado de espinhos, carregando uma cruz; vê uma cruz, um corpo morto, um peito trespassado e seu coração murmura: É o teu Jesus! Oh! compadeçamo-nos das dores da virgem mártir! Consolemo-la pela nossa generosidade e o nosso amor. Não fiquemos indiferentes diante das lágrimas de nossa Mãe querida, que quer salvar-nos e entregar-nos a seu Jesus.
NOSSA SENHORA DE LURDES
(11 de Fevereiro)
EVANGELHO (Lucas 1. 26-31)
26 - Naquele tempo, estando Isabel no sexto mês, foi enviado por Deus o anjo Gabriel a uma cidade da Galileia, chamada Nazaré,
27 - a uma Virgem despôsada com um varão, que se chamava José, da casa de Davi, e o nome da Virgem era Maria.
28 - E entrando o anjo onde ela estava, disse-lhe: Ave, cheia de graça: o Senhor é convosco; bendita sois vós entre as mulheres.
29 - E ela, tendo ouvido estas coisas, turbou-se com as suas palavras, e perguntava que saudação seria esta.
30 - E o anjo lhe disse : Não temais, Maria, pois achastes graça diante de Deus:
31 - Eis que concebereis no ventre e dareis à luz um filho, e pôr-lhe-eis o nome de Jesus.
22a INSTRUÇÃO
AS APARIÇÕES DE LURDES
O Evangelho nos conta a aparição do Arcanjo Gabriel à Virgem Santíssima para comunicar-lhe que havia sido escolhida para ser a Mãe de Deus. Por sua vez, a Virgem Santa vem de vez em quando, transmitir-nos as mensagens do céu, aparecendo neste mundo para aproximá-lo de seu Jesus.
Entre estas numerosas aparições merecem lugar de destaque as de Lurdes, tanto pelos ensinamentos que nos trazem, como pelos numerosos milagres, que continuam a operar-se neste lugar. Contemplemos hoje esta maravilha da ternura da Mãe de Jesus, considerando:
I - A sua aparição tão bela
II Os seus ensinamentos
I - A APARIÇÃO
As aparições da Virgem Imaculada em Lurdes, constituem como que o centro milagroso do reino de Maria no mundo. Nenhum lugar foi testemunha de tantos e tamanhos favores, de tantas conversões e tantas curas milagrosas como esse lugar bendito.
Em 1858 a Mãe de Jesus manifestou-se, ali 18 vezes, à feliz vidente Bernardette, hoje, Santa Bernarda.
As aparições sucederam-se, desde o dia 11 de fevereiro até o dia 16 de julho.
Bernardette, tendo ido recolher lenha à margem do rio Gave, perto de Lurdes, e chegando-se perto de uma gruta natural, cavada no rochedo dos Pirineus, ouviu de repente um sussurro semelhante ao ruído dum vento bravio, e levantando a cabeça caiu de joelhos, como que ofuscada pelo que tinha diante dos olhos.
No fundo e em cima da gruta, numa espécie de escavação no rochedo, estava em pé, em meio dum clarão fulgurante, uma mulher de incomparável beleza. A visão nada tinha de indeciso: era um verdadeiro corpo humano, uma pessoa viva, que não se diferençava em nada de uma pessoa ordinária, senão pela auréola luminosa, que a cercava, e por sua beleza sobre humana.
Era de estatura média; parecia muito jovem, reunindo a candura da criança à pureza da Virgem, a gravidade terna da mãe à majestade da Soberana. O seu semblante era de um encanto irresistível.
Seus olhos azuis tinham uma suavidade, que parecia derreter o coração. Seus lábios tinham uma expressão de imensa bondade e doçura. As vestes da aparição, de um tecido desconhecido na terra, eram mais alvas e mais resplandecentes que a neve das montanhas. O vestido longo e flutuante deixava ver, apenas, os pés, de uma alvura virginal, pousados no rochedo. Sobre cada um deles brilhava uma rosa cor de ouro. Uma cinta, azul como o céu, pendia em suas faixas, acompanhando o vestido até em baixo. Um véu branco encobria-lhe a cabeça, envolvendo os ombros.
Um rosário, de contas alvas como gotas de leite, cuja corrente dourada parecia luminosa, pendia das mãos postas da aparição misteriosa. Ela se conservara silenciosa nas primeiras aparições, e nas subsequentes, falava pouco e com poucas palavras. As primeiras aparições são uma espécie de identificação, nas quais a Virgem Santa convida a menina a voltar a este lugar, a convocar o povo, a dizer aos pais que ali quer se edifique uma igreja, que se reze, que se faça penitência pela conversão dos pecadores, beijando a terra em sinal de humilhação. A aparição mais importante deu-se no dia da Anunciação, (25 de março). O resplendor que, em cada aparição precedia e seguia a chegada da Virgem, cercando - a de raios celestiais, projetava nesse dia um clarão mais refulgente. Ela se mostrou em toda a beleza da candura de Virgem, em todo o fulgor da dignidade de Mãe e de Rainha. Bernadette, como em êxtase, levantou a cabeça para ver melhor a celeste aparição, e conforme as indicações do Vigário de Lurdes, dirigiu-lhe a pergunta: ó minha Senhora. queira ter a fineza de dizer-me quem é e qual o seu nome?
Tendo repetido quatro vezes a mesma pergunta, a Virgem separou as mãos. e abaixando-as à terra elevou-as de novo para o céu. juntou-as diante do peito e disse com uma expressão de inefável ternura: - EU SOU A IMACULADA CONCEIÇÃO!
No dia 7 de abril. a Virgem Imaculada mostrou-se de novo a Bernadette, tão bela, tão radiante, que a feliz vidente entrou imediatamente em êxtase. Neste estado ela inclinou as mãos meio juntas. acima do círio que havia trazido, e depositado por terra. de modo que a chama passava através de seus dedos, levemente separados uns dos outros . Um médica presente observou o fato que durou 15 minutos, e a extática tendo voltado a si, ele lhe tomou a mão para observar o efeito do fogo: a chama não lhe havia ocasionado nenhuma queimadura.
Enfim. em 16 de julho, festa de N. Sra. do Carmo.
Bernadette viu, pela última vez, a radiosa aparição. que não lhe disse palavra. mas saudou-a com um leve sorriso, como para dizer-lhe adeus, antes de voltar ao reino da glória. A Virgem de Lurdes era tão bela, dizia Bernadette, como nunca se viu beleza igual, bela. ajuntou ela sorrindo. como deve sê-lo no céu.
Um dia, interrogada por uma das suas companheiras sobre a beleza da aparição, não pôde responder senão por meio de uma espécie de êxtase, e exclamou tristemente:
- Para se ter uma ideia da beleza de Maria, precisava-se ir ao céu.
Sobre seu leito de agonia. uma criancinha de uns 6 anos perguntou-lhe com meiguice:
Minha Irmã. a Senhora viu Nossa Senhora?
- Sim, respondeu baixinho a enferma.
- Era bela? continuou a criança.
- Oh ! tão bela, exclamou Bernadette, com vivacidade, que depois de tê-la visto, a gente deseja morrer para vê-la de novo.
II - OS ENSINAMENTOS DE LURDES
São numerosos os ensinamentos da Virgem Imaculada, tanto no ponto de vista dogmático, quanto no ponto de vista moral . É uma confirmação da infalibilidade do Soberano Pontífice. Em dezembro de 1854, o Santo padre Pio IX proclamou o dogma da Imaculada Conceição. Apenas três anos depois desta solene proclamação, eis que a Virgem Santíssima, em 11 de fevereiro de 1858, vem confirmar pessoalmente este glorioso privilégio, dando a si mesmo o nome de: Imaculada Conceição.
O Papa havia dito: Ela é Imaculada em sua Conceição; a Virgem Santa lhe respondeu: Eu sou a Imaculada Conceição.
* * *
Na sexta aparição, tendo Bernadette perguntado à Virgem Sma. o que era preciso fazer, ela respondeu: Rezar pelos pecadores.
É uma das verdades por demais esquecidas e uma das obrigações da vida cristã, muito descuidada: Deus quer salvar os pecadores, mas como eles mesmos, estando em estado de pecado, não podem merecer a graça da conversão, esta deve ser pedida pelas almas justas, donde urge o dever de rezar por eles para que se convertam. Aparece, tendo nas mãos o rosário, entregue por ela, a primeira vez, a São Domingos, como instrumento eficaz da conversão dos albigenses, o qual quer ver recitado hoje para a salvação da sociedade, em perigo de dissolução.
* * *
Na oitava aparição, a Virgem Santa exclamou por três vezes: Penitência! Penitência! Penitência!
É a lição do espírito de penitência ou de sacrifício, tão necessário em nossos tempos.
O mundo naufraga no gozo dos sentidos; o antídoto é a penitência: o afastamento dos perigos, a fuga das ocasiões, a mortificação das paixões e das faculdades da nossa alma: Se não fizerdes penitência, havia dito o Salvador, todos perecereis (Lucas XIII 5).
III - CONCLUSÃO
Desde esse dia, Lurdes tem sido a cidade dos milagres.
Conforme o desejo da Imaculada, construiu-se ali um majestoso santuário, aonde o povo cristão, em piedosa romaria, acorre de todas as partes do mundo. Milhares de enfermos, do corpo ou da alma, têm encontrado ali, na gruta de Massabielle, na procissão do Santíssimo Sacramento, a saúde, a fé, o fervor e a generosidade. Lurdes é a cidade da Imaculada, é também a cidade da Eucaristia.
A Mãe e o Filho estão ali reunidos nas homenagens, que recebem do povo cristão, como na realização dos milagres, que diariamente, se verificam. É como a renovação da cena de Caná: Et erat Mater Jesu ibi, vocatus est autem et Jesus (Joannes II. 1,2)
A Virgem Santa pede: o Filho atende.
Maria intercede: Jesus concede.
Todas as noites, o Santíssimo Sacramento é levado processionalmente em redor da esplanada da Basílica, sendo nesta ocasião, que os numerosos enfermos, deitados ao lado do caminho, que Jesus deve percorrer, imploram com mais fé: "Jesus, Filho de Davi, socorrei-nos! "É nesta ocasião que são alcançados a maior parte dos milagres. Maria Sma. é ali de modo especial a Virgem do Santíssimo Sacramento. Lurdes é como o berço do título aprovado pela Igreja: Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento.
Em meio das nossas ocupações, durante as nossas orações, representemos-nos, às vezes, a doce aparição da Imaculada, tal qual se mostrou a Bernadette, recolhendo os ensinamentos: de rezar pelos pecadores; de fazer penitência e de aproximar-nos, frequentemente, da Sagrada Eucaristia.
SÃO GABRIEL DAS DORES
(27 de Fevereiro)
EVANGELHO (Marc. X. 1 3-21)
13 - Naquele tempo, apresentavam a Jesus, meninos, para que os tocasse: mas os discípulos ameaçavam os que Ih'os apresentavam.
14 - Vendo isto, Jesus ficou muito desgostoso, e disse-lhes: Deixai vir a mim os meninos, e não os embaraceis: porque destes tais é o reino de Deus.
15 - Em verdade vos digo: Todo o que não receber o reino de Deus como um menino não entrará no reino dos céus.
16 - E abraçando-os, e impondo-lhes as mãos, os abençoava.
17 - E tendo saído para se pôr em caminho, veio um homem correndo, e ajoelhando-se ,diante dele, suplicou-lhe: Bom Mestre, que devo eu fazer para alcançar a vida eterna?
18 - E Jesus disse-lhe: Porque me chamas bom?
Ninguém é bom, senão só Deus.
19 - Tu sabes os Mandamentos: Não cometas adultério, não mates, não furtes, não digas falso testemunho, não cometas fraudes, honra teu pai e tua mãe.
20 - E ele, respondendo, disse-lhe: Mestre, todas estas coisas tenho observado desde a minha mocidade.
21 - E Jesus, pondo nele os olhos, mostrou-lhe afeto, e disse-lhe: Uma coisa te falta: vai, vende quanto tens, e dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu: e vem, segue-me.
23a INSTRUÇÃO
VIRTUDE E DEVOÇÃO DO SANTO
São Gabriel de L'Adolorata, cuja vida está encerrada na aplicação do Evangelho que lhe dedica a Igreja, é um dos santos protetores da juventude.
Jesus disse: Destes tais é o reino de Deus, todo o que não receber o reino de Deus como um menino, não entrará nele.
O humilde Passionista que a Igreja honra neste dia, soube, admiravelmente, compreender e reduzir em prática o convite do divino Mestre: fez-se pequenino, simples, caridoso, como as crianças.
São Gabriel é entre os religiosos, o que Santa Teresinha de Lisieux é entre as religiosas: são dois luzeiros de uma santidade simples, prática, ao alcance de todos.
Cada santo tem a sua fisionomia própria, que o distingue dos outros santos e esta fisionomia é formada por uma devoção e uma virtude próprias.
Percorramos um instante a vida de São Gabriel, destacando depois esta fisionomia própria. Vejamos pois, sucessivamente:
I - A sua vida simples e comum exteriormente.
II - A sua devoção e virtude próprias.
I - VIDA DE SÃO GABRIEL
S. Gabriel, no mundo Francisco Possente, nasceu em 1838, em Assis, lugar já santificado por São Francisco, sendo filho do Governador dessa cidade.
Passou os primeiros anos da infância protegido pelos cuidados da sua piedosa mãe.
Morta esta, o pai, profundamente católico, continuou a obra de formação do filho.
Apesar de piedoso, Francisco vinha-se revelando, no verdor dos anos, um tanto inconstante, volúvel e irascível.
Era ao mesmo tempo vaidoso, querendo se trajar sempre com esmero e conforme a moda. Frequentava as reuniões joviais e se entregava com ardor e entusiasmo aos divertimentos frívolos, ainda que sempre honestos.
O pai, zeloso pela formação do filho, entregou-o à direção dos Irmãos das Escolas Cristãs e depois aos Revs. padres Jesuítas, onde terminou os estudos elementares.
Francisco dedicava grande afeição a sua irmãzinha Maria, que muito se lhe assemelhava em tudo.
A morte desta irmãzinha foi para ele o golpe, que o devia separar do mundo e levá-lo a Deus.
Nesta ocasião, o jovem caiu gravemente doente e foi quase por milagre que escapou à morte. Então, prometeu a Deus, caso sarasse, de consagrar-se inteiramente ao seu serviço.
Pensava primeiro em ingressar na Companhia de Jesus, mas Deus o destinou para os Passionistas.
Despediu-se de seu querido pai, de seus amigos, e dirigiu-se para a casa de Noviciado dos Passionistas, em Morro Valle, onde recebeu o santo hábito, em 10 de setembro, de 1856, tomando o nome de Gabriel de L'Adolorata. Professou no ano seguinte, com uma convicção e um amor de Deus admiráveis.
O jovem Passionista, sem se distinguir, exteriormente, de seus colegas, procurava santificar-se pela observância fiel da sua regra; pelo espírito de oração e pela aplicação aos estudos superiores, que começou depois da profissão.
Jovial, caridoso, mortificado, Gabriel seguia exteriormente os exercícios da sua comunidade, mas procurava interiormente aperfeiçoar tudo e santificar-se, distinguindo-se apenas pelo seu terno amor à Virgem das Dores e à Sagrada Eucaristia.
Tinha, constantemente sobre os lábios, a saudação Angelical e recitava, diariamente, o rosário com uma devoção tocante, juntando-lhe o Stabat Mater, que era recitado entre lágrimas e suspiros.
Contam seus companheiros que Gabriel, embora jovial, era reservado em suas palestras, porém, quando podia falar da Mãe celeste, sua eloquência tornava-se fluente, inesgotável.
Quanto à Eucaristia, era o centro de sua vida.
Comungava diariamente com extrema devoção, consagrando a manhã em ação de graças, e a tarde em preparação para a comunhão seguinte.
Durante o dia, fazia numerosas Comunhões espirituais, tendo sempre o espírito perto do Tabernáculo.
Estava o piedoso estudante no 23o ano de sua vida, com uns 5 anos de vida religiosa, seguindo com pleno sucesso os estudos teológicos, quando, de repente, a saúde começou a enfraquecer. Pouco depois, estava tuberculoso.
Gabriel não se admirou; fez o sacrifício de sua vida, pedindo a Deus, não a cura, mas a graça de uma santa morte.
Enquanto se mantinha em pé, quis seguir os exercícios da comunidade, não aceitando nenhum privilégio. No dia 16 de fevereiro de 1862, depois de ter assistido à Santa Missa e feito a Sagrada Comunhão, Gabriel sentiu-se tão abatido que foi obrigado a ficar de cama, onde a enfermidade, a passos lentos, mas seguros, ia arruinando o seu organismo.
Calmo, resignado, absorto na oração, Gabriel só pensava na eternidade; pediu perdão a seus colegas das faltas cometidas, recomendava-se às orações de todos, e preparava-se para comparecer perante o tribunal de Deus.
Nos últimos dias, foi cruelmente perseguido pelas tentações do demônio, as quais, conforme narrava o doente, eram de presunção. Mas tendo o seu confessor aspergido o quarto com água benta, Gabriel ficou sossegado, dizendo que gozava de uma paz profunda.
Uma outra vez, o demônio lhe apresentou visões obscenas, mas o enfermo afugentou-o invocando a Virgem das Dores.
Sentindo a morte aproximar-se, pediu que lhe trouxessem a imagem da Virgem dolorosa; cobriu-a de beijos e inundou-a de lágrimas, apertando-a com força contra o coração, dizendo: Ó minha boa Mãe, depressa!
Depois, sem nenhuma ânsia, calmo, sereno, Gabriel abriu os olhos, levantou-os e os fixou em direção ao lado esquerdo: um suave sorriso aflorou-lhe aos lábios, e o seu semblante parecia nimbar-se de uma luz radiante; um leve suspiro saiu de seu peito, e o jovem religioso não pertencia mais a este mundo. Era no amanhecer do dia 27 de fevereiro de 1862.
O corpo de Gabriel, sepultado no Convento dos Passionistas aí esteve 30 anos. Este sepulcro tornou-se glorioso, sendo centro de romaria dos fiéis, e uma fonte de milagres, a ponto que em 1892 os restos mortais do santo jovem foram exumados, reconhecidos, e outra vez depositados no sepulcro, onde se multiplicaram os milagres.
Em 1896 a sua causa foi introduzida em Roma, e em 1905, após rigorosos exames, o Papa proclamou a heroicidade das virtudes de Gabriel. Três anos depois, foi declarado Bem-aventurado e a 12 de maio de 1918, o Santo padre colocou a corôa dos Santos sobre a fronte do fiel imitador de São Luís Gonzaga, o amável e generoso Passionista São Gabriel de L'Adolorata.
II - DEVOÇÃO E VIRTUDE PRÓPRIAS
Percorrendo a vida tão simples, quase banal, de São Gabriel, ficamos admirados de não encontrar nela qualquer coisa que o eleve acima de seus colegas de estudo e de hábito.
É o jovem sério e estudioso, procurando agradar a Deus e aos seus colegas, sem fazer nada que saísse do quadro da vida comum. De fato, assim é, porém, é preciso redizer muitas vezes esta grande verdade: a santidade não consiste em fazer muitas e grandes coisas, mas sim, em fazer bem o que devemos fazer. Exteriormente, São Gabriel, como aliás Santa Teresinha e muitos outros santos, nada fizeram de extraordinário; contentaram-se, como o Salvador, em fazer bem todas as coisas: omnia bene fecit. Se, exteriormente, nada fez de extraordinário, interiormente, tudo era extraordinário pelo amor, pelo esforço, pela pureza de vida e de intenções; é ali que está o segredo da sua santidade.
Para Deus, a ação exterior não tem outro valor, senão o de concordar com a sua divina vontade; o que valoriza e eleva esta ação é a intenção, é o amor com que é feita.
* * *
Em São Gabriel dois pontos se destacam: a sua devoção tema e compadecida para com as dores da Virgem Santa e a prática da caridade fraterna. A Virgem das Dores era a sua predileta.
Foi aos pés da Virgem dolorosa que havia desabrochado a sua vocação, e foi com a sua imagem apertada ao peito que exalou o último suspiro. O seu lema, para estimular-se à prática da virtude, era: - Que é que não se faria para uma tal mãe?
E para agradar a Virgem das Dores, para consolá-la e reparar os ultrajes que recebe da parte dos pecadores, Gabriel acumulava os sacrifícios, mortificava-se, interdizia-se as mais legítimas inclinações da natureza, querendo só viver aos pés da sua querida Mãe desolada.
Cada noite, depositava aos pés de Maria um ramalhete admirável de mortificação no sentar-se, ao ficar em pé, no comer, no beber, no repouso e no trabalho, mortificação dos sentidos, em particular dos olhos, que mantinha sempre em perfeita modéstia.
* * *
A sua virtude predileta era a caridade fraterna.
Esta virtude, diz o seu diretor espiritual, imprimia o caráter distintivo na santidade do jovem. Era ele amável , carinhoso, alegre, esquecendo-se a si mesmo para agradar aos outros.
Nenhuma parcialidade, nem singularidade se manifestava nesta caridade: todos possuíam o seu coração, e cada qual o possuía todo. Entre os seus amigos não havia primeiro nem segundo: cada qual ocupava o primeiro lugar. A todos escusava, de todos se compadecia, de todos se lembrava.
Suspeitando que um irmão estava sobrecarregado de serviço, prestes corria a ele para ajudá-lo.
Ao precisar um religioso, de qualquer coisa e receando pedi-la ao Superior, lá ia Gabriel prestar-lhe êste serviço, correndo depois alegre para o companheiro, dando-lhe a notícia que tudo estava alcançado. Parecia viver só para prevenir, adivinhar e interpretar os desejos de seus irmãos, estando sempre a espreitar com isto, as necessidades alheias, para tornar-se útil aos outros.
Com modos amáveis, intrometia-se nos trabalhos dos outros, para suavizar-lhes o cargo: voava a toda parte onde alguém carecia de auxílio, e sempre com o sorriso no semblante e com tal prontidão de ânimo, que até se sentia agradecido quando o deixavam ajudar. Com estes atos contínuos de caridade Gabriel acumulava os sacrifícios para oferecê-los, a sua querida Mãe das Dores, e se tornou tão querido de Deus, como o era de seus companheiros.
III - CONCLUSÃO
Tal é a vida simples deste jovem religioso, êmulo de Santa Teresinha, com quem revelou possuir tantos traços de semelhança, e cuja doutrina da santa infância praticava, antes que a santinha de Lisieux a promulgasse em sua extraordinária Autobiografia.
Recolhamos da vida de São Gabriel, os dois traços característicos de sua santidade: a devoção à Virgem dolorosa e a virtude da caridade para com o próximo. Cada qual deve seguir o convite e a orientação da graça em sua devoção, como cada religioso deve adotar e desenvolver em si a devoção de seu Instituto. São Gabriel, como Passionista, cultivava a devoção a Jesus crucificado, e à Mãe das Dores. Outros Institutos escolhem outras devoções, que combinem com o seu espírito e o seu apostolado Pouco importa o nome: não é tal ou tal devoção que santifica, é o modo amoroso de pôla em prática.
Quanto à virtude característica de São Gabriel, esta deve ser adotada por todos aqueles que pretendem amar a Deus e conquistar a perfeição, pois é a virtude básica de toda a perfeição:: é o grande mandamento de Deus: Amarmos uns aos outros. Manda tum novum do vob1s: ut dihgat1s invicem. (João XIII. 34).
SANTO TOMAS DE AQUINO
(7 de Março)
EVANGELHO (Mateus V. 13-20)
13 - Vós sois o sal da terra. Mas se o sal se desvirtuar, com que se ha de restituir-lhe a virtude? Fica sem préstimo algum; é lançado fora e pisado pelos homens.
14 - Vós sois a luz do mundo. Não pode permanecer oculta uma cidade situada sobre um monte.
15 - Nem se acende uma luz e se mete debaixo do alqueire, mas, sim, sobre o candieiro para alumiar a todos que estão na casa.
16 - Assim também brilhe diante dos homens a vossa luz, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem o vosso Pai celeste.
17 - Não julgueis que vim abolir a lei e os profetas; não os vim abolir, mas levar à perfeição.
18 - Pois em verdade vos digo que passará o céu e a terra, mas não passará um "i" nem um ápice sequer da lei, enquanto não chegar tudo à perfeição.
19 - Quem abolir algum desses mandamentos, por mínimo que seja, e ensinar assim a gente, passará por ínfimo no reino do céu. Aquele, porém, que os guardar e ensinar, será considerado grande no reino do céu.
24a INSTRUÇÃO
O SANTO E O SÁBIO
Sto. Tomás é, no dizer dos hagiógrafos, o mais sábio dos Santos e o mais santo dos sábios.
É por isso que a Igreja lhe aplica o Evangelho, no qual o divino Salvador proclama os seus Apóstolos e os seus sucessores o sal da terra e a luz do mundo.
Sal da terra, para preservá-la da corrupção: luz do mundo, para indicar-lhe o caminho da verdade.
O sal simboliza a vida santa, enquanto a luz significa a verdade da doutrina.
Dois símbolos, que se aplicam admiravelmente a Santo Tomás. Examinemos:
I - A vocação e as lutas do Santo.
II - A ciência e a virtude do sábio.
I - VOCAÇÃO E LUTAS DO SANTO
Santo Tomás nasceu em Rocca-Secca, no reino de Nápoles, em 1225, sendo seu pai o Conde Landolfo de Aquino, irmão do Imperador Frederico II.
Desde a mais tenra infância, o menino demonstrava rara sagacidade de espírito. Na idade de 5 anos sua educação foi confiada aos monges Beneditinos do Monte Casino, cujo Convento se erguia em frente ao Castelo do santo. Ali o pequeno Tomás revelou aplicação constante aos estudos e compreensão sem igual.
Conversava pouco, parecia até taciturno e distraído, como indiferente a tudo o que se passava em redor de si.
Na idade de 10 anos frequentou em Nápoles os cursos de belas artes e dialética, continuando também os estudos das ciências físicas, metafísicas e morais.
As mais árduas matérias eram um brinquedo para esta criança, que se fazia notar em todas as aulas pela clareza, a profundeza e o dom da fórmula positiva e adequada, que lhe era peculiar.
O atrativo para a vida religiosa, contemplativa e ativa, em breve o levou até Nápoles, ao Convento dos Dominicanos, em 1243.
Tomás tinha, então, 18 anos. A família, sobretudo a mãe, a Condessa Teodora, apesar de piedosa, tudo fez para desviar o jovem conde daquela resolução. Tornou o caminho de Nápoles para opôr-se à resolução de seu filho, porém, Tomás, avisado da sua vinda, pediu que o mandassem secretamente à Roma, donde seguiu com destino a Paris.
A Condessa não se deu por vencida, mas recorreu a seus dois outros filhos, brilhantes oficiais do exército do Imperador, pedindo-lhes que prendessem o fugitivo em caminho.
Tomás foi preso, de fato, e tornou-se cativo de sua própria mãe, numa estreita cela do castelo paterno. Ali, a mãe recorreu a todos os meios para fazê-lo mudar de ideia: lágrimas, súplicas, carícias, eloquência materna, mas tudo em vão.
Tomás, sensibilizado, sofrendo pela dor, que causava a sua mãe, respondia com todo respeito que "Deus é o primeiro pai, a quem devemos obediência".
Após os ataques da mãe, sucederam os ataques repetidos de suas irmãs, desfeitos por Tomás que chegou a ganhar uma delas para a vida religiosa.
A Condessa, vendo que não podia vencer pela doçura, recorreu à força e mandou encarcerar o filho. numa das torres. do castelo, encarregando os dois oficiais, que haviam chegado, de vencer a resistência do irmão. Um deles, verdadeiro fratricida, recorreu ao meio mais infame para perder a vocação do irmão. Resolveu abatê-lo pela voluptuosidade. Contratou uma jovem e bela cortesã, conhecida por sua astúcia, e introduziu-a na cela de Tomás.
A luta foi curta, mas enérgica. Compreendendo o perigo que corria sua virtude, o jovem tirou da fogueira de sua cela um tição ardente, foi ao encontro da tentadora, ameaçando de queimá-la, se não se retirasse imediatamente.
A cortesã não se fez de rogada, e mais depressa do que tinha vindo, fugiu diante do tição aceso. Depois, ufano da rápida vitória, tal o cavaleiro com a sua espada, traçou com o tição abrasado, um grande sinal da cruz na parede da cela, caiu de joelhos e pediu a Deus o dom de uma virgindade perpétua, superior a todos os ataques. Um sono extático apoderou-se do jovem e este viu aparecer dois anjos, que lhe cingiram os rins com o cordão da castidade. Finalmente, após um ano de reclusão, o conde e a condessa, seus país, fecharam os olhos sobre uma evasão possível, e, à noite, Tomás pôde descer por uma janela da torre, voltando logo a seu Convento em Nápoles. Tinha apenas 19 anos de idade.
Daí em diante, o angélico Tomás irá de triunfo, em triunfo, crescendo em virtude e ciência, até tornar-se o grande luzeiro teológico e o incomparável santo, que, hoje ainda, o mundo admira e venera.
II - A CIÊNCIA E A VIRTUDE DO SÁBIO
Tomás começou o noviciado e fez a profissão religiosa no ano seguinte, 1214.
Receando novas perseguições da parte da família, os Superiores mandaram-no terminar os estudos no estrangeiro.
Foi a Paris e depois para Colonha, onde seguiu os cursos de teologia do famoso dominicano Alberto Magno. Com tal mestre, os progressos do jovem religioso foram imensos, porém ele os conservava escondidos por humildade. Corno falava pouco e fugia de toda discussão, seus condiscípulos julgavam que era falto de inteligência. Apelidaram-no o BOI MUDO, em alusão a sua corpulência. Pouco tempo depois, interrogado pelo professor sobre questões obscuras, Tomás respondeu com tanta segurança e perspicácia que Alberto Magno exclamou perante todos: "Apelidais Tomás de boi mudo", pois bem, chegará o dia, em que mugirá tão alto, que tais mugidos ecoarão no mundo inteiro" Disse a verdade: o "boi mudo" tomou-se o Anjo das Escolas, o Doutor angélico, mestre universal de todos os sábios. O santo teria preferido ficar sempre religioso simples e desconhecido, porém a obediência o obrigou a conquistar os vários graus na célebre universidade de Paris, onde se tomou sucessivamente bacharel, licenciado e Doutor.
Sua incomparável capacidade intelectual obrigou os superiores a deixá-lo lecionar, uns tempos, na universidade, o que fez com tanta superioridade que ultrapassou todos os seus mestres.
Seu nome de Doutor Angélico é o testemunho bastante de seu mérito e da sua ciência. Tomás compôs as obras mais sábias, que se conhecem.
A Suma Teológica, escrita pelo santo, marca o ponto culminante, que tinha alcançado o pensamento humano e cristão. É a exposição completa de toda a teologia dogmática e moral do Cristianismo. coisa admirável ! Desde o século XIII nenhum erro surgiu que não fosse previsto por seu espírito, como que profético, e refutado sem réplica até em suas bases. O protestantismo inteiro, com todas as suas modalidades, está de antemão refutado na Suma. A S. Boaventura, que lhe perguntou um dia onde aprendia tantas e tão sublimes coisas, Tomás disse que tudo que sabia o havia aprendido aos pés do crucifixo.
Um dia, em Nápoles, como de costume, orando com fervor diante de seu crucifixo, ele ouviu estas palavras:
- "Tomás, escreveste bem de mim: qual é a recompensa que queres.
A resposta foi imediata: - Senhor, não quero outra coisa senão a Ti mesmo!
Santo Tomás é chamado Doutor angélico, e de fato, era angélico pela sua pureza, como já o vimos e angélico pela sua doutrina. Morreu com toda a glória de sua virgindade, resultando dos documentos da sua canonização, que a sua confissão geral na hora da morte, foi como a de uma criança de cinco anos.
A sua doutrina é mais que humana: deve ter recebido, diretamente de Deus, uma comunicação da ciência dos anjos.
De fato, ouve mais, do que argumenta, e possui mais intuição, do que raciocínio: parece mais anjo, do que homem.
* * *
Esta ciência extraordinária não alterava nunca a doçura e a amabilidade do santo. Descendo das alturas da contemplação, era de convivência sorridente e alegre.
A uma cortesia perfeita, que revelava o descendente de uma raça ilustre, Tomás juntava reserva e dignidade suaves, fugia às relações exteriores, evitava as palavras inúteis. e não se imiscuía, sem necessidade, nas coisas temporais.
Era de uma frugalidade extrema, comia pouco e apenas uma vez por dia, de modo que o seu jejum era perpétuo.
Dormia pouco, e quando a Comunidade, após completas, ia repousar, Tomás passava ainda longo tempo diante do Tabernáculo.
Na idade de 49 anos, havia terminado sua obra genial e sua carreira de santo.
O Papa Gregório X, tendo convocado um Concílio geral em Lião para o ano de 1274, convidou o Santo, em razão de sua ciência e santidade.
Ele foi, mas caiu doente em caminho no Convento dos Cistercienses de Fossanova, onde faleceu santamente, depois de ter predito a sua morte, a 7 de março de 1274.
Tomás foi canonizado em 1323, e declarado Doutor da Igreja em 1567, pelo Papa Pio V, com o título de Doutor angélico.
III - CONCLUSÃO
Tal é a vida e santidade admiráveis deste gênio tão profundo. Dessa vida fecunda, recolhamos para nossa imitação, o que forma o característico da sua devoção: um amor ardente pela sagrada Eucaristia. O ofício. que compôs sobre o Santíssimo Sacramento, é uma prova palpável deste amor apaixonado e esclarecido. Ordenado sacerdote, parecia no altar, antes um anjo, do que um homem.
Não se podia vê-lo celebrar. sem sentir-se penetrado de devoção. Muitas vezes, regava o altar de lágrimas, e ficava longos momentos como em êxtase diante da Hóstia Santa, contemplando-a com um doce sorriso e olhares enternecidos.
A sua devoção à Virgem Santíssima não era menos admirável, como testemunha o seu apreciável Comentário sobre as palavras de Ave-Maria.
A estas duas devoções fundamentais, juntemos a sua atividade. Aproveitava todos os momentos de sua vida, aliás curta, para produzir uma obra capaz de encher várias vidas de homens ativos.
É bem como lhe aplica a Igreja: o sal da terra, pela virtude e a luz do mundo, pela doutrina: um verdadeiro doutor angélico, proclamado por Leão XIII padroeiro especial das escolas superiores católicas.
SÃO JOSÉ
(19 de Março)
Geralmente os fiéis não conhecem bastante a grandeza de São José: esta grandeza, entretanto, é de uma transcendental superioridade à de todos os outros santos, tanto pelas graças e privilégios de São José, como pela extensão de suas virtudes e pelas três prerrogativas, que o elevam acima de todos os santos.
1 - É quase opinião comum entre os teólogos, que São José foi favorecido, como Jeremias e São João Batista, pela purificação do pecado original, antes de seu nascimento.
2 - Ele foi o esposo legítimo da Virgem Imaculada, unido a ela por meio de um verdadeiro matrimônio.
3 - Foi o pai virginal de Jesus, exercendo sobre o Filho de Deus a autoridade paternal, reconhecida pelo Espírito Santo: Seus pais iam todos os anos a Jerusalém. (Lucas II. 41).
Destes privilégios os teólogos deduzem que São José só pertence, de certo modo, a ordem hipostática, e tem direito ao culto de proto-dulia (primeira veneração) como Maria Santíssima tem direito ao culto de hiperdulia (acima de veneração).
Para que alguém pertença à ordem hipostática é necessário que tenha relações com a própria pessoa do Verbo.
Só a natureza humana do Verbo pertence formalmente à ordem hipostática, porém, Maria aproxima-se desta ordem, pela cooperação direta à sua realização: e São José pela cooperação direta aos planos divinos, corno esposo, pai virginal, legal e substituto da autoridade do Pai Eterno.
Estes títulos elevam São José acima de todos os outros santos, e fazem dele o grande protetor da Igreja, como o foi do Menino-Deus e da Virgem- Imaculada.
EVANGELHO (Mateus 1. 18-21)
18 - Estando Maria, Mãe de Jesus, despôsada com José, aconteceu que, sem que tivessem co-habitado, se achasse ela grávida, por virtude do Espírito Santo.
19 - José, seu esposo, sendo justo, e não a querendo difamar, resolveu deixá-la secretamente.
20 - Ora, andando ele com isto no pensamento, eis que um anjo do Senhor lhe apareceu em sonhos, dizendo: José, filho de Davi, não temas receber Maria como tua espôsa: porque o que nela foi concebido é (obra) do Espírito Santo.
21 - E dará à luz um filho, no qual porás o nome de Jesus: porque ele salvará o seu povo dos seus pecados.
25a INSTRUÇÃO
O SANTO ÚNICO EM SEU OFICIO
São José é um santo único em seu ofício, como é único nos privilégios, com que Deus o enriqueceu.
É o Esposo Virgem da Virgem santa.
É o pai adotivo do Menino Jesus.
É o representante do pai Eterno.
Quantas glórias condensadas nestes títulos! O Evangelho resume toda a grandeza de José, dizendo que era um homem justo.
Sim, era justo, o mais justo dos homens, como convém a sua dignidade: mas nesta própria dignidade, José não é como os demais Santos: é uma luz que brilha, é uma sombra que suaviza, que esconde o que os olhos humanos não devem ver e que o demônio deve ignorar.
Sob este respeito, a vida de São José é mais que admirável, é a ação de Deus na vida de Jesus.
Estudemos hoje esta ação do Santo Patriarca, não nas virtudes, que o distinguiram. mas em seu ofício inefável:
I - de sombra, que esconde os grandes mistérios.
II - de véu, que desnorteia o inferno.
I - A SOMBRA DIVINA
São José é um santo quase desconhecido.
Durante trinta anos viveu perto, o mais perto possível de Jesus e de Maria, em relações tais, que nada se pode comparar a essa intimidade. Por isto, ele é aos olhos de Deus e dos santos, não somente o maior dos homens, porém, o maior, o mais amante e o mais amável dos santos. E o mundo nem sequer suspeitou estas grandezas enquanto ele estava na terra. No Evangelho há somente uns traços, ou melhor, umas linhas de esboço sobre o papel de S. José e suas excelsas afinidades.
Os demais santos tiveram por missão ser a fragrância de Jesus Cristo, e de fazer resplandecer o seu nome até às extremidades da terra. São José é um santo todo especial, predestinado para um ministério completamente oposto. Cabe a ele esconder a glória do Salvador até ao tempo de sua manifestação, mitigar os seus reflexos luminosos.
Para compreender esta função augusta do humilde José, e ter a ideia exata da grandeza, a que o eleva este papel, .é preciso considerar a economia do mistério da Incarnação.
Representai-vos um grande quadro, no qual estejam pintados o Pai, seu Filho único, o Espírito Santo e a Santíssima Virgem, todos quatro resplandecentes de tanta glória e de tantas luzes quantos prodígios operam neste mundo. Mas ao invés do que aconteceu num quadro material, em que a sombra tem sempre por fim realçar as figuras, ou pô-las em relevo, aqui, ao contrário, é preciso uma sombra para temperar e mitigar o demasiado esplendor, afim de não ofuscar ou cegar os olhos mortais.
E São José tem uma tal virtude de obscuridade que basta para velar a todos, até ao tempo em que Deus quiser manifestá-los.
Vejamos, nos pormenores, esta ação singular de São José.
A Santíssima Virgem, de fato, está como escondida na sombra de São José. Sua virgindade, sua maternidade divina estão como envolvidas no véu de seu casamento com ele.
O Espírito Santo, igualmente, está escondido debaixo da mesma sombra: pois o que nasceu de Maria, diz o Evangelho, é obra do Espírito Santo : É sua obra prima, sua glória, cujos raios divinos o humilde esposo de Maria apaga.
Mas como explicar a penumbra, em que o próprio Jesus fica envolvido?
O Menino Deus fica sepultado nesta obscuridade de modo a passar como filho do Carpinteiro. "Nonne hic est faber et fabri filius? "
Que véu para temperar o esplendor da divindade na pessoa de Jesus!
Enfim, Deus Pai fica escondido por São José, ao ponto de precisar, pode-se dizer, reivindicar ele mesmo seu Filho, no dia do Batismo, por esta palavra celestial:
"Tu és meu Filho muito amado em quem pus todas as minhas complacências" (Lucas III. 22).
Tal é o papel único de S. José: papel obscuro, mas tanto mais sublime quanto mais obscuro é.
Sem contradição, é um prodígio maior ver a glória de Deus velada, do que vê-la resplandecente de majestade.
Deste modo, a onipotência de Deus mostrou-se num sentido m ais maravilhoso na pessoa de São José, de quem ele se serviu como de um véu, para esconder a sua glória, do que em todos os demais santos, de quem se serviu para manifestá-la. Segue-se daí que é preciso honrar este grande santo "corno estas trevas augustas" de que fala a Santa Escritura, debaixo das quais a Majestade de Deus quis se esconder no antigo Testamento. Posuit tenebras latibulum suurn (Ps. XVI I. 12).
Mas, semelhante às nuvens, das quais o sol só ilumina a parte que não enxergamos, e que são tanto mais luminosas, do lado do céu, quanto mais escuras do lado da terra, assim a glória de José resplandece aos olhos de Deus e dos anjos, em razão de sua obscuridade aos olhos dos mortais.
São José possui glórias inefáveis, quer como esposo de Maria, quer como pai espiritual e legal de Jesus, mas a nossos olhos, nenhuma glória prevalece a esta de ter sido a sombra dos mais adoráveis mistérios de nossa santa religião.
Sob este aspecto, compreende-se melhor o papel de São José e as suas relações íntimas com o céu, com Jesus e Maria.
Ele é o chefe da Sagrada Família, para conduzi-la e mantê-la, mas, ao mesmo tempo, é a sombra que Deus lança sabre estes inefáveis e resplandecentes mistérios, para mitigar o seu brilho aos olhos do mundo, permitindo a Jesus e a Maria realizarem a sua grande missão, de Redentor, de Co-redentora, sem que a ação deles se manifeste antes do mistério da cruz.
II - O VÉU DIVINO
São José e a Cruz! Duas coisas tão diversas, entretanto tão unidas!
Deus serviu-se de São José para esconder a vinda do Redentor, e serviu-se da Cruz para fazê-lo triunfar. Há na obra da Redenção uma particularidade, que não se nota bastante: é o papel da Sma. Virgem na obra da redenção, que se pode chamar: a desforra.
Esta desforra não é senão uma espécie de véu, que Deus estende, para esconder o mistério da Redenção e preparar, em segredo, o triunfo de Jesus Cristo na cruz.
O inferno não pôde deixar de estar inquieto na ocasião do nascimento da Virgem. Qual era esta criatura que escapava, desde a conceição, à marca da dominação diabólica? Não seria a Virgem anunciada pelos profetas?
A serpente astuta fica à espera, vigiando suspeitosa.
Mas Deus frustra seu ardil e suas dúvidas. ele escolhe a São José, para ser o esposo desta Virgem tão temível.
Não, não, exclama então Satanás, não é desta que há de nascer o Redentor, ela é a espôsa do carpinteiro José, de um homem sem valor, sem glória, sem fortuna, nem prestígio!
Jesus acaba de nascer.
Os Anjos entoam seu cântico.
Satanás espia.
Não será este o Messias?
Mas José entra na gruta, e quando o Menino estende para o pobre carpinteiro seus bracinhos inocentes e lhe dá o nome de pai, o maldito fica convencido.
Não! não, exclama ele, não é este o Filho da Virgem, é filho do carpinteiro.
Jesus cresce em idade e sabedoria, aos doze anos confunde os Doutores e os sábios de Jerusalém. O demônio pergunta, de novo, de si para si: Mas donde veio a esta criança tanta sabedoria, piedade, tanto senso sobrenatural?
Breve ele sossega. Maria e São José vêm procurar o menino no templo e sua mãe lhe diz publicamente: " Meu Filho, teu pai e eu te procurávamos inquietos" - E o povo, admirado, faz esta pergunta: "Não é ele o filho do carpinteiro"?
Não, não, exclama Satanás satisfeito, este filho de Maria não é para se temer, deixemo-lo em paz na obscura oficina
Deste modo, o inferno ficou enganado. Quando o extraordinário excita sua desconfiança, São José intervém, e lança sobre os acontecimentos o véu de sua obscuridade.
Todas as suspeitas do inferno são desbaratadas, até o dia, em que fazendo resplandecer a sua força, o Redentor exclama, dirigindo-se ao mundo na pessoa de São João: "Ecce Mater tua."
Eis aqui a vossa Mãe! isto é, a Virgem, a eterna inimiga do inferno, a Mãe dos vivos!
Neste momento, Aquela que o demônio julgava simplesmente uma mulher piedosa, a viúva do carpinteiro, adianta-se até à cruz, coloca seu pé triunfante sobre a cabeça da serpente, ao mesmo tempo que seu Filho, moribundo, lança à terra este grito: "Tudo está consumado!"
Neste momento, Lúcifer perturbado, sob a pressão do pé da Imaculada, esforça-se em vão para morder-lhe o calcanhar. Debalde torce-se o monstro, dobra-se sobre si mesmo o pé virginal torna-se cada vez mais pesado, mais esmagador.
Horror e confusão! estamos vencidos! brada o inferno inteiro. A viúva do Carpinteiro triunfou sobre todos nós. Ela é a Virgem anunciada, e o seu Filho é o Filho de Deus!
Tal é a divina estratégia de Deus, e a parte augusta que nela cabe a São José.
III - CONCLUSÃO
Que Apóstolo vibrante e convencedor teria sido São José! Quem melhor que ele podia falar de Jesus e de Maria, podia transmitir ao mundo as belezas, os encantos do Redentor e da divina co-redentora? E entretanto, nada: nem uma palavra, nem um gesto que nos deixe, ao menos, entrever os pensamentos e a admiração do Santo Patriarca!
Nada porque José era predestinado. não a ser o luzeiro e o Apóstolo do Verbo Encarnado, mas sim o véu e a som brados divinos mistérios, operados em redor dele e debaixo de sua direção.
São José foi, deste modo, o digno chefe da Sagrada Família: foi digno esposo de Maria: foi digno Pai espiritual de Jesus: São José foi tudo isso!
Foi mais! Foi o véu que Deus estendeu sobre o Filho único: debaixo do qual quis esconder a beleza ideal e a virgindade sem sombra da Mãe de Deus.
Ó José! como teu papel é pouco compreendido! Tu és, verdadeiramente, o santo desconhecido!
Possas tu, ao menos, ser apreciado e querido, conforme o mereces, pelas almas, que desejam amar e servir a Jesus!
PATROCÍNIO DE SÃO JOSÉ
(Quarta-feira depois do segundo Domingo da Páscoa)
O Culto de São José, nos últimos tempos. recebeu solene aprovação.
O Santo padre Pio IX, que tanto fez em honra da Virgem Imaculada, não se esqueceu de seu santo esposo.
No dia da Imaculada, em 1870, querendo assegurar para a Igreja novos auxílios do céu, proclamou São José padroeiro universal da Igreja.
S. S. Leão XIII, exortou, diversas vezes, os fiéis a recorrerem à proteção. deste santo.
S. S. Pio X, em 1909, aprovou as ladainhas de São: José, autorizando a sua recitação pública.
S. S. Bento XV , em 1919 aprovou o Prefácio próprio do santo.
S. S . Pio XI não exorta menos os fiéis a recorrerem a São José nas tribulações da hora presente.
A festa do Patrocínio de São José data de 1680 e foi instituída pelo Papa Inocêncio XI.
EVANGELHO (Lucas II. 21-24)
21 - Naquele tempo, aconteceu que, como todo o povo fosse batizado, sendo batizado também Jesus, e, estando em oração, abriu-se o céu.
22 - e desceu sobre éle o Espírito Santo em forma de pomba, e ouviu-se do céu esta voz : Tu és o meu Filho dileto, em ti pus as minhas complacências.
23 - E o mesmo Jesus, então tinha cerca de trinta anos e era considerado filho de José.
26a INSTRUÇÃO
DIGNIDADE E SANTIDADE DE S. JOSÉ
Numa síntese admirável, o Evangelho desta festa põe diante de nós: O Filho de Deus, e o Filho do homem, na única pessoa de Jesus Cristo.
Por ocasião do batismo de penitência, que o Salvador se dignou receber de seu precursor, Deus o proclama seu Filho dileto, e, narrando este fato o Evangelista nos mostra este Filho de Deus, considerado como Filho de José.
Era o Filho espiritual de José e filho verdadeiro da Virgem Maria.
Este título, que o Espírito Santo dá a José, dizendo que Jesus era considerado como seu filho, é o pedestal da grandeza do humilde e santo operário.
Meditemos hoje estas prerrogativas sublimes:
I - A dignidade de São José.
II - A sua santidade.
I - A DIGNIDADE DE SÃO JOSÉ
A primeira dignidade do glorioso Patriarca é ter sido esposo verdadeiro de Maria, e afora a reserva de uma inviolável virgindade, o ter possuído todos os direitos e cumprido todas as funções inerentes a este título de esposo.
São Bernardino, partindo do princípio, que tudo é comum entre espôsa e esposo, põe em pleno relevo a dignidade de São José, ele tem uma parte em todos os títulos de honra, conferidos a Maria Santíssima.
Ela é Mãe: José tem o nome de pai.
Ela é Rainha dos patriarcas, profetas, apóstolos, mártires, confessores e virgens: José também pode ser chamado rei de todas estas ordens.
A comunidade de bens e riquezas é mais legítima ainda que a comunidade de honras.
Os tesouros de Maria pertencem também a José.
Ora, o tesouro, o grande e único tesouro de Maria é Jesus, o Filho de Deus feito seu próprio Filho. esposo verdadeiro de Maria, José recebe uma dignidade não menos admirável: passa como sendo pai de Jesus e recebe este nome, conforme lemos no Evangelho:
Julgando-se que era filho de José (Lucas III. 23).
Não é este o carpinteiro? (Marcos VI. 3).
Não é ele o filho de José? (João V I 42).
Santo Agostinho observa a respeito:
Somente aqueles o julgavam pai de Jesus, porque ignoravam a concepção divina do Salvador, porém o nome de pai lhe compete e lhe é dado pelo Evangelista: Seu pai e mãe estavam admirados (Lucas II. 33), e pela própria Virgem Santíssima: Eis que teu pai e eu te procurávamos cheios de aflição. (Lucas II . 48).
Não é sem um desígnio de Deus que S. Lucas e a Santíssima Virgem, falando sob a inspiração do Espírito Santo, dão a José este nome.
Tal nome de pai não era um título vão, mas exprimia uma função real, uma autoridade, todos os direitos de pai. José não era o pai natural de Jesus, mas pai espiritual pelo seu matrimônio com Maria Sma., pelo seu afeto, pelos cuidados.
Ele havia adotado o Filho de Maria, sua espôsa, como seu próprio filho, recebendo-o como tal do próprio Deus: e Jesus, por sua vez, havia escolhido e adotado José como pai, transmitindo-lhe todos os direitos de paternidade. Segue-se daí que num sentido José era o chefe e o superior de Maria e do próprio Jesus. Aliás, São Paulo nos ensina: pelo casamento o homem torna-se o chefe da mulher: Caput mulieris vir (ICor. XI 3) e embora a Virgem Santa, pelo seu voto de virgindade fosse libertada do dever matrimonial, ela lhe devia, entretanto, como chefe de família, submissão no governo doméstico.
É por isso que Deus, tendo qualquer ordem a transmitir à Sagrada Família, dirige-se sempre a José, como quando lhe comunica a fuga para o Egito, a volta do exílio, a imposição do nome de Jesus, sendo que esta última foi também dirigida a Maria.
Tal superioridade de José estendia-se até sobre o Menino Jesus: é o próprio Evangelho que nô-lo atesta, dizendo que Jesus lhes era submisso.
É um fato, embora não seja um direito. De direito, Jesus Cristo não está subordinado à criatura alguma, porém, quis livremente e para melhor realçar a dignidade de José. obedecer-lhe em tudo, como a um superior, honrá-lo como a um pai verdadeiro, esposo de Maria, pai espiritual de Jesus, representante da autoridade do Pai celeste, tal é a tríplice auréola, que ilumina a fronte gloriosa de S. José, e fez dele o homem incomparável, o maior dos santos, o mais glorioso dos Patriarcas.
II - A SANTIDADE DE SÃO JOSÉ
Passando da dignidade à santidade de São José, pode se afirmar, sem hesitação, que tendo sido o mais elevado em mérito, foi também o mais heroico na prática da virtude.
É uma consequência das inefáveis funções, que lhe toram confiadas como esposo de Maria, pai espiritual de Jesus e representante da autoridade do pai Eterno sobre o seu Filho Encarnado.
É de regra nas operações divinas que, confiando Deus uma missão providencial e santa a uma criatura, comunica-lhe graças e privilégios exigidos por este ofício.
O Evangelho dizendo-nos que José era um homem justo (Mateus 1. 19) mostra claramente que era adornado de todas as virtudes. Aliás o próprio Evangelho nos aponta, em diversas circunstâncias, a prática das virtudes na pessoa de José. Faz-nos entrever a sua moderação e a admirável prudência em percebendo o estado de Maria após a Encarnação do Filho de Deus: a sua fé e a sua obediência recebendo ordens de Deus. Não é sublime esta saída repentina para o Egito?
O anjo lhe ordena que fuja de noite, que parta para um país estrangeiro, levando consigo a mãe e a criança, como se o Céu nada pudesse fazer em favor desta mulher, que lhe dizem ser a Mãe de Deus.
E este menino, que ele deve reconhecer como único Deus verdadeiro, nem sequer pode defender-se dos inimigos, que lhe ameaçam a existência.
Tudo isso seria capaz de fazer vacilar urna fé menos robusta que a de José. E entretanto, nem uma objeção cai de seus lábios, nenhuma dúvida penetra em seu espírito: ele crê, adora em silêncio e parte, sem esperar o dia. Nada nos revelou Deus, da santidade de S. José, nem da sua glória, nem de seu poder, de modo que estamos reduzidos a simples conjecturas, porém, tais conjecturas se apoiam no Evangelho, deduzem-se dos fatos ali narrados.
A glória é a coroação da graça e da santidade: Soares, e com ele os teólogos, pensam que S. José morreu antes da Paixão de Jesus Cristo, e foi ressuscitado por ele, sobrepujando, em glória, os Apóstolos e o próprio João Batista.
São Francisco de Salles julga que S. José está no céu, em corpo e alma, merecendo o culto de dulía mais elevado.
O poder de S. José deriva da sua glória. Não há dúvida, diz S. Bernardino de Senna, que Jesus Cristo, no céu, não tenha diminuído, mas sim aumentado, a dignidade e o poder de intercessão, de que havia cercado, na terra, seu Pai adotivo. S. Bernardo diz: A uns santos Deus outorgou a honra de servirem de padroeiros em certas circunstâncias particulares: São José, porém, recebeu o poder de socorrer-nos em todas as necessidades e de defender todos aqueles que recorrerem a seu patrocínio.
É a razão porque o S. padre Pio IX o proclamou padroeiro da Igreja universal.
III - CONCLUSÃO
Terminemos com as palavras do Santo padre Leão XIII, dando as razões, que justificam o Patrocínio universal de São José.
"A santa casinha, que José governava com lealdade de pai, continha as premissas da Igreja nascente." Do mesmo modo que Maria Santíssima é a Mãe de Jesus Cristo, é também a Mãe de todos os cristãos, que gerou no Calvário.
Jesus. Cristo é como o primeiro dos cristãos, os quais, pela adoção e redenção, são seus irmãos. Tais são as razões por que o santo Patriarca considera como lhe sendo particularmente consagrada a multidão dos cristãos, que compõem a Igreja. sobre esta família imensa, espalhada por toda a terra, o santo esposo de Maria e pai espiritual de Jesus, possuí uma espécie de autoridade paternal. É pois natural e digno do glorioso Patriarca José que, do mesmo modo que provia outrora a todas as necessidades da Sagrada Família, cobrindo-a com a sua proteção, proteja agora a Igreja de Jesus Cristo. Santo Afonso de Ligório diz que o patrocínio de São José pode sobretudo, alcançar-nos três grandes graças, de que precisamos:
1 - A remissão dos pecados, que teria obtido de N. S. durante a vida, para algum pecador que o implorasse.
2 - O amor de Jesus Cristo, a quem tanto amava.
3 - A morte preciosa que mereceu, tendo a felicidade de expirar entre os braços de Jesus e Maria.
Consagremo -nos, pois, a S. José, neste dia, e imploremos o seu poderoso patrocínio.
ANUNCIAÇÃO DE MARIA
(25 de Março)
Deus, tendo decretado enviar o seu Filho a este mundo, podia fazê-lo de quatro modos:
a) Criar um corpo para este Filho, como cria as almas.
b) Formá-lo de uma matéria preexistente, como o corpo de Adão.
e) Fazê-lo gerar por meio de dois cônjuges, como acontece aos homens.
d) Fazê-lo nascer, milagrosamente, de uma Mãe Virgem: e isto é o próprio do Filho de Deus.
Tendo escolhido Maria para ser esta Mãe-Virgem de seu Filho único, Deus podia comunicar-nos o mistério da Encarnação de três modos:
a) Fazendo-o diretamente, sem intermediário, como falou aos nossos primeiros pais.
b) Servindo-se de uma criatura humana, como falou aos Judeus, pela boca dos Profetas.
e) Enviando um anjo, como fez na ocasião da Anunciação.
Convinha que mandasse o anjo, diz Santo Tomás, por três razões:
a) É ordem habitual que a vontade de Deus seja transmitida aos homens por meio dos anjos.
b) Um anjo das trevas havia seduzido a primeira mulher, Eva, e por ela, perdido a raça humana: um anjo da luz devia colaborar no resgate desta humanidade.
e) Um mensageiro celeste convinha à virgindade de Maria, havendo estreito parentesco entre a pureza angelical e a pureza virginal.
O anjo encarregado desta missão, chamava-se GABRIEL, ou força de Deus, o qual, diz S. Bernardo, era o anjo da guarda de Maria Sma.
EVANGELHO (Lucas I . 2 6-38)
26 - E (estando Isabel) no sexto mês, foi enviado por Deus o anjo Gabriel a uma cidade da Galileia, chamada Nazaré,
27 - a uma Virgem despôsada com um varão, que se chamava José, da casa de Davi, e o nome da Virgem era Maria.
28 - E Entrando o anjo onde ela estava, disse-lhe:
Ave, (Maria), cheia de graça: o Senhor é contigo: Bendita és tu entre as mulheres.
29 - E ela, tendo ouvido estas coisas, turbou-se e discorria pensativa que saudação seria esta.
3 - E o anjo lhe disse: Não temas, Maria, pois achaste graça diante de Deus:
31 - eis que conceberás no ventre e darás à luz um filho, e pôr-lhe-ás o nome de JESUS.
32 - este será grande e será chamado Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi e reinará eternamente na casa de Jacó.
33 - e o seu reino não terá fim.
34 - E Maria disse ao anjo: como se fará isso, pois eu não conheço varão?
35 - E respondendo o anjo. lhe disse: O Espírito Santo descerá sobre ti, e a virtude do Altíssimo te cobrirá, com a sua sombra. E por isso mesmo, o Santo que há-de nascer de ti, será chamado Filho de Deus.
36 - Eis que também Isabel, tua parenta, concebeu um filho na sua velhice: e este é o sexto mês da que se diz estéril.
38 - Porque a Deus nada é impossível.
39 - Então disse Maria: Eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra. E o anjo afastou-se dela.
27a INSTRUÇÃO
O MISTÉRIO DE NAZARÉ
O Evangelho do dia narra o glorioso acontecimento da vinda de um anjo à terra em nome de Deus, para comunicar à humilde Virgem de Nazaré, que o Altíssimo a havia escolhido para ser a Mãe de seu Filho. A narração é divinamente enternecedora. Basta percorrê-la, meditá-la, para penetrar, senão compreender. o mais sublime mistério do amor de Deus para com os homens: a Encarnação.
Meditemos, um instante, o desenrolar desta cena, examinemos:
I - A mensagem do Arcanjo.
II - O consentimento da Virgem.
I - A MENSAGEM DO ARCANJO
Era no dia 25 de março, provavelmente, ao raiar da aurora.
Em Nazaré, numa humilde ermida, no fundo de pequena cela, estava de joelhos uma Virgem implorando ao Altíssimo que mandasse ao mundo o Salvador prometido.
Era jovem, bela, com todas as graças dos 15 anos, com todo o amor de seu coração virgem, com todos os atrativos da sua imensurável santidade.
Orava, suplicava, as mãos docemente justapostas sobre o peito e olhar como penetrando a imensidade do firmamento.
O olhar de Deus estava fixo sobre esta pureza suplicante, e a prece, que brotava desta alma cheia de graças, comovia o seu coração de pai da humanidade.
Era chegada a hora da libertação.
Gabriel, um dos arcanjos gloriosos, deixava o céu e baixava à terra, vinha transmitir a mensagem, que o Altíssimo lhe havia comunicado.
Ele desce sigamo-lo.
Ele vai à Galileia em direção de uma aldeia esquecida, chamada Nazaré, para a pequenina ermida, onde ora e suplica uma jovem de 15 anos, desconhecida do mundo, admirada pelos anjos.
A virgem era despôsada, porém, conforme o costume judaico, não coabitava ainda com o esposo, o carpinteiro José. O arcanjo luminoso, sob forma humana, o semblante resplandecente, usava uma veste dourada como a aurora, que despontava ao longe. Numa atitude solene, como convinha ao embaixador do Altíssimo, apresenta-se diante da Virgem em oração: ele fica em pé, inclina-se levemente, e, doces, como as pétalas perfumadas das rosas matinais, caem de seus lábios estas palavras estranhas:
Ave, (Maria) cheia de graça, o Senhor é contigo, bendita és tu, entre as mulheres.
A virgem levanta a cabeça, perturbada ao ouvir esta estranha saudação: não se perturba com a presença do anjo, porém, com tal saudação dirigida por um anjo a uma criatura mortal.
Há uma espécie de luta interior entre o espírito do anjo e o espírito da Virgem silenciosa, cheia de graça e de luz. O anjo, como enviado de Deus, quer elevar a virgem, para fazê-la entrar no caminho mais sublime, que pode existir: e a virgem recolhe-se em sua humildade, esconde-se em seu nada. Ela sabe que é um anjo quem fala, e que sua palavra é a expressão da verdade mas não pode aceitar esta palavra, pois exprime para ela louvor e grandeza.
A virgem fica silenciosa, pensa, e escuta.
* * *
É a segunda fase desta cena divina.
O luminoso arcanjo, pelas primeiras palavras, concentrou a atenção da virgem sobre a grande revelação, que ia transmitir-lhe.
Então, clara como luz do sol, que banha as culminâncias das montanhas, o arcanjo deixa ouvir a grande mensagem, que vem trazer ao mundo.
Não temas, Maria, pois achaste graça diante de Deus; eis que conceberás e darás à luz um filho e lhe porás o nome de Jesus.
Maria, a virgem doravante gloriosa, cujo nome ecoará através do mundo, como um símbolo de paz e de ternura, não se perturba mais: compreende tudo. Passando acima dos sublimes destinos, que o anjo acaba de revelar-lhe e que não a deslumbram, ela se lembra de seu grande tesouro: a conservação da sua virgindade, que havia consagrado ao Senhor.
O anjo lhe anunciou que seria mãe porém, ela havia jurado a Deus conservar a sua virgindade: eis porque humilde pergunta brota de seus lábios virginais: como se fará isto, pois eu não conheço varão? Ela não duvida da onipotência divina, e sabe que Deus. pode conciliar estes dois extremos: mas como se fará isto?
É o terceiro triunfo da virgindade!
O primeiro foi no templo, quando ela fez o voto de virgindade. O segundo na ocasião da sua união virginal com José. O terceiro é o heroísmo de preferir a virgindade à própria honra de ser mãe de Deus. Esta simples frase: como se fará isto, pois eu não conheço varão? é como o Evangelho da virgindade. O anjo anuncia à terra a Encarnação do Filho de Deus: Maria anuncia ao céu a virgindade da futura mãe.
Oh! terra! ufana-te de tua filha!
Se Deus desce, é sob a condição de passar debaixo do arco de triunfo da virgindade.
Legião de virgens, preparai-vos, levantai-vos... Maria desfraldou o estandarte, que vai conduzir-vos ao triunfo!
II - O CONSENTIMENTO DA VIRGEM
O anjo vai responder à pergunta de Maria.
Ela perguntou pelo caminho escolhido por Deus, para executar a sua obra.
O Arcanjo inclina-se mais profundamente, e, fitando a sua futura Rainha, com suprema veneração, explica: O Espírito Santo virá sobre ti, e a Virtude do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra, e por isso o Santo que há-de nascer de ti, será chamado Filho de Deus.
O mistério está desvendado: Maria será Mãe e ficará Virgem!
Santo será o teu fruto, Ó Virgem-Mãe!
Ainda aquela Mão Onipotente, que tirou de um seio estéril o Precursor João Batista, tirará de um seio puro e virginal, o Messias, teu Filho.
Jesus será o teu fruto.
Tu ó Mãe, serás a sua flor!
O Arcanjo calou-se.
Deus dá a Maria o direito de deliberar.
Envia-lhe um anjo, não somente para revelar-lhe a grande obra, que o seu amor e seu poder querem executar, como também para entrar em negociações com a criatura escolhida, mas livre.
A Virgem delibera! Oh! apenas um instante, cheia de emoção, de humildade e de amor.
Deus espera a resposta, o mundo espera, o anjo espera.
E levantando a fronte gloriosa, já coroada pelos dons imensos de Deus, abrindo o coração cheio de graças, e os lábios que devem decidir a sorte do mundo. Maria, com um acento de inefável humildade, deposita nas mãos do radioso Arcanjo as palavras da salvação:
Eis aqui a escrava do Senhor! faça-se em mim segundo a tua palavra!
Esta palavra virginal de humildade e de obediência produziu nos mundos um frêmito desconhecido. O céu e a terra sentem-se comovidos, como dois, irmãos que se encontram após uma longa separação!
Tendo recebido esta resposta, o anjo se inclina mais radiante que a aurora, que começa a dourar o perfil das colinas, e retira-se. Retira-se, para ceder o lugar ao Redentor, que desce.
III - CONCLUSÃO
Que se passou, então, na humilde ermida de Nazaré?
São João no-lo revelou, numa frase que é a mais bela da língua humana:
O Verbo se fez carne e habitou entre nós! O que quer dizer:
O Verbo ou Palavra eterna e substancial de Deus, seu próprio e único filho, tomou a forma de um corpo, do sangue puríssimo de Maria! Era a Encarnação.
Esta encarnação compreendia duas coisas: A descida do Filho e a sua união verdadeira a nossa carne. Descendit de coelis et incarnatus est, diz o Símbolo de Atanásio. A descida do Filho de Deus é admiravelmente descrita por S . Dionísio:
"O Fiat de Maria, diz ele, fez cair Deus em êxtase."
O êxtase é um transporte suscitado pela visão de uma beleza atraente. que fez um ser sair de si mesmo. Ora, a beleza da Virgem, a sua pureza e a sua humildade encantaram o Coração do Filho de Deus, fizeram-no sair de si, cair em êxtase até, no seio de Maria.
E, neste seio, o Filho de Deus une-se a nossa carne. São Bernardo canta em um de seus hinos:
"Contraxit se Majestas", a Majestade divina contraiu-se para unir-se à nossa natureza, para tornar-se um de nós. No seio de Maria o Imenso se fez pequenino. O Verbo divino, que era até aí, somente o Filho de Deus, tornou-se, por Maria, o Filho do homem.
Oh! inefáveis mistérios! prostremo-nos de joelhos, para agradecermos a Maria por seu fiat mihi, para agradecermos a vinda do Salvador, e exaltarmos a Virgem gloriosa, centro e instrumento destes grandes mistérios de salvação.
QUINTA-FEIRA SANTA
A Quinta-Feira Santa é consagrada à comemoração da última ceia: é o aniversário da instituição da Sagrada Eucaristia. O que distingue este dia dos demais dias da Semana Santa é:
A Missa solene, única em cada igreja:
A bênção dos santos óleos:
A procissão para o Altar da exposição:
A desnudação dos Altares:
O Lava-pés.
Para que seja mais frisante e sugestiva a recordação da Ceia suprema , em que Jesus Cristo, consagrante único, deu, com suas próprias mãos, a Comunhão aos Apóstolos, a rubrica autoriza apenas uma missa em cada igreja. Os demais pais assistem a ela revestidos de estola: recebem o Pão eucarístico, distribuído, pelo celebrante, que é, regularmente, o mais elevado na hierarquia eclesiástica.
A missa começa num tom jubiloso até ao Gloria in excelsis Deo. Aí se tocam os sinos, que emudecem depois, até ao GLORIA de Aleluia.
As cruzes, veladas no Domingo da Paixão, conservam-se cobertas com o véu roxo, menos a do Altar Mór, que fica coberta com um véu branco. Durante o dia há a adoração ao Smo. Sacramento guardado no “sepulcro”. Nenhum católico deve deixar de ir passar uma meia hora de adoração aos pés de Jesus sepultado. Todos devera ter a peito sucederem-se, de dia e de noite, neste posto de honra, para prestar as suas homenagens a Jesus Cristo, de noite sobretudo, quando começou a sua dolorosa paixão no horto do Getsêmani. A leitura do Evangelho da missa é feita também na cerimônia do LAVA-PÉS. Citemos aqui o Evangelho da Instituição da Eucaristia:
EVANGELHO (Lucas XXII. 14-21)
14 - E chegada a hora. Jesus pôs-se à mesa, e com ele os doze Apóstolos,
15 - E disse-lhes: - Tenho desejado ardentemente comer convosco esta Páscoa, antes de sofrer:
16 - porque vos digo que não mais a comerei, até que ela se cumpra no reino de Deus.
17 - E depois de tomar o cálice, deu graças, e disse: tomai, e distribuí-o entre vós.
18 - Porque vos declaro que não tornarei a beber do fruto da vide, até que chegue o reino de Deus.
19 - E depois de tomar o pão, deu graças, e o partiu, e deu-lhes, dizendo: Isto é o meu corpo, que é dado por vós: fazei isto em memória de mim.
20 - Tomou da mesma sorte o cálice, depois de cear, dizendo: este cálice é o Novo Testamento em meu sangue, que será derramado por vós.
28a INSTRUÇÃO
O SACRAMENTO DO AMOR
A ceia legal estava terminada.
De repente, Jesus tomou em suas mãos um dos pães ázimos, que havia ficado na mesa, benzeu-o, e, levantando os olhos para o céu, deu-o a seus Apóstolos, dizendo: Tomai e comei, isto é o meu corpo!
Profundo silêncio acolheu estas palavras: silêncio de admiração, sem dúvida, mas também de fé humilde e submissa, porque todos conservavam a lembrança da promessa feita à margem do lago: O pão que darei é a minha carne para vida do mundo. Minha carne é verdadeiramente comida
e meu sangue verdadeiramente bebida. (João VI. 5 2 ) .
Meditemos hoje, estas palavras divinas, no dia mesmo em que foram pronunciadas por Jesus, realizando o maior e o mais estupendo dos milagres: o da transubstanciação do pão em seu corpo, sangue, alma e divindade. Vejamos:
I - O fato da instituição.
II - O amor que a msp1rou.
I - O FATO DA INSTITUIÇÃO
Ninguém duvida, o Mestre acaba de realizar a grande promessa.
Entre nós, quando se dá cumprimento a um acontecimento memorável, este se anuncia com grande alarde, cerca-se de aparato, que o põe em destaque, descrevem-se-lhe com palavras elogiosas as belezas, os benefícios. Jesus não quer fazer como os homens: Ele quer agir como Deus: ora, é próprio de Deus fazer uma grande obra com poucas palavras ou ações. O que Jesus vai fazer não é nada menos do que um ato criador. Sem discursos preparatórios, sem explicações elogiosas, ele toma o pão, e o transforma em seu próprio corpo.
A palavra divina realiza o que significa. No começo do mundo, Deus havia dito: Faça-se a luz! e a luz surgiu do nada!
Sobre o túmulo de Lázaro, morto e sepultado, Jesus havia dito: Lázaro, sai! e Lázaro voltou à vida.
sobre o cadáver do jovem de Naim, Jesus havia dito:
Jovem, levanta-te! e o mancebo reviveu.
Aqui, Jesus diz simplesmente sobre o pão, que tinha nas mãos: Isto é o meu corpo! e é verdadeiramente o seu corpo adorável, real , vivo, capaz de multiplicar-se infinitamente.
Que simplicidade! Que clareza nestas palavras! Que ausência de fraseados! Que autoridade divina!
Sente-se no tom da voz, na majestade, na ausência de palavras supérfluas, que tal frase é criadora. Disse: e isto é!
Nenhuma objeção é possível. É a clareza do raio, e o espírito atemorizado nada tem a objetar, disse um dos fundadores do protestantismo, Melanchtort , num momento de sinceridade.
Quando o Salvador propõe comparações, parábolas, usa de expressões tão claras que sejam compreendidas por todos.
Aqui, sem nada preparar, suavizar, explicar nem antes, nem depois, ele disse simplesmente: Isto é o meu corpo! e é verdadeiramente o seu corpo adorável.
II - O AMOR QUE A INSPIROU
O mistério da presença real de Jesus Cristo é tão grande, que deslumbra o espírito humano.
Pensar que Deus vai mudar esta Hóstia em sua própria substância, que vai ficar no meio dos homens, que pretende ser o alimento das suas almas! Mas, em recompensa de que, Jesus opera tal milagre? Que é que fez o mundo para Jesus, para merecer tal recompensa?
Quando o doce Menino, o Filho de Deus, o Verbo Eterno baixou à terra, este mundo o recebeu e o hospedou do modo pior possível, num estábulo, entre dois animais: e no fim da sua vida, há-de pregá-lo vivo numa cruz, entre dois ladrões. Um Herodes procurou dar-lhe a morte, e outro Herodes o fará passar por louco. Uns tentaram precipitá-lo sobre um montão de pedras. Ah! Senhor, será possível, que após tais maus tratos, insultos e blasfêmias, instituas para os homens, um Sacramento tão inefável! tão divino! Tu. Senhor, que és o pão dos anjos, tu consentirás em tornar-te o pão dos ingratos? Ah! lembra-te, Senhor, do que disseste um dia à Cananeia: Não é bom tirar o pão dos filhos e lançá-lo aos cães (Mateus XV 26).
como é que tua majestade e santidade podem resolver-se a entrar na boca de um Judas? na alma de um Lutero? no peito de um Voltaire, nas entranhas de um Calles?
como é possível que te sujeites a qualquer Sacerdote, por indigno que seja, baixando ao menor sinal dele, do seio de teu Pai, até as mãos impuras? Meu Deus! que mistério insondáve1! E este mistério chama-se: o amor de Deus para com os homens.
* * *
Quem aprofundará este abismo? É o infinito Sic Deus dilexit mundum!
Ouço a voz de Jesus ressoar a meus ouvidos, e murmurar, triste mas amoroso:
Ah, eu o sei, muitas vezes a minha morada será um tabernáculo grosseiro.
A minha igreja será rústica, deserta Até nas grandes solenidades, muitos maus cristãos me voltarão as costas.
Outros permitir-se-ão insolências e ultrajes. Heréticos e gentios me lançarão como pasto aos animais, nas ruas e nas cloacas. Outros ferirão as minhas aparências com punhais. Serei na Hóstia Santa, coberto de escárnios, esmagado aos pés, lançado ao fogo. Eu sei tudo isto! Não importa. Se os homens são ingratos, eu não deixarei de amá-los: a sua maldade não vencerá a minha misericórdia! Quis legem dat amanti?
Eu quero amar até ao fim e amar sem limites. Se houver ingratos, haverá também almas generosas, amantes, anjos da minha Eucaristia! e o amor destes últimos será o contra-peso da ingratidão dos outros! As Catarina de Sena, as Teresa, as Madalena de Pazzi, as Rosa de Lima, as Colomba de Rieti, as Margarida Maria, as Teresinha, os Santo Tomás, os São Boaventura, os Santos Afonso de Ligório, os São João da Cruz, os Francisco de Sales, de Assis, de Xavier, os Inácio, os Domingos, os João Vianney, me farão esquecer a tibieza, a maldade e o desprezo de milhares de outros!
Por amor destas almas puras, eucarísticas, porei as minhas delícias em morar com os homens. (Sal. 8-31).
III - CONCLUSÃO
Eis o que a Igreja nos apresenta na festa da instituição da Sagrada Eucaristia: o amor infinito do Filho de Deus, condenando-se a si mesmo a ser o prisioneiro de amor, dos nossos Tabernáculos e o alimento de nossas almas.
como prisioneiro ele quer ser visitado.
como alimento, ele quer ser comido. No dia de hoje, aproveitemos a ocasião para fazer-lhe uma visita prolongada, em seu sepulcro, onde ele jaz vivo, amoroso, esperando a gratidão de seus filhos. E durante estes dias Santos, façamos a nossa Comunhão pascoal, recebendo este Jesus em nosso coração, como a nossa luz, nossa força, a nossa consolação.
Amor com amor se paga.
Sic nos amantem, .quis non redamaret!
O LAVA-PÉS
(Quinta-feira Santa)
O Lava-pés, ou mandato, é uma cerimônia que tem por fim lembrar a cena tocante de o Salvador lavando os pés a seus Apóstolos, antes de instituir a Sagrada Eucaristia. Em Roma, o Papa lava os pés a doze sacerdotes. Nas Catedrais, o Bispo lava os pés a doze pobres. Nas paróquias, os Vigários escolhem, geralmente, doze meninos, aos quais lavam os pés, enxugam e beijam-nos, em lembrança do ato idêntico de Jesus Cristo. Com estas cerimônias, o Salvador quis ensinar-nos duas virtudes essenciais para a recepção da Sagrada Comunhão: a pureza e a humildade. O Sacramento, que, comunica esta dupla graça, é sobretudo a confissão.
EVANGELHO (João XIII. 1-1 6)
(que deve ser cantado antes da cerimônia, e que convém ler em vernáculo)
1 - Era na véspera da festa da Páscoa. Sabia Jesus que era chegada a hora de passar deste mundo ao Pai, e, como amava aos seus que estavam no mundo, até ao extremo os amou.
2 - E feita a ceia, já o demônio insinuava no coração de Judas, filho de Simão Iscariotes, que o entregasse.
3 - Sabendo que o Pai tinha posto em suas mãos todas as coisas, e que saíra de Deus, e ia para Deus,
4 - levantou-se da mesa, depôs o seu manto, tomou uma toalha, cingiu-se.
5 - Depois lançou água numa bacia, e começou a lavar os pés dos discípulos, e a enxugá-los com a toalha, com que estava cingido.
6 - Veio, pois, a Simão Pedro. E Pedro disse-lhe: Senhor, tu me lavas os pés?
7 - Respondeu Jesus, e disse-lhe: O que eu faço, tu não o sabes agora mas sabê-lo-ás depois.
8 - Disse-lhe Pedro: Não me lavarás jamais os pés.
Respondeu-lhe Jesus: Se eu não te lavar (os pés), não terás parte comigo.
9 - Disse-lhe Simão Pedro: Senhor, não somente os meus pés, mas também as mãos e a cabeça.
10 - Disse-lhe Jesus: Aquele que se lavou não tem necessidade de lavar senão os pés, mas todo ele está limpo.
E vós estais limpos, mas não todos.
11 - É que ele conhecia o seu traidor, por isso disse:
Nem todos estais limpos.
12 - E depois de lavar-lhes os pés. tomou o seu manto, tendo-se tornado a pôr à mesa, disse-lhes: Compreendeis o que vos fiz?
13 - Vós me chamais Mestre e Senhor, dizeis bem, porque o sou.
14 - Se eu pois, (sendo vosso) Senhor e Mestre, vos lavei os pés, deveis lavar-vos os pés uns aos outros.
15 - Dei-vos o exemplo, para que como eu vos fiz, assim façais vós também.
16 - Em verdade, em verdade vos digo: O servo não é maior do que o seu senhor, nem o enviado é maior do que quem o enviou.
29a INSTRUÇÃO
Na vida de Jesus Cristo, tudo é divinamente ordenado.
Ele ensina com os atos, como ensina pelas palavras. Cada gesto é um ensinamento, como cada palavra é uma semente.
Nesta hora, sobretudo, hora da despedida, tudo na vida de Jesus é significativo.
Procuremos penetrar este sentido. Os Apóstolos estão sentados à mesa, acabam de realizar a Ceia legal, prescrita pela lei de Moisés, e Jesus vai iniciar a Ceia divina, a Ceia de seu próprio Corpo, a Ceia Sacramental, com que vai inaugurar o Novo Testamento. Até aí tudo era figura, sombra de uma realidade futura, e agora é chegada a hora desta realidade.
Meditemos com amor esta passagem, divinamente terna e ternamente humana que o Evangelho nos apresenta na cerimônia do lava-pés, considerando sucessivamente:
I - O fato do lava-pés.
II - Os ensinamentos deste fato.
I - O FATO DO LAVA-PÉS
A lei prescrevia que, ao terminar a Ceia legal, os convivas purificassem as mãos.
Os Apóstolos haviam-se levantado para esse fim. Jesus ordena que lhe tragam água. Seu olhar, levemente velado até este momento, torna-se como luminoso, a sua fronte serena e toda a sua pessoa se reveste de majestade sobrenatural.
Os Apóstolos fitam o seu bom Mestre, sentem que qualquer coisa de grande vai seguir-se. Enquanto estão em pé, Jesus lhes faz a instrução legal, que a lei preceitua nesta ocasião, falando-lhes de seu reino, de sua volta para o seu Pai, de seu amor para com eles, os seus amigos. Ensina-lhes também a penitência, a confissão das faltas, o arrependimento e a justificação, referindo tudo à Cerimônia do lava-pés, que vai fazer em seguida.
Terminada esta solene instrução, Jesus ordena a João e a Tiago, o menor, que busquem água no vestíbulo, e manda aos Apóstolos disporem os assentos em semi-círculo.
Durante estes preparativos, o divino Mestre vai ao vestíbulo, retira a sua túnica, que poderia embaraçá-lo, tanto para ajoelhar-se, como para lavar os pés dos Apóstolos: "Surgit a caena et ponit vestimenta sua" e também para melhor assemelhar-se a um escravo.
Os Senhores vestiam, com efeito, comprida e larga túnica, enquanto os escravos não tinham mais do que uma túnica estreita e curta Eis o Salvador de joelhos, tendo uma bacia com água diante de si, e uma toalha na mão, indo de um para outro dos Apóstolos, lavando e enxugando-lhes os pés.
Jesus começa por Pedro. É o chefe, é o primeiro, deve ser o condutor de seus irmãos.
Pedro, impressionado pelas lições, que o Salvador lhes havia dado sobre a humildade, vendo a seus pés o Mestre, que ele proclamara: O Filho de Deus vivo, não pode conter-se diante de tamanho exemplo de humildade, exclama fora de si, de espanto:
Quem sou eu, Senhor, meu Deus, para que me laveis os pés?
Um Deus todo poderoso, lavar os pés de uma vil criatura?!
O Mestre abaixar-se diante de um pecador como eu?!
Não Senhor, é impossível!
Ao contemplar este fato, experimentamos, instintivamente, um sentimento de simpatia por Pedro. Parece-nos que teríamos agido como ele. Pedro compreendeu e sentiu.
Compreendemos menos o silêncio dos outros Apóstolos, que deixaram o Mestre lavar-lhe os pés, sem dizerem palavra.
Sua fé, menos ardente que a de S. Pedro, não lhes representava tão vivamente o Deus, que não se deixa ver senão sob a sua forma humana: tão verdade é, que uma fé confusa e vaga fica insensível às grandezas invisíveis!
Jesus lava, sucessivamente, os pés de cada um dos Apóstolos, até os do traidor Judas. Quem dirá os sentimentos, que se agitavam no coração do divino Mestre?
Lavar os pés dos outros, e sem dúvida, um ato de humildade. mas tocar os pés sujos de um traidor, cuja alma era mais suja ainda, devia causar ao coração de Jesus, grande repugnância!
Mas não, Jesus é pai e mãe.
como tal. lava, enxuga e beija os pés do traidor, com um sentimento de amor e de compaixão tão grande. que dominava qualquer impressão contrária. Seria este modo de agir de qualquer mãe, e a mãe não tem o grande coração de Jesus, e a dedicação dela está bem longe da sua: a ternura dela não tem a profundeza da de Jesus. Judas! Ó Judas! Será possível que tu resistas ao contato destas mãos suaves?
Será possível que este olhar tão maternal não te prostre aos pés do Mestre, banhado em lágrimas de arrependimento? Mas Judas fica indiferente vê a profunda emoção de seu Mestre, mas o seu coração permanece insensível. É que o demônio já havia entrado no coração do traidor, como diz São João. Tudo está terminado: Pedro deu o seu brado de fé:
Senhor, lave-me não somente os pés, mas também as mãos e a cabeça. João chora de comoção ao ver o bom Mestre humilhar-se a este ponto.
Judas desvia a cabeça, não compreende, não ouve: é um renegado. É a primeira confissão indigna, preparando a primeira comunhão sacrílega.
II - OS ENSINAMENTOS
Jesus levanta-se retoma a sua túnica e volta a ocupar à mesa seu lugar de Mestre, explicando, com voz clara e solene, a significação da cerimônia, que acaba de realizar. A lição é clara:
Sabeis o que vos fiz? diz ele. Eu sou o vosso Senhor e Mestre. Lavei vossos pés. Eu vos dei o exemplo para que como eu fiz assim façais vós também. (João 1 3 - 15).
A lição. que Jesus Cristo nos dá, é dupla: a primeira. no sentido literal: é uma lição de humildade e de caridade para com o próximo. A segunda, no sentido espiritual, é a necessidade de lavarmos a nossa alma, antes de sentar-nos ao banquete da sagrada comunhão.
Limitemo-nos hoje a este sentido espiritual por combinar com o tempo da Páscoa, que estamos atravessando. Jesus Cristo é o Sacerdote supremo, o Senhor. o Mestre divino .
Lavando os pés a seus Apóstolos, ele lhes dá uma lição de pureza, pureza da alma, figurada pela limpeza dos pés. Ele perdoou aos Apóstolos, todas as suas faltas, de modo que, se levantam daí purificados, como se deve concluir, das próprias palavras divinas: Vós estais puros, mas não todos. (João XIII. 10).
O Lava-pés é, pois, a imagem da purificação da alma - e esta purificação é a absolvição obtida no Sacramento da Confissão. como os Apóstolos, nestes dias da Páscoa, temos de receber a Sagrada Comunhão, a Hóstia divina, pela qual o próprio Filho de Deus quer ser o alimento da nossa alma.
Mas para receber este alimento divino é de absoluta necessidade ter a alma limpa, purificada pela absolvição do Sacerdote. Ah! não digam: Eu não me confesso! Não tenho pecados! Não matei nem roubei! Não me confesso a um homem como eu! A hora não é de objeções, nem de escusas, mas sim de arrependimento, de reconciliação, de paz com Deus.
Somos pecadores: eis o que é certo. Ora, sendo pecadores, tendo ofendido a Deus, só Deus pode perdoar-nos.
Só ele pode perdoar pecados, porém quem somos nós para exigirmos que Deus baixe do céu e venha, pessoalmente, perdoar as nossas faltas: lavar a nossa alma?
Quem de nós merece tal favor extraordinário? Ninguém!
Eis porque ele comunicou a seus Apóstolos o poder de perdoar os pecados em seu nome. A palavra divina é conhecida: Aqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados, e aqueles a quem retiverdes ser-lhes-ão retidos (João 21. 23).
É claro! é positivo! é irrefutável!
Somos pecadores: precisamos de perdão. Quem pode dar este perdão é o Sacerdote, o ministro de Deus delegado para este fim. Logo, devemos confessar as nossas faltas ao Sacerdote, para ele poder perdoá-las. sendo impossível ele perdoar o que ignora. Por que, pois, não haveríamos de confessar-nos? Deus manda: É uma ordem formal confessar-nos, ao menos, pela Páscoa: ou excluamo-nos a nós mesmos da lei de Deus e da sua proteção. Estamos perante um dilema sem saída. Todo cristão deve confessar-se, e aquele que não o faz torna-se um revoltoso. Queremos ser cristãos completos: Logo, a confissão é necessária! Não matei, nem roubei! Mas isto constitui apenas 2 mandamentos da lei de Deus: Se não temos faltado a estes dois, será bem certo que tenhamos observado os 8 outros?
Não me confesso a um homem como eu! Mas então porque obedece ao Governador, ao Prefeito, ao Magistrado, ao Delegado de polícia? Não são eles homens como os outros?
Obedece a estas autoridades, porque não é ao homem, mas sim à autoridade do homem que obedece.
Pois bem, não é ao homem, como tal, que o senhor deve confessar-se, mas sim à autoridade divina, representada por este homem: É ao ministro de Deus!
Queremos sentar-nos à Mesa eucarística, e esta mesa exige a pureza da alma.
É preciso que o Ministro de Deus faça como o seu divino Modelo, lavando os pés dos cristãos, não materialmente mas espiritualmente pela confissão. É por isso que terminando a cena do Lava-pés, Jesus Cristo diz: Eu vos dei o exemplo, para que, como eu vos fiz, assim vós façais também (João XIII. 15). Notem bem a expressão: Jesus não diz: Fazei o que eu fiz, mas como eu fiz.
Ele purificou os pés e a alma: o Sacerdote, como Jesus, deve purificar as almas.
III - CONCLUSÃO
A cerimonia do Lava pés que acabamos de contemplar, tem, pois, significação profunda.
Se o exemplo do Salvador nos comove, a sua recomendação deve estimular-nos. ele se abaixa, até prostrar-se aos pés dos Apóstolos: mas nos recomenda que nos prostremos aos pés de seu ministro.
Ele lava os pés dos seus Apóstolos: o Sacerdote lavará as nossas almas.
Ele declara os Apóstolos puros, porque foram purificados neste banho salutar: a palavra do Sacerdote nos purificará e restituirá à nossa alma o que talvez perdera na peleja da vida: a graça.
Ele preparou os Apóstolos para se sentarem à Mesa Sagrada: e aí receberam o seu próprio corpo, sob as aparências do pão. O Sacerdote tem o mesmo ideal: preparar a vossa alma para a recepção da Comunhão da Páscoa. Não haja, pois, exceções entre nós.
Somos discípulos de Jesus Cristo. Queremos seguir integralmente a sua doutrina, como acreditamos, integralmente, em todas as verdades, que nos revelou. (1)
(1) Se o Sacerdote quiser entrar em mais pormenores sobre o assunto, veja o nosso livro: " LUZ NAS TREVA S " , cap. XIV: A con fissão. Aí há uma expo s i ção sucinta mas completa deste Sacramento.
SEXTA-FEIRA SANTA
A Igreja está de luto pela morte do Salvador.
As funções deste dia estão repassadas de tristeza: não batem sinos, o altar desnudado, o Tabernáculo vazio e aberto: tudo respira tristeza e desolação.
O ofício da madrugada abrange quatro partes:
1 Duas lições e a Paixão, segundo São João:
2 As orações solenes ou exortações:
4 A Missa dos Pre-santificados.
A adoração da Cruz é uma cerimônia que data do quarto século. Neste dia, apresentava-se aos fiéis a verdadeira Cruz, para que a adorassem e beijassem.
No sétimo século, as igrejas que não tinham a felicidade de possuir uma parte da verdadeira Cruz, para reproduzirem as cerimônias de Jerusalém, aproveitavam qualquer Cruz.
A Missa chamada dos Pre-santificados, não é propriamente uma Missa por não haver consagração, e em consequência: sacrifício.
Deram-lhe este nome porque repete algumas cerimônias da Missa, e termina pela Comunhão do celebrante, da Hóstia consagrada no dia anterior. O termo pre-santificado significa: dons santificados previamente.
Em muitos lugares existe a prática excelente, e que merece ser divulgada em todas as igrejas, de se fazer, de tarde, das 2 até às 3 horas, uma solene Via-Sacra pregada, que termina na hora em que expirou o Salvador. Outra prática edificante é fazer uma espécie de palco, diante da décima segunda estação, onde se representa o quadro vivo da morte de Jesus.
Uma outra cerimônia de expressão enternecedora é a procissão do encontro, ou encontro de Jesus e Maria na via dolorosa, como no-lo representa a quarta estação da Via Sacra.
Em outros lugares fazem-se as três de agonia, alternando meditações ou pregações, sobre as 7 palavras do Salvador, com cânticos e orações.
Para este fim pode-se pedir no "Apostolado da Oração" a pequena brochura do P. Machado Rocchi, S.J. intitulada: Devoção das três horas de Agonia, ou outro livro deste gênero.
Outro piedoso e tocante uso, é a procissão do Bom Jesus morto, feita de noite.
Aproveita-se o mesmo palco e o mesmo quadro vivo, que fica velado, enquanto o pregador retoma a narração da paixão, desde a morte de Jesus: chegado à descida da cruz, descobre-se o quadro vivo, e o pregador continua a descrever e a explicar a descida da cruz, nos braços de Maria Santíssima e depois no esquife, iniciando-se, em seguida, a solene procissão ao enterro, com velas acesas.
Após a procissão, segue urna última exortação à confissão e à comunhão pascoal, indo os fiéis beijar os pés de Jesus morto, enquanto se pode cantar o hino da paixão. "
30a INSTRUÇÃO
A ADORAÇÃO DA CRUZ
A cerimônia de hoje, em sua tocante simplicidade, é de um simbolismo profundo, que convém compreender.
Antes de prostrar-nos diante da imagem de Jesus Crucificado e beijar-lhe os pés sagrados, devemos compreender o que é a adoração.
Adorar é prestar a alguém o culto supremo, reservado a Deus, reconhecendo-o como nosso Criador e Mestre. Só podemos adorar a Deus. Adoramos a Jesus Cristo, prestando-lhe o culto, que a Igreja chama de latria (adoração) porque ele é verdadeiro Deus, como é verdadeiro homem, unindo a natureza divina e a natureza humana numa única pessoa: a pessoa do Verbo Encarnado.
A adoração, como todo ato de culto, é absoluto, quando se dirige ao próprio Filho de Deus, e relativo, quando se dirige à representação do Salvador.
Jesus Cristo deve ser adorado com um culto de latria adoração absoluto e devem ser adorados, com um culto de latria relativo, a sua imagem e a cruz sobre a qual morreu, por ter sido regada pelo seu sangue.
A este culto de adoração relativa, juntaremos o culto de nosso amor, expresso pelo beijo, que depositamos sobre seus pés.
Falemos um instante deste ato de beijar os pés de Jesus Cristo, examinando:
I - A sua significação.
I I - A sua aplicação.
I - A SUA SIGNIFICAÇÃO
O beijo é a manifestação de um amor ardente.
Os pais beijam os seus filhinhos, e os filhos a seus pais, para manifestarem, publicamente, a veneração e o amor, que lhes dedicam.
Percorrendo o Evangelho notamos que só 4 pessoas tiveram a felicidade de beijar a Jesus: mas que diferença na significação dos beijos destas três pessoas!
Os primeiros foram a Virgem Imaculada e São José.
Com quanta ternura adoraram o menino Jesus no presépio, e imprimiram sobre sua fronte sagrada os beijos quentes e prolongados da sua ternura!
Eram beijos radiantes de amor e de pureza.
Oh! ê1es podiam aproximar-se da pureza infinita de seu Jesus: eles: Maria e José: a primeira, preservada da mancha do pecado original: o segundo, purificado desta mancha.
Corações de anjos, eles tinham o direito de depôr sobre a fronte, sobre as mãozinhas, e sobre os pés do menino Deus o beijo da pureza virginal.
Uma outra criatura, teve a felicidade de aproximar os seus lábios dos pés do Mestre adorável: É Madalena a pecadora, mas a pecadora arrependida, que procurou, na pureza divina de Jesus, a purificação de seus erros passados.
Madalena regou, por primeiro, os pés de Jesus, enxugou-os com a sua longa cabeleira, e depois beijou-os com efusão: Era o beijo do arrependimento.
O arrependimento que lava, purifica, reabilita.
Feliz Madalena!
Urna quarta criatura aproximou-se, um dia de Jesus,
e saudando-o, beijou-lhe na fronte. E chegando-se depressa a Jesus, lhe disse: Salve, Mestre: e deu-lhe um ósculo (Marc. 2 5-49).
Este homem, em desalinho, desajeitado, de olhos inquietos, é conhecido no mundo inteiro, e o seu nome é o símbolo da covardia, da baixeza: chama-se Judas!
Judas, o traidor, o renegado, o demônio, como o chamou o próprio Salvador: Unus ex vob is diabolus est. (João VI. 70).
Era o beijo da traição.
Infeliz Judas, predecessor de todos os traidores, dos renegados, daqueles que vendem a sua alma por um miserável dinheiro, ou um prazer passageiro.
II - A SUA APLICAÇÃO
Eis os três beijos, que Jesus recebeu: o beijo da pureza:
o beijo do arrependimento: o beijo da traição.
A história do mundo se perpetua e se renova sem cessar.
Jesus, o sublime e terno Jesus, está sempre em frente de nós, recebendo de suas criaturas um destes beijos.
Há, neste mundo, almas puras, sedentas de amor, que se aproximam de Jesus e imitadoras de Maria Santíssima e de S. José, beijam-lhe a fronte, as mãos e os pés, com a expressão de amor que lhes arde no coração, e com o desejo de reparar as blasfêmias, os insultos e os ódios que ele recebe dos ingratos. É a categoria dos bons católicos, das almas que praticam a sua religião, e vivem mais para Deus do que para o mundo. Felizes daqueles que pertencem a esta primeira categoria, e podem aproximar-se do crucifixo e dizer-lhe com a convicção com que Pedro lhe dizia: Tu sabes! Senhor, que eu te amo!
* * *
O segundo beijo foi o de Madalena, a convertida. Era um beijo de arrependimento sincero, envolto em lágrimas de amor. Cair, é sempre triste. Levantar-se é nobre! O soerguimento do pecador agrada a Deus ao ponto de Jesus Cristo afirmar que há mais alegria no Céu pela conversão de um pecador, do que pelo fervor de noventa e nove justos que não precisam de misericórdia.
A razão é simples. Deus é pai da misericórdia e o seu coração se entristece quando vê um homem precipitado no mal: porém, tal u'a mãe, desde que o arrependimento brota desta alma ferida, ele perdoa, esquece o passado e parece só sentir a alegria da conversão. Felizes daqueles que sabem chorar aos pés de Jesus, e reparar, pelo arrependimento, as faltas do passado.
* * *
O terceiro beijo é o da traição. Neste beijo parece que se concentra tudo o que o mundo tem de mais lamacento e repugnante. Se o beijo virginal de Maria, foi como que a quintessência das virtudes e o aroma concentrado da pureza, o de Judas é como a quintessência do vício, da maldade, da baixeza.
É um beijo traidor! Este beijo reproduz - se pelos lábios dos pecadores obstinados, dos desgraçados, que vivem mergulhados no fundo do lamaçal e não sentem nem o desejo de se levantar, nem sequer fazem um esforço para sair da obra de Judas. Infelizes pecadores, que Jesus ainda ama, como continua a amar o traidor, mas que não se deixam mais comover pelos convites do amor de Deus.
III - CONCLUSÃO
Vamos todos, pois, beijar os pés de Jesus!
Neste préstito haverá as três espécies de ósculos, que Jesus sentirá sobre os seus pés e que o seu coração distinguirá perfeitamente. O beijo das almas puras: este será um, bálsamo para o seu coração. O beijo dos pecadores arrependidos: este será um sorriso para a sua alma agoniada. O beijo dos pobres e infelizes indiferentes e pecadores sem desejos de sair da sua letargia mortal, oh! este seria um beijo de Judas. Mas que digo, oh meu Deus. Judas?!
Houve um na Palestina. No Brasil, esta raça não existe!
O brasileiro é católico! ele ama a sua religião. Às vezes não a pratica perfeitamente, por ignorância, por hábito, raramente por impiedade. Oh, Jesus! que todos os lábios que hoje vão depositar o seu beijo sobre os teus pés adoráveis, sejam lábios puros ou arrependidos, que te consolem, e redigam como S . Pedro: Tu sabes, Senhor, que eu Te amo!
Longe de nós o beijo da traição! O nosso será de arrependimento, que merecerá a resposta que deste a Madalena: Muito lhe será perdoado, porque muito amou!
31a INSTUÇÃO
SERMÃO DO ENCONTRO
Era na manhã de Sexta-feira.
Jesus havia siào entregue nas mãos de seus inimigos, e Maria, embora ausente corporalmente, assistia em espírito a todos os horrores deste dia.
Pobre Mãe! ouviu os estalos dos flagelos: viu Jesus amarrado à coluna, e os que o cercavam, tintos do sangue do seu filho. Ouviu os gemidos abafados de seu Jesus, e no meio de . tão horrendo suplício, ouviu a voz de Deus, que condenava à morte o seu ·próprio Filho, para a salvação do mundo, e condenava a Mãe a viver, para aplicar os merecimentos da Vítima adorável.
Ela viu, através de suas lágrimas e de seu amor, o semblante divinamente majestoso de seu Jesus, mas que, na realidade, parecia, na expressão do profeta, um verme da terra. (Sal. XXI. 7).
Ela viu e ouviu tudo isso, pobre Mãe, mas não basta, ela tem que ver e ouvir coisas mais horrendas ainda, no mistério do encontro, que vamos meditar agora.
Vejamos sucintamente:
I - O fato do Encontro doloroso.
II - As particularidades deste fato.
I - O FATO DO ENCONTRO
Maria Santíssima havia assistido em pessoa, a várias cenas da Paixão, porém as Santas mulheres, que a acompanhavam, se opuseram a que continuasse ali, exposta aos sarcasmos da soldadesca, e receavam um desfalecimento no meio de tamanha dor, como nunca elas haviam visto, nem ouvido contar. Conduziram Maria para a casa de um parente, onde de joelhos, e de braços estendidos, a Mãe dolorosa seguiu, passo por passo, a tragédia dolorosa, que se desenrolava nas ruas e nos palácios dos chefes judeus. João estava encarregado de trazer- lhe, de momentos em momentos, as notícias de fora.
Após a condenação de Jesus, o discípulo veio comunicar à Mãe desolada a triste notícia:
Jesus vai ser crucificado. Uma espada traspassa a alma da Virgem Santa: ela se levanta, heroica e calma, radiante de uma luz divina, e diz que pretende sair com João e Madalena, ir ao encontro de seu Jesus, subir com ele o Calvário, para aí receber o seu último suspiro Pobre Mãe desolada!
Terá ela a força de presenciar uma tal cena, sem morrer de dor?
Todas as ruas e travessas estão apinhadas de povo, que se dirige para a lúgubre montanha. No canto das ruas, arautos tocam trombetas e proclamam a sentença diante do povo aglomerado. A Mãe dolorosa envolve-se em seu longo véu e toma o seu lugar, silenciosa e calma, no meio desta multidão em delírio. Ela nem hesita, nem treme. As lágrimas correm de seus olhos, como as águas da fonte, porém, são lágrimas de sangue.
* * *
O cortejo aparece. O centurião, a cavalo, abre a marcha lúgubre e indica o caminho. O clarim ecoa.
As mulheres espiam pelas grades das janelas. Maria vê tudo: os dois ladrões, a cruz, entretanto ela percebe uma coisa: o seu Jesus amado. este Jesus se aproxima: a paz interior da Mãe torna-se mais profunda, pois, por onde Deus anda, a paz o precede. A sua angústia é inexprimível!
Só Deus sabe o número de gládios, que traspassam a sua alma.
Maria levanta a cabeça para ver o seu Jesus. Eis que este se aproxima: apenas uns passos separam o Filho e a Mãe, o Redentor e a co-Redentora. Jesus pára. Não vê, mas sente a proximidade de sua querida Mãe. Levantando a mão que está livre, enxuga o sangue de seus olhos Será para ver a sua Mãe?
É antes para que ela o possa ver. para que ela possa ler em seu olhar sangrento. a extensão de seu amor por ela e pelos homens. Maria quer aproximar-se: os soldados repelem-na brutalmente.
Que suplício! e ela é no entanto a sua Mãe! Repelida, a Mãe dolorosa vacila um instante, e fixa o olhar sobre Jesus enquanto Jesus fita a sua Mãe. Oh! Torrente de amor! e transbordamento de dor! Terá Jesus menos força que esta Mãe dolorosa?
Ei-lo que verga sob o peso da sua cruze cai por terra.
Maria vê tudo! O Deus infinito do céu e da terra jaz ali na poeira do caminho. Os verdugos se aproximam, e tais uns carniceiros, que cercam o animal que acabam de abater, batem-no com o pé, e proferindo horríveis blasfêmias contra ele, levantam-no com brutalidade. Ela vê. Ouve, sente toda a dor, toda a humilhação, mas também toda a ternura de seu Jesus, mas nada pode para valer-lhe, e suavizar a sua dor: trocam apenas um olhar mas que olhar!
Olhar de sangue e de amor, onde se refletem o sofrimento mais atroz e a resignação mais heroica.
Meu filho, geme Maria, pudesse eu tomar a vossa cruz!
Minha Mãe, responde Jesus, essa cruz é tanto vossa quanto minha! Segui-me! É mais doloroso para u'a mãe ver sofrer o filho, do que sofrer ela mesma! Os sofrimentos de Jesus refletem-se no coração de Maria, enquanto as dores de Maria agravam o sofrimento do filho. A Virgem não morre de dor, porque uma força divina a sustenta para prolongar o seu martírio. A onipotência divina retém com força o coração trespassado da Rainha dos Mártires, para que ela possa partilhar até ao fim a sorte do divino filho. Ela segue, pois o seu Jesus, numa paz acima da inteligência do homem e após ele, dirige-se para o Calvário.
II - PARTICULARIDADES DO ENCONTRO
O encontro doloroso de Jesus e Maria não forma simplesmente uma etapa da Paixão. mas tem um significação própria e especial. que o fez escolher pela Igreja como uma das sete dores da mãe de Jesus. Assinalemos cinco destas particularidades:
1 A dor longamente prevista:
2 O agravo mútuo:
3 O horrendo sacrilégio:
4 A presença pessoal:
5 A profanação do sangue.
* * *
1- Há um sofrimento especial na chegada de um infortúnio esperado. Imagina-se tudo de antemão: o que se pensará, o que se dirá, o que se fará, nenhum dos pormenores do drama doloroso fica esquecido, e tudo lá está diante de nós, como em um filme. Mas, capricho cruel do mal! ele chega e não se observa nenhuma das regras traçadas pela nossa previsão. A dor chega, mas não seguiu o caminho traçado, nem o tempo, nem o lugar: não tem nenhuma semelhança com o romance tecido pela nossa imaginação. Toma-nos de improviso e nos desorienta completamente para nós, simples mortais, as coisas são sempre menos terríveis na realidade, do que parecem na expectativa. Quanto à Virgem Santa, a realidade ultrapassou todas as suas expectativas. A realidade lhe trouxe, ultimou tudo o que previra. Porém, com muitas mais outras dores, que ela não havia podido discernir, apesar da lucidez de seu espírito. As suas dores já lhe estavam gravadas no espírito muito antes que se realizassem. porém, na hora de sua chegada, elas lhe penetraram na alma, esmagaram-lhe o coração com uma acuidade tão diferente da previsão. Quanto a vigília é diferente do sono, ou a vida da morte.
* * *
2 - Uma segunda agravação era o aumento da dor, que o seu próprio martírio trazia a Jesus.
A dor precedente tinha o próprio Jesus como executor, mas, agora. é a própria Virgem que aumenta a de seu Filho, com todo o peso da sua própria angústia. Qual era o mais doloroso destes dois tormentos? Para u'a mãe é mais doloroso ver sofrer o filho do que sofrer ela mesma e mais doloroso ainda ser a causa dos sofrimentos do filho. Cada ultraje dirigido a Jesus, cada golpe dos açoites, que rasgava a sua carne sagrada, era para Maria um tormento indizível . Ela se sentia transida de horror, ao pensamento da crueldade sacrílega dos chefes judaicos, dos juízes, dos soldados, dos algozes e do povo, e eis que ela mesma, a Mãe amorosa, de certo modo, fica incluída no número dos algozes de Jesus. este pensamento duplicava o peso de seus tormentos.
A vista do semblante doloroso de Maria era mais cruel para Jesus do que os tormentos da flagelação. Encontrar o olhar de sua Mãe, onde se refletiam todas as suas dores e as dores dela, era para Jesus um gládio, e este gládio, depois de ter trespassado a sua alma, ia trespassar o Coração da Virgem dolorosa com toda a violência do amor, que unia a Mãe ao Divino Filho.
Jamais, santo algum teve que submeter-se a uma vontade divina igual a esta, que se manifestava à Virgem Santa.
Jamais santo algum mostrou tanta submissão à vontade divina. Ela sobe ao Calvário. calma e corajosa, para ajudar a matar ali o seu Jesus de Belém.
* * *
3 - Novo tormento esmagava o Coração da Virgem, vendo o seu Filho em mãos sacrílegas, sem entranhas.
Oh! só ela possuía o direito de tocar, com as suas mãos virginais, o corpo imaculado e adorável de seu Jesus, e ela se vê afastada dele, enquanto míseros pecadores o maltratam. Maria anelava enxugar, com seu véu, o sangue do rosto de Jesus afastar, docemente, a corôa de espinhosm levantar a cruz acima de seus ombros, e experimentar se o seu coração dilacerado não lhe daria bastantes forças para carregar o patíbulo, no lugar de Jesus. Ela via quanto Jesus precisava de seus cuidados, mas os algozes recusavam-se em reconhecer-lhe os direitos de Mãe.
Em Belém, no Egito, em Nazaré, a sua suprema felicidade fora carregar Jesus em seus braços, apertá-lo. E agora, este querido Jesus está nas mãos hediondas de algozes, que lhe batem na cabeça, arrastam-no pelas ruas, ferindo e pisando as suas carnes sangrentas. estes sacrilégios esmagam o Coração de Maria, e ela teria, mil vezes, morrido se uma forca do alto não a tivesse sustentado . Os suplícios, que os outros homens encontram na morte, Maria os encontrou na vida, mas é preciso que ela viva para mostrar ao mundo que o amor é mais forte do que a morte!
4 - Representemo-nos, um instante, o que deviam ser as ruas de Jerusalém nesta ocasião. Milhares de rostos bárbaros, de homens guiados pelo ódio, pela bebida, pelo espírito de adulação, formavam na maior desordem o lúgubre préstito de Jesus. Feras selvagens do deserto teriam sido menos terríveis do que esta populaça em delírio. Nesta multidão havia mulheres, talvez crianças, que tinham sede do sangue deste justo, gritando, vociferando em demência, em delírio.
As suas vozes pareciam urros do inferno: era uma imensa balbúrdia, em que se cruzava um conjunto de furor, de blasfêmia, de paixões, de desespero, de vingança ou melhor, parecia a excitação inebriante do cheiro de sangue, que excita, no homem, como nas feras, uma espécie de loucura de homicídio. E Maria Santíssima era testemunha de tudo isso. Cercada de todos os lados, ela é como carregada de cá e lá pela onda humana, tal um destroço de naufrágio sobre as águas turvas da tempestade ela é separada de seu Jesus, e parece perder-se no meio da populaça delirante.
* * *
5 - Assinalemos mais um tormento de seu Coração maternal: a profanação do sangue de Jesus.
Reprimindo os sentimentos da natureza, que a impeliam a fugir deste ambiente de ódio e de crueldade, a Virgem Santa abre um caminho através destes horrores. Ela percorre as ruas, seguindo as pisadas de Jesus, mas que novo tormento se apresenta a seus olhos?!
Ela vê o caminho percorrido, manchado pelo sangue de Jesus, e vê os seus próprios passos úmidos deste mesmo sangue. Ninguém suspeitava o mistério celeste, que os anjos contemplavam silenciosos. Era preciso que Maria Santíssima marchasse sobre este sangue, que ela adorava.
Este sangue que manchava as pedras do caminho estava unido a Deus, de modo hipostático: merecendo, como tal, a plenitude da adoração divina. Maria adorava-o a cada passo. Não havia uma pedra, tingida desta cor vermelho-escura sobre a qual não se inclinasse uma multidão de anjos, para adorá-la.
O mundo nada via mas a Mãe desolada tudo via e devia continuar a viver no meio de um tal abismo de dores! e ver-se misturada a estas horríveis profanações do sangue de seu Jesus, que era também sangue de seu Coração.
III - CONCLUSÃO
Das cenas dolorosas, que acabamos de contemplar, tiremos uma aplicação prática para nossa vida.
Maria Santíssima ia ao encontro de Jesus, e já vimos em que estado o encontrou.
O fim da nossa vida é o encontro com Jesus. Cada dia, em cada ação, devemos encontrar Jesus, como devemos encontrá-lo no fim de nossa carreira mortal. Maria Santíssima é um aviso e um exemplo, que nos diz que, para encontrar Jesus glorioso, é preciso antes encontrá-lo sofredor: para partilhar as consolações de seu triunfo, é preciso antes partilhar o peso e as ignomínias da sua cruz. Per crucem ad lucem. Quando estamos na aflição, o próprio Jesus se aproxima a marchar conosco, corno ele o fez com os seus discípulos no caminho de Emaús. Ipse Jesus appro pinquans ibat cum illis. (Lucas XXIV. 13).
É o privilégio da aflição. A aflição dos homens exerce sobre o Coração de Jesus um atrativo, ao qual não pode resistir. Oh! como as almas perdem um tesouro, quando contam suas penas aos homens, mendigando-lhes um pouco de consolação! O único consolador verdadeiro é Jesus Cristo.
Lendo a vida dos santos, ficamos admirados da sua união íntima com Deus, e nem sequer suspeitamos que, pelas nossas·aflições teríamos podido igualar-nos a eles, e até, talvez, sobrepujá-los, se tivéssemos aproveitado o encontro de Jesus, e andado com ele. Procuremo-lo, e saibamos reconhecê-lo, carregando a cruz, pois ele não se apresenta senão tendo a cruz aos ombros. Carregar a cruz é uma lei, uma lei do reino do céu.
Qual será a nossa cruz de hoje?
Não o sabemos, mas pouco importa: seja ela qual for, desde que é Jesus que no-la apresenta esta cruz é santa e santificadora. O que é certo é que encontrar Jesus é encontrar a cruz. Alguns têm apenas uma cruz a carregar durante toda a vida. Uma tal cruz, pela continuidade, torna-se a mais penosa, pois em consequência da inconstância da nossa natureza, nós temos horror à uniformidade contínua. Assinalemos ainda duas qualidades deste encontro doloroso, que formam como o distintivo desta cena:
1 - Jesus e Maria seguem um único e mesmo caminho. Este caminho era o do céu mas pelo Calvário.
2 . Ninguém olha para o céu, se não fitar o Calvário.
VIA-SACRA PREGADA
A VIA-SACRA é uma das devoções que o povo compreende melhor e que mais o impressiona.
A Paixão resume todos os ensinamentos evangélicos:
estão aí encarnados nas cenas dolorosas que todos percebem e podem aplicar a si mesmos. As considerações metafísicas.
os raciocínios, são impotentes para ensinar ao povo a resignação, a dedicação, o perdão das ofensas, o amor ao sacrifício, mas coloquem-lhe diante dos olhos as cenas da Paixão, e ele compreende tudo. As palavras instruem: os exemplos estimulam. Ora, a sociedade hodierna peca mais pela fraqueza da convicção, do que pela ignorância da verdade.
Jesus Cristo foi operário foi pobre, foi perseguido, caluniado, maltratado ele que nunca fez mal a ninguém, e fez bem a todos. como se queixar diante de tal coisa?
É preciso submeter-se ou desviar o olhar. Mas, convém notar que, não basta uma simples leitura da Paixão, para comover o coração e estimular a vontade, é preciso dar corrida e movimentos a estas cenas, e isto se faz pela pregação. Pregar a Via-Sacra, parece, à primeira vista, coisa difícil entretanto, é facílimo! Quem não é capaz de explicar, comentar o assunto representado pelas 14 estações da Via-Sacra, e fazer uma curta aplicação da parte moral de cada estação?
Três a cinco minutos diante de cada estação, com o canto de uma estrofe do hino próprio, é o bastante para fazer uma comovente instrução, que os fiéis compreendem tanto melhor quanto o ensino lhes é dado, simultaneamente, pelos ouvidos e pelos olhos.
Podem-se variar, à vontade, estes comentários, tomando por base um dos numerosos aspectos da Paixão do Salvador. Por exemplo:
Os sofrimentos de Jesus e nossos sofrimentos. O amor de Jesus por nós, e nosso amor para com ele. As dores de Maria e nossos pecados. Jesus imolado na Cruz e no Altar.
Jesus amando na Paixão e na Eucaristia. A resignação de Jesus e nossas revoltas. Jesus carregando a Cruz, e nós carregando a nossa.
MODO DE PROCEDER
Pode-se proceder do seguinte modo: Três acólitos percorrem as várias estações: um deles carregando a cruz (a imagem virada para o lado do povo) e os dois, outros levando cada um castiçal com vela acesa. Após a oração preparatória, o Sacerdote sobe ao púlpito, enquanto o Coro canta:
A morrer crucificado
Teu Jesus é condenado
Por teus crimes, pecador.
Diante da primeira estação, o pregador diz:
Primeira estação: Jesus é condenado à morte. Dobrando o joelho, ele continua: Nós vos adoramos Jesus Cristo, e vos bendizemos. O povo responde: Porque pela vossa cruz, remistes o mundo. Terminando a explicação, o sacerdote recita uma Ave Maria, a que o povo responde com a Santa Maria: em seguida o padre diz a invocação: Meu Jesus, misericórdia, repetindo-a o povo. Todos se dirigem para a segunda estação, cantando:
Com a Cruz é carregado,
E do peso acabrunhado,
Vai morrer por teu amor, etc.
INDULGÊNCIAS
Em 21 de Outubro de 1931, S . S. Pio XI revogou todas as indulgências concedidas, anteriormente, ao exercício da Via-Sacra, porque tais indulgências eram incertas, visto que os documentos autênticos, que tinham sido conservados no Santo Sepulcro, haviam desaparecido com incêndio do mesmo nos tempos do Papa S. Pio V (1570). Tais indulgências incertas foram substituídas pelas novas, taxadamente indicadas no decreto. São as seguintes:
1 - . Indulgência Plenária, toties quoties, cada vez que se faz a Via-Sacra por inteiro.
2 - Outra indulgência Plenária, tendo comungado no mesmo dia.
3 - Indulgência de 10 anos e 10 quarentenas, para cada estação, se, por motivo razoável, a Via-Sacra for interrompida.
CONDIÇÕES
As condições para ganhar as indulgências são:
1 - Ereção canônica da Via-Sacra:
2 - Estado de graça, se as indulgências forem pessoais. É provável que se possa ganhá-las, em estado de pecado, se são para as almas.
3 - Percorrer as 14 estações, passando, materialmente, de uma para outra.
4 - Meditar algum episódio da Paixão, mesmo estranho à estação.
32a INSTRUÇÃO
AS SETE PALAVRAS NA CRUZ
O drama sangrento estava quase terminado: Jesus pendia do alto da cruz, agonizava, derramando todo o seu sangue e padecendo todas as dores. A seu lado, estava em pé a Virgem das dores, heroica e sublime em seu martírio:
Terna e amorosa em seu ofício de Co-redentora. Do lado oposto, S. João, aniquilado no seu coração, o olhar fixo no semblante de seu bom Mestre: Maria Madalena, absorta em sua desolação, como alheia a tudo que se passava em redor, beijava os pés de seu Salvador, e misturava suas lágrimas ao sangue, que corria das chagas do Crucificado. Coloquemo-nos, uns instantes, aos pés desta mesma Cruz: contemplemos Aquele cujo olhar está prestes a extinguir-se, mas cujo Coração lança chamas de amor e misericórdia. Recolhamo-las, como sendo a nós dirigidas, estas palavras do pai Eterno à multidão, na ocasião do batismo de penitência, de Jesus no Jordão: este é o meu Filho muito amado, em quem pus todas as minhas complacências . Escutai-O (Mateus XVII. 5).
Escutemo-lO! Antes de morrer, Jesus deve falar ainda:
pronunciando estas sete últimas palavras, que são como o seu Testamento, e que se referem:
I - Três palavras a seu Pai;
II - Uma a sua Mãe e a S. João:
III - Uma ao bom ladrão;
IV - Duas ao mundo.
I - PALAVRAS A SEU PAI
Meu Pai. perdoai-lhes porque não sabem o que fazem.
Meu Deus, por que me abandonastes?
Meu Pai, em vossas mãos entrego o meu espírito.
Do alto da Cruz, Jesus olhava tristemente para a multidão, que o insultava. Ouvia as provocações dos doutores, as gargalhadas da populaça, os gracejos dos soldados, e calava-se.
Os dois ladrões, crucificados a seu lado. torciam-se de desespero, atrozmente atormentados: o silêncio e a resignação de Jesus faziam-nos irritarem-se mais ainda. Se és o Cristo. diziam-lhe enfurecidos, salva-te a ti, e a nós contigo!
No meio deste ambiente de horror, Jesus deixa escapar de seu peito desfalecido este grito de suprema misericórdia: Meu Pai, perdoai-lhes porque não sabem o que fazem!
Oh! contraste admirável, diz S. Leão, entre a barbaridade dos homens e a misericórdia de Deus!
Todos respiram ódio contra Jesus, e Jesus é todo amor para com os homens. O povo não põe limites ao seu furor.
Jesus não os põe a sua caridade. As primeiras palavras do povo a Jesus, foram insultos: as primeiras palavras. que Jesus crucificado deixa ouvir, são palavras de misericórdia. O povo quer que Jesus morra depressa: Jesus morrendo pede para eles a vida verdadeira. Esquece-se. diz S. Agostinho de que é das mãos do povo que sofre o suplício: lembra-se unicamente de que sofre pela salvação do povo.
É assim que o divino Mestre nos ensina a perdoar a nossos inimigos. se quisermos também ser perdoados.
A 2a Palavra é: Eli, Eli, lamma sabactani: Meu Deus, meu Deus, por que, me abandonastes?
Era tão fraca a voz do divino agonizante que os algozes não perceberam o sentido da sua oração.
- Escuta. diziam, está a chamar pelo Profeta Elias.
O sol já havia desaparecido. As trevas invadiram a terra, quando Jesus lançava este brado de desolação e de espanto, para mostrar-nos até onde se estendiam os seus sofrimentos. A suas dores físicas, junta-se o peso de nossos pecados, que nos separam de Deus. Eis porque Jesus, o representante dos pecadores, sente-se como separado de seu Pai. Jesus Cristo fala como Chefe de seu Corpo místico, indicando a causa principal da sua aflição. Muitos dos seus membros não aproveitarão da sua morte, serão separados do tronco e para sempre abandonados. Por que, ó meu Deus, me abandonastes, em meus membros: os homens?
Por que o meu sangue não lhes é aplicado eficazmente?
como é grande o valor de uma alma perante Deus!
Não deixemos perder, por nossa culpa, os frutos da Redenção.
A 3a Palavra é: - Meu Pai, em vossas mão entrego o meu espírito.
O rosto da divina Vítima havia se tornado mais lívido.
O sangue corria sempre gota a gota, ao longo do madeiro:
estavam quase esgotadas as veias. O coração batia fracamente, as pálpebras iam-se cerrando veiando os olhos vítreos.
Os lábios aproximavam-se e fechavam-se convulsamente, como para reterem o último suspiro. De repente, este semi-cadáver reanima-se, os olhos viram-se para o céu, e com voz sonora e forte, em que se reconhece um Deus morrendo, o Filho de Deus exclama: Meu Pai, em vossas mãos entrego o meu espírito. Depois, deixando cair a cabeça sobre o peito, expira!
As trevas, que desde a hora sexta se tinham espalhado sobre a terra, fazem-se mais espessas: o véu do templo rasga-se, os rochedos fendem-se, os túmulos abrem-se, e várias pessoas ressuscitam.
Na verdade, este homem era o Filho de Deus!
O Bom Pastor dera a vida por suas ovelhas, e dera a suprema prova de amor por aqueles que ama, morrendo para eles. Este brado supremo de confiança, com que Jesus se entregou, inteiramente, nas mãos de seu Pai, indica o voo sublime da grande alma de Jesus para o céu. Mereçamos pela nossa generosidade de morrer um dia com os mesmos sentimentos de confiança filial para com nosso Pai celeste.
II - PALAVRAS A SUA MÃE E A S. JOÃO
A multidão deixando o Calvário, permitiu às santas mulheres se aproximarem do Crucificado. Maria Sma., a Mãe dolorosa, estava em seu posto de honra e de co-redentora, ao lado de seu Jesus, enquanto Maria Madalena , ajoelhada ao pé da Cruz, misturava as suas lágrimas ao sangue redentor. Jesus viu a sua Mãe e reconheceu em sua voz, toda a ternura de seu Coração.
- Meu Filho querido! exclama a pobre Mãe.
- Mulher, replica o divino Crucificado, ó mulher bendita entre todas as mulheres, vós que sois cheia de graça e partilhais todas as minhas dores, é a hora da separação: prometi não deixar os meus filhos na orfandade, sereis a Mãe de todos eles, representados aqui na terra, na pessoa de João: Mulher, eis aí vosso filho. Depois, volvendo os olhos para João, ele completa as suas palavras: Eis aqui a vossa Mãe. Exprimir o quanto estas palavras do Filho moribundo penetram profundamente no Coração da Mãe é impossível. Quem as pronuncia é onipotente. Devem, pois, tais palavras ser de um efeito maravilhoso, sobretudo no Coração da Mãe Santíssima. Deve fazer penetrar no âmago do Coração da Mãe que nos dá, um amor extremo para conosco. que nos tornamos seus verdadeiros filhos. Da mesma maneira que a maternidade da Virgem, não tem exemplo na terra, assim também a regra de seu amor para conosco não pode encontrar-se senão no próprio Deus. Para mostrar que Maria é bem nossa Mãe, Jesus lhe chama de "mulher", isto é a Mulher bendita, a mulher que esmaga a serpente, a mulher que deve ser a Mãe espiritual de todos os homens.
Jesus deu tudo . tudo até sua própria Mãe, e despoja-se até da consolação de chamá-la: minha Mãe, para ela ser inteiramente a Mãe dos homens.
III - PALAVRAS AO BOM LADRÃO
Ao lado de Jesus, estavam crucificados dois ladrões. O da esquerda continuava a entremear a derradeira agonia com ultrajes e blasfêmias contra o Salvador. O da direita, cedendo à emoção inspirada pela calma e resignação de Jesus, respondia a seu companheiro:
- Não tens tu nenhum temor de Deus, tu que até nas dores do suplício persegues com o teu ódio o Justo crucificado? Na verdade, nós não sofremos senão a pena devida aos nossos crimes, mas este não fez mal algum. Depois, voltando-se para Jesus, diz-lhe com humilde confiança:
- Senhor, lembrai-vos de mim, quando tiverdes entrado em vosso reino!
É a primeira confissão, feita ao próprio Deus: a resposta será uma absolvição de todos os crimes cometidos no passado: - Na verdade, te digo, hoje mesmo estarás comigo no paraíso.
Este homem, diz S. Leão, que morre numa cruz, é o primeiro profeta, o primeiro evangelista, o primeiro mártir, o primeiro confessor de Jesus Cristo. E foi tão grande a sua fé que mereceu esta admirável resposta. O ladrão convertido não pede a Jesus um lugar no céu, mas apenas que se lembre dele. É como se dissesse: Sei que sois bom mas eu sou indigno.
IV - DUAS PALAVRAS AO MUNDO
Tenho sede!
Tudo está consumado.
Aproxima-se a morte: devia ser dolorosa, não só por causa da extrema sensibilidade do tão delicado organismo do Filho de Deus, mas também porque o seu Pai, não vendo mais nele senão a personificação do pecado, tratava-o com rigor extremo, e não lhe poupava nenhuma das amarguras do cálice.
Sua boca estava seca e seu peito devorado por uma sede abrasadora. Era o tormento mais atroz dos crucificados.
Jesus podia, sem dúvida, pela energia de sua divina vontade, cumprir este sentimento de dor intensa, porém, o lamento que deixou cair do Coração revela um grande mistério, ao mesmo tempo que realiza a palavra dos Profetas. Tenho sede - "Sitio!" disse com voz fraca e suplicante. Tenho sede de amor destes homens, sede de terminar a obra redentora, começada há 33 anos. Ao pé da Cruz estava um vaso cheio de vinagre. Um dos algozes, ouvindo o lamento de Jesus, torna uma esponja, embebe-a no vinagre, e pondo-a na extremidade a'e uma vara de hissopo, aproxima-a dos lábios secos e lívidos do Salvador. Jesus inclina a cabeça, e aspira a amarga bebida. Quantas vezes, ó Jesus, eu vos tenho dado a beber o vinagre da minha vida tíbia e da minha oração indiferente!
* * *
Tudo está consumado!
Jesus tendo aspirado algumas gotas do vinagre, exclamou: Tudo está consumado!
A obra sangrenta da redenção das almas está fina1izada. Os oráculos dos Profetas estão cumpridos. As figuras da antiga Aliança, realizadas! A vontade do Pai Eterno, executada. Os rigores da justiça divina estão esgotados. O preço do nosso resgate está pago! Ó Jesus, de fato, provastes todas as amarguras do Cálice da maldição, cheio pela ira de Deus e pela perversidade dos homens. Não pudestes testemunhar-nos mais caridade, nem nós pudemos testemunhar-vos maior ingratidão, nem mais ódio! Tudo está consumado. Não resta mais ao mundo senão reconhecer este grande milagre do amor divino e exclamar, com o Apóstolo: "O amor de Cristo nos constrange; considerando que se um morreu por todos, todos, pois, morreram. Cristo morreu por todos afim de que os que vivem não mais para si mesmos, mas, para aquele que morreu e ressuscitou por eles (II Corint. V. 14,15).
V - CONCLUSÃO
Tal é o Testamento divino do Salvador do mundo. Recolhamo-lo com amor e meditemo-lo, as mais vezes possível. As últimas palavras de um moribundo são sagradas: as últimas palavras do amor são amor: as de Jesus Cristo são palavras do amor divino. Apliquemos estas palavras à nossa vida.
1 Meu Pai, perdoai-lhes, porque não sabem o que fazem: É a misericórdia em vez de vingança: Aprendamos a perdoar a nossos inimigos.
2 Na verdade, te digo, hoje estarás comigo no paraíso: É o perdão dos pecados, que podemos receber, confessando-os humildemente ao Sacerdote.
3 Mulher, eis aí o vosso filho Eis aqui a vossa Mãe. É a lição do amor, que devemos a Maria Santíssima e do culto de ternura filial, que lhe devemos tributar.
4 Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?
É a lição da confiança, com que devemos recorrer a Deus em todas as nossas aflições.
5 Tenho sede! É o brado do zelo das almas. Salvemos as almas. Ganhemos almas para Deus! Sejamos Apóstolos!
6 Tudo está consumado: É a lição de uma boa vida e de uma santa morte. Realizemos os desígnios de Deus sobre nós. Sejamos fiéis a nossa vocação, terminemos a carreira, que Deus nos marcou.
7 Meu Pai, em vossas mãos entrego o meu espírito.
É o último brado de confiança da alma agonizante. De Deus recebemos a nossa alma: a Deus havemos de entregá-la na hora da morte, para dele recebermos a recompensa das nossas virtudes ou o castigo dos nossos delitos.
33a INSTRUÇÃO
A DESCIDA DA CRUZ
Jesus havia exalado o último suspiro.
A mortalha lúgubre da noite se estendia sobre a terra para encobrir o maior dos crimes. Maria estava sempre ao pé da Cruz: compreendia toda a extensão do tremendo mistério da morte de um Deus para a salvação do mundo.
Jesus havia morrido, mas a sua Mãe desolada havia ficado para continuar em seu Coração, a Paixão de seu Filho, que não podia sofrer mais. Meditemos este episódio doloroso da Virgem Consternada, e procuremos pela nossa fidelidade, partilhar as suas dores. Vejamos:
I - Os preparativos da descida da Cruz:
II - Jesus nos braços de sua Mãe.
I - OS PREPARATIVOS DOLOROSOS
Uma profunda solidão reinava sobre o Calvário. Ao pé da Cruz, donde pendia o corpo exangue e mutilado do Redentor, juntaram-se São João e as santas mulheres, uns de joelhos e outros em pé. Os corações oprimidos abafavam os seus lamentos, receando aumentar a dôr comum e perturbar a Mãe dolorosa, cujos láb ios se conservavam colados ao sa ngrento madeiro. Depois das horríveis cenas de execução, depois dos gritos b árbaros do povo, das últimas palavras do divino Crucificado, da fuga tumultuosa da multidão, "horrorizada pelos prodígios, que acabavam de realizar-se, os corações desolados de Maria e das santas mulheres saboreavam o amargo prazer de chorarem a sós.
necessidade imperiosa das grandes aflições. Os dois malfeitores crucificados ao lado de Jesus ainda agonizavam. A crucificação é urna morte lenta, horrenda pelos vários suplícios, que a seguem. Entre estes é preciso mencionar a quebra das pernas dos supliciados, seja como expressão de uma crueldade feroz, seja para apressar o têrmo do suplício. Dois algozes aproximaram-se silenciosos, e armados de uma tranca de ferro, descarregaram um golpe pesado sobre os joelhos dos supliciados. quebrando-lhes as pernas. Era horrível, para a Mãe amargurada, ouvir o surdo crepitar dos ossos esmagados, e os gritos de agonia dos dois infelizes. Mas quem dirá o que ela sentiu quando viu os dois algozes aproximarem-se do corpo de seu Jesus.
Nada havia de mais sagrado neste mundo, pois embora morto, este corpo era unido à divin dade e tinha direito à adoração divina. Tocá-lo sem respeito era um horrível sacrilégio, mas romper-lhe os membros, quebrar-lhe os ossos era uma profanação horrível demais, para que a alma de Maria não se sentisse como desfalecer de espanto. A Mãe dolorosa não fala. nenhuma lágrima de seus olhos cheios de sangue do Coração, porém, o silêncio da sua prece penetra as alturas do céu. Os algozes, averiguando a morte do crucificado, renunciaram a seu desígnio. Era mister que as Escrituras se cumprissem não lhe quebrareis nenhum osso: Os non cornminuetis ex eo. (Joan. XIX. 36).
A prece de Maria realizou a profecia, mas não afastará o sacrilégio, nem poupará a dôr a seu Coração maternal.
Um dos soldados aproximou-se da Cruz e cravou sua lança no lado do divino crucificado, trespassando-lhe o peito e o Coração, e imediatamente, diz o Evangelho, saiu sangue e água. Seria em vão que experimentaríamos elevar-nos a uma justa apreciação do horror, com que este último ultraje encheu o Coração da Virgem-Mártir!
* * *
Absorvida em sua dor, Maria não havia notado a aproximação de um pequeno grupo de homens, que caminhavam silenciosos, munidos de escadas, cordas e de todos os aprestes necessários para o enterro. Ao vê-los, Maria assusta-se, receando, mais um novo ultraje para o seu Jesus, do que uma nova dor para o seu Coração. Eram José de Arimateia e Nicodemos, acompanhados de servos, todos discípulos de Jesus. José, em sua qualidade de Senador, Tinha ido ter com Pilatos pedir-lhe o corpo de Jesus.
Então, munido de uma mortalha para o sepultar, pediu a Nicodemos que o acompanhasse até ao Calvário. Nicodemos levava consigo cem libras de mirra e de aloés para o embalsamamento do corpo do Mestre querido. Dirigindo se à Virgem Santa, sempre em seu posto de honra e martírio, José pediu-lhe licença para despregarem o corpo de seu Filho. Maria concedeu a licença pedida e ofereceu-se, para ajudar nas últimas honras a prestar a seu Jesus. Preparada para este último golpe de dor que devia atravessar seu Coração de Mãe.
II - JESUS NOS BRAÇOS DE MARIA
Penetrados de uma terna devoção para com a Mãe dolorosa. fizeram logo os preparativos e colocaram a escada contra a Cruz. Primeiro subiu José: Nicodemos seguiu-o, Maria, João e as santas mulheres ficaram logo abaixo deles.
Parecia que um bálsamo suave, irradiando do corpo adorável os envolvia, acalmando as suas tristezas, e concentrando todos os seus pensamentos em muda e profunda adoração deste corpo sagrado. Com mão branda, ousada e trêmula ao mesmo tempo, como se a sua natural timidez se tivesse transformado numa veneração sobrenatural, José retirou a corôa de espinhos da cabeça, desembaraçou-a dos cabelos, que a entremeavam e entregou-a a Maria, que e$tava de braços estendidos para recebê-la, apertá-la ao Coração e beijá-la com todos os transportes de sua ternura de Mãe.
Cada espinho, tinto de sangue, parecia ter vida e falar a Maria. Com indizíveis cuidados, para não magoar as mãos de Jesus, José arrancava os cravos das mãos e dos pés, passando-os, em silêncio, para as mãos de Maria. A Mãe dolorosa, inclinava- se sobre estas relíquias mudas, ainda molhadas do precioso sangue, beijando-as, uma após outra, e apertando-as ao Coração, como se nele quisesse escondê-las. Eis que o corpo despregado da Cruz, vai descendo lentamente sustentado pelos braços de José e de Nicodemos.
A Mãe dolorosa prostra-se de joelhos e estende os braços para receber uma última vez este fardo sagrado.
João sustenta a cabeça de Jesus: Madalena segura os Pés: estes pés sagrados, que ela havia conquistado pelo seu arrependimento. O corpo de Jesus desce e ei-lo nos braços de sua Mãe. Não é mais o belo menino do presépio. É o mártir, radiante da beleza divina de suas chagas de amor. Em volta, João e Madalena, José, Nicodemos e as piedosas mulheres, prostram-se de joelhos, com a fronte por terra, e adoram o corpo divino em silenciosa desolação.
Maria, com a mais delicada ternura, hei-la à fronte lívida de seu querido Jesus, fecha-lhe os olhos, alisa-lhe os longos cabelos, beija e fecha-lhe cada chaga, cada ferida, com a mistura de mirra e aloés, que Madalena lhe apresenta. Enfim, dominando seu Coração, sem escutar as reclamações da sua ternura, cobre-lhe a cabeça com o véu, enquanto lágrimas ardentes caem de seus olhos entumecidos pela dor. Todos choram como mergulhados numa tristeza, que nada pode suavizar. Maria chora, calma, resignada! As santas mulheres choram. Os dois nobres velhos choram. E todas estas lágrimas fundem-se com as da pobre Mãe.
João chora, com a cabeça inclinada, e as mãos juntas sobre o corpo de seu querido Mestre. Maria Santíssima, comovida pela dor de S. João, esquecendo-se a si mesma, pousa a mão, ensanguentada nas mãos erguidas do discípulo e diz-lhe, conforme a recomendação do seu Jesus agonizante:
- Meu filho! E João, levantando· os olhos, balbucia entre soluços: - "Minha Mãe! Oh! sim, sereis sempre a minha Mãe querida, como o fostes de Jesus! "E as lágrimas correm sempre, porém doces e consoladoras!
O pensamento que, aos corações órfãos lhes restava uma tal Mãe, transfigurava-lhe a desolação e lhe apontava um raio de esperança.
III - CONCLUSÃO
Da cena dolorosa, que nos apresenta a descida da Cruz e a deposição do corpo sagrado nos braços da Virgem dolorosa, recolhamos uma das numerosas lições. Maria Santíssima se nos apresenta aqui, de modo particular, como modelo de devoção ao Santíssimo Sacramento. Lembremo-nos de que diariamente, Jesus é imolado misticamente no santo sacrifício da Missa, que é a continuação e a renovação do Sacrifício do Calvário.
Ali como acolá Maria Sma. continua os seus serviços de Mãe e de co-redentora, perto do corpo mudo e adorável de Jesus. Com que veneração a Virgem Santa se prostrou para receber o corpo de seu Jesus. Era menos a atitude de uma mãe diante de seu filho, do que de uma criatura em face de seu Criador. Foi com uma adoração divina que ela recebia este corpo. Ela o conservou em seus braços, até que todos os assistentes o houvessem adorado por sua vez. Jesus Sacramentado é Jesus vivo, em corpo e alma, divindade e humanidade. Por adorável que fosse o corpo inanimado de Jesus, por causa de sua união indissolúvel com a Pessoa do Verbo Eterno, o Smo. Sacramento exige de nós uma adoração mais profunda ainda, mais humilde, mais amorosa. Nós não temos os direitos de uma Mãe. Não prestamos serviços a Jesus, como José de Arimateia! Somos nós os devedores, pois Jesus baixa do céu para encontrar-nos Com quanta veneração devemos aproximar-nos de Jesus, adorá-lO nos braços de Maria, e recebê-lO das suas mãos maternais. Maria e a Eucaristia, é a continuação da Virgem das dores com Jesus imolado em seus braços.
Lembremo-nos do paralelo destas duas cenas, para avivar a nossa fé e estimular o nosso amor para com Jesus e Maria.
34a INSTRUÇÃO
OS FUNERAIS DO SALVADOR
É o derradeiro quadro das tristes cenas, que a Semana Santa nos apresenta. É o quadro final, pungente, pela dor de Maria Sma., enternecedor pela última despedida da Mãe ao Filho adorado. Sentada ao pé da Cruz Maria conserva sobre os joelhos a cabeça coberta de seu querido Jesus. Os seus olhos não podiam desviar-se deste tesouro, e entretanto, era chegada a hora de fazer este último sacrifício. As trevas da noite iam caindo, rápidas e silenciosas, envolvendo o Calvário e as raras pessoas ali presentes. Era, pois, tempo de encaminhar-se para a sepultura, que generosamente havia cedido José de Arimateia, para ser nela depositado o corpo adorável da grande Vítima.
Contemplemos este último quadro, destacando nele:
I - A marcha fúnebre destes funerais.
II - A primeira Via-sacra depois.
I - A MARCHA FÚNEBRE
Maria convidou os discípulos, que a cercavam, para formar o cortêjo em direção ao túmulo.
Com um heroísmo calmo e sublime, mas sem deixar de sofrer um horrível martírio, a Virgem desolada cedeu o seu tesouro.
Este tesouro lhe pertencia: quem, senão ela, podia tocar neste corpo sagrado?
José e Nicodemos recebem, com veneração e amor, o corpo adorável que lhes é confiado, e seguidos de Maria, de João, de Madalena, das santas mulheres, do centurião convertido, e, talvez, ainda de alguns Apóstolos, que tinham perdido o primeiro medo, dirigem-se para o sepulcro.
Avançam lentamente e tão silenciosos, corno a noite que ia cobrindo a colina do deicídio. Nunca sombra mais profunda de aflição havia envolvido os homens, que as trevas que reinavam no caminho do Calvário e do sepulcro!
O sofrimento de Maria havia atingido o apogeu. Este corpo gélido era para ela mais do que a vida, e ela ia afastá-lo de si, escondê-lo no rochedo e entregá-lo à guarda dos soldados romanos.
Já ia conservar, apenas, o que lhe era inseparável: o seu Coração esmagado, submerso nas grandes águas da traição. Ei-los chegados ao sepulcro José e Nicodemos entram, primeiro, carregando o tesouro divino. Maria Sma. quer sustentar a cabeça de seu querido Filho e repousá-la sobre o sustento da pedra fria do túmulo. É o momento do último olhar, do último beijo de despedida. Levantando respeitosamente o véu que encobre esta face divina, que os anjos adoram em êxtase, Maria contempla, uma derradeira vez, este semblante pálido, de aspecto misterioso, ao fraco clarão do archote, que ilumina o sepulcro. Ela fixa estes lábios roxeados, que haviam feito surgir Lázaro do túmulo. Ela vê fechados os olhos que fizeram o encanto de Belém, a alegria de Nazaré e o estupor do Calvário, e inclinando-se, deposita prolongado beijo sobre esta fronte adorável, enquanto lágrimas ardentes e silenciosas parecem querer penetrar este beijo até ao Coração de seu querido Jesus. Todos se prostram por terra e adoram os restos mortais daquele que é a imortalidade Maria Sma. estende, de novo, a mortalha sobre o corpo do Filho: um último olhar, um último gesto de adeus. José fecha com uma grande pedra, a entrada do sepulcro.
Maria, João e Madalena voltam, lentamente, para o Calvário. Ali encontram a Cruz arrancada e deitada por terra. A Virgem Santa pára, absorta em sua tristeza, e inclinando-se, beija efusivamente o madeiro da Redenção.
Quando se levantou, seus lábios estavam tintos do sangue de Jesus . Era o último encontro da dor: o encontro das lágrimas da Mãe e do sangue do Filho.
II - PRIMEIRA VIA-SACRA
Tudo estava consumado para Jesus. Maria deve continuar a beber o cálice da amargura. Voltando do Calvário, a Virgem dolorosa vê a cidade santa estendida a seus pés.
Cinco dias apenas eram passados, depois que aquele, que acabavam de sepultar, havia, no meio da sua entrada gloriosa, chorado sobre a sorte da cidade escolhida por Deus, mas infiel a sua missão. Qual foi a resposta de Jerusalém a estas lágrimas de ternura? Infeliz Jerusalém, que não soube reconhecer o dia da visita de seu Salvador! Agora estava condenada! Maria Sma. o sabia, porém, em seu Coração dilacerado havia lugar para a cidade deicida, tão bem como para o seu Filho morto. Maria entrou na cidade pela mesma porta donde havia saído pela manhã. Apenas umas horas separavam estes dois extremos, mas para a Mãe de Jesus, estas horas constituíram um século. Ela volta, agora, qual verdadeiro destroço sobrenatural, da grande tempestade que havia tragado em suas ondas o seu próprio Deus, seu Filho adorado: ela volta com os olhos inflamados pelas vigílias, os pés feridos, o peito ofegante de dor e de fadiga, o corpo atormentado pela fome e pela sede, o espírito consumido pelas lembranças das cenas passadas e as reflexões sobre o futuro. Maria entra na cidade. onde a esperam novas dores, tão dilacerantes, como as que acaba de padecer. A Virgem das dores, recomeça, então, em sentido inverso, o percurso da manhã e faz a primeira Via-Sacra, que no decurso dos tempos, tantas almas piedosas hão-de fazer após ela.
Atravessa a passos lentos os lugares testemunhos das cenas indescritíveis deste dia. Ouvia, como carregados pelo vento da noite, os fracos, mas dolorosos suspiros de Jesus.
O seu semblante tão belo apesar de desfigurado pelo sangue e a poeira, lhe parece sorrir através das trevas. É aqui que ele caiu a terceira vez, geme o seu Coração de Mãe: os pés de Maria tremiam e pareciam arder ao pisarem este lugar.
Ela sabia que pisava um solo tinto pelo sangue de seu Filho, embora a escuridão lhe escondesse as manchas vermelhas da terra. Aí Jesus havia pronunciado as doces palavras às filhas de Jerusalém, doces para aquelas que choravam os seus tormentos, mas tremendas para a cidade infiel. Acolá ele havia impresso o seu semblante no véu de Verônica. Mais além era a esquina da rua, onde ela havia encontrado o seu Jesus.
Sentia ainda este olhar ensanguentado fixado sobre ela, tal uma faísca de amor, que consumia sua alma. Lá, no fundo da praça, estava a sala dos soldados, onde havia sido coroado de espinhosvia a coluna da flagelação e ao pé desta colina ela viu destacado um como lago de sangue, cujos sombrios reflexos, pareciam clamar vingança.
Mais no fundo, ela distinguiu os degraus do tribunal de Pilatos, desta sala de juízo donde Jesus havia sido mostrado ao povo em furor, com uma compaixão derisória.
Apesar do silêncio da noite, o ar parecia vibrar ainda da voz da populaça, gritando: - Barrabás!
Oh! como o seu Coração sangrou ao percorrer esta Via-sacra da Paixão de seu Jesus! É neste estado de desolação que as ruas de Jerusalém viram passar a Mãe de Deus, nesta noite de crime, dirigindo-se para a casa de João. É a casa que havia recebido em troca da casa de Nazaré! João é agora o seu Filho em substituição de Jesus. A porta fechou-se após a entrada da Mãe desolada: esta se recolheu naquele quarto, verdadeiro santuário, donde havia assistido a todos os pormenores da Paixão de Jesus.
É deste quarto que ela havia saído, com João e Madalena, para poder seguir Jesus perante os tribunais e através das ruas de Jerusalém. Neste quarto ela havia passado uma vigília, como nenhuma outra mãe seria capaz de passar, sem perder, ou a razão ou a vida. E agora ela voltou a ele, como a mais abandonada, a mais desolada das criaturas! Jesus não estava mais com ela!
III - CONCLUSÃO
Este quadro da sepultura do Salvador é o mais horrível, o mais atroz para o Coração de Maria.
Nós nos sentimos, talvez, mais impressionados pelos tormentos físicos, porém, quem ignora que há angústias morais, mil vezes mais pungentes e mais dilacerantes do que as dores físicas mais atrozes?
A vida inteira de Maria Santíssima foi um Via-sacra contínua, pois ela conhecia as profecias e sabia tudo que havia de sofrer este doce Jesus, que ela apertava ao peito.
Durante a Paixão do Salvador, um gládio de dois gumes trespassava o Coração de Maria, o trespassava de novo, virava e revirava na chaga aberta de seu amor maternal, porém, no meio de todas as dores, ela via o seu Jesus, embora maltratado pelos algozes, e esta vista era, para a Virgem Santa, um bálsamo reconfortador. Sofrer com Jesus é um paraíso, mas sofrer sem Jesus é um inferno. E agora Maria sofria longe de seu Jesus.
Ela o trazia em seu Coração doloroso, porém seus olhos, acostumados a vê-lo de perto, sentiam esta privação, como nós sentimos a ausência de um ser querido. este isolamento, esta solidão era para Maria um dos maiores tormentos. Ela, porém, sofria com calma e resignação. Ela devia ser a Rainha dos Mártires, e como tal, o modelo perfeito dos que sofrem. No meio da sua dor, por entre as trevas do túmulo, a sua alma via raiar ao longe a aurora da ressurreição. Em nossos sofrimentos, sejam físicos, sejam morais, levantemos o olhar para Maria, e com ela procuremos santificá-los. E quando a morte nos arrancar dos braços aqueles que amamos, olhemos ainda para Maria, e com ela, esperemos a ressurreição, que em breve nos unirá de novo. Vamos terminar a Semana Santa: Oh! se houvesse entre vós alguém que não se tivesse reconciliado com Deus, quanto antes o faça, para que, participando agora dos sofrimentos do Salvador, possa, também, participar da sua gloriosa ressurreição Choremos os nossos pecados, como Maria chorava o seu Jesus: para que no dia da ressurreição Jesus nos apareça glorioso, na felicidade de seu triunfo, como apareceu a sua Mãe, para uni-la à sua vitória, como havia sido unida à sua Paixão.
35a INSTRUÇÃO
TRISTEZAS E ALEGRIAS DE MARIA
Maria Santíssima havia bebido, até ao fundo, o cálice da amargura, sofrendo tudo o que uma criatura humana é capaz de sofrer. Este sofrimento, entretanto, tinha a sua consolação: a certeza da ressurreição, a certeza que a primeira visita de Jesus glorioso seria a sua Mãe. É certo, a aparição de Jesus a Maria Santíssima não está mencionada no Evangelho, mas pouco importa. Sabemos que os Evangelhos não relataram todas as ações do Salvador, e sabemos, também, que eles não contêm nada de inútil. Para que assinalar um fato evidente, de que não se pode duvidar?
Além disso, a humildade da Virgem Santa não permitiu aos Evangelistas que relatassem o que era unicamente para a sua exaltação, sem ser uma base para qualquer verdade dogmática. Meditemos, um instante, para terminar na alegria, a Semana dolorosa que acabamos de percorrer, vendo:
I - O fundamento desta verdade.
II - A aparição de Jesus ressuscitado.
I - O FUNDAMENTO DESTA VERDADE
As razões mais imperiosas indicam que era, para Jesus Cristo, um dever mostrar-se, primeiramente, à sua querida Mãe:
Dever de justiça: Dever de piedade filial: Dever de amor recíproco.
Era um dever de justiça. De fato, Maria havia sofrido tanto para a nossa salvação, durante a Semana dolorosa. Era indispensável que recebesse a única recompensa proporcionada a tal sofrimento incomensurável: a vista de seu querido Filho saído deste túmulo, onde ela mesma o havia depositado.
A piedade filial. como Jesus teria podido faltar a um dever, que ele havia exaltado tanto e tão bem cumprido durante a sua vida mortal? Após o Pai Eterno, não cabia o seu primeiro pensamento a sua Mãe na terra, logo em seguida a sua ressurreição?
Amor recíproco. A Igreja afirma que Maria Madalena mereceu tomar parte nas alegrias da ressurreição, sendo nomeada a primeira nos Evangelhos, porque amava o divino Mestre com um amor mais ardente que os outros. -Prima meretur gaudia quia plus ardebat caeteris.
Ora, é certo que Maria Santíssima amava a Jesus mais do que todos os santos juntos, sendo ela a Rainha do amor.
Por outro lado Jesus Cristo, como consequência de seu amor incomparável à sua Santa Mãe, lhe devia esta prova de amor, ele lhe era unido pelos laços mais íntimos e sagrados, que podem existir.
Voltando das entranhas da terra, Jesus devia, necessariamente, aspirar a rever, quanto antes, aquela de cujos braços a morte o havia arrebatado. É, pois, certo que Jesus reservou a sua primeira visita para a sua Mãe querida. Aliás tal é o sentimento comum dos santos Doutores. Citemos, em particular, Santo Ambrósio, Santo Anselmo, São Gregório de Nicomédia, São Bernardino de Sena, Santo Inácio de Loiola, que diz em seu livro dos Exercícios Espirituais que aquele que duvidasse deste fato mereceria a repreensão, que o Salvador dirigiu um dia a seus Apóstolos "de faltar de inteligência" - Adhuc et vos sine intelectu estis?
(Mattheus XV 16). Tal é também o sentimento da Igreja; que no ofício da Ressurreição, cantando o triunfo de seu Chefe, convida a Rainha do céu a alegrar-se. Ora, a alegria de Maria não teria sido diminuída, se houvesse sido privada da presença de seu querido Filho? Regina Coeli, laetare!
Esta verdade popular é, admiravelmente lembrada em certos países no dia da Páscoa. Na Espanha, por exemplo, existe uma cerimônia importante. Na primeira aurora da Páscoa; sai da igreja uma procissão magnífica, na qual o sacerdote, cercado de numerosos meninos de coro, vestidos de branco, leva o Santíssimo Sacramento, em meio de cânticos festivos.
Chegando diante da igreja, que havia servido de sepulcro na Semana Santa, a porta abre-se, e a imagem de Maria Santíssima aparece, trajando ainda vestidos de luto.
De repente, duas crianças, vestidas de anjos, conduzem o sacerdote com o Santíssimo Sacramento, em frente da estátua. A imagem inclina-se três vezes, como se, neste encontro, a Virgem Santa reconhecesse o seu Filho, enquanto mil vozes entoam: Regina Coeli, laetare! Alegrai-vos, ó Rainha do céu!
II - A APARIÇÃO DE JESUS RESSUSCITADO
A noite do Sábado Santo, a Virgem Santíssima ficou na casa do jardineiro sr. José de Arimatéia, absorta em sua dor, mas repleta de esperança, relembrando a palavra de Isaías: - Não permitireis, ó Deus, que o vosso Santo conheça a corrupção, assim como as palavras de Jesus, dizendo que sairia vivo do sepulcro no 3o dia. A aurora começava a dourar o horizonte e o Calvário. A alma santa do Redentor, saindo da prisão do Limbo, depois de ter recolhido no Gólgota, na via dolorosa e no pretório, o sangue da flagelação e da crucificação, penetrou no sepulcro e animou de novo este corpo, que havia deixado três dias antes em meio das angústias da agonia. O corpo sagrado reanima-se, levanta-se, desvendando-se das tiras, mortalhas e aromas que o cercavam. As feridas desaparecem, o sangue começa a circular, e destes membros dilacerados pelos açoites, desta cabeça rasgada pelos espinhos, destas mãos, destes pés trespassados pelos cravos, irradia-se uma luz resplandescente, que enche a gruta sepulcral.
O corpo vai deixar, como soberano, o reino da morte!
Tal nos aparece o sepulcro do Gólgota.
Os querubins e serafins do exército celeste, haviam descido desde a Sexta-feira, arregimentados numa ordem invisível, em redor do sublime leito, onde jazia o Criador do mundo. Os anjos lhe haviam feito guarda de honra. E eles que haviam um dia adorado, comovidos, o Menino Jesus, em seu Presépio, adoram agora, com temor, o vencedor da morte. O mors, ubi victoria tua?
Jesus levanta-se, como se levanta o sol nascente: deixa os anjos dobrarem, com veneração, a mortalha e as longas faixas que o envolviam, e depositá-las no fundo do sepulcro.
Sai do túmulo, atravessando, sem removê-la, a pedra que lhe vedava a entrada. Mais penetrável que o cristal pelos raios do sol, a pedra deixa passar o corpo glorioso, sutil, impassível e ágil de Jesus Cristo. Para onde vai o Salvador glorioso? Jesus ressuscitado, que criatura nenhuma havia contemplado, eleva-se e como um relâmpago atravessa o espaço, penetra numa humilde casinha de Jerusalém, onde está em profunda contemplação a sua querida Mãe! Ó celeste visão para Maria! Os seus olhos, exaustos de lágrimas e de insônias abrem-se de repente à mais viva e suave luz, que lhe anuncia a proximidade de seu Jesus.
Segundo uma revelação feita a S. Gregório, o arcanjo Gabriel, que lhe havia anunciado a Encarnação, foi anunciar-lhe também a ressurreição, dizendo-lhe: Rainha do céu, alegrai-vos, porque ressuscitou Aquele que merecestes trazer em vosso seio! E eis que a voz suave de Jesus ressoa em seus ouvidos, não mais com este acento doloroso, que lhe transpassava o coração ao pé da Cruz, mas alegre e terna como convinha a um filho que vem contar o seu triunfo à Mãe querida.
- Oh! minha Mãe!
- Oh! meu querido filho!
Estas palavras dizem tudo, e foram pronunciadas ao mesmo tempo. Eis Maria aos pés de Jesus, para adorá-lO.
Jesus levanta-a, carinhoso. Quem dirá a alegria, a paz, a consolação, a suavidade, os abraços celestes, as efusões de coração a coração, deste momento único no mundo e no céu?
Foi um como fluxo e refluxo voluntário e vivo, das coisas mais inefáveis, que irradiavam de Jesus em Maria, de Maria em Jesus. O próprio Jesus Cristo se dignou descrever esta cena inefável numa revelação, que fez à seráfica Santa Teresa Confiou à Santa, que o abatimento da sua Santa Mãe era tão grande. que ela teria sucumbido a seu martírio, e que antes de mostrar -se a ela, no momento que saiu do túmulo, ela precisava de uns momentos para voltar a si. antes de ser capaz de suportar tamanha alegria. (Vid. S. Teresa, add.)
III - CONCLUSÃO
Doces alegrias da ressurreição, possamos todos nós experimentá-las!
A Páscoa não é, simplesmente, uma festa comemorativa, como muitas outras, deve ser uma realidade, uma renovação para cada um de nós. O Apóstolo disse: Et resurrexit propter justificationen nostram. {Rom. IV. 25).: Sle ressuscitou para operar a nossa justificação.
Esta justificação consiste em primeiro lugar no perdão dos nossos pecados e depois na Comunhão Pascal, prescrita por Deus e pela Igreja.
Durante os dias da Semana Santa, temos seguido, passo por passo, as dores da nossa querida Mãe, a Virgem dolorosa, e agora acabamos de partilhar as suas alegrias, perante o Salvador ressuscitado.
Tal alegria de Maria Santíssima seria incompleta, se não houvesse da nossa parte um generoso cumprimento do nosso dever da Páscoa.
Por isso, mais uma vez, em nome e por amor da Virgem dolorosa, e agora da Virgem consolada, peço, encarecidamente, que nenhum católico deixe passar estes dias sem aproximar-se da Mesa Eucarística.
FESTA DA PÁSCOA
A Páscoa é a mais antiga e a mais solene das festas do ano eclesiástico. A nota dominante da liturgia é uma intensa alegria e gratidão pelo benefício da Redenção que se traduz pela repetição do "Aleluia".
A celebração da Páscoa não tem um dia fixo no Calendário, mas se celebra no primeiro Domingo depois da lua cheia, de março.
Jesus Cristo morreu a 14 do mês de Nisan, mês judaico lunar, correspondente mais ou menos ao nosso 22 de março a 25 de abril.
Os rnêses atuais sendo solares, e pelo fato sendo mais longos, há necessàriamente incompatibilidade nas datas.
Em 325 o Concílio de Nicéa adotou como data da ressurreição o primeiro Domingo depois da lua cheia de março.
É o que faz com que a Páscoa ocorra de 22 de março a 25 de abril.
A Páscoa é pois uma data fixa, Lunar, que difere da data fixa Solar do nosso atual calendário.
EVANGELHO (Marcos XVI.1 -7)
1 - Naquele tempo, Maria Madalena, e Maria, mãe de Tiago e Maria Salomé, compraram aromas, para embalsamarem o corpo de Jesus.
2 - E no primeiro dia da semana, partindo muito cedo, chegaram ao sepulcro ao nascer do sol.
3 - E diziam entre si: Quem nos tirará a pedra da boca do sepulcro?
4 - Mas quando olharam, acharam revolvida a pedra, que era muito grande.
5 - E, entrando no sepulcro, viram um anjo sentado ao lado direito, vestido de uma túnica branca; e tiveram medo.
6 - este, porém, lhes disse: Não temais; procurais a Jesus de Nazaré, que foi crucificado; ressuscitou: não está aqui; eis o lugar onde o haviam posto.
7 - Mas ide, anunciai aos seus discípulos e a Pedro, que ele irá adiante de vós para a Galileia; lá o vereis, assim como Ele vos disse.
36a INSTRUÇÃO
A RESSURREIÇÃO GLORIOSA
Dia da Páscoa!
Dia de intensa alegria pela ressurreição do Salvador.
Acompanhamos a divina Vítima durante a Semana Santa, e seguimos, passo por passo, o drama doloroso da sua paixão e morte, deixamo-lo depositado no sepulcro, onde permaneceu o resto da Sexta-feira, o Sábado e começo do dia do Domingo, enquanto a sua alma foi levar ao limbo a grande nova, comunicando-a aos santos aí detidos, na esperança da Redenção. Lá o esperava o bom ladrão penitente a quem Jesus havia prometido o paraíso no dia da sua morte.
Jesus glorioso é o Paraíso: e o bom ladrão, ainda de olhos úmidos e de coração palpitante, pôde agora contemplar a glória única do Filho de Deus, que foi, momentos antes, o seu companheiro de suplício. Mas havia chegado o dia da ressurreição predita. A alma gloriosa entrou de novo em seu corpo e ei-lo cheio de vida, prestes a deixar o túmulo, que os soldados guardavam, sem suspeitar sequer dos grandes mistérios, que se estavam realizando atrás da pedra que o fitava. Percorramos, um instante, o desenrolar destes grandiosos acontecimentos, examinando:
I - Os preparativos da ressurreição.
II - As aparições de Jesus ressuscitado.
I - OS PREPARATIVOS DA RESSURREIÇÃO
Era o dia da Páscoa.
A aurora alvacenta anunciava o levantar do sol, que devia iluminar a mais bela cena, que o mundo já presenciou.
O mais profundo silêncio envolvia o sepulcro, onde haviam sido depositados os restos mortais do Salvador, e em redor do qual estavam sentados, ou dormiam os guardas do templo, os soldados dos judeus. Os selos apostos pelo Sinédrio estão intactos, e ninguém suspeita dos mistérios ali já realizados. Desde a véspera, com o fim do Sábado, as santas mulheres, Maria Madalena, Maria, Mãe de Tiago e Salomé, tinham comprado e preparado os perfumes destinados a um completo embalsamamento do corpo de seu divino Mestre, o que havia sido feito provisoriamente e às pressas por Nicodemos. Tendo-se levantado cedo, elas seguiram para o sepulcro, inspiradas pelo seu amor a Jesus, sem sequer pensarem na grande pedra que fechava a entrada do túmulo, nem nos selos nela colocados, nem na tropa de soldados que ali faziam guarda. É no meio do caminho que perguntam uma a outra: Quem nos há-de revolver a pedra da entrada do sepulcro? (Marcos XVI. 3).
Apenas haviam entrado no jardim, que continha o sepulcro, e eis a terra a tremer debaixo de seus pés. Um anjo luminoso desce do céu: um vestido resplandecente de alvura o envolve: seus olhos lançam raios. Num relâmpago ele se inclina sobre o túmulo, quebra os selos, remove a pedra, e senta-se em cima numa atitude de triunfo e majestade, como esmagando com os pés os inimigos vencidos.
O guarda do sepulcro é ele. Os soldados atemorizados caem como fulminados. Quando a bondade divina lhes permite levantarem-se, afastam-se às pressas deste lugar tremendo e correm para a cidade, afim de contar o que acabavam de presenciar. São Mateus ajunta que os príncipes dos sacerdotes e os anciãos juntaram-se e conferenciaram de que modo poderiam ocultar um acontecimento tão estranho e refulgente. Não encontraram melhor meio de esconderem a sua derrota e o triunfo do terrível Galileu, que acabavam de assassinar, do que subornar os soldados a peso de dinheiro.
Mandaram chamá-los, e prometeram a cada qual uma soma avultada com condição de espalharem que, enquanto dormiam, de noite, os discípulos de Jesus tinham vindo e roubado o corpo de seu Mestre. E como ohjetassem os soldados que se Pilatos ouvisse falar do furto do cadáver, teriam de lhe dar contas de seu procedimento, responderam-lhe os fariseus, que eles se encarregavam de dar as necessárias explicações ao Governador.
Deste modo, livres do perigo, os soldados propalaram a fábula ridícula do pretenso roubo.
Era o cúmulo da hipocrisia, da perversidade e do cinismo, pois qualquer homem sensato podia objetar-lhes a queima-roupa: Estáveis a dormir ou acordados?
Se estáveis a dormir, nada pudestes ver do roubo. Se estáveis acordados, por que deixastes os discípulos perpetrarem um tal roubo?
É o dilema de Santo Agostinho. Neste intervalo haviam chegado as santas mulheres ao pé do sepulcro.
Madalena, mais nova e impacientemente ardorosa, havia tomado a dianteira: mas qual não foi a sua estupefação, quando, ao chegar ao túmulo, viu a pedra já tirada e a entrada do jazigo completamente livre. Nem ao menos lhe veio a ideia de que Jesus havia talvez ressuscitado, mas, persuadida de que haviam roubado o corpo, deixou as companheiras, e sem perda de tempo, correu ao Cenáculo para participar aos Apóstolos o que acabava de presenciar.
II - APARIÇÕES DE JESUS RESSUSCITADO
Nenhum dos Evangelistas descreveu o fato da ressurreição: nenhum deles o havia presenciado. eles viram-no ressuscitado: não contam como ressuscitou. É provável que nunca o souberam como nós não o sabemos. É mistério divino!
Enquanto Maria Madalena foi anunciar o fato da desaparição do Mestre aos Apóstolos, as suas duas companheiras, chegando ao sepulcro, penetraram no vestíbulo, que precede o túmulo, e aí à direita, viram um anjo cujo aspecto majestoso e vestes cintilantes as enchiam de terror. Disse-lhes o anjo: Não temais: buscais a Jesus Nazareno, que foi crucificado: ressuscitou: não está aqui: eis o lugar onde o haviam posto: mas ide, dizei a seus discípulos e a Pedro, que ele vai adiante de vós para a Galileia: lá o vereis, como ele vos disse. (Marcos XVI. 6).
As duas mulheres, trêmulas e, gélidas de medo, saíram do sepulcro e fugiram, não se atrevendo a pronunciar a mínima palavra. Neste tempo, Madalena havia comunicado o fato a Pedro e a João. A emoção dos dois apóstolos foi intensa, como se depreende da narração evangélica ... Pedro e João levantam-se e correm ao sepulcro: corriam ambos juntos, mas João correu mais do que Pedro e chegou primeiro ao sepulcro. (João. XX. 4).
João. inclinando-se para o interior do monumento, viu as mortalhas dobradas ao lado, mas não entrou.
Alguns instantes depois, chegou Pedro e penetrou no jazigo a certificar-se do que havia ocorrido. Viu as faixas de um lado e o sudário, que cobria a cabeça, dobrado, do outro. Aproximou-se João por sua vez, fez as mesmas observações e ambos concluíram como Madalena, que tinham tirado o corpo. Nenhum deles imaginou que Jesus tivesse ressuscitado, pois uma espécie de véu, como diz S. João, lhes toldava o espírito de tal modo, que as profecias sobre a morte e ressurreição do Messias eram para eles como letra morta. (João XX. 9). O que desconcertava Pedro era ver a mortalha e faixas, cuidadosamente dobradas e postas de lado, o que era contrário a um furto. Tudo parecia indicar que este túmulo havia testemunhado um despertar pacífico e suave. João viu e creu! (João XX. 8), enquanto Pedro procurava explicar o enigma. Ele creu, quando Madalena não cria ainda. Bem-aventurados os puros de coração, porque eles verão a Deus. Jesus tem mais ternura para Madalena, mas tem maiores dons para João. A primeira beija-lhe os pés: o segundo reclina-se sobre o seu peito. ele vai aparecer a uma e ou outro: não precisa mostrar-se a Pedro: Pedro é o Apóstolo da fé. O coração puro tem intuições mais penetrantes que o coração arrependido.
Os dois discípulos retiram-se: um admirado, outro crente. Madalena fica e chora. Ela não pode separar-se deste túmulo vazio, mas tão amado. Ela quer encontrar estas relíquias queridas. Que acontecerá? Escutemos S. João: ele vai contá-lo:
Voltaram, pois, outra vez os discípulos para casa, porém Maria conserva-se na parte de fora do sepulcro, chorando. Enquanto chorava, inclinou-se e olhou para dentro, e viu dois anjos vestidos de branco, sentados no lugar, onde fora posto o corpo de Jesus, um à cabeceira e outro aos pés: e eles disseram-lhe: Mulher, por que choras? Respondeu-lhes: Porque levaram o meu Senhor e não sei onde o puseram. Ditas estas palavras, voltou-se para trás e viu Jesus em pé, mas não sabia que era Jesus. Disse-lhe Jesus:
Mulher, porque choras? A quem procuras?
Ela julgando que era o jardineiro, disse-lhe: Senhor, se tu o tiraste, dize-me onde o puseste, e eu o levarei. Jesus lhe disse: Maria.
Ela voltando-se, disse-lhe: Rabboni, (que quer dizer: Mestre). Disse-lhe Jesus: Não me toques, porque ainda não subi para meu Pai.
Foi Madalena dar a nova aos discípulos: Vi o Senhor, e ele disse-me estas coisas. (João XX. 10-19).
como tudo é fulminante de luz nesta sublime página do Evangelho!
Jesus ressuscitou e aparece para consolar àqueles que tanto choraram e sofreram com ele. Ele não se manifesta, nem a Pilatos, nem a Herodes, nem aos chefes dos judeus, para confundi-los: não, nada de humano deve entrar nesta cena divina. Nem aparece logo a Pedro, a João, nem a um outro de seus Apóstolos. ele se mostrou primeiro a sua Mãe querida e depois a Madalena. A Madalena, que muito pecou, mas que muito soube amar. A pureza imaculada recebeu a sua primeira visita: a pureza readquirida pelo arrependimento e o amor receberá a sua segunda visita. Tocante delicadeza do Coração de Jesus.
III - CONCLUSÃO
Tais são as primícias das aparições, que devem provar a ressurreição gloriosa do Salvador. O sepulcro vazio é a prova negativa. As aparições constituem a prova positiva.
Jesus apareceu igualmente ao grupo das santas mulheres, que o tinham amparado em suas dores. Pouco depois de Madalena, foram ao sepulcro, Joana, espôsa de Chusa, e outras mulheres da Galiléia, pensando encontrar lá o corpo do Mestre.
Não o encontrando ficaram consternadas, mas eis que a seus olhos se apresentam os dois anjos em trajes resplandecentes de luz, dizendo-lhes: Não venhais procurar entre os mortos a um vivo, Jesus não está aqui, ressuscitou, conforme prometeu. Voltai depressa para Jerusalém e dizei aos discípulos e a Pedro, que Jesus ressuscitou e irá adiante de vós para a Galileia.
Estas iam pressurosas anunciar esta boa nova, quando de repente, um homem as fez parar: Mulheres, disse ele, a paz seja convosco. Era o prprio Jesus. Reconheceram-no, lançaram-se-lhe aos pés, abraçaram-no, e adoraram com amor ao seu Senhor e Deus! Consolou-as o bom Mestre e disse-lhes antes de se despedir: "Agora, não temais, ide dizer a meus irmãos que vão para a Galileia, onde me verão!"
(Mat. XXVIII. 9 . 10). Foi a terceira aparição de Jesus!
Pouco depois, pela tarde do mesmo dia, Jesus aparece a Pedro, para acabar de purificar e elevar a grande alma do Chefe dos Apóstolos. Infelizmente, não temos nenhum pormenor sobre esta quarta aparição. De certo que a humildade de Pedro não deixou contar o fato, que S. Lucas assinala apenas de passagem. A quinta aparição, aos discípulos de Emaús é longamente contada pelo Evangelho. A sexta aparição é aos discípulos reunidos no Cenáculo. (Lucas XXIV. 36).
A sétima é para confundir e curar a incredulidade de Tomé (João XX. 24). A oitava é a aparição no lago de Tiberíades. (João XXI I). A nona deu-se em Galileia a mais de quinhentos discípulos (I.Cor. XV 6). A décima é a aparição a Tiago e aos Apóstolos reunidos. (I.Cor. XV. 7). Tais são as principais aparições que a Sagrada Escritura e a Tradição nos conservaram, porém, pode compreender-se pelas expressões, que houve muitas outras. A ressurreição é, pois, um fato certo, bem provado, tanto pela palavra de Jesus Cristo, como pelo túmulo vazio e pelas numerosas aparições. Jesus Cristo ressuscitou, dizendo que era Deus. A sua religião é, pois, divina. E esta religião é à nossa: a religião Católica, Apostólica, Romana. A festa da Páscoa é, pois, uma confirmação da nossa fé, e um estímulo para amá-la e praticá-la generosa e completamente.
ASCENSÃO DE JESUS
(40 DIAS depois da Páscoa)
A festa da Ascensão propõe honrar o triunfo de Jesus, subindo ao céu, 40 dias depois da Ressurreição. Este acontecimento, sendo o penhor ida nossa própria glorificação futura, nos convida à alegria e à confiança. De fato, sendo o céu a residência do nosso Pai divino, para ali devem convergir todas as nossas aspirações. Esta festa remonta à origem Apostólica, diz Santo Agostinho, e merece ser celebrada com toda solenidade, para melhor orientar os fiéis para o céu, a pátria definitiva.
EVANGELHO (Marcos XVI. 1 4-20)
14 - Finalmente, apareceu aos onze, quando estavam à mesa: e censurou-lhes a incredulidade e dureza de coração, por não terem dado crédito aos que o viram ressuscitado.
15 - E lhes disse: Ide por todo o mundo, pregai o Evangelho a toda a criatura.
16 - O que crer e for batizado será salvo: o que porém não crer, será condenado.
17 - E eis os milagres, que acompanhará.e os que crerem: Expulsarão os demônios em meu nome: falarão novas línguas.
18 - Dominarão as serpentes: e se beberem alguma coisa mortífera, não lhes fará mal: imporão as mãos sobre os enfermos e os curarão.
19 - E o Senhor Jesus depois que (assim) lhes falou, elevou-se ao céu, e está sentado à direita de Deus.
20 - E eles, tendo partido, pregaram por tõda a parte, cooperando com eles o Senhor, e confirmando a sua pregação com os milagres, que a acompanhavam.
37a INSTRUÇÃO
O TRIUNFO DE JESUS CRISTO
Havia 40 dias que Jesus Cristo ressuscitara dos mortos. Aproxima-se o tempo em que devia deixar esta terra.
Os Apóstolos, avisados pelo divino Mestre, voltaram para Jerusalém, onde se reuniram no Cenáculo. Uma última vez Jesus sentou-se à mesa consagrada pelo banquete eucarístico, e comendo, com eles, ordenou-lhes que não se afastassem da cidade, mas aí esperassem as promessas do Pai, as quais, disse ele, ouvistes por minha boca, pois João batizou na água, mas em breves dias vós sereis batizados no Espírito Santo.
Depois das últimas recomendações, destinadas a preparar os Apóstolos à recepção do Espírito Santo, predizendo-lhes a grande missão, que ia transmitir-lhes: pregar o Evangelho no mundo inteiro, Jesus deu por terminada esta última reunião íntima para voltar a seu Pai celeste.
Contemplemos esta cena sublime:
I - Em sua preparação.
II - Em sua realização.
I - A PREPARAÇÃO
Jesus levantou-se, dirigindo-se para o monte das Oliveiras. Cento e vinte pessoas acompanharam o divino triunfador. O cortêjo seguiu pelo vale de Josafá. Jesus avançava majestosamente no meio de seus Apóstolos, ao mesmo tempo alegres e tristes, ao pensar que o bom Mestre os ia deixar.
Atravessou Jesus a torrente do Cedron, onde os seus inimigos lhe haviam dado a beber água lodosa, depois, deixando à esquerda o horto de Getsemani, teatro da sua agonia, subiu pelo monte das Oliveiras. Tendo chegado ao cimo, lançou um derradeiro olhar àquela pátria terrestre, onde tinha passado 33 anos. O seu olhar, divinamente iluminado, percorre um por um, os lugares que se estendem a seus pés. Ao longe, ele divisa Belém a Galileia .
Defronte, estende-se a cidade de Jerusalém, que acaba de crucificá-lo, depois de o ter carregado em triunfo. Aqui está o templo, onde espalhou os seus ensinamentos, desde a idade de onze anos. As ruas da cidade, onde falou ao povo, onde foi aclamado onde realizou tantos milagres. O cenáculo, onde deu urna prova infinita de seu amor, na instituição da Eucaristia. O Jardim das Oliveiras, onde agonizou.
O Pretório, o Ecce Homo!
Enfim, o Calvário, onde deixou, com a vida terrestre, o sulco imenso e eterno de seu amor.
Em pé sobre a montanha santa, contemplemos a sua atitude calma e sublime.
O seu semblante está comovido pelas lembranças do passado, pela visão do futuro, pelas ternuras presentes, na hora da despedida, pois exprime tudo isso e reflete todo o seu Coração e toda a sua alma.
E aí, a seus pés, a seu lado, estão os discípulos, os seus Apóstolos, Pedro, João, a sua Mãe querida, toda radiante pelo triunfo de seu Jesus, mas toda comovida pela próxima separação. Jesus dirige-se, uma última vez, para a sua Mãe, trocam um último olhar Jesus! minha Mãe! Adeus, até em breve! E fitou os Apóstolos. Eis todos os olhares fixados sobre Jesus, e doces como a aurora, suaves como a brisa matinal, caíram dos lábios de Jesus estas palavras sublimes, as últimas, que devia pronunciar neste mundo:
Ide por todo o mundo pregar o Evangelho a toda criatura. O que crer e for batizado será salvo: o que porém não crer, será condenado (Marcos XVI. 15).
Prostremo-nos em espírito, em adoração, aos pés do divino Mestre, e beijemos, pela última vez, estes pés sagrados, antes que deixem a terra, elevando-se para o céu.
II - A REALIZAÇÃO
Todos os olhos estavam cravados no divino Salvador.
Contemplando sua fisionomia toda celestial. e o seu olhar cheio de ternura, que passeava pelos assistentes, como para dirigir a cada um o derradeiro adeus. Depois levantou as mãos para dar a todos uma bênção suprema, e enquanto os abençoava, prostrados a seus pés, de repente o seu corpo glorioso, posto em movimento por um ato de seu divino poder, se elevou acima da terra e tomou majestosamente o voo para os céus. Mudos de surpresa e admiração, os Apóstolos e discípulos seguiram-no, longo tempo. com a vista, até que enfim, uma nuvem o envolveu e subtraiu aos seus olhos. E como não cessavam de fixar o ponto onde o tinham visto desaparecer, apresentaram-se a eles dois anjos vestidos de branco, dizendo:
Homens da Galileia, por que permaneceis assim olhando para o céu? Esse Jesus que, separando-se de vós, foi arrebatado ao céu, virá do mesmo modo que o vistes ir para o céu. (Act. 1. II) .
E Jesus continuava a subir para o trono de seu Pai. Imediatamente se viu rodeado de inúmeras legiões de almas que, retiradas no limbo desde séculos, estavam esperando que o novo Adão lhes abrisse as portas do céu. À frente daqueles fiéis da antiga aliança, marcharam os dois exilados do Eden, que não tinham cessado de esperar a salvação pelo Redentor prometido à sua raça, aos Patriarcas, Abraão, lsaaç e Jacó, Moisés e os profetas. A seguir iam as gerações santas, de almas retas, e que de coração, tinham esperado Aquele que devia vir. E Jesus ia subindo subindo, até chegar às portas do Paraíso celestial.
Davi cantou, poeticamente, esta chegada do Salvador.
Os anjos ouviram, de repente, o hino triunfal das almas que acompanhavam o Filho de Deus e que cantavam:
Príncipes. abri as vossas portas: abri-vos ó portas eternas e entrará o Rei da glória!
- Quem é este Rei da glória? perguntaram os anjos.
É o Senhor, é o Deus forte e poderoso, é o Deus invencível, responderam os santos. Abri-vos, portas eternas, é Ele, é o Deus das virtudes. (Salmo). E o profeta real nos mostra a recepção do Filho do Eterno, quando este se apresentou diante do trono de seu Pai.
Jeová disse ao meu Senhor: Senta-te a minha direita, pois te gerei antes da aurora: senta-te a minha direita e os teus inimigos sejam o escabelo de teus pés. Terás na mão, o cetro do poder e estabelecerás o teu império sobre Sião.
(Salmo) Eu dei-te em herança, continua o Eterno, todas as nações da terra: eu extenderei o teu império aos confins do mundo: e aos teus inimigos, parti-los-ei como quem quebra um vaso de barro. Compreendei, ó reis: ó povos da terra, aprendei. (Salmo).
III - CONCLUSÃO
Desde a Ascensão até ao Juízo final, a história dos séculos não será mais que a representação dramática desta profecia. A Igreja, o reino de Jesus, não cessará de se dilatar e enviar eleitos para o céu, ao passo que os anti-cristãos irão uns após outros juntar-se com o seu despótico amo, do fundo dos infernos. Daí a conclusão a tirar da festa da Ascensão gloriosa do nosso divino Salvador: esta conclusão deve ser: as aspirações ao céu, para irmos com ele, gozar da felicidade eterna. Onde está o nosso tesouro, lá deve estar o nosso coração, disse o Mestre (Mateus VI, 21). O nosso coração deve estar no céu com Jesus Cristo, ele deve ser o nosso fim último: ora, todos os seres têm uma tendência natural para o seu fim: devemos ter, pois, uma tendência natural para o céu. Em outros termos, devemos dar a nossa vida uma direção para o céu: o gosto é o sentimento próprio do cristão.
como fazer isto?
Pelo desapego, das coisas do mundo. como a terra me parece triste quando contemplo o céu, dizia santa Inês. Pela oração, o que pedirdes a meu Pai, em meu nome, ele vô-lo dará. A ausência deste gosto é natural num incrédulo. Um homem sem esperança é um homem sem felicidade. Por isso disse o Apóstolo: Procurai, apreciai as coisas do céu e não as da terra. (Col. III. I).
Para mim o Cristo é a vida: e a morte é lucro. (Fil . r. 21).
DOMINGO DE PENTECOSTES
O Tempo de Pentecostes que ocorre desde o dia da festa até ao primeiro Domingo do Advento, abrange de 23 a 28 semanas, conforme a data da Páscoa.
O caráter particular deste tempo é a esperança.
Pentecostes é a descida do Espírito Santo sobre os Apóstolos, isto é, sobre a Igreja e toda a comunidade cristã.
É a operação de Jesus Cristo, completada pelo Espírito Santo, como o divino Mestre o havia predito e prometido muitas vezes.
É o Espírito Santo iluminando a Igreja, vivificando as almas, e fixando nelas a sua morada pela graça santificante.
Estes efeitos são a grande causa da esperança, com que podemos considerar o porvir, esperança que a Igreja simboliza pela cor verde dos paramentos dominicais, durante todo este tempo.
Esta festa data dos tempos Apostólicos, e forma com a Páscoa e a Ascensão, a tríplice festividade do triunfo de Jesus Cristo sobre a morte, o mundo e as almas.
EVANGELHO (João XVI 2 3-2 9 )
23 - Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos:
Se alguém me ama, guardará minha palavra, e meu Pai o amará, e viremos a ele, e faremos nele a nossa habitação.
24 - Aquele que não me ama não guarda as minhas palavras. Ora, a palavra, que ouvistes, não é minha, mas do Pai, que me enviou.
25 - Disse-vos tudo isso, enquanto andava convosco.
26 - Mas o Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, esse vos fará lembrar tudo quanto eu vos disse.
2 7 - Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz; não vo-la dou assim como o mundo a dá. Não se turbe o vosso coração, nem se atemorize.
28 - Ouvistes o que eu vos disse: Vou e torno a vós.
Se me amásseis, certamente alegraríeis de que eu vá para junto do Pai, porque o Pai é maior do que eu.
29 - Eu vo-lo disse agora antes que suceda, para que, quando suceder, o creiais.
38a INSTRUÇÃO
A OBRA DO ESPfRITO SANTO
Antes de subir ao céu, Jesus Cristo havia recomendado aos seus Apóstolos que se recolhessem ao Cenáculo, e esperassem até a vinda do Espírito Santo.
Eu mandarei sobre vós o Espírito Santo prometido por meu Pai: entretanto permanecereis na cidade, até que sejais revestidos da virtude do alto. (Lucas XXIV, 49).
João, na verdade, batizou em água, mas vós sereis batizados no Espírito Santo, daqui a poucos dias. (Act. 1. 5).
Em obediência a estas recomendações do divino Mestre, os Apóstolos permaneceram, pois, no Cenáculo, e puseram-se a orar com Maria, Mãe de Jesus, com os discípulos e as santas mulheres, à espera do Espírito Santo, que desceu sobre eles no dia de hoje, nove dias depois da Ascenção.
Contemplemos esta cena gloriosa e expressiva, recolhendo os ensinamentos, que dela emanam:
I - A descida do Espírito Santo.
II - Os efeitos produzidos sobre os Apóstolos.
I - A DESCIDA DO ESPÍRITO SANTO
Recolhidos no Cenáculo por ordem do Salvador, Pedro e seus companheiros meditavam as últimas palavras do Mestre.
Eles. pobres iletrados, ignorantes, a pregarem o Evangelho a toda criatura! Eles, desprezados pelos judeus, a apresentarem à adoração do mundo, aquela Cruz, sobre a qual o seu Mestre acabava de expirar! Não era isso tentar o impossível?
Assim eles pensariam, porém não o pensaram, porque tinham confiança nas palavras de Jesus Cristo, e no Espírito Santo, que devia ensinar-lhes todas as coisas.
No nono dia, pelas 8 horas da manhã, de súbito produziu-se um rumor de vento violento, que, com grande ruído, encheu toda a sala onde estavam sentados, enquanto apareceram línguas de fogo, semelhantes a chamas ardentes, formando um globo incandescente, que foi colocar-se acima da cabeça da Mãe de Jesus.
Aí se dividiu em línguas, indo pousar sobre cada um dos Apóstolos.
Sob aquele emblema de fogo, vinha o Espírito Santo comunicar-lhes todos os dons do céu, a inteligência para interpretarem as Escrituras, a força para arrostarem com os seus inimigos, e o dom das línguas para ensinarem a todos os povos.
Transformados num instante, com aquela efusão miraculosa da graça, começaram logo os Apóstolos a formularem, em diversas línguas, os pensamentos, que o Espírito Santo lhes ditava.
Em breve se viram rodeados pela multidão, que os escutava muda de pasmo.
como é isso?! exclamaram, não são esses homens galileus? como é que nós os ouvimos todos falar a língua da nossa terra?
Há entre nós, Partos, Medos, Elamitas, Judeus, Capadócios, Mesopotâmicos, Asiáticos, Egípcios, Romanos, Celtas e Arabes, e todos nós ouvimos celebrar em nossas línguas as maravilhas de Deus!
Ninguém podia explicar este mi$tério, quando alguns judeus inimigos disseram: "Nada de prodigioso em tudo isto: são uns homens em estado de embriaguez, que se agitam fora de si pelo efeito do vinho".
Deste primeiro insulto tomou Pedro ocasião para instruir a turba.
"Homens da Judeia, bradou ele, e vós todos forasteiros vindos a Jerusalém, não estão ébrios estes homens, mas inspirados por Deus.
E Pedro começa a fazer a exposição da vida, paixão e morte do Filho de Deus, com tanto ardor, tanta ciência sobrenatural, que, neste dia mesmo, três mil homens creram em Jesus Cristo e receberam o Batismo.
Estava, com isto, fundada a Igreja de Jerusalém, e milhares de vozes iam anunciar a todas as nações o nome de Jesus.
Alguns dias depois, Pedro e João, indo ao templo, curaram, milagrosamente, um coxo, que estava à porta; pedindo esmolas.
Segue outro sermão de S. Pedro, mais penetrante ainda que o precedente, ocasionando a conversão de mais de cinco mil homens.
Tanto êxito devia, necessariamente, excitar entre os chefes dos judeus, o seu ódio um instante adormecido.
Eis Pedro e João citados perante o tribunal de Caifaz, onde defenderam com altivez a sua fé em Jesus Cristo.
A proibição, que os chefes lhes fizeram de falar do nome de Cristo, os Apóstolos responderam: Não podemos calar-nos sobre o que vimos e ouvimos!
E continuaram a pregação, sem fazer caso da proibição e das ameaças do Sinédrio, querendo, como dizia Pedro: primeiro obedecer a Deus que aos homens.
II - A OBRA DO ESPÍRITO SANTO
Assistimos aqui a uma mudança total dos Apóstolos.
Antes, eram homens ignorantes, vacilantes, medrosos, e de repente transformados em homens instruídos, corajosos, mostrando a seu divino Mestre desaparecido, um amor e uma dedicação, que não souberam mostrar-lhe durante a vida.
A obra do Espírito Santo, na alma dos Apóstolos, foi de transformação, que se operou ao mesmo tempo:
no espírito,
na vontade,
no coração deles.
O espírito precisa de verdade:
A vontade precisa de coragem:
O coração precisa de amor.
São estes três dons, que aparecem, de modo particular, na obra do Espírito Santo.
* * *
Ele os enche de verdade.
Jesus Cristo, que se dizia, com razão, a verdade, havia começado esta obra, porém como ele o disse, havia muitas outras verdades, que eles deviam conhecer, mas de que não eram ainda capazes naquela hora. - (Joan. XVI. 12)
E ajunta: Quando vier, porém, Aquele Espírito de verdade, vos ensinará toda a verdade, porque ele não ensinará de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido, me glorificará, porque receberá do que é meu, e vô-lo anunciará.(lb. 13).
Jesus lhes havia ensinado as verdades, que comportavam a sua disposição, a sua capacidade, as suas necessidades, mas reservou a coroação da sua obra para o Espírito Santo.
Eis porque os Apóstolos, pela vinda do Espírito Santo, compreenderam melhor o que Jesus lhes ensinara, adquiriram as novas ciências, que exigiam a sua nova situação de Doutores e propagandistas da Igreja.
* * *
A 2a transformação foi a da sua vontade.
Até aí esta vontade era lânguida, sem resistência, nem firmeza.
Pedro sabia dar o seu brado de energia, porém, na primeira ocasião do perigo, a sua vontade vacilava, e transformava-se numa fraqueza que ia até a covardia.
Conhecemos por demais a fraqueza dos Apóstolos. Estavam repletos de boa vontade e de sinceridade, porém todos eram vacilantes, medrosos, sem energia.
O propter metum judoeorum (Joan. VII. 13) estava lhes sempre diante dos olhos.
Depois de Pentecostes nada mais deste medo existe.
Pregam em toda parte, e aos chefes dos judeus, que pretendem amedrontá-los com ameaças e castigos, respondem sem hesitar: Não podemos calar-nos!
E não se calam: falam diante dos príncipes, dos reis, governadores e diante do Sinédrio, com altivez inspirada e, coisa admirável: alegraram-se de poder sofrer afrontas pelo nome de Jesus.
Gaudehtes quoniam digni habiti sunt pro nomine Jesu con tumeliam pati (Act. V. 41).
* * *
A 3a transformação é a do amor.
Amavam o divino Mestre, não havia dúvida. Mas quanto egoísmo neste amor!
Mas eis que o Espírito Santo, sob a forma de línguas de fogo, sopra sobre ·eles, e ei-los, de coração ardente, de palavra inflamada, a pregarem em toda parte o amor de seu divino Mestre.
Jesus havia dito: Vim trazer o fogo do amor à terra e que quero eu, senão que ele se acenda? (Luc. XII. 49).
O divino Mestre depositara no coração dos Apóstolos este fogo divino, e o Espírito Santo, soprando sobre eles, produziu estas chamas ardentes que devem abrasar o mundo inteiro.
Tal é a obra divina do Espírito Santo:
Produziu, no espírito dos apóstolos, centelhas de verdade.
Fortificou a sua vontade, dando-lhe uma fôrça divina.
Acendeu nos corações deles o fogo do divino amor.
III - CONCLUSÃO
Oh! como precisamos da festa de Pentecostes, para que estas mesmas transformações se operem em nós. Somos tão vacilantes no espírito, como o somos na vontade e no amor.
Precisamos de convicção religiosa, de luz para o espírito, para compreendermos melhor a grandeza, a beleza e a necessidade das verdades religiosas.
Precisamos de firmeza para a nossa vontade enfraquecida pelo ambiente mundano em que vivemos. Pobre vontade, joguete das ocasiões, aos perigos, das ideias mundanas: ela quer reagir e agir, mas sente-se paralisada pelo peso das tentações, do mundo, da carne e do demônio.
Precisamos de amor, deste amor nobre, puro, que não procura, egoisticamente, o gozo no amor, o gozo dos sentidos e da carne, mas agradar a quem ama.
Amar é dar, e não gozar! Gozar é o egoísmo.
Dar é esquecer-se de si mesmo, para agradar a quem ama.
Oh! imploremos ao Espírito Santo, que desça sobre nós, como desceu sobre os Apóstolos e opere em nós as mesmas transformações.
Notemos que tal graça foi concedida aos Apóstolos, enquanto perseveravam na oração, juntos com a Mãe de Jesus.
FESTA DA SMA. TRINDADE
(1o Domingo de Pentecostes)
Esta festa é como o remate e a consumação de todas as festas.
De fato, Deus, um só em três Pessoas, é o objeto principal e primário de todo o culto. Tudo o que honramos em Deus, em Jesus Cristo, na Virgem Maria e nos Santos refere-se a Deus, em sua unidade de natureza e trindade de pessoas.
É um mistério insondável , porém, se o como do mistério nos escapa, podemos conhecer as verdades, que tal mistério nos apresenta.
A dificuldade para bem compreender este sublime mistério provém da falta de inteligência nítida dos termos, que o exprimem.
A essência é o que caracteriza um ser, diferenciando-o de outro qualquer.
A natureza é o princípio da atividade de um sêr. Por exemplo, no homem, este princípio é a união do corpo e da alma. A alma não pode agir sem o corpo, nem o corpo sem a alma, mas a união de ambos é o princípio e a fonte das suas ações.
A substância é o que existe em si e não em outro. Nos seres criados usa-se a palavra SUBSTÂNCIA (substare), para indicar o que permanece, em contraposição ao que se chama acidente: forma, cor, peso, etc.
Em Deus não há acidentes: ele é o ser supremo necessário.
A pessoa é a substância completa, autônoma, dotada de razão e de liberdade.
Todos os homens, tendo corpo e alma racional, possuem a mesma natureza: a natureza humana.
Esta natureza que é especificamente a mesma em todos, é numericamente diversa uma da outra (nos indivíduos).
A substância é o fundo do sêr, a personalidade é o modo.
Entre nós, substância e pessoa fazem um só.
É um fato que nós julgamos uma necessidade, porque: não conhecemos outra pessoa senão a nossa.
Tal fato, porém, não prova que em toda condição do ser, uma única pessoa absorva uma substância.
Não concebemos, por falta de termo de comparação, que uma substância seja comum a 3 pessoas. Não possuímos nada que o prove, mas nada também que o contradiga. Devemos confessar a nossa ignorância, mas não erigi-la em objeção.
EVANGELHO (Math. XXIII. 18-20)
18 - Naquele tempo disse Jesus aos seus discípulos:
Foi-me dado todo o poder no céu e na terra.
19 - Ide, pois, instruí todos os povos, batizando-os em nome do Pai, e do Filho e Espírito Santo.
20 - Ensinando-os a observar todas as coisas, que eu vos tenho mandado. E eis que estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos.
39a INSTRUÇÃO
O GRANDE MISTÉRIO
O Evangelho em sua b revidade misteriosa nos representa a Ascenção do Salvador, recolhendo as últimas palavras caídas destes lábios divinos, que sabiam falar tão profundamente.
São as últimas palavras do divino Mestre, e elas são a revelação curta, mas substancial do mistério da Sma. Trindade.
Ide, pois, ensinai a todas as nações, batizando-as em nome do pai, do Filho e do Espírito Santo.
Tal é a revelação completa do mistério adorável da Sma. T rindade, que a Igreja celebra hoje, convidando-nos a meditar as lições deste mistério. É o que vamos fazer, considerando:
I - A natureza do mistério.
II - A sua imagem em nossa alma.
I - NATUREZA DA SMA. TRINDADE
Não podemos compreender o mistério da Sma. Trindade porque todo mistério é uma verdade, que ultrapassa a nossa inteligência, mas podemos conhecê-lo e compreender as verdades, que nos apresenta.
A fórmula mais luminosa deste mistério é o símbolo de Santo Atanásio, encerrado no Breviário.
Apoiando-nos sobre este símbolo, procuremos fazernos uma idéia clara sobre a natureza da Sma. Trindade.
Um princípio geral vai revelar-nos o fundo de sua natureza. É um pouco filosófico, porém, claro e compreensível.
É o seguinte:
Todo ser é ativo, e a sua atividade cresce na medida de sua perfeição.
Não há em Deus nenhuma potencialidade. ele é ato puro, isto é, atividade infinita.
Ora, toda atividade é, necessariamente, uma fecundidade ativa.
Logo, Deus, atividade infinita, é uma fecundidade ativa infinita.
E que pode produzir uma fecundidade infinita?
Ela produz outro infinito, que se lhe assemelha, que é seu igual.
Ora, há em Deus um duplo princípio de atividade. O da inteligência infinita e um amor infinito.
Ora, um sêr infinito tem, necessàriamente, um pensamento infinito.
No princípio, antes de toda ação, houve em Deus um pensamento, e como nada existiu fora dele, este pensamento era ele mesmo, ele o único sêr real, ou, como disse Aristóteles, Deus é pensamento do pensamento.
O gênio põe a sua alma inteira em um pensamento. Eis porque nós dizemos: Eis o pensamento de um grande homem.
Ora, qual será o pensamento de um ser infinito?
Será outro infinito, vivo, eterno, imutável, consciente de si mesmo, ficando sempre nele.
O mais alto grau dos seres vivos é a consciência de si mesmo, a personalidade.
Todo ser que não tem consciência de si mesmo, é um ser inferior.
Quem tem um pensamento infinito é um ser superior.
O único ser superior, o ser eterno: Deus.
Digo que é Deus, porque é Eterno, é único: não pode haver dois eternos na substância, embora numa única substância possa haver duas pessoas eternas.
A razão é que não se pode conceber um espírito infinito, que ficasse um instante sem pensamento, pois neste caso deixaria de ser infinito.
Esta geração infinita, pela inteligência, na qual o pai Eterno se reproduz inteiramente, é o Verbo divino, é o Filho de Deus, ou 2a Pessoa da Sma. Trindade.
* * *
Eis que são dois na unidade: o pai e o Filho.
E o Espírito Santo donde vem?
Não pode vir por geração, pela inteligência, pois o Pai deu-se todo inteiro nesta geração: esgotou-se, mas Deus é uma inteligência infinita e um amor infinito. Pode, pois, dar-se pelo amor.
Ora, um amor infinito produz um amor infinito.
O amor não gera. Produz.
E como se faz isto?
O Filho é a imagem perfeita do pai Eterno, em tudo igual a ele, conservando a mesma e única substância, mas constituindo uma segunda Pessoa.
O Pai contempla o seu Filho, e sendo este Filho a Beleza infinita, ama-o de um amor infinito.
O Filho, por sua vêz, contempla o Pai, e sendo este Pai, também a beleza infin'ita, ama-o com amor também infinito.
este amor infinito do Pai para o Filho e do Filho para o Pai, constitue um único e mesmo amor, pois é procedente da mesma natureza excitado pelo mesmo objeto.
este amor é, pois, um ato procedendo reciprocamente do Pai e do Filho, e como tal não procede nem do Pai nem do Filho, mas de ambos, constitue uma nova e única pessoa, igual em tudo ao Pai e ao Filho, donde procede por aspiração.
Do encontro destes dois amores infinitos, procede um terceiro infinito, um amor infinito, que se chama: o Espírito Santo.
O Espírito Santo é, pois, a aspiração viva do Pai para o Filho e do Filho para o Pai.
Do memo modo que o Filho esgotou o conhecimento do Pai, assim o Espírito Santo esgotou o amor do Pai e do Filho, constituindo uma terceira Pessoa, na única substância, a natureza divina.
Temos, deste modo, um único Deus em natureza, e neste Deus três Pessoas distintas, mas inseparáveis.
II - IMAGEM DA SMA. TRINDADE
Santo Anselmo, Doutor da Igreja, fêz uma comparação engenhosa e expressiva, para tornar sensível a possibilidade da Sma. Trindade.
Suponho, diz ele, uma fonte; desta fonte sai um Rio, que se estende e forma um lago chamado Nilo.
As três chamam-se "Nilo"
A fonte, junta com o rio e o lago, chama-se Nilo.
O rio, igualmente, junto com a fonte e o lago chama-se Nilo.
Não são três Nilos, mas um só.
Nesta comparação há três coisas a considerar: a fonte, o rio, o lago, mas um único Nilo, porque os três são unidos por uma única e mesma água.
Não são três Nilos, nem três lagos, mas um único Nilo.
Porque embora, cada uma das suas partes constitutivas seja distinta, são, entretanto, inseparáveis.
Mas temos uma imagem mais completa em nossa alma.
Lembremo-nos de que a nossa alma é criada à imagem e semelhança de Deus, - Creavit Deus hominem ad imaginem et similitudinem suam. (Gen. I. 27).
Sendo a nossa alma a imagem de Deus, devemos encontrar nela o protótipo, em sua unidade e trindade.
A nossa alma é uma substância espiritual, inteligente, amante.
Logo, Deus deve ser também uma substância espiritual, inteligente, amante, ao infinito, e isto é a própria natureza divina.
Se nós somos a imagem, Deus é o ideal.
Ora, em nossa alma encontramos três elementos que formam a sua essência: ser, conhecer, amar, ou substância inteligente e amante.
Tal é a definição da nossa alma, deve ser, pois, a definição de Deus.
Ser, conhecer e amar, são em nós uma única alma, uma única pessoa.
São três atos, e não três pessoas porque cada ato não é um princípio consciente, livre, e como tais, são três atos, não, três pessoas.
III - CONCLUSÃO
Terminemos aqui as nossas considerações.
O mistério é tão sublime tão misterioso, tão belo, que conhecendo-o, sente-se a necessidade de prostrar-se de joelhos, para adorar a Trindade adorável , o Deus verdadeiro, único, em três Pessoas.
Cada vêz que fazemos o Sinal da Cruz sobre nós lembramos este sublime mistério.
A doxologia, ou saudação que a Igreja repete a cada instante em seus ofícios, é um brado de louvor à adorável Trindade.
Lembremo-nos deste augusto mistério, cada vêz que traçarmos o sinal da Cruz, repetindo com veneração e amor:
Em nome do pai, do Filho e do Espírito Santo.
Lembremo-nos também de que por atribuição, é o pai que nos criou,
o Filho que nos salvou, e o Espírito Santo que nos santifica por meio da graça
divina, que nos transmite pela oração e pelos Sacramentos.
FESTA DO CORPO DE DEUS
(Primeira Quinta-Feira depois da Sma. Trindade)
Foi a BEM-AVENTURADA Juliana, religiosa hospitaleira do Monte-Cornelon, perto de Liege, na Bélgica, que teve a inspiração de pedir a instituição desta festa.
Ela comunicou esta inspiração a um Cônego de Louvaina, que a transmitiu ao P. Tiago Pantaleão, Arcediago de Liege, que foi depois Papa, Urbano IV.
A festa foi celebrada a primeira vez em Liege. Juliana morreu em 1258, antes que se estendesse a toda a Igreja.
Uma amiga e confidente de Juliana, Eva, a reclusa, continuou a obra de tão grande alcance e pediu ao Bispo de Liege que se empenhasse perto do Papa Urbano IV.
Este Pontífice mandou compor o Ofício do Smo. Sacramento por S. Boaventura e Sto. Tomás; sendo adotado o Ofício deste último.
A morte de Urbano IV, retardou, de quarenta anos, a celebração da festa.
Em 1311, o Papa Clemente V no Concílio de Viena a estendeu à Igreja universal. e ele mesmo presidiu nesta cidade, a primeira procissão do Smo. Sacramento.
EVANGELHO (Joan. VI. 56-59)
56 - Naquele tempo disse Jesus às turbas dos judeus:
A minha carne é verdadeiramente comida, e o meu sangue é verdadeiramente bebida.
57 - O que come a minha carne, e bebe o meu sangue fica em mim e eu nele.
58 - Assim como o Pai que vive me enviou, e eu vivo pelo Pai: assim o que me comer a mim, esse mesmo viverá também em mim.
59 - Este é o pão que desceu do céu. Não como vossos pais que comeram o maná e morreram. O que come deste pão viverá eternamente.
40a INSTRUÇÃO
O DEUS ESCONDIDO
O Evangelho nos faz meditar hoje a promessa solene da Sagrada Eucaristia, cuja instituição presenciamos na Quinta-feira Santa, à noite.
O dia próprio desta solenidade é a Quinta-feira Santa, porém, nesse quadro, todo de luto e tristeza, seria quase inconveniente uma explosão de alegria, e de triunfo, que são os característicos próprios do grande Sacramento de amor, última lembrança de um Pai extremoso antes de sacrificar a sua vida pela salvação dos homens.
A Igreja escolheu este dia no fim das solenidades da Páscoa para manifestar a sua gratidão pela instituição deste Sacramento e exaltar publicamente a Jesus Sacramentado.
Examinemos a glória e a exaltação devida ao Smo. Sacramento, lembrando-nos das duas partes de que se compõe: ele é ao mesmo tempo grande e escondido. É preciso pois:
I - Honrar o que é grande nele.
II - Revelar o. que está escondido.
I - A GRANDEZA DA EUCARISTIA
A grandeza da Sagrada Eucaristia está admiravelmente expressa no Evangelho de hoje.
1. É a carne e o sangue do Salvador:
2. É o Sacramento de união com Deus:
3. É a participação à vida divina de Jesus Cristo:
4. É o pão da vida, descido do céu:
5. É o maná da imortalidade.
Estas cinco qualidades são indicadas pelas próprias palavras de Jesus Cristo.
Que objeto mais sublime do nosso culto e da nossa adoração que o próprio Jesus Cristo, o Filho de Deus feito homem, fisicamente imolado no Calvário e misticamente imolado em cima dos nossos Altares.
Há várias uniões entre Deus e o homem:
A união hipostática, é a união da natureza divina à natureza humana, numa única pessoa divina. Esta união é própria a Jesus Cristo, e não pode ser contraída pelos homens.
A união moral da amizade que liga dois seres pela afeição e a dedicação: é a união que existe entre os pais e os filhos, e entre amigos.
A união substancial, pela qual dois seres se unem, se confundem, ao ponto de serem um único e mesmo princípio de atividade. É a que existe entre o nosso corpo e a nossa alma.
A união de natureza pela qual uma natureza é transformada por uma natureza superior, comunicando-lhe uma ação de ordem superior, que não tem por si mesmo. É a união entre Deus e os homens, pela graça: sendo esta, como diz São Pedro, uma participação à natureza divina - (Pet.I. 4).
O homem tem apenas uma vida humana. Deus possui uma vida divina, eterna. Em sua bondade infinita Ele quer comunicá-la a seus filhos para aproximá-los de si e prepará-los a partilharem a felicidade eterna, contemplando-o face a face, na clara visão da glória.
Tudo o que vive precisa de alimento.
A nossa alma tem uma vida espiritual, da qual só Deus pode ser o alimento: eis porque Ele se proclama: o pão descido do céu.
O maná dos hebreus era um alimento milagroso, que tomava o gôsto, que cada um apetecia.
Era preciso renovar a provisão cada manhã, pois ao levantar do sol, o maná caído do céu, dissolvia-se num instante.
O maná do cristão é a Eucaristia, que dá a cada um a fôrça e a graça de que precisa: para uns é luz, para outros é consolação, para outros ainda é generosidade.
E este maná devia, o quanto possível, ser recebido cada dia, antes que o vento das tentações se levantasse.
Eis a grandeza da Eucaristia! grandeza escondida, que é preciso realçar, exaltar, manifestar aos homens.
E este é o fim da festa do Corpo de Cristo: exaltar o que é grande mostrar pelas manifestações religiosas, entusiastas e solenes, o que há de grande neste Sacramento de amor, tão pequeno em suas aparências e tão grande em seu objeto e em seus efeitos.
II - A PEQUENEZ DA EUCARISTIA
Há uma outra parte na Eucaristia, que a festa de hoje procura manifestar: é sua pequenez.
Notemos bem que a Eucaristia é divinamente grande em seus efeitos, mas humanamente pequena em suas aparências.
Uma migalha de pão. Um pouco de vinho. Um sacerdote, que balbucia umas palavras sobre este pão e este vinho, e eis que, embora as aparências permaneçam, a substância deste pão e deste vinho é, totalmente mudada na substância do corpo e sangue de Jesus Cristo.
Após a consagração, olho o altar, e vejo permanecer o que os meus olhos ali perceberam antes: uma Hóstia branca, insensível, sem movimento e sem vida.
E sob estas aparências mortas, sem se ouvir nem uma pulsação do coração, nem um leve sussurro de respiração, palpita, entretanto, uma vida divina uma vida intensa, de imanência, de expansão e de atividade universal.
Neste pequeno espaço da Hóstia está reunido o céu inteiro. É daí, deste silêncio de morte, que saem em jarros luminosos, a atividade, a fecundidade de todas as criaturas.
Uma pequena Hóstia está aí repousada sobre alvos paninhos, em cima do altar: e ao pé do altar, o sacerdote, se prostra em adoração profunda.
Almas virginais choram e beijam pés invisíveis. Almas santas lançam-se em braços abertos, que os olhos não enxergam e apertam o coração contra um Coração ardente, cujas pulsações não são percebidas pelos ouvidos.
Os anjos do céu contemplam a divindade, em todo o seu esplendor, numa visão face a face, tão deslumbrante, que olhos humanos são incapazes de suportar. Enquanto nós enxergamos apenas uma Hóstia branca, insensível e fria.
A realidade é a glória, a majestade e o poder do trono do Altíssimo. As aparências são um pouco de pão e vinho.
Que contraste entre a realidade e as aparências!
Que abismo entre a grandeza real e a pequenez aparente!
É preciso manifestar esta pequenez! É preciso tirar do esconderijo, em que se conserva, esta grandeza divina, e mostrar ao mundo, que a grandeza na humildade, é uma grandeza duplicada.
Eis porque, neste dia, nas pobres aldeias, como nas cidades cosmopolitas, o Smo. Sacramento é levado em triunfo, é aclamado, como um conquistador.
É o triunfo da Eucaristia, ou melhor, o triunfo da humildade!
Os dois extremos encontram-se ali: a pequenez das aparências e a grandeza do triunfo.
- Crês tu que Cristo está nesta pequena Hóstia? perguntou certo dia um protestante a um católico.
- Creio, respondeu este último, porque a fé me certifica que está presente: mas não tivesse eu a fé, acreditaria ainda guiado somente pelo bom senso comum, pois julgaria impossível que o mundo em peso, o mundo intelectual, o mundo virtuoso, o mundo que pensa, possa prostrar-se diante de uma Hóstia tão pequena, para adorá-la, como sendo aparências de uma substância divina.
Estes dois extremos não se explicam humanamente... devem explicar-se divinamente: e tal explicação é a fé na palavra de Deus.
III - CONCLUSÃO
Eis a razão de ser da festa de hoje.
No meio de hinos de alegria, de música harmoniosa, de luzes e flores, o sacerdote leva, publicamente, a Hóstia Sagrada através das ruas e avenidas das grandes cidades, como a leva através das veredas e campinas das aldeias.
É o triunfo de Jesus Eucaristia, mostrando a sua grandeza na humildade.
Tal é, aliás, o desejo expresso do divino Salvador. ele, sempre tão pobre e tão humilde, durante a sua vida mortal, exigiu para a instituição da divina Eucaristia uma sala ricamente ornada (Luc. XXII. 1 2 ) .
Para morar se contentava com uma humilde ermida, mas, para a sua Eucaristia, quer um edifício, que se impõe pela grandeza e magnificência. Por que esta exigência?
É que este lugar, para sempre célebre, deve ensinar a todos os séculos as honras devidas à Eucaristia.
O culto exterior lhe é devido, como manifestação de sua grandeza e revelação da sua pequenez. Vere tu es Deus absconditus. ( Is. XLV. 15)
O CORAÇÃO DE JESUS
(Sexta-feira depois da oitava do Corpo de Deus)
Esta solenidade tem por fim honrar o Coração do Homem-Deus, como órgão donde brotou o sangue precioso que salvou nossas almas: e como símbolo do amor que o levou a encarnar, a sofrer e a morrer pela humanidade.
A Pessoa inteira de Jesus Cristo é adorável: sua carne, seu sangue, e sobretudo seu coração, hipostaticamente unidos à sua natureza divina.
O Coração considerado como centro e foco de amor divino, merece um amor todo especial: daí a origem da devoção ao Sagrado Coração.
Foi o próprio Jesus que pediu a instituição desta festa.
No fim do século 17, uma Santa Religiosa da Visitação, Santa Margarida Maria, foi o instrumento que Deus empregou para revelar esta bela e tocante devoção.
Ele se queixou da ingratidão dos homens, e pediu comunhões fervorosas, reparadoras e atos de desagravo.
Neste dia deve ser lido publicamente, em todas as igrejas o Ato de Consagração ao Coração de Jesus, tal qual é publicado no Ordo Missarum.
São estas revelações do Coração de Jesus que deram origem às grandes e fecundas devoções:
1. Da Comunhão das primeiras Sexta-feiras do mês.
2. Da Hora Santa, na noite da Quinta-feira.
3. Do Apostolado da oração.
4. Da entronização no lar, da imagem do Coração de Jesus.
5 Da guarda de honra do Sagrado Coração de Jesus.
EVANGELHO (Joan. XIX. 31-37)
31 - Naquele tempo, estando em dia de preparativos, para que não ficassem os corpos na cruz no sábado, porque aquele dia de sábado era de grande solenidade, rogaram a Pilatos que lhes fossem quebradas as pernas, e fossem (dali) tirados.
32 - Foram pois os soldados, e quebraram as pernas ao primeiro e ao outro que com ele fora crucificado.
33 - Mas quando chegaram a Jesus, tendo visto que ele já estava morto, não lhe quebraram as pernas.
34 - Mas um dos saldados abriu-lhe o lado com uma lança, e imediatamente saiu sangue e água.
35 - E aquele que viu, deu testemunho disso: e o seu testemunho é verdadeiro. E ele sabe que diz a verdade, para que também vós acrediteis.
36 - Porque estas coisas sucederam para que se cumprissem as Escrituras: Não quebrareis dele osso algum.
37 - E também, diz outro lugar da Escritura: eles lançarão o olhar para aquele a quem trespassaram.
41a INSTRUÇÃO
AS REVELAÇÕES DO CORAÇÃO DE JESUS
O Evangelista, narrando a morte de Jesus Cristo, salienta uma particularidade, que durante longos anos não foi compreendida em toda a sua extensão, como nós a compreendemos hoje, graças à revelação do Coração de Jesus à Santa Margarida Maria.
Um dos soldados abriu-lhe o lado com uma lança e imediatamente saiu sangue e água. Quando o. soldado trespassou o lado da divina Vítima, Jesus havia já exalado o último suspiro.
Ora, de um cadáver, conforme as leis da fisiologia, não pode mais sair nem sangue, nem água, tendo este coagulado, e o próprio coração não conserva mais sangue flúido.
Há, pois, neste fato, uma particularidade misteriosa, milagrosa, que tem a sua significação.
Esta significação é a devoção ao Coração de Jesus, que nasce do seu Coração trespassado pela lança, e que ele mesmo revelará ao mundo no tempo determinado.
Meditemos a gênese desta devoção, até chegar ao seu pleno triunfo no mundo: vejamos:
I - Os preliminares da revelação.
II - A grande revelação.
I - PRELIMINARES DA REVELAÇÃO
Na Igreja tudo se faz com ordem, pêso e medida.
A devoção ao Sagrado Coração de Jesus passou despercebida nos primeiros séculos, estando os fiéis ocupados em defenderem-se contra os ataques das numerosas heresias que, pretendiam negar a realidade da encarnação, ou negavam a Nosso Senhor o culto supremo de adoração, como Ario e outros fizeram.
É, pois, natural que os Santos padres tenham falado pouco do Coração de Jesus.
Orígenes, no 2o século, diz estas belas palavras que provam que a tal devoção não era, entretanto, desconhecida:
"É certo que João descansou no Santuário do Coração de Jesus, no meio dos mais íntimos segredos da sua doutrina, e que procurou penetrar nos tesouros da ciência e sabedoria".
Santo Agostinho disse também: "O soldado abriu para mim o lado do Salvador com a lança, e entrei nele e ali repousei com segurança.
Chegando a época do triunfo da Igreja no mundo, reinando como soberana, parece que a devoção ao Coração de Jesus podia expandir-se e florescer: mas não, a época não havia chegado ainda.
São Bernardo, na idade media, tem acentos de amor entusiasta para este divino Coração, mas reserva estes acentos para o claustro e não os lança no meio do mundo.
Querem ouvir um destes acentos apaixonados?
"Ó doce Jesus, exclama o santo, eu vos suplico como sendo meu Deus, admitir-me no santuário de vosso Coração.
Ele não foi trespassado senão para nos permitir habitar nele, para que a chaga visível nos fizesse conhecer a chaga invisível com que o amor vos feriu. Quem poderá, deixar de amar este Coração trespassado por nós, e permanecer insensível a seu amor?!
São Francisco de Assis, São Domingos, São Boaventura, Santa Catarina de Sena cultivaram a devoção ao Sagrado Coração, mas não a pregaram publicamente.
Escutem São Boaventura: "A porta do paraíso está aberta: a lança do soldado afastou a espada que defendia a sua entrada. Ó alma, considerai vosso esposo querido.
"Ele abriu o seu lado, para dar-vos o Coração".
Santa Catarina de Sena foi favorecida pela aparição do Sagrado Coração.
Um dia Nosso Senhor lhe apareceu numa visão e lhe tirou o seu Coração terrestre, pata entregar-lhe o seu próprio Coração, que trazia na mão, dizendo: "Minha filha, eu tirei o teu coração, e te dou o meu, para que vivas com ele." Santa Gertrudes, mais favorecida ainda teve revelações do Coração de Jesus, que não são inferiores às de Santa Margarida. Recolhamos apenas, como prova, a seguinte, feita a Santa por S. João Evangelista.
A Santa perguntou ao Apóstolo, porque não manifestou no Evangelho as ternuras do Coração de Jesus, que havia experimentado, reclinando-se sobre ele na última Ceia.
O Apóstolo respondeu: "Durante os primeiros anos da Igreja, o meu ministério devia limitar-se a dizer sobre o Verbo encarnado, Filho Eterno do Pai, umas palavras fecundas, que a inteligência dos homens pudesse meditar, sem jamais esgotar as suas riquezas: porém, a graça de ouvir as pulsações do Coração de Jesus, está reservada para os últimos tempos.
"Ouvindo esta voz o mundo rejuvenescerá, sairá de seu torpor e o calor do amor divino o inflamará ainda".
Apesar destas revelações a compreensão da devoção ficou reservada ao coração de umas almas piedosas, e ninguém recebeu de Nosso Senhor a missão de espalhá-la no mundo.
A hora não havia chegado.
II - A GRANDE REVELAÇÃO
A hora marcada nos desígnios de Deus havia soado, na época em que os sentimentos mais nobres pareciam naufragar num materialismo e num sensualismo degradante.
Nosso Senhor havia reservado este grande meio de salvação, para o tempo que bem parece ser o último e que é o da nossa época atual.
O divino Coração escolheu como confidente das suas comunicações sobrenaturais, uma humilde religiosa da Visitação, Margarida Maria, encarregando-a de fazê-lo conhecido no mundo inteiro.
É preciso citar em inteiro uma destas revelações, tão admiráveis, e tão misericordiosas, que deviam ser escutadas de joelhos:
"Um dia em que estava prostrada diante do Smo. Sacramento exposto, escreve a Santa, experimentei um atrativo interior, que concentrou acima de mim todas as faculdades da minha alma e todos os meus sentidos.
"Então apareceu-me Jesus Cristo, meu divino Mestre: estava radiante de glória, e as suas cinco chagas resplandeciam como outros tantos sóis.
"Chamas brotavam da sua santa humanidade, mas sobretudo de seu divino peito que parecia ser uma fornalha".
"No meio deste fogo ardente, ele me mostrou o Coração, cheio de amor, como a fonte donde se irradiavam estas chamas".
"Fez então passar diante de mim as inefáveis maravilhas de seu amor, descobrindo-me o seu poder maravilhoso, que chegava até a fazê-lo amar os homens, sem receber deles outra coisa, senão frieza e ingratidão.
É isso, disse ele, o que mais me atormenta de tudo o que tenho sofrido durante a minha paixão!
"Oh! se pelo menos me retribuíssem amor por amor, como julgaria pouco tudo que tenho feito para eles!
"Se o pudesse, faria para eles muito mais do que tenho: porém, não recebo deles senão toda espécie de frieza e de insultos, em troca do ardor; com que lhes faço o bem!
"Numa outra aparição, Nosso Senhor mostrou à confidente, o seu Coração, encimado de uma cruz, envolto de espinhos e cercado de chamas, capazes de consumir o mundo inteiro.
"Pediu que a primeira Sexta-feira que segue a oitava do Smo. Sacramento, fosse reservada à celebração de uma festa, destinada a honrar o seu Coração e a reparar os atos indignos cometidos contra ele no Smo. Sacramento."
* * *
Tal foi a missão confiada a Santa Margarida Maria.
Ela recebeu ordem sem ter os meios de executá-la. Nosso Senhor quis encarregar-se de tudo.
A confidente devia fazer conhecer e espalhar a devoção ao Coração de Jesus no mundo inteiro sem deixar de obedecer a suas superioras.
Estas superioras, seus confessores e toda a sua comunidade levantaram-se contra ela e combateram as suas revelações tratando-a de visionária.
Após longas e cruciantes provações, Deus mandou-lhe um santo religioso, P. de la Colombiere, que examinou o espírito que conduzia a humilde religiosa e declarou abertamente que era o espírito de Deus. Ele mesmo quis ser o primeiro adorador do Coração de Jesus e consagrou-se a ele solenemente em 21 de junho de 1675.
A devoção tomou então impulso veemente. A Visitação de Moulins tomou a iniciativa em 1678, sendo seguido por Paray-le-Monial, em 1685.
Em 1688 o Arcebispo de Besançon inaugurou a festa em sua Arquidiocese, seguido de várias outras Dioceses.
A Santa Sé confirmou a criação da nova festa e S.S. Clemente XIII, em 1765 publicou o decreto, dando ao culto do Coração de Jesus a sanção apostólica.
Daí em diante a devoção percorreu o mundo fixando-se em todas as Dioceses, e até em todas as paróquias, formando hoje em dia, a devoção mais popular e mais extensa de todas as devoções na Igreja.
III - CONCLUSÃO
Eis como a devoção ao Sagrado Coração de Jesus desceu do peito-aberto do divino Redentor, brotou de seu Coração ferido, sob a forma de sangue e de água. De sangue, para significar o seu valor: e água, para manifestar o seu fim.
O sangue é o elemento da expiação.
A água é o elemento da purificação.
Expiar os crimes dos homens e purificá-los no amor de Jesus, tal é bem a dupla finalidade desta devoção.
como disse o divino Mestre a Santa Gertrudes, e como repetiu a Santa Margarida:
"É o último esforço de meu amor aos homens e a última invenção deste amor. Desgraçados daqueles que não o aproveitarem!"
Vê-se claramente que é o último recurso predito por Nosso Senhor e que, não aproveitando esta última invenção de seu amor misericordioso, o mundo corre para um abismo irremediável.
Correspondamos pois a este convite e de hoje em diante, mais ainda do que no passado, consagremo-nos ao Coração de Jesus, façamo-lo reinar em nosso vida, em nossa pátria, praticando os exercícios por ele pedidos, que são entre outros: a Hora Santa, a Comunhão da primeira Sexta-feira do mês, a entronização da sua imagem em nossa família.
42a INSTRUÇÃO
DEVOÇÃO AO SAGRADO CORAÇÃO
A devoção ao Coração de Jesus é a devoção salvadora por excelência, pois encerra e significa o que o Cristianismo tem de mais sagrado: o amor de Deus para com os homens.
Tomado em seu sentido natural o têrmo "Sagrado Coração" designa o coração material, o órgão propriamente dito que pulsava no peito do Salvador.
este Coração pode ser considerado sob dois aspectos:
1. Vivo no peito de Jesus, vivificado pela alma, deificado pela união hipostática.
2. Separado das outras partes do corpo, formando em si um todo completo - por assim dizer - morto.
No estado vivo: este Coração é o órgão e o símbolo do amor de Deus, enquanto considerado como morto, seria uma simples relíquia.
Em seu sentido largo, as palavras "Sagrado Coração", significam não simplesmente o órgão, mas a pessoa inteira de Jesus Cristo.
Tal é geralmente a significação adotada.
Para conhecer a fundo esta admirável devoção do amor e da misericórdia personificados no Coração de Jesus, Vejamos:
I - O objeto desta devoção.
II - Seus motivos e fins.
I - OBJETO DESTA DEVOÇÃO
Toda devoção compõe-se de diversos elementos, sendo os principais: o objeto, os motivos, as práticas e o fim.
O objeto é o que se honra:
Os motivos são as razões porque se honra tal objeto:
As práticas são os atos pelos quais se honra:
O fim é o têrmo que se propõe, honrando-o.
Quase sempre uma devoção se compõe de um duplo objeto: um sensível e corporal: outro invisível e espiritual.
Estes dois objetos são intimamente unidos e honrados juntos.
Habitualmente, o objeto espiritual é o objeto principal ou primário; porém é invariavelmente o objeto sensível que dá o nome à devoção.
Em última análise, toda devoção dirige-se à pessoa.
Pode haver sérias razões de distinguir tal ou tal das partes componentes de uma pessoa, e de fazer de tal parte, o coração por exemplo o objeto material de um culto, porém neste caso, esta parte não é considerada isoladamente do sujeito, mas formando com ele um único e mesmo indivíduo.
O que não impede que seja pelo objeto material próximo que as devoções se distinguem ou se especificam, como dizem os teólogos.
* * *
Apliquemos estas noções ao Sagrado Coração de Jesus e teremos logo uma noção clara e completa desta devoção.
O seu objeto principal e primário está nos seus dois componentes, os quais formam um objeto único: o seu Coração material de carne, que pulsa em seu divino peito, e o amor de que é símbolo e o órgão.
O que honramos no Coração de Jesus, é o amor extremo do Salvador para com os homens.
Antes do sinal vem a coisa significada: E esta coisa significada é o amor de Jesus Cristo.
O objeto particular desta devoção é ó amor imenso do Filho de Deus, que o levou a entregar-se à morte e a dar-se a nós no Smo. Sacramento do altar, sem que a visão das ingratidões e ultrajes que devia receber neste estado de vítima imolada, através dos séculos, o pudesse impedir de fazer tal prodígio.
Ele preferiu expor-se diariamente aos insultos e aos opróbrios dos homens, antes que deixar de testemunhar-nos o excesso de seu amor, pela maior das maravilhas.
Assim entendida, compreende-se que a devoção ao Sagrado Coração não se reduz, como certas pessoas pensam, em honrar e amar com um culto especial este Coração de carne, semelhante ao nosso, mas sim no amor imenso que Jesus Cristo tem para com os homens, os quais em sua imensa maioria não têm para com ele senão desprezo ou indiferença.
Este amor sendo espiritual, não pode tornar-se sensível, senão por meio de um símbolo, e este símbolo é o Coração Sagrado. Notemos, ainda que não é simplesmente o amor de Jesus, para com os homens, que o Sagrado Coração nos representa, mas todo o amor que fez pulsar este Coração, e neste amor está incluído sobretudo, o seu amor para com seu Pai Celeste.
O Coração de Jesus simboliza ainda, embora em grau menor, todos os outros fenômenos da sua alma, como são os da ordem intelectual, moral, e afetiva, pois, a palavra coração indica tudo o que se passa no santuário da alma e nas profundezas da consciência.
II - OS SEUS FINS
O fim é duplo, conforme se depreende das próprias palavras de Nosso Senhor a Santa Margarida Maria.
O primeiro fim é retribuir a ele o amor que nos dedica.
O segundo é desagravá-lo da ingratidão dos homens.
"Eis este Coração, dizia a Santa Margarida Maria, que tanto amou aos homens, que nada poupou, até esgotar-se e consumir-se, para testemunhar-lhes o seu amor".
"O meu divino Coração, diz em outra parte, é tão repleto de amor pelos homens que, não podendo mais conter em si as chamas da sua Caridade, deve difundi-las e manifestá-las a eles, para enriquecê-los com os tesouros que encerra".
Jesus sofre por ver desprezado o seu Coração e queixa-se desta dolorosa indiferença.
"como recompensa, diz ele, não recebo da maior parte dos homens, senão ingratidão pelas suas irreverências e pela frieza que têm para comigo".
Ele declara que a previsão de tanta ingratidão foi uma pena da sua paixão, mais dolorosa que as outras.
Ele tem sede de ser amado: "Se correspondessem a meu amor, diz Ele ainda, tudo o que tenho feito para eles pareceria pouco para o meu amor! Tu, pelo menos, dá-me esta consolação de suprir a sua ingratidão enquanto puderes".
Vê-se por estas palavras que o fim primário desta devoção é corresponder pelo amor de nossos próprios corações ao amor imenso que Jesus Cristo nos tem.
Tal devoção é própriamente um exercício de amor: o amor é o seu objeto, o amor é o seu principal motivo, é o amor que deve ser o seu fim.
* * *
O seu fim secundário, igualmente enunciado por Nosso Senhor, é de consolar o seu Coração, dos ultrajes e mgratidões que recebe.
Não pode haver amor verdadeiro sem desejo de consolar aquele a quem se ama, se estiver em tristeza ou sofrimento.
Quem ama o Coração de Jesus, sente-se irresistivelmente levado a fazer-lhe esquecer os ultrajes, as profanações e as ingratidões a que está expôsto.
É o que conduz as almas a fazer atos de reparação.
Em todo o tempo a reparação teve lugar saliente na devoção ao Coração de Jesus: a Escola de Paray-le-Monial, porém, estendeu consideravelmente este espírito de desagravo, a ponto de uns o colocarem quase em primeiro lugar.
O Coração de Jesus deve ser considerado sob um duplo ponto de vista:
O primeiro, como abrasado de amor pelos homens.
O segundo, como cruelmente ofendido pela ingratidão destes mesmos homens.
Estes dois motivos juntos, devem produzir em nós dois sentimentos que devem unir-se também, isto é: um amor que corresponda a seu amor, e uma dor que nos leve a reparar os ultrajes que recebe dos homens.
* * *
Destes dois fins, o primeiro é o principal. O amor correspondendo ao amor constitui o traço característico da devoção: a reparação ou desagravo vêm em segundo lugar.
"Amar e fazer amar o Sagrado Coração, e por ele fazer amar a Deus que nô-lo deu, tal é a verdadeira devoção" , escreve a Santa ao P. Croiset.
"Nosso Senhor me fez conhecer, diz ela ainda, que pelo grande desejo que tem de ser perfeitamente amado pelos homens, resolveu manifestar o seu Coração".
III - CONCLUSÃO
Terminemos pela prática da devoção ao Sagrado Coração, tal qual foi indicada pela santa confidente de Jesus, em Paray-le-Monial.
Toda devoção compõe-se de duas espécies de atos: uns interiores, outros exteriores.
Os primeiros são produzidos pelas faculdades da alma: os segundos são sensíveis e são produzidos pelo concurso dos sentidos.
O culto exterior deve ser a irradiação do culto interior, pois, é na alma que está a fonte da devoção.
Os atos interiores são o estudar, amar e honrar o Coração divino sob o emblema de seu Coração.
Este amor conduz necessariamente a três coisas:
Evitar o que Jesus proíbe:
Fazer o que ele deseja:
Imitar as suas disposições.
A este culto interior devemos ajuntar certos atos exteriores, pois, sendo o homem um composto de corpo e alma, é lógico que ambos estes componentes concorram ao culto prestado ao Criador.
Estas práticas consistem em celebrar as suas festas, honrar as suas imagens, visitar o seu altar, entrar no Apostolado da oração, assistir à Santa Missa, comungar, fazer atos de Consagração e de desagravo, fazer a Sagrada Comunhão nas primeiras Sexta-feiras, entronizar na família a imagem do Coração de Jesus.
Oportet illum regnare! É preciso que ele reine sobre o mundo, para salvá-lo das catástrofes iminentes que o ameaçam.
Este reino é o único remédio, tanto para as nações, como para os indivíduos!
FESTA DE SANTO ANTÔNIO
(13 de Junho)
EVANVGELHO (Luc. XII. 35-40)
35 - Naquele tempo disse Jesus aos seus discípulos:
Estejam cingidos os vossos rins e nas vossas mãos lâmpadas acesas.
36 - E fazei como os homens que esperam o seu senhor quando volta das bodas, para que, quando vier e bater à porta, lh'a abram.
37 - Bem-aventurados aqueles servos, a quem o Senhor achar vigiando, quando vier: na verdade vos digo que se cingirá e os fará sentar à mesa, e passando por entre eles os servirá,
38 - E si vier na segunda vigília, e si vier na terceira vigília, e assim os encontrar, bem-aventurados são aqueles servos.
39 - Mas sabei que se o pai de família soubesse a hora, em que viria o ladrão, vigiaria sem dúvida, e não deixaria minar a sua casa.
40 - Vós, pois, estai preparados, porque na hora que não cuidais virá o Filho do Homem.
43a INSTRUÇÃO
O MODELO DE HUMILDADE
A Igreja aplica a Santo Antônio o Evangelho da vigilância, para mostrar-nos que o Santo foi este servo vigilante, de rins cingidos e a lâmpada acesa na mão, esperando a chegada do Senhor.
De fato, Santo Antônio foi o servo vigilante, sempre preparado para a luta contra o mal e para o estímulo do bem.
Bem-aventurado é um tal servo, diz o divino Mestre: bem-aventurado é hoje Santo Antônio, o grande amante de Jesus, o grande taumaturgo de seu século.
Para excitar-nos a venerá-lo, como o merece, e imitar os seus exemplos:
I - Percorramos brevemente a sua vida.
II - Escolhamos a sua virtude dominante.
I - A VIDA DO SANTO
Sto. Antônio nasceu em Lisboa (Portugal) em 1195, e recebeu a alcunha de Pádua, porque foi em Pádua que morou por muitos anos, faleceu e estão conservadas suas relíquias.
No batismo recebeu o nome de Fernando, sendo o de Antônio o nome da sua profissão religiosa.
Desde criança foi confiado aos Cônegos de Lisboa que o educaram: entrando, com a idade de 15 anos, para o Instituto dos Cônegos de Sto. Agostinho.
Poucos anos depois entrou na Ordem dos Franciscanos para pregar a fé aos Mouros e ali sofrer o martírio.
Ernbarcou, para a África, onde esperava realizar o seu ideal, porem, Deus o destinava para outro apostolado.
Caiu gravemente enferrno e, no ano seguinte, foi obrigado a retornar o caminho de Espanha.
Era na época em que o grande São Francisco de Assis reuniu o Capítulo geral da sua Ordem. Antônio foi assistir e conversou nesta ocasião com o seu santo fundador.
Com a licença deste, retirou-se depois na ermida de São Paulo, perto de Bolonha, como cozinheiro da residência, escondendo, deste modo, na humildade e na austeridade, a sua grande e luminosa inteligência.
Os superiores descobriram o tesouro escondido neste humilde frade, e mandaram-no, com outros membros para Forli, para ali receber as ordens sacras.
Nesta ocasião o Bispo designou Antônio, para fazer urna exortação piedosa.
O humilde franciscano desculpou-se, porém foi preciso obedecer e esta obediência valeu aos ordenandos uma instrução repleta de teologia profunda, de piedade comunicativa e de urna eloquência que arrebatou a todos. O Santo e sábio estava descoberto o exterior humilde e a convicção da sua nulidade não puderam por mais tempo esconder a ciência.
São Francisco mandou-o para Verceil, onde devia estudar teologia, porém, ali chegando, em vêz de ser discípulo, Antônio tornou-se o mestre de todos, sendo professor de teologia em Bolonha, Tolosa, Montpellier e Pádua.
* * *
O milagre mais espantoso do santo missionário foi o da bilocação, para defender a seu pai injustamente acusado de homicídio e condenado a morte em Lisboa.
Chama-se bilocação a presença milagrosa simultânea de uma pessôa em dois lugares diferentes.
Antônio que estava em Pádua, neste momento, foi repentinamente transportado para Lisboa, onde foi ter com os juízes, declarando-lhes que o seu pai era inocente.
Estes, não acolhendo o seu testemunho, Antônio exigiu que o cadáver do assassinado fosse exumado e levado para a sala das audiências.
Ali, em presença de uma multidão, Antônio ordenou-lhe, em nome de Deus, de declarar si o seu pai era o autor do assassinato.
Imediatamente, o morto se ergueu e confessou publicamente que o acusado era inocente.
Um fato idêntico produziu-se na Quinta-feira Santa, na igreja de S. Pedro, onde Antônio estava pregando.
Neste momento, os Franciscanos recitavam o ofício de Matinas, e frei Antônio era o leitor indicado das lições. No momento preciso viram Antônio aparecer na igreja, cantar a lição e desaparecer do Coro... e neste mesmo momento começou o seu sermão, na igreja distante do monastério.
* * *
Um ano antes da sua morte, Antônio voltou a Pádua, exausto e doente: apesar disso, pregava diariamente durante a Quaresma.
Enfim Deus o chamou a si, no dia 13 de junho de 1231, na idade, de 36 anos, cantando com seus companheiros o hino: "o gloriosa Domina" , em honra da Sma. Virgem.
No dia da sua morte, por uma inspiração divina, as crianças percorreram as ruas da cidade, gritando: O santo morreu!
A Igreja ratificou no ano seguinte, 1232, a canonização feita pelas crianças: o Papa Gregório IX o colocou no catálogo dos santos.
Neste mesmo dia, todos os sinos de Lisboa, movidos por mão invisível, repicaram, celebrando, deste modo, o ilustre religioso e taumaturgo, Santo Antônio.
Em 1263 São Boaventura presidiu a exumação do corpo de Santo Antônio. Encontrou as carnes consumidas, mas a língua em perfeito estado de conservação, em recompensa de ter espalhado com tanto zelo a palavra de Deus.
Até hoje esta insigne relíquia está conservada intacta.
II - A SUA VIRTUDE DOMINANTE
A virtude que forma como o fundamento da santidade de Antônio, é, sem dúvida, a sua extrema humildade.
Foi esta humildade que o inspirou em toda a vida.
Queria desaparecer, esconder-se, para fazer aparecer o divino Mestre.
A sua vida pode resumir-se, nesta bela expressão de São João, falando do Salvador: Ilum oportet crescere, me autem minui! (Jo. III. 30).
Foi esta humildade que lhe grangeou o amor de predileção do Menino Jesus, e que lhe mereceu ser visitado muitas vezes por ele.
O santo é geralmente representado tendo o Menino Jesus nos braços.
Tal representação teve a sua origem num fato da sua vida, passado em Chateauneuf, na França, onde, durante a sua expedição de missionário, havia recebido a hospitalidade em casa de um católico fervoroso.
Este, vendo de noite o quarto de Antônio iluminado, movido pela curiosidade, foi observar várias vezes o que fazia o santo, de noite. Viu, então, um belo Menino que o religioso tinha nas mãos e acariciava com ternura. Era Jesus em pessoa.
Após a morte do santo, o feliz testemunho contou-o com lágrimas e sob juramento, este mesmo milagre, dizem reproduziu-se em Pádua, na casa de certo Tisone dei Campo.
III - CONCLUSÃO
Recolhamos da vida do grande taumaturgo esta lição prática; a humildade; não uma humildade especulativa, mas prática e fundada.
O Salvador disse que "Aquele que se humilha será exaltado".
Antônio humilhou-se profundamente, convencido de que nada valia e nada podia: e esta humildade mereceu as carícias do Menino Jesus e o dom dos milagres, que fizeram dele o santo mais milagroso da sua época e até dos séculos.
como este, procuremos esconder-nos do mundo, procurando viver na intimidade de Deus, e no recolhimento da oração e da virtude.
Ser humilde: é pedir esta virtude a Deus e fazer diariamente atos que a produzam.
Sem os atos de humildade não pode haver verdadeira humildade.
SÃO PEDRO E SÃO PAULO
(29 de Junho)
São os príncipes dos Apóstolos. Ambos foram os fundadores da Igreja. Pedro, como Apóstolo universal, Paulo, como Apóstolo dos gentíos: ambos regaram a Igreja nascente com seu sangue, em Roma, onde por uma providência divina, trabalharam e foram coroados pelo martírio.
Deste modo, unidos que foram em vida, Deus não os separou na morte.
No ano 67 da era cristã, em 29 de junho, Pedro foi crucificado com a cabeça para baixo, a pedido seu, na colina do Vaticano, onde se ergue hoje a Basílica de São Pedro, de Roma. Paulo foi decapitado na Via Óstia, no lugar onde se levanta a Igreja de S. Paulo das três fontes.
Simão Pedro era natural de Betsaida: foi um dos primeiros Apóstolos chamados por Nosso Senhor, com seu irmão André.
Era viúvo Depois da Ascenção, presidiu ao primeiro Concílio geral de Jerusalém, fixou depois residência em Antioquia, e depois em Roma, governando a Igreja durante 25 anos.
São Paulo, ou Saulo, era natural de Tarso (Asia) e foi educado no espírito dos fariseus. Converteu-se no ano 35, dois anos após a Ascenção, tornando-se, de perseguidor dos cristãos, um ardoroso Apóstolo do Evangelho.
São indescritíveis os trabalhos, lutas e sofrimentos porque passou por amor de Jesus Cristo. No fim foi conduzido a Roma, carregado de ferros, depois de longa permanência no cárcere foi decapitado no mesmo dia em que São Pedro foi crucificado.
EVANGELHO (Math. XVI. 13-19)
13 - Naquele tempo, veio Jesus para as bandas de Cesareia de Filipe, e interrogou os seus discípulos, dizendo:
Que dizem os homens sobre o Filho do homem?
14 - E eles responderam: uns dizem que é João Batista, outros que é Elias, e outros que é Jeremias ou algum dos profetas.
15 - Jesus disse-lhes: E vós quem dizeis quem eu sou?
16 - Respondeu Simão Pedro, dizendo: Tu és o Cristo, Filho de Deus vivo.
17 - E respondendo Jesus, disse-lhe: Bem-aventurado és tu, Simão, filho de João: porque não foi a carne nem o sangue que te revelou, mas meu Pai que está no céu.
18 - E eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela.
19 - E eu te darei as chaves do Reino dos céus: e tudo que ligares sobre a terra, será ligado nos céus: e tudo o que desatares sobre a terra, será desatado também nos céus.
44a INSTRUÇÃO
SÃO PEDRO E OS PAPAS
É uma página sublime entre as sublimes do Evangelho a que vamos meditar hoje.
A festa é de São Pedro e de São Paulo, porém, o Evangelho nos apresenta hoje só a bela e entusiasta figura de Pedro. Não somente de Pedro, Simão, filho de João, mas da dinastia inteira de Pedro.
A própria vocação de Pedro é uma revelação.
Pedro foi o terceiro Apóstolo escolhido, sendo os dois primeiros João e André.
estes trouxeram Pedro. Jesus vendo-o aproximar-se parou, fitou-o demoradamente: examinando-o, disse: Tu és Simão, Filho de João, tu serás chamado Kefas, que quer dizer Pedro. (Joan. 1. 42).
Notem bem a gradação desta cena: Jesus fixou-o, diz o Evangelho - "ln tuitus eum".
Em latim há três palavras, para graduar o olhar: videre, aspicere, intueri; isto é, ver, considerar, examinar.
Jesus examinou Pedro: mas seu olhar não viu simplesmente Simão, o pescador, mas sim Pedro, o Papa. O chefe desta dinastia vinte vezes secular do Papado.
Contemplemos esta cena admirável, vendo:
I - A profissão de fé de Pedro.
II - A confirmação desta fé.
I - A PROFISSÃO DE FÉ DE PEDRO
Pedro deve ser o Chefe da Igreja universal, e antes de subir ao céu, Jesus Cristo quer formar, ele mesmo, o seu sucessor visível, quer empossá-lo em suas funções de Doutor supremo.
A função de Pedro e de todos os Papas, é antes de tudo, apresentar ao mundo o Cristo, Filho de Deus como centro é foco de toda verdade.
Jesus Cristo faz uma pergunta que provoca uma resposta decisiva.
Interroga os Apóstolos acêrca da sua personalidade:
Que dizem os homens sobre o Filho do Homem?
Cada um repete o que ouviu, e talvez o que pensava.
Uns dizem que é Elias, outros João Batista, outros Jeremias ou qualquer outro profeta.
Após a acumulação das opiniões ouvidas, o divino Mestre quer ouvir a opinião pessoal dos Apóstolos, para isto interpela-os b ruscamente:
E vós, quem dizeis que eu sou?
ele interroga os Apóstolos em geral: logo, cabia ao Chefe deles dar a resposta, em nome de todos.
Pedro vai falar vai dogmatizar . vai dar a primeira definição doutrinal.
É o primeiro ato de autoridade que Pedro vai exercer, sob o olhar de seu Mestre.
É o Papa que vai falar o Papa infalível. Sente-se a inspiração do Espírito Santo.
Jesus Cristo está ali e escuta.
Os Apóstolos, os primeiros Bispos, estão atentos.
Todos escutam.
Pedro responde sem hesitação: a sua palavra é curta, sublime, majestosa corno a palavra do próprio Jesus Cristo, a quem substitui:
Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo!
Tudo está feito: a Igreja está fundada e está funcionando.
Jesus Cristo escolheu Pedro como Primeiro Chefe da sua Igreja: e na mesma ocasião, este novo Chefe inspiração pelo Espírito Santo, lança a sua primeira proclamação dogmática, perante o mundo inteiro.
Pedro é a pedra fundamental e sobre esta pedra está colocado o trono de Cristo, o Filho de Deus vivo.
Pela vez primeira, a proclamação do Papa ecoa pelo mundo, e continuará a ecoar através dos séculos.
Todos os Papas serão os continuadores desta primeira cena, e seus lábios continuarão a manter, proclamar e defender a fé de Jesus Cristo.
Eis Pedro feito a pedra viva da Igreja, a sua base, o seu órgão, o seu chefe supremo.
II - A CONFIRMAÇÃO DESTA FÉ
É a primeira parte desta cena sublime; vejamos agora seu órgão, o seu chefe supremo.
Pedro falou e falou como chefe da Igreja. A sua primeira proclamação de fé é a verdade básica do Catolicismo:
Jesus Cristo é o Filho de Deus vivo.
Escutemos agora a resposta de Jesus, confirmando as palavras de Pedro, como ele confirmará as sentenças doutrinais de todos os Papas:
Bem-aventurado és tu, Simão, filho de João, porque não foi a carne nem o sangue que t'o revelou, mas meu Pai que está no céu!
Jesus Cristo mesmo podia ter proclamado esta verdade básica: não o quis fazer, mas ordena que o chefe da sua Igreja o faça em seu nome, proclamando, corno dogma fundamental, a sua divindade.
Ele se reserva a aprovação: e aprova-o de modo categórico, dizendo que não é Pedro, corno tal, quem falou, filho de João, mas sim o seu Pai que está no céu, que lhe revelou esta resposta, sendo Pedro o canal infalível da palavra do Pai Eterno .
Porém Jesus Cristo vai mais longe.
Para mostrar insofismavelmente que a presente proclamação não é um fato isolado na Igreja, mas que é a prerrogativa do Chefe visível da sua Igreja, ele ajunta:
Eu te digo que tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja e as Portas do inferno não Prevalecerão contra ela.
Eis a duração perpétua do poder da infalibilidade prometida a Pedro.
Ele proclamará a verdade, e as portas do inferno, isto é, os vícios, as paixões, as hipocrisias, as violências, nunca prevalecerão contra a proclamação doutrinal de Pedro e de seus sucessores.
A Igreja e o Papa são uma coisa só!
A Igreja não repousa simplesmente sobre o Papa como sobre um fundamento: neste caso seria um edifício material, morto, mas é o Papa que faz a Igreja, que lhe dá a vida, o movimento, a ação.
É o Papa que faz a Igreja Una, Santa, Católica, Apostólica, que a marca com estes grandes características, peculiares e incomunicáveis.
O Papa é o princípio da unidade da Igreja;
É a força expansiva d a sua catolicidade;
É a fonte da sua santidade;
É o liame da sua apostolicidade.
Tudo repousa sobre ele, a tal ponto que, (o que é impossível) se a Igreja viesse a perecer, o Papa a criaria de novo, sem que Deus, por assim dizer, tivesse que intervir.
O Papa refaria tudo, em virtude do poder e da paternidade que estão nele.
Vê-se logo quais são os sentimentos que os católicos devem nutrir para com o sucessor de Pedro.
Uma dedicação inviolável: ele é invencível.
A terra pode tremer, o Papado não será abalado.
Oh! Pedro! Oh! Papa! Oh! Pai! A quem iremos nós?
Vós tendes as palavras da vida eterna.
O Papa é invencível! ele é também imutável.
Os homens erram, os gênios fracassam: só o Papa é a força e a verdade, virgem de todo o erro. As águas de um novo dilúvio podem submergir as culminâncias da terra, jamais alcançarão o Vaticano, donde o Papa as dominará, calmo e sereno, na majestade da sua infalível idade e na firmeza da sua indefectibilidade.
III - CONCLUSÃO
A conclusão se impõe.
A quem apegar-nos neste mundo?
Sobre quem apoiar-nos na vacilação atual?
A quem seguir nas trevas das dúvidas?
Ao Papa!
Ele é o farol, o rochedo!
Tudo passa: ele permanece.
Se o Papa nos perguntasse como Jesus Cristo perguntou no meio da hesitação que hoje invade o mundo: Quereis vós também afastar-vos de mim?
Oh! respondamos logo com o brado de Pedro, que dirigiremos ao seu sucessor: Senhor, para quem havemos de ir?
Tens as palavras da vida eterna, e nós acreditamos e reconhecemos que és o sucessor de Pedro, o representante de Cristo, filho de Deus vivo! (Joan. XII. 69).
Eis o que nos lembra a festa de São Pedro e São Paulo.
São as duas colunas da Igreja. Pedro, o Apóstolo do mundo.
Paulo, o Apóstolo dos gentios.
Pedro é o primeiro Chefe da Igreja: cada Papa é o seu sucessoré um outro Pedro . é Pedro perpetuado através dos séculos.
A cada Papa, Jesus Cristo repete: Tu és Petrus - Tu és Pedro.
Tu eras Joaquim Pecci . serás Leão XIII.
Tu eras José Sarto . · serás Pio X.
Tu eras Giacomo della Chiesa, tua serás Bento XV.
Tu eras Achilles Ratti . . tu serás Pio XI.
E a lista seguir-se-á de S. Pedro até ao último Papa!
Cada um deixará o seu nome do século, para tomar o nome da Igreja: Tu és Pedro!
Oh! Santo padre! a ti a minha veneração! a ti o meu amor! a ti a minha vida!
Beijo os teus pés: são os pés de Pedro. Os pés de Cristo!
Salve, ó Pedro! Salve, ó Santo padre!
VISITAÇÃO DE MARIA SANTÍSSIMA
(2 de Julho)
A Visitação de Maria Sma. à sua prima Isabel é a continuação, ou como o Corolário sobrenatural, da Anunciação.
O anjo havia dito a Maria que sua prima Isabel tinha concebido um filho, o Precursor do Messias.
como o Verbo encarnado quis santificá-lo antes de nascer, moveu o zelo da Virgem Mãe a ir, sem demora, visitar sua prima.
Maria empreendeu esta viagem de Nazaré a Hebron, distante 25 léguas ao sul, provavelmente em companhia de São José, ou tomando parte em alguma caravana de Galileus que se dirigiam para Jerusalém.
Isabel era espôsa de Zacarias. sacerdote, e já de idade avançada, sem esperança alguma de ter descendente.
Era prima de Maria Sma. pelo seguinte parentesco: o seu avô, Mantinha 4 filhos: Maria, Sobé, Ana e Jacó.
Maria é mãe de Salomé, mulher de Zebedeu.
Sobé é mãe de Santa Isabel, espôsa de Zacarias.
Ana é Mãe de Maria Santíssima.
Jacó é pai de Cléofas e de S. José.
Deste modo, Salomé, Santa Isabel, Maria Sma., Cléofas e São José são todos quatros primos em primeiro grau, como os filhos destes o são em segundo grau.
Estes filhos são:
Salomé, mãe de S. Tiago maior e S. João Evangelista.
Sta. Isabel, mãe de S. João Batista.
Maria Sma. Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Cléofas, pai de S. Tiago menor, José, Judas, Simão, Salomé e Maria.
Estas noções esclarecem a significação de tais termos empregados no Evangelho, falando dos irmãos de Jesus:
tais irmãos são simplesmente primos em segundo grau, conforme o modo de falar dos judeus, que chamavam pelo nome de irmãos todos os parentes até ao quarto e quinto grau.
EVANGELHO (Lucas. 1. 39-47)
39 - Naquele tempo, levantando-se Maria foi com pressa às montanhas, a uma cidade de Judá.
40 - E entrou em casa de Zacarias, e saudou a Isabel.
41 - E aconteceu que apenas Isabel ouviu a saudação de Maria, o menino exultou no seu ventre; e Isabel ficou cheia do Espírito Santo.
42 - E exclamou em alta voz, dizendo: Bendita és tu entre as mulheres, e bendito é o Fruto do teu seio.
43 - E donde a mim esta dita que a mãe de meu Senhor venha ter comigo?
44 - Porque logo que a voz da tua saudação chegou aos meus ouvidos, o menino exultou de alegria no meu ventre.
45 - E Bem-aventurada és tu que creste, porque se cumprirão as coisas que da parte do Senhor te foram ditas.
46 - E Maria disse: A minha alma glorifica no Senhor.
47 - E o meu espírito exulta (de alegria) em Deus meu Salvador.
45a INSTRUÇÃO
OS ENSINAMENTOS DA VISITAÇÃO
O Evangelho da Visitação é o complemento da Anunciação, e pode ser intitulado o Evangelho do Culto de Maria.
A Anunciãção nos revela a grandeza da Mãe de Deus:
a Visitação nos mostra o culto a que tem direito esta grandeza.
A Anunciação relata o realizar da Encarnação:
A Visitação mostra as consequências desta Encarnação.
Não podemos, de uma vez, meditar, as diferentes fases desta cena admirável, por isso vamos excluir o Hino sublime do Magnificat e concentrar a nossa atenção sobre as duas faces da cena:
I - A saudação de Maria e seus efeitos:
II - O culto prestado a Maria por Isabel.
I - A SAUDAÇÃO DE MARIA E SEUS EFEITOS
O Evangelho, depois de narrar o colóquio do Arcanjo com a Virgem Sma., diz que ela se foi com pressa a uma cidade de Judá e entrando em casa de Zacarias, saudou a Isabel e ouvindo esta tal saudação, o menino que Isabel trazia no seio exultou de alegria.
Temos aqui a saudação da Virgem e os efeitos de tal saudação.
É a única vêz em todo o decurso da vida de Maria que notamos uma certa pressa, o que contrasta com a reserva e a calma virginais de seu caráter.
Compreende-se logo que Maria obedece a uma ordem divina, ou pelo menos a um impulso divino, dado pelo Verbo Eterno que nela encarnou.
Ela tem uma missão a cumprir, e até uma missao urgente. Esta missão é santificar o Precursor, é a libertação de João Batista, do pecado original, pois Isabel estando grávida, havia seis meses, e Deus querendo santificar João no seio materno, havia pressa para fazê-lo antes que nascesse.
É um espetáculo admirável ver esta jovem de 16 anos, bela e tímida como é bela a virgindade que lhe reflete no olhar, fazendo esta viagem penosa de uns 5 a 6 dias, levando em seu coração e em seu seio o Criador do mundo!
É desconhecida dos homens, apenas acompanhada de um nobre ancião que é S. José, ou por uns parentes viajando em caravanas regulares, porém seguida pelo olhar dos anjos e do próprio Altíssimo.
Chegando a Hebron, Maria entra em casa de sua prima, espôsa de Zacarias, saúda-a dizendo: - A paz seja convosco, e ambas estas mulheres: uma, senhora idosa, curvada pelos anos: a outra, jovem de uma singeleza encantadora e suave, caem nos braços uma da outra, enternecidas, como se fossem mãe e filha que se encontram após uma longa separação.
Maria queria dar os parabéns a Isabel pela graça recebida de Deus de ela ter sido escolhida para ser a mãe do Precursor, mas antes que ela possa falar, o Espírito Santo toma a dianteira e inspirando Isabel, esta canta a grandeza da sua prima, escolhida por Deus, como Mãe do Redentor.
Depois de ter louvado e exaltado a Virgem como Mãe de Deus, indica a razão da sua imensa alegria, assinalando os efeitos da saudação da sua jovem parente.
Porque logo que a voz da tua saudação chegou aos meus ouvidos, o menino exultou de alegria em meu seio .
É a tradição não interrupta da Igreja, desde a sua origem, que neste instante, João Batista foi purificado do pecado original e santificado nas entranhas de sua mãe.
De fato, esta exaultação ae João, correspondendo à saudação de Maria e inspiração do Espírito Santo em Santa Isabel, estão indicados como da mesma ordem, isto é sobrenatural.
É assim que Isabel o entende, pois, ela diz que é pela exultação de seu filho que reconhece a Mãe de seu Senhor, como se conhece a causa pela produção do efeito.
Notemos ainda esta expressão do Espírito Santo: O menino exultou de alegria - exultavit in gauaio.
Uma simples exultação podia fazer suspeitar um efeito natural, porém uma exultação de alegria supõe necessariamente uma pessoa desligada do pecado e feita amiga de Deus.
O pecador pode exultar mas não; exultar de alegria pela presença de Deus. Tal alegria é a manifestação da amizade que reina entre os dois, é o sinal da graça divina.
A saudação de Maria produziu este tríplice efeito:
Purificou João do pecado original:
Santificou-o como Precursor do Messias:
Encheu Isabel do Espírito Santo.
II - O CULTO PRESTADO A MARIA POR ISABEL
É a segunda fase desta cena admirável.
Estamos aqui em frente do primeiro milagre operado por Jesus Cristo na terra, e este milagre foi operado por meio da voz da Virgem Sma.
Ela vai agora proclamar em alta voz "voce magna" ó culto que devemos a este órgão do poder divino, a esta mulher bendita, por cujas mãos imaculadas passam as graças divinas.
Cheia do Espírito Santo, Isabel exclama pois. dirigindo-se à Maria:
Bendita és tu entre as mulheres, e bendito é o Fruto de teu seio.
Na Anunciação, quando o Arcanjo saudou a Maria, o Verbo Eterno não havia encarnado ainda, e a Virgem não era ainda Mãe de Deus, mas agora o é: o Verbo Eterno já tomou corpo em suas puras entranhas, eis porque não basta mais aclamar a Maria como Bendita, mas é preciso aclamar ainda bendito o fruto de seu seio.
Como tudo isto é admirável, e como se sente em cada palavra a inspiração divina!
Aclamou a Maria e a Jesus, a Mãe e o Filho, eis portanto o primeiro ato do culto que Isabel prestou a Deus e a sua Mãe Imaculada: o culto de louvor.
* * *
Isabel continua, sempre com a grande voz, para que todos os séculos possam ouví-la: - E donde me vem a dita que a Mãe de meu Senhor venha ter comigo?
É nova revelação!
Isabel era em tudo superior a Maria: pela idade, pela posição social, pelo seu matrimônio com Zacarias, pela aparição de um anjo, anunciando-lhe o nascimento do Precursor, e entretanto se humilha perante a jovem prima, que exteriormente era despôsada com um simples carpinteiro pobre e desconhecido na sociedade.
Isabel acha-se indigna de receber a visita de sua prima, a quem proclama: Mãe de seu Senhor.
Há neste têrmo: Donde me vem a dita que tu vens a mim uma analogia significativa, comparando-o à expressão que João Batista usará mais tarde, recebendo a visita do Salvador: Tu vens a mim! Sou eu que devia ser batizado por Ti. (Math. III. 14) . tE tu venis ad me?!
Citando estas duas expressões em circunstâncias idênticas, o Espírito Santo, nos mostra não somente a filiação moral de João Batista, e de Isabel, mas também a de Jesus e de Maria, associados em suas homenagens.
É a segunda proclamação do culto devido à Virgem ,Santa: o culto da grandeza da Mãe de Deus.
* * *
Isabel termina sua proclamação numa terceira frase profética: E bem-aventurada és tu que creste, porque se cumprirá o as coisas que da parte do Senhor te foram ditas.
Quais são estas coisas ditas, ou feitas?
Não é a Encarnação: já estava realizada.
Não é a maternidade divina: já era um fato.
Quais são pois estas promessas?
A extensão do reino de Jesus Cristo.
A salvação do mundo.
A sua mediação universal.
Tudo isso era imputável a Maria e lhe valia este culto de louvor, de grandeza e de intercessão, que Isabel lhe tributa oficial e publicamente em alta voz.
A razão porque Maria é bemaventurada é que creu, é a sua fé viva, sem hesitação.
Não é somente por ter recebido o Verbo Eterno em seu seio e tê-lo amamentado com o seu leite virginal, como a exaltou esta mulher do Evangelho, cuja exclamação Jesus retificou, mas como o fez entender Jesus Cristo nesta ocasião, é ter crido na palavra de Deus, e ter conformado a sua vida com esta palavra.
III - CONCLUSÃO
Recolhendo os numerosos ensinamentos da festa da Visitação, lembremo-nos de que as ações do Salvador têm sempre uma finalidade sobrenatural: são princípios e como amostras do seu modo de agir com os homens.
Jesus Cristo é a lei viva e basta um único ato dele para estabelecer uma lei.
Deste princípio devemos recolher dois ensinamentos:
1. Que todas as graças passam pelas mãos de Maria.
2. Que devemos a Maria, a exemplo de Isabel, o culto de honra, de dignidade e de intercessão. Estas conclusões dimanam diretamente das verdades que acabamos de contemplar.
É uma lei que as obras de Deus são sem retrospecção, de modo que o que ele faz uma vez, continua a fazer nas mesmas circunstâncias.
O primeiro ato de Jesus encarnado foi um ato de santificação, por intermédio de Maria.
Jesus dá a Maria parte integrante no nascimento espiritual de João, como teve parte no mistério da Encarnação.
Ora, João Batista representava nesta hora, a Igreja e todos os eleitos, conforme ficou dito que, ele foi enviado por Deus, para que todos cressem nele - ut omnes crederentper illum. (Joan. 1.7).
Logo, Jesus Cristo quer mostrar que Maria Sma. coopera no nascimento espiritual de todos os fiéis.
Eis o direito de Maria, vejamos agora o nosso dever para com ela.
O Arcanjo proclamou a grandeza da Mãe de Deus.
Isabel mostra e pratica o culto que lhe devemos.
O culto de louvor: bendita entre todas as mulheres.
O culto da grandeza: é a Mãe de Deus.
O culto de intercessão: é por ela que João é santificado.
Que página sublime sobre o culto da Mãe de Jesus!
É o Evangelho da sua exaltação, da sua grandeza e da sua mediação universal.
Ó Virgem Sma., ressoe a vossa voz a nossos ouvidos para produzir em nós a obra da santificação das nossas almas e excitar em nós uma grande e terna devoção para convosco!
SÃO VICENTE DE PAULO
(19 de Julho)
EVANGELHO (Luc. XII. 32-34)
32 - Naquele tempo disse Jesus a seus discípulos:
Não temais, ó pequenino rebanho, porque foi do agrado de vosso Pai dar-vos o seu reino.
33 - Vendei o que possuís e dai esmola. Provei-vos de bolsas que não envelhecem, de um tesouro inexaurível no céu: onde não chega o ladrão e ao qual a traça não rói.
34 - Porque onde está o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração.
46a INSTRUÇÃO
O APÓSTOLO DA CARIDADE
O Evangelho da festa é a expressão viva dos sentimentos de S. Vicente e a regra da sua vida.
Confiar em Deus, dar esmolas e dar a si mesmo é o objeto dos três versículos que a liturgia dedica ao grande Apóstolo da Caridade, e é nestes três versículos que devemos procurar o segredo dos sucessos, da caridade e a dedicação do santo.
Para essa admiração e imitação, como para o estímulo dos abnegados Vicentinos, que procuram imitar este belo modelo, percorramos um instante esta vida fecunda, e tiremos dela a grande lição: o exemplo da caridade. Vejamos brevemente:
I - A vida do Santo.
II - O segrêdo da caridade.
I - VIDA DE SÃO VICENTE
Nasceu Vicente em Landres, perto de Dax, na França, em 24 de abril de 1581, de pais pobres, porém piedosos.
Durante os primeiros anos o pequeno Vicente guardava o rebanho de seu pai, tendo, desde o berço, uma inclinação para as obras de caridade.
Vendo estas boas disposições de seu filho, o pai resolveu fazer uns sacrifícios e encaminhá-lo para o sacerdócio.
O menino começou os seus estudos no Colégio de Dax.
Esgotados os recursos, seu pai vendeu uma junta de bois para manter o filho na Universidade de Tolosa, onde fez os estudos de teologia.
Foi ordenado sacerdote em 1600, antes da aplicação dos decretos do Concílio de Trento, tendo apenas 19 anos.
Numa viagem de Marselha, em 1615, foi capturado no navio pelos piratas maometanos e levado para Trunis, como escravo.
Vendido sucessivamente a um médico, e depois a um renegado francês, Vicente foi empregado nos trabalhos do campo. A mulher do renegado, que era turca, admirando a paciência e a caridade do escravo, interrogava-o a respeito da sua religião, e achou-a tão bela que repreendeu o seu marido de tê-la abandonado.
Este converteu-se e voltou para a França com Vicente, abjurou o erro e terminou santamente a vida como religioso.
Foi a primeira conquista da caridade de Vicente.
Esta primeira, devia ser o elo da imensa corrente de caridade com que o santo ia envolver o mundo.
* * *
De volta a França, encontramos sucessivamente Vicente como capelão da rainha Margarida, ao mesmo tempo Vigário de Clichy, (Paris) onde se mostrou pai dos pobres e ganhou todos os corações.
Em 1617, estava em Chatillon, a pedido de seu Diretor, Monsenhor de Berulle, onde renovou a paróquia, converteu os hereges e fundou as primeiras associações de caridade.
É aí que começou sua grande obra que devia servir de modelo às Conferências de São Vicente, organizadas definitivamente, mais tarde pelo admirável Frederico Ozanam.
Terminadas estas obras, eis Vicente na família do administrador geral das prisões, o Sr. de Gondi, onde se dedicou de corpo e alma à evangelização dos condenados aos trabalhos forçados, enxugando lágrimas, tratando doentes, consolando os infelizes e indicando a todos o reino de Deus.
Mas havia no Evangelho uma palavra que sempre ecoava aos ouvidos de Vicente: pauperes evangelizantur - Os pobres são evangelizados. Era como o característico da missão do Salvador, Vicente quer imitar o seu Mestre, e ei-lo em 1617 percorrendo as aldeias, como missionário, pregando o Evangelho aos pobres e aos operários.
Foi o berço da Congregação dos padres Lazaristas.
Estimulados pelo zelo de Vicente, vários sacerdotes juntaram-se a ele, e ligaram-se por voto, consagrando a vida à salvação dos pobres campônios.
Foi a obra de estimação do Santo, e até à idade de 75 anos, ele mesmo ia pregar missões nas aldeias.
Desta obra admirável da Missão, devia nascer outra, não menos importante: a formação de santos sacerdotes para manter o resultado das missões.
O Santo organizou para esse fim os retiros dos ordenandos, as reuniões semanais do clero, os seminários, etc.
Tudo isso brotava do coração de Vicente, como o zêlo brota de um coração amante.
As conquistas do Santo iam-se avolumando.
O rei de França, Luiz XIII, moribundo, mandou chamar Vicente em 1643, para que o preparasse à morte. Durante a sua estadia em Paris, Vicente habitava o Colégio dos bons meninos, porém tendo encontrado um Convento de Cônegos, perto da igreja de São Lourenço, o Prior desta, desejando abandonar a casa por falta de religiosos, e conhecendo o bem imenso que Vicente estava fazendo, entregou-lhe o prédio de São Lázaro.
Este estabeleceu aí a sua comunidade, donde lhes vem o nome de Lazaristas.
É este Convento que devia tornar-se em breve o foco e o centro de todas as obras de caridade que Vicente ia realizando.
Desde 1659, no último período da guerra dos trinta anos, Vicente percorreu a França, semeando esmolas e a palavra divina, fazendo verdadeiros milagres de organização e de caridade.
* * *
Mas a França era pequena demais para conter o coração abrasado de Vicente: o Santo sonhava evangelizar a África, enviando os seus incomparáveis Lazaristas aos Hebrides, na Polônia, em Madagascar, na Argélia, Tunísia, para ali cuidar dos cristãos escravos, nas mãos dos maometanos.
No fim de sua vida pensava a conquista espiritual da China, da Babilônia e de Marrocos.
Após a fundação dos Lazaristas, Vicente fundou a obra das Filhas da caridade. De acordo com uma mulher de rara inteligência e de uma fé eminente, Luíza de Marillac. Viúva Le Gras, criou esta outra obra incomparável de caridade, que contradiz a todas as ideias da sua época.
Até este tempo as religiosas viviam todas no fundo dos claustros, protegendo assim a sua virtude contra os assaltos do mundo: Vicente teve uma nova inspiração, ele quer lançar as suas filhas no meio do mundo.
O Santo escreveu em sua Regra estas palavras admiráveis de audácia e de caridade.
"Elas não terão outro monastério senão a casa dos pobres, nem outro claustro, senão as ruas da cidade, nem outro véu senão a santa modéstia".
As Filhas de São Vicente encontram-se hoje em todas as partes do mundo, no meio das nações católicas e dos povos infiéis. Em toda parte encontra-se a Filha da Caridade, inclinando-se sobre o berço do pobre que nasce, como sobre o túmulo do soldado que morre.
II - O SEGRÊDO DA CARIDADE
O segredo de tantas maravilhas que nem sequer podemos enumerar, estava no amor de Deus; amor prático. Que lhe incendiava o coração.
"Amemos a Deus, Senhores e meus irmãos, dizia aos membros da sua comunidade, e amemo-lo a custa dos nossos braços e no suor da nossa fronte".
De fato, o Santo até na hora da sua morte, (faleceu na idade de 80 anos) levantava-se pontualmente às 4 horas, e o seu primeiro ato era uma dura disciplina sangrenta, que lhe rasgava os ombros e as costas.
As primeiras horas do dia eram para a oração e a meditação, que fazia de joelhos, com os seus pais na Capela de São Lázaro.
Celebrava depois a Santa Missa, com uma piedade que comovia os assistentes.
Um dia (em 1641) enquanto celebrava, viu a alma de Santa Joana de Chantal, moribunda, subindo ao céu, e a de São Francisco de Sales vindo acolhê-la, e viu depois estas duas almas irem perder-se em Deus.
Depois da Missa, começava o trabalho do dia, que era sem um instante de interrupção.
Tratando com os reis, os príncipes e os pobres, Vicente era sempre o mesmo, humilde e bondoso.
A quem lhe dizia que estava sobrecarregado de serviços, ele respondia simplesmente: "Um sacerdote deve ter sempre mais serviço do que pode fazer!"
A este labor incessante, o Santo juntava uma penitência contínua. Entrando no refeitório, dizia às vezes: "Desgraçado que sou, não ganho nem o pão que como!"
A sua jornada prolongava-se deste modo a noite a dentro, e antes de tornar o seu repouso, prostrava-se de joelhos e preparava-se para a morte.
Enfim, Deus chamou o infatigável Apóstolo da caridade, em 27 de Setembro de 1660, a receber a recompensa da sua virtude.
Bento XIII beatificou-o em 1729, e Clemente XII o canonizou em 1737, isto é, 77 anos após a sua morte.
Suas relíquias repousam na igreja dos Lazaristas, em Paris. Leão XIII, em 1885, proclamou S. Vicente o Protetor das obras de caridade.
III - CONCLUSÃO
O que sobrepuja na vida de São Vicente de Paulo, é a sua inesgotável caridade para com os pobres.
Esta caridade fez dele o herói do zelo, da atividade, dos empreendimentos.
Não era frio altruísmo, pregado hoje pelos homens sem fé, mas a caridade quente, comunicativa, que se aquece no amor de Deus e vê no pobre a pessoa de Jesus Cristo.
As obras de S. Vicente continuam até hoje a florescer no mundo, e florescerão enquanto florescer no mundo o amor de Deus.
Os admiráveis padres Lazaristas continuam a sua missão gloriosa de pregar o Evangeiho aos pobres, e de formar sacerdotes zelosos nos numerosos Seminários que dirigem, no mundo inteiro, e no Brasil em particular.
A nuvem de cornetas brancas, que são as Filhas de Caridade encontra-se em toda a parte, recebendo, a criança que nasce, a enferma que sofre e o moribundo que deixa a vida.
As Damas de Caridade são as continuadoras desta legião de anjos caridosos que Vicente organizou na França, e que lançou, como salvadoras, através das cidades e das campmas.
Os vicentinos, esta outra legião heroica, arregimentada por, Ozanam, são os continuadores dos Apóstolos de Caridade, que Vicente congregava para auxiliar, consolar e evangelizar a classe dos pobres e sofredores.
E tudo isso continua: temos tudo isso diante dos olhos.
Que faremos nós?
Juntemo- nos a estas legiões de Apóstolos da Caridade!
auxiliemo-los com as nossas esmolas e a nossa cooperação ativa, para podermos participar dos seus merecimentos.
Tenhamos caridade, pois, dar ao pobre é emprestar a Deus e o que fazemos ao mais humilde dos homens é ao próprio Jesus Cristo que o fazemos.
SÃO LUÍS GONZAGA
(21 de Julho)
EVANGELHO (Math. XXII. 34-40)
34 - Naquele tempo, tendo os fariseus sabido que Jesus reduzira ao silêncio os Saduceus, reuniram-se.
35 - E um deles, doutor da lei, tentando-o, perguntou-lhe:
36 - Mestre, qual é o grande mandamento da lei?
37 - Jesus disse-lhe: Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração e de toda a tua alma e de todo o teu espírito.
38 - este é o máximo e o primeiro mandamento.
39 - E o segundo é semelhante a este: Amarás o teu próximo como a ti mesmo.
40 - Destes dois depende toda a lei e os profetas.
47a INSTRUÇÃO
O MODELO DA VIRTUDE
O Evangelho da festa de S. Luís, em poucas palavras, traça o código completo da perfeição.
Amar a Deus de todo o coração e amar ao próximo como a nós mesmos.
É a lei de toda santidade, e é necessàriamente a meta de todos os esforços daqueles que pretendem galgar a montanha da perfeição.
A vida de São Luís é uma vida agitada pelas numerosas contrariedades que lhe suscitava o próprio pai, contrariando a sua vocação, porém Luís era de uma coragem invencível, porque amava a Deus acima de tudo, e este amor venceu todos os obstáculos.
Não se podem relatar todos os pormenores desta vida curta, mas cheia. Por isso nos limitaremos:
I - A percorrer a sua vida em geral.
II - Em destacar a sua virtude predileta: a mortificação dos sentidos.
I - A VIDA DE SÃO LUIS
Luís de Gonzaga nasceu em 29 de março de 1568, no Castelo de Chatilon, na Itália, no ano em que morreu Santo Stanislau Kostka, cuja vida devia reproduzir tão fielmente.
Filho da alta nobreza, Luís foi consagrado à Sma. Virgem pela sua mãe piedosa, em perigo de morte, a qual recobrou a saúde, e procurou, por todos os meios, preservar do mal e santificar o seu filho, enquanto o pai, embora cristão, desejava fazer dele um grande príncipe e um valoroso militar.
Com o intento de inspirar-lhe o gosto das armas, o pai levou o menino, tendo apenas 4 anos de idade, a assistir a revista das tropas.
Meses a fio o menino ficou no meio dos militares, repetindo certas palavras inconvenientes, sem compreender-lhes a significação. Chegou até a carregar um canhão, às escondidas, que fez explodir, o que quase lhe custou a vida.
Foram os maiores pecados da sua vida, que procurava expiar a vida inteira.
Tendo um dia ouvido dizer por sua mãe que se sentiria feliz em ter um filho religioso, o pequeno Luís segredou-lhe: "Mamãe, creio que Deus lhe concederá esta graça, e penso que serei eu mesmo!"
A marquesa resolveu ajudar secretamente o filho na realização deste projeto, enquanto o pai sonhava glórias e posição para ele.
Com 9 anos Luís foi enviado a Florença, com seu irmão Rodolfo, para terminar os estudos.
Foi neste tempo que se consagrou a Maria Sma., fazendo voto perpétuo de castidade.
Favorecido por Deus pelo espírito de oração e de contemplação, passava às vezes horas inteiras ao pé do Tabernáculo, ou aos pés da Virgem. Santíssima.
São Carlos Borromeu, tendo tido ocasião de encontrar-se com o pequeno Luís, ficou encantado pela sua piedade profunda e sincera, e quis, ele mesmo prepará-lo à primeira Comunhão.
Desde este dia Luís vivia como um verdadeiro religioso, seguindo um regulamento particular, ensinando o catecismo às crianças, jejuando todos os Sábados e praticando várias outras penitências.
Assistia diariamente a Santa Missa com tanta piedade, que os fiéis diziam que, para tornar-se piedoso bastava ver Luís assistir à Santa Missa.
Oração, leitura e estudo, tal foi a vida de Luís até a idade de 16 anos.
De Mântua, o pai mandou-o para a corte de Espanha, no meio das honras, riquezas e corrupção dos grandes, mas aí também, Luís soube conservar-se um modelo de virtudes.
Tudo o que não é eterno nada vale, dizia.
Que serve isto para a eternidade? - Quid hoc ad aeternitatem? exclamava muitas vezes.
Procurou convencer o pai da sua vocação, porém só o conseguiu após 3 anos de lutas e provações.
Na idade de 18 anos Luís cedeu a sua parte de herança para seu irmão Rodolfo e entrou para os Jesuítas em Roma.
A sua vida aí foi a de um anjo em carne mortal, podendo ser proposto como modelo a todos os seus colegas de noviciado.
Em 1587 pronunciou os votos e pouco depois recebeu a tonsura e as ordens menores.
Estava cursando a teologia, quando foi obrigado a deixar o seu querido asilo, e ir para Mântua, afim de restabelecer a paz em sua família, seriamente comprometida pela ambição de uns de seus parentes.
Restabelecida a paz entre os seus irmãos, Luís voltou para Milão, em 1590 para ali terminar o seu curso de teologia.
Chamado a Roma, no fim do mesmo ano, o santo jovem ali morreu, vítima da sua caridade, dedicando-se de corpo e alma aos cuidados dos enfermos, durante uma epidemia que fez imensos estragos em Roma , em 1591.
Antes de expirar, Luís tinha continuadamente os olhos fitos sobre o seu crucifixo, e respondia a quem o perguntava pelo seu estado: Vamos para o paraíso.
Em 21 de junho de 1591, dia da oitava do Corpo de Deus, entregou a sua alma pura ao Criador, tendo apenas 23 anos de idade.
Foi beatificado em 1606, e canonizado em 1726, pelo Papa Bento XIII.
II - A MORTIFICAÇÃO DOS SENTIDOS
A vivacidade e o desregramento dos sentidos é o maior obstáculo a o progresso espiritual.
A primeira luta a empreender para quem deseja santificar-se é, pois, contra estes inimigos, até mantê-los em perfeito equilíbrio, para não ofender a Deus.
São Luís é um modelo perfeito desta luta de todos os momentos, e levou o rigor até ao excesso, se pudesse haver excesso no bem.
Reprimir cuidadosamente toda expansão dos sentidos, não lhes dando a menor liberdade, sem controlar e refrear o que podia haver de perigoso ou de inútil, era seu exercício.
Sua modéstia era heróica.
No convívio quotidiano da côrte de Espanha, uma só vez fixara o rosto da rainha, de modo que, encontrando-a por acaso, não soube dizer quem era.
A sua modéstia com a própria mãe chegou ao ponto que não sabia nem a côr dos olhos dela.
Nunca o viram cheirar uma flor ou outro objeto perfumado. Pelo contrário, nos hospitais, onde ia muitas vezes tratar dos doentes, estava em contato com o que havia de mais asqueroso, lavava os panos que acabavam de servir no tratamento das feridas mais repugnantes.
O seu espírito de mortificação foi até beijar com carinho, as chagas de um enfermo.
Outras vêzes não recuou a beber a água com que tinha lavado a perna chagada de um doente.
Sacrifícios semelhantes só se encontram nas almas dos santos.
Não gostava de conversas inúteis e logo que podia, convertia-as em colóquios espirituais.
Quando a categoria de pessoas lhe impedia de proceder deste modo, calava-se, e o seu sílência era uma lição.
Ao andar pelas ruas, ao visitar uma casa, não ligava à configuração dos lugares e das coisas.
Interrogado si tinha gostado de tal panorama, paisagem ou objetos, muitas vezes não sabia definir-se, porque não havia observado nada.
Na alimentação, tomava o que era mais amargo e mais desagradável. Parecia não ter paladar.
Rigorosíssimo em observar o silêncio da regra, ninguém o demovia dêsse propósito, nem mesmo em circunstâncias que plausivelmente podia ultrapassar os limites da observância.
Tinha a ânsia das austeridades, e não deixava passar nenhuma mortificação que lhe permitiam os superiores, andando sempre a cata do que o fizesse sofrer.
Entretanto, era comedido e compreendia o que às vezes os principiantes perdem de vista, que a penitência não tem por fim arruinar a saúde, mas sim domar a natureza embrutecida, afim de se garantir contra a concupiscência.
Suas virtudes interiores não eram menos heróicas.
A humilhação e o aniquilamento sorriam ao jovem religioso, como sorriam aos mundanos as honras e os prazeres.
Usava as roupas mais poídas e remendadas, e com isto vivia tão contente que sentia repugnância em vestir uma peça nova.
Pedia que o mandassem pela cidade com roupas rasgadas e sacola às costas, em busca de esmolas ou para ensinar o catecismo aos campônios e ignorantes.
Tinha-se por muito feliz cada vez que era repreendido em público.
A virtude que mais dificuldade prática apresenta é a humildade. Ser humilde não é somente aceitar a humilhação com indiferença, mas é procurá-la e amá-la.
Luís havia chegado a este ponto: a humilhação era uma como necessidade para ele: e não se sentia satisfeito quando não encontrava qualquer coisa que o humilhasse ou e rebaixasse aos olhos dos outros.
III - CONCLUSÃO
Belo e admirável modêlo para a mocidade, para os jovens religiosos sobretudo.
Hoje vivemos numa época de comodismo. O mundo tem horror a tudo o que faz sofrer.
Até nos conventos, apesar da boa vontade das almas educadas neste ambiente de decadência do vigor, o comodismo penetra, escondido sob as aparências de falta de saúde, de fraqueza de constituição, de estudos, de trabalhos, etc.
O vigor da disciplina é sacrificado, e em vez de voarem para Deus, tais almas vão levando uma vida inútil, sem fruto, porque sem vigor.
São Luís era de uma constituição delicada: educado no meio da abundância e do bem estar da fortuna, e apesar disso soube adotar e conservar até o fim uma vida austera, não cedendo nada ao comodismo, mas procurando em tudo seguir o regulamento de seu Instituto, sem alívio, sem dispensas, sem concessões.
Fitemos este belo modelo e procuremos imitá-lo senão nas grandes fases de seu heroísmo, pelo menos, na fidelidade às pequenas coisas, de que a nossa vida está cheia, para que o grande mandamento do amor de Deus acima de tudo, domine a nossa vida e inspire a nossa atividade.
FESTA DE SANTANA
(26 de Julho)
EVANGELHO (Math. XIII. 44-46)
Naquele tempo, propôs Jesus esta parábola a seus discípulos:
44 - O reino dos céus é semelhante a um tesouro escondido num campo: o homem que encontra este tesouro esconde-o, e vai contente vender todos os seus haveres, para comprar aquele campo.
45 - O reino dos céus é ainda semelhante a um mercador que vai a procura de pérolas preciosas.
46 - E achando uma de alto valor, vende todos os seus bens e compra a pérola.
48a INSTRUÇÃO
À primeira vista, parece que o Evangelho do dia, pouca relação tem com a vida de Santana.
Muito ao contrário: a aplicação é perfeita.
Nosso Senhor se serve de várias comparações neste Evangelho: recolhamos apenas as duas primeiras.
A primeira trata de um tesouro escondido: a segunda, de pérolas preciosas.
Este tesouro é Jesus Cristo.
Uma destas pérolas preciosas é Maria Sma.
Sublime tesouro escondido no campo virginal de Maria, e a possuidora deste campo é Santana, mãe da Virgem Imaculada.
Esta pérola de Israel, que é a Mãe de Deus, foi adquirida como que pelas orações de Ana e de Joaquim, cujo matrimônio havia sido estéril na ordem da natureza, mas que Deus fecundou tanto nesta ordem como na ordem da graça, dando-lhes por filha a própria Mãe de Deus.
Percorramos brevemente:
I - A vida de Santana,
II - A virtude da mesma.
I - A VIDA DE SANTANA
O Evangelho nada diz dos felizes e santos progenitores da Mãe de Deus. Nada diz e nada devia dizer.
O Evangelho é a Boa-Nova da nova lei.
Joaquim e Ana pertencem ainda à lei antiga, tendo com a nova lei uma ligação sagrada, porém oculta na pessoa de sua filha bendita, que é como a aurora do Evangelho.
Felizmente a tradição nos fornece bastantes pormenores para podermos mais ou menos retraçar a vida do casal feliz, escolhido por Deus para dar a vida à Mãe de Jesus.
Santana, cujo nome hebráico quer dizer graciosa, nasceu em Belém de Judá, e viveu em Nazaré, na baixa Galiléia.
Era tia de Santa Isabel, mãe de S. João Batista, e também tia de São José: sendo Santa Isabel filha de uma sua irmã chamada Sobé, e São José, filho de um seu irmão, chamado Jacó.
Santo Agostinho diz que Ana era da estirpe sacerdotal: desposou Joaquim, homem justo da tribo de Judá e descendente de Davi, por Natã.
Deste consórcio nasceu a puríssima Virgem Maria, Mãe de Deus.
Se Maria é bendita entre as mulheres, porque deu à luz o Salvador do mundo, que giória cerca o nome de Ana, por ser a mãe da Mãe de Deus, e a avó de Jesus Cristo, segundo a carne!
Joaquim e Ana levavam no matrimônio uma vida de inteira pureza e perfeição, passando os dias na oração, no trabalho e na assistência aos pobres.
Esperavam e pediam com lágrimas a vinda do Messias, cujo advento, segundo os oráculos, não podia estar longe.
Ana sentia pesar sobre si o opróbrio da esterilidade, pois para as mulheres judias o maior opróbrio era o de serem excluídas da Maternidade.
Resignada, entretanto, à vontade divina, orava um dia com todo o fervor para que Deus lhe desse uma descendência, prometendo que a consagraria a Deus, no templo, desde o nascimento.
Deus atendeu a oração que ele mesmo havia inspirado, e na hora mesma, um anjo desceu do céu e lhe disse: "O Altíssimo ouviu tua prece: conhecerás as dores do parto, e a tua descendência será glorificada no mundo inteiro!"
Joaquim recebeu do alto um aviso semelhante, em nome de Deus: "Ana, a tua esposa, dará à luz uma filha, que chamarás Maria. Ela será consagrada a Deus no templo:
o Espírito Santo habitará nela desde o seio materno e operará grandes coisas nesta menina."
Nove meses depois Ana era Mãe de uma filha, a quem deu o nome de Maria.
Ela mesma quis amamentar o fruto de sua velhice e das suas súplicas. Oitenta dias depois, foi ao templo para a purificação, conforme às prescrições da lei.
Quando a pequena Maria, cuja santidade brilhava em todos os seus traços e gestos, havia alcançado a idade de 3 anos, Joaquim e Ana levaram-na ao templo, para consagrá-la ao serviço de Deus, conforme a promessa feita.
Não podendo separar-se dela, e querendo cumprir a sua promessa, os pais deixaram sua habitação de Nazaré e foram residir em Jerusalém, perto do templo, onde Joaquim possuía uma casa, herança dos pais.
Joaquim não sobreviveu muito tempo à consagração da sua filha a Deus, morreu pouco depois nos braços de sua santa esposa, com a idade de 80 anos.
Santana aproveitou o estado e os anos de sua viuvez para viver mais retraída do mundo e servir a Deus mais fervorosamente. Sua vida foi uma contemplação contínua e um exercício ininterrupto de caridade.
Enfim, depois de ter tido a consolação imensa durante onze anos, de ver a sua filha querida, crescer em idade e perfeição e tornar-se a criança mais santa que o mundo já havia visto, entregou a Deus a sua alma aureolada de méritos, na idade de 79 anos, e foi sepultada junto ao túmulo de seu santo esposo, no Jardim das Oliveiras, onde se achava o túmulo da família.
Desde os primeiros séculos São Joaquim e Santana foram cultuados de um modo especial pelos cristãos.
II - AS VIRTUDES DE SANTANA
Santana é uma destas figuras de santos que atraem pela simplicidade de vida.
Nada de grande sobressai: ela soube santificar-se pela fidelidade a seus deveres de estado, mostrando-se espôsa fiel,. mãe carinhosa, dona de casa previdente.
E Deus que faz consistir a santidade, não em ações resplandescentes, mas na fidelidade nas pequenas coisas, julgou Ana digna de ser a mãe da Virgem Imaculada. e avó de Jesus Cristo.
Humilde. apesar de família rica, de posição social de destaque. se dedicou aos afazeres domésticos. Tornando-se o anjo da guarda de seu esposo e mãe atenta e vigilante da sua filhinha, que educava e dirigia em todos os seus atos e aspirações.
Como tal, Santana pode ser apresentada como modelo perfeito das mães, das espôsas, das donas de casa, e até das almas religiosas e sacerdotais.
Não foi ela a guarda vigilante da pureza da Imaculada e anjo consolador da futura Mãe de Jesus?
Sua vida simples, modesta e recolhida, faz dela o modelo universal de todos os cristãos que têm a peito a santificação.
III - CONCLUSÃO
Aprendamos do exemplo de Ana, o modo prático de santificar-nos.
A santidade não consiste em tal ou qual prática, em tal ou tal devoção, em tal ou tal exercício de piedade: a santidade é o cumprimento exato da vontade divina.
A grande e única fórmula da santidade é sempre e será a palavra tão curta, mas substancial de Jesus Cristo: lta, Pater! - Sim, meu Pai, seja feito como quereis! A vontade de Deus.
Ora, esta vontade nos é manifestada pelos mandamentos da lei de Deus e da Igreja, pelos nossos deveres de estado e pelos superiores.
É o que admiramos em Santana.
Mulher de sociedade, rica vivia no mundo, mas não tinha a felicidade de uma descendência porque era estéril.
Ela o sente, ora, insiste, mas se resigna e só quer o que Deus quer.
A recompensa desta conformidade com a vontade de Deus foi a fecundidade natural e mais ainda a fecundidade sobrenatural. Foi mãe e mãe da Virgem Imaculada!
como Ana. saibamos aceitar das mãos de Deus: Ita, Pater! Meu Pai, só quero o que vós quereis
ASSUNÇÃO DE MARIA
(15 de Agosto)
Esta festa é como o remate das solenidades instituídas em honra de Maria Sma., e tem por objeto:
A morte da Mãe de Jesus.
Sua ressurreição em corpo e alma.
Sua Assunção gloriosa ao céu.
Sua coroação como Rainha do céu e da terra.
Maria, assim como as demais criaturas, pagou tributo à morte, e faleceu em Jerusalém, sendo sepultada pelos Apóstolos no rochedo do Getsêmani, onde jaziam os restos mortais de seus pais Joaquim e Ana.
Embora não seja ainda Dogma de fé definido: é, contudo, tradição antiquíssima e universal da cristandade, que o puríssimo corpo de Maria permaneceu apenas uns instantes no túmulo, e ressuscitou, achando-se no céu, unido à alma, e gozando das propriedades dos corpos ressuscitados, que são a impassibilidade, o esplendor, a agilidade e subtilidade. (Ver a respeito o nosso livro: "Maria e a Eucaristia").
Seu sepulcro foi encontrado vazio, e a tradição, tão ciosa de conservar os restos mortais dos santos, nada disse a respeito das relíquias da Sma. Virgem.
Esta festa é a mais antiga das solenidades estabelecidas em honra da Virgem Maria, e remonta ao quarto século.
EVANGELHO (Luc. X. 38-42)
38 - Naquele tempo entrou Jesus numa aldeia, e uma mulher chamada Marta o hospedou em sua casa.
39 - Tinha ela uma irmã, por nome Maria, a qual sentando-se aos pés do Senhor escutava a sua palavra.
40 - Marta, porém, andava muito atarefada com o serviço da casa; e, apresentando-se, disse: Senhor, não te importa que a minha irmã me deixe trabalhar sozinha? Dize-lhe pois que me ajude.
41 - O Senhor, porém, respondendo-lhe, disse:
Marta, Marta, andas muito solícita e inquieta com muitas coisas.
42 - Entretanto, uma só coisa é necessária: Maria escolheu a parte melhor, que não lhe será tirada.
49a INSTRUÇÃO
A VIRGEM GLORIOSA
No dia da gloriosa assunção de Maria, a Igreja faz recitar o Evangelho de Marta e Maria, que parece não ter relação com o mistério da festa.
Desenganemo-nos. Marta e Madalena são duas irmãs, duas santas, cujas vidas simbolizam a lida da terra e a contemplação do céu.
Marta é o símbolo da atividade terrestre.
Maria Madalena é o símbolo da contemplação celeste.
O Salvador não censura Marta pela atividade: mas diz que a parte escolhida por Madalena é a melhor.
A vida é de trabalho, é de luta; é uma necessidade.
O céu é a possessão de Deus; é a recompensa; ora, a recompensa vale mais do que o trabalho; o céu vale mais do que a terra.
No dia da sua assunção, Maria Sma. toma posse de seu trono na glória. É a melhor parte que não lhe será tirada, como é tirada aos homens a parte da vida terrena.
Meditemos hoje sobre esta sublime prerrogativa da Mãe de Jesus, considerando:
I - O fato histórico da Assunção.
II - Os pormenores deste fato.
I - O FATO HISTÓRICO
A assunção é a festa que nos lembra Maria Sma. Levada para o céu, em corpo e alma.
A diferença entre a ascenção e a assunção como o têrmo exprime, é que Jesus Cristo subiu ao céu pelo seu próprio poder, e que Maria foi levada ao céu pelo poder divino.
Esta verdade não é dogma de fé, estando apenas implicitamente contida no Evangelho porém está explicitamente na tradição e sempre foi reconhecida pela autoridade da Igreja. (*)
Eis, em resumo, o que dizem os Santos e os Doutores da primitiva Igreja a este respeito:
Na ocasião de Pentecostes, Maria Sma. tinha mais ou menos 47 anos de idade.
Permaneceu ainda 25 anos na terra, para formar e educar, por assim dizer, a Igreja nascente, como outrora ela dirigira a infância do Filho de Deus.
Terminou a sua carreira mortal na idade de 72 anos.
A Sua morte foi suave, como o tinha sido a sua vida:
Ela vivera de amor: devia morrer de amor.
Os Apóstolos que ainda não haviam sofrido o martírio, foram, salvo S. Tomé, milagrosamente transportados das diversas partes do mundo, onde estavam pregando o Evangelho, para assistirem à morte da Mãe de Jesus, e serem testemunhas da sua ressurreição.
Aí estavam S. Pedro e S. João com os outros Apóstolos e diversos discípulos entre os quais Dionísio Areopagita, São Timóteo e o Bemaventurado Hieroteu.
Maria Sma. os abençoou uma última vez, consolando-os, e recebeu das mãos de São Pedro o adorável Sacramento da Eucaristia, que até este dia, havia recebido diariamente das mãos de São João.
Depois, sem moléstia, sem sofrimento, sem agonia, entregou sua alma, toda abrazada de amor, nas mãos de seu Criador e Filho.
Nesta ocasião, diversos ressuscitaram: cegos, paralíticos, enfermos de toda espécie, foram repentinamente curados ao contato do corpo de Maria.
Os Apóstolos sepultaram o corpo com uma, veneração(*). Quando vivia o autor, não fora ainda proclamado Dogma. A 1o de novembro do ano Santo de 1950, S. S. o Papa Pio XII, assistido pelo Espírito Santo, proclamou o Dogma da Assunção. (Nota da Redação)
De filhos amorosos, envolvendo-o em alvas mortalhas: uma multidão de fiéis seguiram-nos, quando foram depositar no túmulo as relíquias preciosas da Mãe de Deus.
Fecharam-no com uma grande pedra em forma de porta como era costume naquele tempo.
Três dias depois chegou o Apóstolo S. Tomé, vindo das índias, onde estava pregando o Evangelho, e que a Providência parece ter afastado, para melhor manifestar a glória de Maria, como outrora o havia afastado da reunião dos Apóstolos, quando Jesus lhes aparecera no Cenáculo, afim de manifestar sua ressurreição.
Tomé pediu com instância permissão para poder contemplar uma última vez, o semblante augusto da Mãe de Deus.
São Pedro, São João e outros Apóstolos sentiram-se felizes em acederem a este desejo, que também era o seu.
Quebraram os selos da pedra. Abriram o sepulcro, mas oh! prodígio! No lugar onde tinham sido depositados por eles mesmos, os despojos mortais de Maria Sma., não encontraram senão as mortalhas, cuidadosamente dobradas.
Um perfume de uma suavidade celestial exalava-se do túmulo.
como seu Filho, e pela virtude dele, a Virgem ressuscitara no terceiro dia.
Nada é mais autêntico do que estas antigas tradições da Igreja sobre o mistério da ressurreição da Mãe de Jesus.
Encontram-se estas narrações nos escritos dos Santos padres e Doutores da Igreja dos primeiros séculos, e são relatados no Concílio geral de Calcedônia, em 451.
II - PORMENORES DO FATO (1)
Há 4 partes a lembrar na festa da Assunção:
A morte de Maria Sma.
A sua ressurreição.
(1) Ler sobre este belo assunto o nosso livro "Mulher Bendita", cap. XIII, pág. 319, onde esta verdade é tratada em todos os pormenores e com todas as suas provas.
A sua Assunção ao Céu.
A sua coroação na glória.
Indiquemos uns pormenores destas quatro partes:
A morte.
A morte é o castigo do pecado: stipendia peccati mors, diz o Apóstolo (Rom. VI.23).
Ora, Maria havia sido preservada de todo pecado.
Logo, não devia morrer.
O raciocínio é exato, porém, uma distinção se impõe.
Pode-se considerar a morte do homem sob um duplo aspecto:
a) como consequência natural da constituição de seu corpo, composto de elementos desagregáveis.
b) como consequência do pecado original.
Se Adão não tivesse pecado, o homem, por um privilégio especial teria tido uma vida perpétua, pois o fruto da árvore da vida teria impedido a desagregação de seus elementos componentes.
Adão, pecando, tal privilégio lhe foi retirado.
Maria, não obstante a sua imaculada Conceição, não tinha mais o fruto da árvore da vida, e como tal, ficou sujeita à morte.
Acredita-se, entretanto, que, por um privilégio particular, Deus lhe havia dado o poder de não morrer, si assim o preferisse.
Era privilégio, não era um direito: e Maria não quis fazer uso dele, para melhor assemelhar-se a seu divino Filho.
Quis morrer e morrer de amor.
O amor tem uma tríplice influência em nossa morte.
Todos os homens devem morrer no amor, isto é, na graça divina, do contrário não há salvação.
Outros morrem por amor, são os heróis, os mártires.
Maria morreu de amor: isto é, o amor foi a causa da sua morte.
como Mãe dos homens, Maria morreu no amor,
como Rainha dos Mátires, morreu por amor,
como Mãe de Deus, devia morrer de amor.
* * *
A RESSURREIÇÃO
Não existem provas sensíveis, explícitas, desta ressurreição porém há muitas provas implícitas de autoridade.
Os Apóstolos ao abrirem o túmulo intacto, onde eles mesmos haviam depositado o corpo da Virgem Santa, não encontrando mais, concluíram pela sua ressurreição, e isto por muitas razões.
Não era preciso ver Maria ressuscitada e glorificada, para crer na realidade do fato.
A desaparição do corpo - as circunstâncias celestes da sua morte - a sua dignidade de Mãe de Deus - a sua santidade - sua união com o Redentor - a sua Imaculada Conceição. Tudo isto constitui uma prova irrefutável da sua ressurreição.
Há sobretudo, seis argumentos com que os teólogos provam a ressurreição de Maria:
1. O pecado e a morte são as duas portas da vida atual.
Ora, Maria entrou na vida sem passar pela porta do pecado.
Logo, devia sair dela sem passar pela porta da morte.
2. A morte deve ser o eco da vida.
3. O que Deus faz nascer incorruptível, deve permanecer incorruptível. Ora, Maria nasceu incorruptível. Logo, devia permanecê-lo após a morte.
4. O princípio de incorruptibilidade não pode estar sujeito à corruptibilidade, diz São Bernardo. Ora, Maria é o princípio da incorruptibilidade do corpo de Jesus. Logo, ela mesma devia ficar incorruptível.
5. Jesus Cristo devia fazer para sua Mãe o que nós faríamos para a nossa se o pudéssemos. Ora, qual de nós deixaria sua genitora entregue ao túmulo? Logo, Jesus Cristo devia ressuscitar sua Mãe.
6. A graça, o amor e a glória são correlativos. Ora, a graça e o amor o foram durante a vida em Jesus e Maria.
Logo, a glória devia sê-lo na morte.
Ora, Maria foi igual na vida.
Logo devia sê-lo na morte.
A ASSUNÇÃO
O corpo da Virgem Sma. após a sua ressurreição, não ficou na terra.
A Assunção é como a consequência da Encarnação do Verbo.
A Virgem Imaculada recebeu outrora a Jesus em seio virginal - é justo que Jesus receba agora a sua Mãe no seio de sua glória.
Na terra, Jesus e Maria ficaram sempre unidos. Corpo e alma. Durante nove meses de uma união física, o resto da vida de modo místico e agora no céu, de modo glorioso.
A COROAÇÃO
Deus devia coroar na glória, aquela que já coroara na terra, e devia conservá-la perto de si no céu, como a conservara perto de si na terra.
O Pai Eterno coroou a sua Filha amada.
O Filho coroou a sua Mãe querida.
O Espírito Santo coroou a sua espôsa predileta.
Tríplice coroação que devia corresponder às três prerrogativas de Maria:
A dignidade de Mãe de Deus.
As graças recebidas durante a vida.
Aos méritos acumulados pelas suas virtudes.
III - CONCLUSÃO
Eis o que significa a solenidade da Assunção de Maria Santíssima.
Maria Sma. morreu, é um fato, porém não é um efeito.
Ela morreu de amor pelo seu Filho querido, como este havia morrido de amor pelos homens.
Ela ressuscitou porque o seu corpo imaculado não podia ser tocado, menos ainda ser destruído pela corrupção do túmulo.
Subiu ao céu, porque sendo a Rainha do céu e da terra, devia tornar posse de seu trono glorioso, em corpo e alma.
Foi coroada pela Sma. Trindade com um coroa de glória que significa a plenitude da glória, pois, a plenitude de graças e a plenitude de méritos exigem a plenitude da glória.
Oh! neste dia levantemos os olhos para a Virgem Santa: ela é grande, é Mãe e Deus.
Ela é também terna, é nossa Mãe.
Nós também teremos que morrer.
Ressuscitaremos no último dia.
Possamos, como Maria, subir ao céu.
Possamos um dia contemplar sua glória e receber das mãos de seu Jesus a coroa dos predestinados.
Para isto: amemos Maria.
Consagremos-nos a Maria.
Imitemos a Maria.
SÃO TARCÍSIO
(15 de Agosto)
50a INSTRUÇÃO
O PRIMEIRO MÁRTIR DA EUCARISTIA
São Tarcísio é uma das figuras mais simpáticas da galeria dos santos e jovens mártires. Esta simpatia é como um reflexo de seu amor e de seu heroísmo para com Jesus Sacramentado.
Sua vida tem sido romantizada, revestida de lenda, que muito têm contribuído sem dúvida, para grangear-lhe a popularidade de que goza.
A história autêntica é menos poética do que estas lendas, sem ser menos atraente e heróica: é esta história verdadeira e simples que vamos percorrer um instante, escolhendo, depois, como ponto de aplicação, o seu amor à divina Eucaristia. Vejamos, pois:
I - A vida de São Tarcísio.
II - O seu martírio glorioso.
I - VIDA DE SÃO TARCÍSIO
Tarcísio viveu no meado do 30 século e morreu em 257, sob o Pontificado de Santo Estevão 1.
Era filho de pais cristãos, e provavelmente, mártires.
Desde os seus primeiros anos foi destinado e preparado para as funções do Sacerdócio.
Na idade de 12 anos entrou nas fileiras dos jovens levitas, chamados lectores, que nós chamamos hoje jovens seminaristas, (Seminário menor) participando, nesta qualidade, das cerimônias da liturgia sagrada.
Era ele piedoso, decidido, sem medo.
Na idade de 20 anos foi julgado digno de revestir a túnica branca dos acólitos, que era, naquele tempo, um ofício de responsabilidade e de confiança.
Os acólitos acompanhavam e serviam aos Bispos, donde vem o seu nome acólito, de uma palavra grega, que significa acompanhar.
Não havendo bastantes Diáconos, os acólitos ficavam encarregados de levar a Sagrada Comunhão aos cristãos encarcerados, e aos enfermos.
Tarcísio foi nomeado acólito do Papa Estêvão I, como recompensa da sua piedade e da sua prudência.
Era no ano de 257, sob o reinado do tirano Valeriano.
De repente explodiu uma grande perseguição, que procurava sobretudo abater os dirigentes da religião.
Santo Estêvão vigiava e desdobrava a sua atividade para salvar o rebanho. Convocou uma reunião geral do clero presente em Roma, exortando-o à perseverança e ao sacrifício.
Um dos sacerdotes, chamado Bonus, falou em nome de todos, dizendo que todos estavam prontos a dar a sua vida por Cristo e a Igreja.
Pediram ao Santo Pontífice, que, sendo o Chefe supremo da Igreja, se retirasse às Catacumbas, para dali continuar a dirigir a Catolicidade, porque o ódio dos Imperadores havia de dirigir-se especialmente contra ele.
Para ajudantes do seu ministério sagrado, o Papa nomeou 3 sacerdotes, 7 diáconos e 13 acólitos: entre estes últimos figurava Tarcísio.
A previsão do santo Pontífice realizou-se poucas semanas depois: foi preso nas Catacumbas de Calixto e ali mesmo decapitado no lugar santo.
A vigilância dos auxiliares do Papa desdobrou-se em mil atividades, para reconfortar e auxiliar as vítimas da tremenda perseguição.
II O MARTíRIO DE TARCÍSIO
Cabia, de modo especial aos acólitos levar a Sagrada Comunhão aos encarcerados, que enchiam as prisões e que, diariamente, ofereciam a vida em defesa da fé.
Tarcísio, corajoso e ativo, não descansava, e reservava para si, os lugares mais perigosos.
Um dia saiu com o seu precioso tesouro posto sobre o peito e coberto pela longa túnica branca.
Do Cemitério de Calixto, onde estava refugiado, perto do túmulo do Papa mártir, Sto. Estêvão 1, Tarcísio foi remontando a via Apia, até perto da porta de Capena, onde estava conversando um grupo de pagãos plebeus. Perceberam o jovem, e um deles o reconheceu como cristão.
Compreendendo pela seriedade do jovem que carregava qualquer objeto sagrado, cercaram-no, e ordenaram-no que mostrasse o que escondia tão misteriosamente.
Que podia fazer Tarcísio contra 10 homens? Não desanimou, mas forte pela fé e o seu amor ao depósito sagrado que levava aos encarcerados, recusou, resistiu, e defendeu-se tão bem que os pagãos desistiram de prendê-lo vivo.
Recorreram, às pedras, para dar livre curso ao seu ódio e despeito, e sabendo que tudo lhes era permitido contra um cristão, que o Imperador havia declarado fora de lei, cercaram o jovem acólito e arremessaram tantas pedras contra ele, que em breve tempo este se achava esgotado e ferido.
Sentindo as fôrças desfalecerem, depositou sua confiança em Deus e nada mais fêz senão rezar.
"Ó Deus, murmurava o mártir, minha vida nada é, mas vós sois tudo! Será possível que sejais profanado por estas mãos sacrílegas? oh! por favor, Senhor! poupai a vós tal ultraje, e a mim tamanha dor!"
E assim dizendo, apertava contra o seu peito o tesouro divino.
Neste momento, uma pedra aguda atingiu-lhe a fronte.
e caiu banhado em sangue.
Suas mãos, juntadas sobre o peito, seguram ainda com uma pressão amorosa o depósito sagrado, mil vêzes mais querido do que a sua própria vida.
Os pagãos, continuam a sua obra de morticínio e lançam-se sobre a sua vítima com pancadas até Tarcísio exalar o último suspiro.
Qs assassinos rasgam e arrancam-lhe as vestes tingidas de sangue, e numa pressa nervosa procuram apoderar-se da Sagrada Eucaristia.
Mas, em vão, mexem e remexem, viram e reviram o cadáver, em todos os sentidos, sem descobrir nenhum objeto.
Que havia acontecido?
Tarcísio teria tido o tempo de consumir as espécies sagradas, e oferecer-lhes em seu coração um asilo onde a impiedade não as pudesse alcançar? Ou, provavelmente Deus havia tornado milagrosamente invisível a divina Eucaristia?
O certo é que qualquer coisa de sobrenatural aconteceu neste momento, pois os Acta Sanctorum dizem que os assassinos tomados de um mêdo repentino, deixaram a vítima e fugiram apressados.
Tal é, em sua sublime simplicidade, a morte do primeiro mártir da Eucaristia.
* * *
Os cristãos souberam logo da morte trágica de Tarsio, e sob o perigo de caírem eles também nas mãos dos pagãos, foram recolher o corpo ào intrépido acólito e o transferiram para o Cemitério de Calixto, onde foi depositado ao lado do santo Pontífice, Santo Estêvão.
Uma antiga necrologia, grega, a do Imperador Basílio, pretende que Tarcísio foi sepultado com a Sagrada Eucaristia que apertava ainda entre as mãos.
Diante deste túmulo, os cristãos organizaram uma verdadeira romaria, mantendo ali acêsa uma lâmpada, cujo clarão iluminava este recinto sagrado das Catacumbas, que se tornou uma fonte de graças e favores.
No quarto século, São ·Dâmaso descobriu o túmulo de São Tarcísio, que havia desaparecido debaixo do entulho de Catacumbas caídas e destruídas durante as perseguições.
À vista deste humilde anjo do Santuário, elevado pelo seu martírio ao nível dos Papas, o próprio Papa redigiu um epitáfio que termina com os seguintes termos:
"S. Tarcísio levando o Sacramento de Cristo, foi atacado por homens criminosos, que quiseram obrigá-lo a revelar aos profanos nossos mistérios sagrados, para torná-los em derisão: ele, porém, preferiu entregar a sua vida sob os golpes, a entregar por traição, os membros celestes a cães furibundos."
Mais tarde, no século 19, uma relíquia importante do Santo, foi depositada, e ainda está em Gerbeviller (na França) .
É ai que um artista esculpiu uma estátua em mármore que foi condecorada como uma das mais belas produções da arte clássica. Esta estátua tem apenas um defeito, é a extrema mocidade do mártir: é antes uma criança e não um jovem de 24 anos.
É a reprodução desta obra de arte, com o mesmo defeito que existe no Brasil e que se encontra hoje em muitas igrejas e colégios. É uma obra de arte de feições simpáticas, simbolizando admiravelmente o suplício da lapidação, porém, sem lembrar-se que não era uma criança, mas sim um jovem acólito de 24 anos de idade.
Há poucos anos foi fundada em Roma, uma associação intitulada: "Collegium Tarcisíi" e que hoje está espalhada no mundo inteiro sob o nome de Cruzada eucarística sob a proteção de São Tarcísio. Oxalá, se espalhe em toda parte!
III - CONCLUSÃO
A conclusão a tirar da vida deste jovem herói é o amor à Sagrada Eucaristia.
Recolhamos estas palavras citadas, do Santo: "Meu Deus, a minha vida nada é, mas vós sois tudo!" e antes que deixar profanar o corpo sagrado de Jesus Cristo, ele sacrifica sua própria vida.
Tarcísio deu a vida como mártir, para este Jesus que deu sua vida no Calvário, como Vítima, e continua, através dos séculos, a imolar-se sobre os nossos altares.
Belo modelo para os Seminaristas sobretudo, que como ele se destinam ao serviço do Santuário.
Saibam estes amarem o precioso tesouro, conservá-lo, defendê-lo, morrer por ele e com ele.
O amor da divina Eucaristia deve ser a grande virtude dos aspirantes ao Sacerdócio, como devia ser a grande devoção da mocidade católica.
SANTA ROSA DE LIMA
Protetora principal da América Latina
(30 de Agosto)
EVANGELHO (Math. XXV. 1 - 13)
Naquele tempo propôs Jesus a seguinte parábola a seus discípulos:
1 - Então será semelhante o reino dos céus a dez virgem, que tomando as suas lâmpadas, sairam ao encontro do esposo e da espôsa.
2 - Mas cinco delas eram loucas, e cinco prudentes.
3 - Ora, as cinco loucas, tomando as lâmpadas, não levaram azeite consigo.
5 - E tardando o esposo, começaram a tocanejar todas e adormeceram.
6 - E à meia-noite ouviu-se um grito: Eis que vem o esposo, saí ao seu encontro.
7 - Então levantaram-se todas aquelas virgens, e prepararam as lâmpadas.
8 - E as loucas disseram às prudentes: Daí-nos do vosso azeite, porque as nossas lâmpadas apagam-se.
9 - Responderam as prudentes, dizendo: Para que não suceda talvez faltar-nos ele a nós e a vós, ide antes aos que o veridem, e comprai para vós.
10 - Mas enquanto foram comprá-lo, chegou o esposo: e as que estavam preparadas entraram com ele a celebrar as bodas, e fechou-se a porta.
11 - Mais tarde vieram também as outras virgens, dizendo: Senhor, Senhor, abre-nos.
12 - Mas ele, respondendo, disse: Na verdade vos digo, não vos conheço.
13 - Vigiai, pois, porque não sabeis o dia nem a hora.
51a INSTRUÇÃO
A VIDA HERóICA DA SANTA
O objeto próprio da parábola proposta na festa de Santa Rosa é a vigilância em esperar a chegada da morte, porque, desconhecendo-se o dia, e a hora, é de toda prudência não se expôr ao perigo de ser encontrado dormindo.
Não basta ser bom na hora atual: é preciso ser sempre; corno não bastou às dez virgens tolas, serem virgens e terem a lâmpada acesa para ir ao encontro do esposo; era preciso manter a lâmpada acesa, não deixá-la apagar-se, entregando-se ao sono.
Esta parábola tem perfeita aplicação na festa da primeira Santa Sul-americana, a tão simpática Rosa de Lima que é a realização mais heroica do espírito de sacrifício e de imolação que se pode imaginar.
Para conhecê-la bem e penetrar o segrêdo das suas fortes virtudes, vejamos:
I - O conjunto de sua vida.
II - A sua mortificação extraordinária.
I - A VIDA DA SANTA
Rosa nasceu em Lima, Capital do Peru, em 20 de abril de 1586. O Breviário a apresenta corno a "primeira flor de santidade da América Latina" (do Sul).
O seu nome de Batismo era Isabel, porém, chamaram-na "Rosa", por causa da beleza e a cor roseada de seu rosto, que lembrava ao vivo uma rosa.
Quando tinha adquirido um certo discernimento, pediu que não a chamassem Rosa, mas sim: Rosa de Santa Maria, para satisfazer ao seu ardente amor a Virgem Santíssima.
Com a idade de cinco anos fêz voto de perpétua virgindade, porque conhecera ser isto agradável a Deus. Com seis anos, jejuava três dias por semana a pão e água.
Chegada à idade de moça, e receando que os pais pensassem em procurar-lhe um noivo, cortou a esplêndida cabeleira e lançou mão de diversos outros expedientes para destruir a formosura do rosto.
Não queria ser alvo das simpatias de ninguém.
Os planos da mãe eram bem diferentes: aspirava a ver sua filha espôsa de um dos grandes senhores da Capital. E para alcançar isto, à obrigava a frequentar a sociedade, levando-a ela mesma, às várias diversões.
Rosa obedecia com a mais perfeita docilidade, limitando-se em conservar o pensamento em Deus. As qualidades e formosura da jovem donzela, não podiam deixar de chamar a atenção dos jovens ricos: e assim de fato aconteceu.
Um moço distinto pela educação e fortuna pediu a mão de Rosa. A mãe estava no apogeu da alegria: Rosa, porém, opôs uma recusa formal. Foi a razão e o princípio de urna mudança completa em vida. Em vez de ser querida como o havia sido até agora dos pais, estes cumulavam a inocente filha de injúrias e maus tratos.
Rosa suportou tudo, sem murmurar, com uma resignação angélica que pouco a pouco desarmava o aborrecimento e dureza dos pais.
Com 20 anos de idade obteve a licença de entrar na Ordem terceira de São Domingos.
Os pais permitiram que se fizesse no fundo do jardim uma pequena cela solitária, onde podia entregar-se às suas penitências e donde só saía para ir à igreja ou visitar os numerosos doentes da vizinhança.
Diz o seu biógrafo que Rosa levava cada dia 12 horas em oração, 10 horas em trabalho e duas horas de sono.
Sua vida tomou-se verdadeiramente espantosa pela mortificação e o sacrifício, antídoto contra o comodismo da nossa época.
II - AS MORTIFICAÇÕES DE ROSA
Desde criança, por uma inspiração especial de Deus, Rosa praticou em grau heroico o jejum: tão verdade é que as exigências do nosso corpo e da nossa saúde crescem e diminuem muitas vezes, em proporções com o que nós lhe concedemos.
Criancinha ainda, não comia frutas, por sentir uma forte inclinação para elas.
Com 6 anos jejuava nas Sexta-feiras e ·nos Sábados a pão e água.
Com 15 anos, fez voto de jamais comer carne, salvo fosse obrigada pela obediência.
Mais tarde, contentou-se com uma simples sopa feita com água, sem sal nem outro condimento.
Julgando tal penitência leve demais juntou-lhe uma bebida tão amarga que não a podia tragar sem chorar.
Muitas vêzes passava dias inteiros sem tomar o mínimo alimento.
Todas as noites se açoitava cruelmente com correntes de ferro, oferecendo a Deus como vítima sangrenta para o triunfo da Igreja, para o seu país, para as almas do purgatório e os pecadores.
Para poder sofrer mais, torturava os membros uns após outros, ao ponto que as feridas não tinham nem tempo de sarar, o que reduziu seu corpo a uma chaga viva.
Piedosamente unida à paixão do Salvador, era engenhosa em encontrar penitências que a aproximavam o melhor possível de seu divino modelo.
Ainda pequenina suplicou alguém colocar-lhe aos ombros um pêso de pedras, para sentir melhor o que Jesus havia sofrido, carregando a cruz.
Assim acabrunhada fazia a sua oração, suando, gemendo; sob o pêso do fardo esmagador, mas continuando até o seu pequeno corpo cair esgotado.
Com 14 anos, trocou esta prática por uma outra mais cruel ainda: saía à noite ao jardim, os ombros rasgados pela disciplina, como o haviam sido os ombros de Jesus Cristo, depois da flagelação, carregando como ele, uma cruz pesada.
Andava com os pés descalços, a passos lentos, meditando a subida do Salvador ao Calvário, deixando-se cair, vez por outra, sob o peso da cruz, para melhor imitar o divino modelo.
Tinha os rins cingidos por urna tríplice corrente, que havia fechado à chave. lançando esta chave no rio, para não poder abrir mais, nem retirar este instrumento de suplício.
Estas correntes, em breve tempo, gastaram a epiderme, e penetraram na carne viva. As dores eram tão agudas. Que, apesar de seu longo silêncio, uma noite não poude reter as lágrimas e explodiu em longos soluços.
Foi obrigada a revelar o seu segrêdo a uma criada da casa, que a ajudou a retirar a corrente, mas em vão.
Receando que o ruído de um martelo chamasse a atenção de seus pais, Rosa recorreu à oração, e de repente, a corrente rompeu-se: para arrancá-la, foi preciso arrancar pedaços de carne que a encobriam.
Muitas vezes a santa donzela punha os pés nus sobre a pedra da boca do forno e ali, queimando-os, ficava meditando sobre as penas do inferno.
Tendo obtido uma lâmina de prata, fez dela um círculo, metendo-lhe três linhas, cada uma de 33 pregos agudos, com a ponta por dentro. em lembrança dos anos que o divino Salvador passou na terra.
Cortou sua bela cabeleira; e cada Sexta-feira cravava esta corôa na cabeça com tanta violência que as pontas penetravam profundamente nas carnes.
Teriam sido ignoradas para sempre estas heroicas macerações, se um dia, Rosa não houvesse desmaiado em presença de seu pai e batido a cabeça no chão, da qual jorrava sangue.
Não satisfeita com umas tábuas que lhe serviam de cama, a jovem heroína fez um leito de feixes de lenhas ligadas com cordas. e enchendo as intermeias com fragmentos de telhas e louças, tendo as partes mais agudas para cima.
Cada noite, ao deitar-se sobre este leito de suplícios. enchia a boca com fel, em memória do fel que os algozes haviam oferecido a Nosso Senhor na cruz.
Ela confessou que tal bebida lhe ressecava e queimava a boca, que ao acordar mal e mal podia respirar e falar.
A pobre mártir tinha horror a este leito que tremia só em pensar nele. E às vezes, prevendo tudo o que ia sofrer era tomada de febre violenta.
Uma noite a repugnância foi tão grande, que não pode decidir-se a tomar o seu repouso: Jesus então lhe apareceu e disse: "Lembra-te, minha filha de que o leito de minha cruz foi muito mais duro, mais estreito e mais horrível do que o teu!"
Fortalecida por estas palavras, a constância de Rosa não se desmentiu mais durante os 16 anos que ainda viveu.
Dormia apenas duas horas, e a vigília foi para ela, como para Santa Catarina de Sena, uma das mortificações mais dolorosas.
Quando estava ajoelhada, as pálpebras se lhe fechavam, malgrado seu, e não triunfou do sono senão mandando fazer uma cruz um pouco maior que a estatura. Em cujos braços havia dois grandes pregos, para suportar o peso de seu corpo.
Quando queria orar, de noite, ela se suspendia nesta cruz, e assim suspensa e como morta, entregava-se à sua contemplação.
Seria dar uma ideia incompleta do heroísmo da jovem Rosa, se, narrando as suas extraordinárias mortificações, não disséssemos que tudo isso era submetido à obediência, e que sempre estava disposta a abandonar estas penitências, desde que o confessor não as aprovasse.
Ela compreendia que a santidade não consiste na mortificação, mas que esta é um meio de chegar-se a perfeita união com Deus.
Tais penitências eram da vontade de Deus, e cada vêz que o confessor queria opôr-se a tais aparentes excessos, Deus lhe fazia compreender que tal era a sua vontade.
* * *
É inútil dizer que tanto heroísmo era recompensado por favores extraordinários.
Gozava muitas vezes da presença visível de Jesus Cristo, que lhe aparecia sob a forma de uma criancinha.
Durante suas orações e trabalhos, o Menino Jesus se mostrava muitas vezes em cima da mesa, sobre o livro que lia, extendendo-lhe os bracinhos e falando familiarmente com ela.
Rosa morreu em 24 de agosto de 1617, na idade de 31 anos.
O túmulo de Rosa foi logo glorificado pelos milagres e sobretudo pelo incalculável número de conversões, que se operavam na Capital, no Peru inteiro e através do mundo.
Foi beatificada em 1668 pela Papa Clemente IX, e canonizada em 1672, por Clemente X, 55 anos após a sua morte.
III - CONCLUSÃO
Santa Rosa de Lima nos parece na simpatia da sua idade, da sua formosura, como uma das grandes expoentes do espírito de mortificação.
É bom lembrarmo-nos de que há duas espécies de Santos: uns admiráveis, outros imitáveis.
Entre os admiráveis devemos colocar Santa Rosa, como entre os imitáveis devemos colocar Santa Teresinha. São duas figuras simpáticas, atraentes, porém de feição diversa.
Santa Rosa representa o heroísmo da vida escondida, simples, sem sair dos limites da vida religiosa comum.
Deus apresenta estas duas espécies de modelos. Para mostrar-nos que a santidade não consiste em tal ou tal prática, ou em tal exercício, mas em conformar-se inteiramente com a vontade divina.
É Deus que dirige as almas e lhes indica o caminho a seguir, por meio da sua lei, da lei da Igreja, da Regra e dos legítimos superiores.
Querer escolher por si, é fazer a própria vontade. Seguir o caminho da obediência, é seguir a vontade de Deus: e só ali se encontra a santidade.
Possa o exemplo de Santa Rosa, condenando publicamente o triste comodismo atual, excitar em nós o desejo da santidade e a força para trilhar corajosamente o caminho que leva a santidade, que é a renúncia a nós mesmos e a conformidade com a vontade divina.
NOSSA SENHORA DAS DORES
(15 de Setembro)
Há duas festas de Nossa Senhora das dores; porém, de objeto distinto.
Na Sexta-feira da Paixão lembra particularmente as dores que Maria Sma. sofreu ao pé da cruz, quando se uniu aos sofrimentos de seu divino Filho. Por isso se chama esta festa: A compaixão de Maria Sma.
No dia 15 de setembro a Igreja honra a Virgem Santa sob o título de Nossa Senhora das dores, em memória das sete circunstâncias em que mais padeceu:
1. A profecia de Simeão,
2. A fuga para o Egito,
3. A perda de Jesus no Templo,
4. Jesus carregando a Cruz,
5. O encontro no caminho do Calvário,
6. A crucificação de Jesus,
7. A descida da Cruz e sepultura.
Os sentimentos que devem excitar em nós estas festas são os da compaixão para com a Sma. Virgem - e de participação em suas dores.
A bela sequência: Stabat Mater, atribuída a Inocêncio III é a expressão destes sentimentos.
A intensidade e a extensão dos sofrimentos da Sma. Virgem, nos indica a grandeza do seu amor por nós e nos mostra a gratidão que lhe devemos.
EVANGELHO (Joan. XIX, 25-27)
25 - Naquele tempo estavam, junto a cruz de Jesus, sua Mãe e a irmã de sua mãe, Maria, mulher de Cleófas e Maria Madalena.
26 - Jesus, pois, vendo sua Mãe, e junto dela o discípulo que amava, disse a sua Mãe: Senhora, eis aí teu Filho!
27 - Depois, disse ao discípulo: Eis aí tua Mãe! E desde aquela hora, a tomou o discípulo ao seu cuidado.
52a INSTRUÇÃO
A VIRGEM DOLOROSA
O Evangelho das dores de Maria Sma. é resumido nos livros sagrados, porém, através das poucas palavras, a nossa fé descobre horizontes imensos.
A primeira dor da Virgem Mãe, a profecia de Simeão, nos revela de relance todas as outras dores, em gérmen nesta primeira dor: Uma espada de dor trespassará a tua alma. (Luc. 1 . 35).
Esta espada penetrou no Coração de Maria, trespassou-o, até fazer dela a Vítima sublime e virginal, unida à grande Vítima do Calvário e co-redentora da raça humana.
Examinemos este quadro tocante das dores da Mãe de Deus, meditando:
I - A razão destas dores.
II - As suas fontes inesgotáveis.
I - RAZÃO DAS dores DE MARIA
Por que Deus permitiu os sofrimentos da sua Mãe?
De uma Mãe que tão ternamente amava, que era sem pecados, e que nada tinha que expiar por si mesma?
Assinalemos apenas as 3 razões seguintes:
1. O amor de Jesus por. Maria.
2. O aumento dos merecimentos de Maria.
3. O exemplo da mãe para os Filhos.
* * *
O amor nada de mais precioso pode dar senão a si mesmo.
Ora, Jesus era o próprio sofrimento.
Logo, dando-se a Maria, devia dar-lhe também o sofrimento.
De fato, vemos pelo Evangelho que uma mesma lei envolve o Filho e a Mãe.
E esta lei é uma lei de imolação, de expiação.
Se Maria Sma. não participasse de todas as consequências desta lei, não seria uma verdadeira Mãe de Jesus imolado. Seria, antes, um simples instrumento.
Jesus deixou a glória do céu para sofrer na terra. É, pois, lógico que aqueles que o amam, amem também seus sofrimentos.
Amar é dar.
Jesus deu-se inteiramente a Maria, e este Jesus inteiro, é Jesus imolado, crucificado, sofredor. O sofrimento de Maria Sma. corresponde ao amor que Deus lhe dedica.
E quem definirá este amor?
Do mesmo modo ninguém dirá o quanto sofreu a Virgem Santíssima.
* * *
Uma outra razão é o aumento dos méritos de Maria.
Nunca os méritos se acumulam mais rapidamente como no sofrimento.
Ora, a elevação de Maria no céu, depende de seus méritos; e estes méritos são adquiridos especialmente pelo sofrimento.
Logo, não basta dignidade de Mãe de Deus, para Maria ser elevada acima de todas as criaturas.
Não é a dignidade, mas são os méritos que Deus corôa no céu.
Se Maria tivesse passado neste mundo 72 anos de vida estática, seu trono não se teria aproximado de Deus, de tão perto, na ordem atual das coisas, em que a reparação e a expiação formam como a base da redenção.
Amor similes imenit aut facit, diziam os antigos.
O amor encontra a similitude ou a opera.
Maria devia elevar-se na glória, não por puro privilégio divino, mas por uma correspondência completa à graça da sua vocação.
E a sua vocação era de ser co-redentora do gênero humano.
* * *
O exemplo que Maria Sma. devia apresentar ao mundo, é outra razão das suas dores.
O sofrimento carateriza mais ou menos toda vida humana; ele produz ou pode produzir um duplo efeito: afasta de Deus, ou aproxima dele.
De fato o sofrimento excita no homem certa desconfiança de Deus, uma surda revolta, um como desespêro.
Sofrendo-se com amor o efeito é contrário: a confiança em Deus, porque é Pai, a obediência porque é Mestre o amor porque é Redentor.
A dôr perde os maus e santifica os bons.
Custa-se aceitar o sofrimento.
Para facilitar-nos esta aceitação amorosa, Deus nos deu Maria Sma. como modêlo: trespassou-lhe o Coração com o punhal de todas as dores imagináveis.
Qualquer que seja a intensidade e a extensão da nossa dôr, podemos fitar Maria Sma e dizer-nos: Ela sofreu isto, com muito mais intensidade do que eu!
II - FONTE DESTAS dores
Não quero falar das causas propriamente ditas das dores de Maria Sma., mas de certas fontes especiais de amarguras contínuas.
A grande fonte, a única fonte especial de todos os seus sofrimentos é o amor que dedicava a seu Jesus, como a Deus e como a seu filho, mas além desta fonte primeira, há outras fontes que aumentavam singularmente os sofrimentos da Virgem desolada.
Estas fontes são as três seguintes:
1 . Não poder morrer com Jesus,
2. Não poder aliviar as dores de Jesus,
3. O seu conhecimento do pecado.
* * *
Para um coração esmagado, a morte, é preferível à vida: e quando, como para Maria, a morte não é uma separação, mas uma recuperação da união da terra. Oh! então, como a mãe deve desejar esta morte abençoada!
Jesus exercia sobre Maria todo o atrativo da sua beleza, da sua bondade, de seu amor de Filho e de Deus, enquanto se concentravam no Coração de Maria, o amor e os direitos de pai e de mãe: Jesus era três vezes seu filho: o filho de seu amor, o filho de sua virgindade e o filho das suas entranhas.
E este Jesus desaparece morre derramando o seu próprio sangue, e envolto numa sombria nuvem de ignomínias. Morre este Jesus adorável, e Maria não pode segui-lo na morte.
Oh! que morte horrível de tormentos de não poder morrer!
Santa Teresa, no êxtase de seu amor para com Deus, exclamava: - Morro, por não poder morrer.
E Maria Sma., morria continuamente por não poder morrer com o seu Jesus.
A morte natural é de um instante, a morte mística de Maria era contínua. Sua vida era uma morte prolongada.
* * *
Maria Sma., nao podia morrer com seu Jesus, e por cúmulo de tormento, nem lhe era dado aliviar os sofrimentos dele.
Revelações de Santos nos dizem que, embora ausente do Getsêmani corporalmente, ela assistia em espírito e seguia interiormente as diversas fases da agonia do Redentor.
Mas, ela estava corporalmente presente na flagelação, na coroação de espinhos, no caminho do Calvário, na crucificação, na morte de Jesus.
Que suplício indescritível, para um coração de mãe, tão amante e sensível, como o de Maria, o ser obrigada a seguir passo por passo, este drama sangrento.
Outras mães teriam pelo menos a consolação, ao perderem o filho, de sentir, a presença de Deus que consola quando fere, mas para Maria o filho é ao mesmo tempo: Deus que se imola e que fere seu Coração.
E não podia prestar-lhe o mínimo serviço.
Os espinhos faziam correr lenta e dolorosamente o sangue aos olhos de Jesus e Maria não podia, nem sequer enxugar-lhe o rosto.
Os lábios de Jesus estavam ressequidos pela sede, descoloridos, rachados e ela não podia nem levar-lhe uma gota d'água para refrescá-los.
A cabeça dolorida de Jesus não encontra um lugar de repouso, pois em qualquer posição, os espinhos penetram mais fundo em suas carnes laceradas, e Maria não pode sequer sustentá-la um instante em suas mãos maternais, e segurá-la até que a morte pusesse termo a tanto sofrimento.
Que suplício!
É mil vêzes mais doloroso para uma mãe ver o filho no tormento, sem poder aliviá-lo, do que ela mesma sofrer os seus tormentos.
* * *
Uma terceira fonte de suplício para Maria é o conhecimento nítido, que tem do pecado.
Ela havia sido escolhida por Deus para ser a co-redentora do gênero humano.
O redentor veio expiar e reparar o pecado, que conhecia a fundo, em toda a sua maldade e perversidade. Maria Sma., associada à reparação, estava naturalmente associada ao conhecimento do mal que iam expiar.
Ora, o pecado é o centro da paixão e da morte do Salvador.
Foi a vista do pecado que arrancou do Coração de Jesus, o suor de sangue que humedeceu sua túnica e correu até à terra no jardim do Getsêmani.
Foram os espinhos do pecado que lhe perfuraram a cabeça, e os açoites da perversidade que lhe rasgaram o corpo.
Foi o pêso do pecado que o prostrou por terra banhado em sangue.
Foi a crueldade do pecado que o pregou na cruz, e abriu-lhe o peito.
Maria via o que olhares de pecadores não podiam ver:
a visão hedionda, repelente, dos pecados do mundo inteiro, pesando sobre os ombros de Jesus e fazendo-o vergar sob o peso da sua malícia.
Ela via que o pecado atingia verdadeiramente a própria divindade, procurando como que destruir o Autor da vida.
Maria via a grandeza de Deus ofendida, como via a maldade do homem revoltado.
A esta vista ela estremecia, tomada de horror e de espanto.
Mais atroz era o sofrimento de Jesus, porém igualmente atroz era o pecado: de modo que a vista do primeiro lhe revelava o abismo do segundo.
III - CONCLUSÃO
Não nos contentemos com uma visão sumária das dores da Virgem Santíssima.
Tal olhar só pode enxergar os sofrimentos humanos:
é preciso ir ao fundo destas dores, e medir-lhe a veemência e extensão pelas razões que as motivaram e pelas fontes donde manaram.
Estas razões são divinas, como divinas são as fontes!
O pouco que nos é da o penetrar neste mistério, é o bastante para ficarmos horrorizados da sua realidade.
Três razões, que são três abismos, apresentam-se diante de nós: O amor de Jesus por Maria, o aumento dos méritos da Virgem Santa: o seu exemplo para a humanidade.
Que razões inefáveis, incomparáveis, cuja realidade dá vertigem.
E estas três razões são alimentadas por três fontes inesgotáveis que lhes dão nova extensão e nova força: Maria quereria poder morrer com Jesus, e esta felicidade lhe é tirada. Quereria aliviá-lo, e esta consolação lhe é recusada.
Vê o horrível pecado matar o seu Filho: e não pode afastá-lo.
É preciso que sofra e beba até a última gota, o fel com que é saciado o seu Jesus.
É preciso que sua alma seja como o espêlho vivo, onde se refletem todos os tormentos de Jesus . Ela deve ser a Virgem das dores como Jesus é o Homem das dores!
53a INSTRUÇÃO
IMENSIDADE DAS dores DE MARIA
É difícil falar das dores da Sma. Virgem.
Temos a tendência de apreciar as dores e as alegrias pelo seu lado material exterior, e a custa, convencemo-nos de que a dôr se mede pela sensibilidade própria de cada pessôa.
A mesma dôr que se abate sobre duas almas, é capaz de matar uma e de não perturbar a outra.
E além deste lado psicológico, a dôr tem uma feição sobrenatural, proveniente da vontade de Deus, do papel purificador ou santificador que deverá exercer sobre a pessôa sofredora.
Procuremos formar uma idéia, embora incompleta das dores da Virgem Santa, examinando sua imensidade:
I - Em sua medida.
II - Em seu número.
II - MEDIDA DAS dores DA MARIA SMA.
Como associada à redenção do homem, a Sma. Virgem, devia, depois de Jesus, sentir a dor em toda sua perfeição, para ter, a este modo, a preeminência da dir e ser na realidade; a Virgem das dores.
Tal preeminência devia apoiar-se, ou melhor devia ser proporcionada:
A sua grandeza,
A sua santidade,
Às suas luzes.
Estas três prerrogativas formam como a medida das suas dores.
* * *
A grandeza de Maria!
Ela era Mãe de Deus.
Quem poderá compreender a elevação deste título!?
Santo Tomás procurou fazê-lo e ele conclui, dizendo que a Onipotência divina não podia imaginar grandeza mais elevada.
Ora, uma dôr proporcionada às nossas fôrças, às nossas graças, pode ser tão tremenda que sentimos uma espécie de mal estar, ao pensamento do que Deus podia exigir de nós.
Qual deve ter sido, pois, em Maria, a dor proporcionada à sua grandeza de Mãe de Deus, à sua força sobrenatural, e à sua imensa capacidade de sofrer?
Se o cume da grandeza da Mãe de Deus escapa à nossa penetração, do mesmo modo, o abismo das suas dores, correspondendo a esta grandeza, nos escapa.
* * *
SUA SANTIDADE
O segundo lado desta medida das dores de Maria é a sua santidade.
As provações dos Santos foram sempre análogas a seus méritos, que igualavam em grau e aos quais se ligavam de modo particular.
Notemos como princípio fundamental que as dores de Maria são obra de Deus e são um instrumento em suas mãos para aperfeiçoar a alma de sua Mãe.
Deus quis elevar sua mãe ao pináculo da santidade; logo devia elevá-la ao pináculo da dor: são como dois braços da balança divina.
As dores de Maria deviam aproximar-se o mais possível das dores de Jesus.
E quem calculará a imensidade das dores do Salvador?
Do mesmo modo, é impossível calcular as dores de Maria.
As dores de Maria deviam unir-se às dores de Jesus Cristo, como parte integrante, secundária da redenção.
Logo deviam assemelhar-se, a estas dores o mais possível, para não serem indignas .
A santidade da Mãe de Deus, não era absolutamente ilimitada, é certo, pois só o infinito é sem limites, mas ela era tudo o que a santidade humana pode ser.
Examinando-a de perto, retiramo-nos sob urna impressão de acabrunhamento.
E quando, depois, queremos examinar e calcular o sofrimento que deve corresponder a esta santidade, ficamos esmagados sob a extensão de dores correspondentes a ela.
* * *
O terceiro lado da medida são as luzes de Maria Sma.
O conhecimento aumenta sempre a dor; como a sensibilidade lhe aumenta a violência.
Quando sofremos, conhecemos apenas uma parte, e quase sempre a parte menor dos nossos sofrimentos e não, conservamos geralmente a possessão de nós mesmos. Uma parte do nosso ser fica como privada de sentimentos, sob a impressão do golpe que nos atinge.
Uma criança chora a morte de sua mãe; porém quanto tempo será preciso para que avalie bem a extensão da perda que acaba de sofrer?
Em Maria nada disso aconteceu. Ela possuía inteiro sentimento dos fatos; o seu olhar mergulhava até ao fundo do sofrimento, porque nela tudo era luz.
Não somente uma inteligência perfeita iluminava-lhe as faculdades, mas sua vida interior desenrolava-se numa atmosfera sobrenatural de ar e de luz divinas.
Em suas dores, esta luz lhe era novo tormento.
Ninguém, afora o Salvador, pode compreender perfeitamente a paixão, nem pode abraçar todos os seus horrores.
A inteligência de Maria é a única que se aproxima de Jesus, e em consequência do excesso de luz que ilumina sua alma, pode penetrar no fundo deste abismo.
Ainda que a extensão das dores de Maria Sma. nos escapa, porque nos é impossível medir a intensidade das luzes divinas, às quais devem ser proporcionadas.
II - Número destas dores
A multidão das dores de Maria Sma. não é menos extensa que a sua medida.
A palavra: número, é mal empregada. O imenso não tem número, pois ultrapassa o que o espírito humano pode contar.
Basta dizer que os tormentos de Maria ultrapassaram os tormentos de todos os mártires.
Pela sua perfeição particular,
Pela visão da humanidade de Jesus,
Pela intuição da sua divindade.
* * *
Não somente nunca houve mártir, por prolongados e complicados que fossem os seus tormentos, que igualasse à Sma. Virgem em sofrimentos. mas nem as agonias de todos os mártires, com a variedade e intensidade de suplícios não podem aproximar-se da angústia de sua paixão.
Quanto à angústia corporal, a de Maria ultrapassou a de todos os mártires.
Seu ser inteiro foi saciado de amargura.
Os gládios que lhe trespassaram a alma atingiram todos os nervos e fibras de seu corpo.
Este corpo, de fato, isento de pecado, com as suas perfeições esquisitas foi formado delicadamente para sofrer mais do que qualquer outra criatura, afora o seu Filho Jesus.
Além disso, os mártires, desde muito consideravam o seu corpo como o maior inimigo; e por isso mortificavam-no, subjugavam-no, até nutrir contra ele um ódio piedoso:
Qui odit animam suam in hoc mundo. (Joan . XII. 25).
O corpo de Maria era sem pecado. Era a substância mais pura que o mundo já havia produzido, donde havia sido formado o corpo e o sangue de Jesus Cristo, de modo que Maria não podia odiar este corpo tão glorioso e glorificado pelo próprio Deus.
* * *
Qual é o grande sustento dos mártires em meio dos tormentos?
É a luz que inunda o seu espírito, lhes permite contemplar a beleza e a glória de Jesus, para quem estão sofrendo.
É esta luz que apaga o ardor das fogueiras, suavisa os golpes dos açoites e embota as lâminas de aço a rasgarem-lhes as carnes.
O que os mártires têm por dentro é mais forte do que o que lhes vem de fora.
A sua agonia não deixa de ser real, sem dúvida, porém é contrabalançada, temperada, pela graça que inunda a sua alma.
Mas onde o olhar de Maria procurará uma consolação?
Este olhar espiritual tem que dirigir-se necessariamente para o objeto que o seu olhar corporal já está contemplando.
Olha para Jesus, e esta vista é o seu tormento.
Vê a natureza humana de Jesus; e Maria é Mãe desta natureza.
Ele é o seu tesouro e o seu tudo: que fonte de tormentos mortais, agudos, havia nesta contemplação!
Maria via mais.
* * *
Havia em Jesus a natureza divina, de modo que Jesus devia ser adorado como Deus eterno.
Maria via perfeitamente isto. Naquele homem ludibriado, escarrado, crucificado, ela reconhecia o próprio Deus injuriado pelos homens.
Inexprimível a angústia que submerge a alma da Mãe de Deus.
Jesus era e é a alegria dos mártires; e aqui Ele é como o algoz da sua Mãe.
Nunca houve martírio igual a este, e não se encontra outro nome para exprimí-lo, senão as dores de Maria!
III - CONCLUSÃO
Como vimos, as dores de Maria Sma. são verdadeiramente imensas pela medida e pelo número, a ponto de ultrapassarem o que as forças humanas podem suportar.
É a opinião unânime dos autores, apoiada sobre as revelações dos Santos, que só por milagre, Maria conservava a vida sob a pressão destes intoleráveis tormentos.
Nisto, corno em muitas outras coisas, ela participava dos dons de seu divino Filho durante a paixão.
A previsão que teve de seus sofrimentos desde o momento da profeda de Simeão, era tão viva e tão real, que, sem um auxílio especial de Deus, sua alma se teria separado do corpo.
Em nossas dores, há geralmente muito exagêro: a imaginação as duplica quase sempre.
Nas dores de Maria, ao contrário, tudo era inteirarnente verdadeiro e real.
Estas dores eram aguçadas pela perfeição da sua natureza perfeita, pela sua graça superabundante, pela beleza ideal e sobretudo pela divindade de Jesus.
A natureza física de Maria, isenta dos estragos do pecado e da desorganização que segue ao pecado, estava repleta de uma vitalidade perfeita, distinguindo-se pela mais viva sensibilidade e pela capacidade mais assombrosa de sofrer.
Nada havia, nem no espírito, nem nos sentimentos que pudesse amortecer um só dos golpes que recebia.
Notemos ainda, para compreender a imensidade destas dores, que em Maria o hábito não lhe tornava os sofrimentos mais suportáveis.
Em meio da quietude inefável que distinguia Maria, os tormentos não lhe concederam nenhuma trégua: não a deixaram nem de dia, nem de noite.
Não havia sucessão nestas dores, sendo todas elas fixadas em seu Coração, como um gládio que o trespassava continuadamente e ao mesmo tempo.
Que abismo insondável!
como a Igreja tem razão de colocar sobre os lábios da Virgem dolorosa este texto do profeta: "Ó vós que passais por este caminho, vede e considerai si há dor semelhante a minha dor" (Jerem. I. 12).
Saibamos pelo menos, compadecer-·nos das dores da Virgem Dolorosa.
SANTA TERESINHA
(Padroeira das missões)
(3 de Outubro)
EVANGELHO (Math. XVIII. 1-4)
1. Naquele tempo aproximaram-se de Jesus os discípulos, dizendo: Quem é o maior no reino dos céus?
2. E chamando Jesus a uma criança, a pôs no meio deles.
3. E disse: Na verdade vos digo que, sei vos não converterdes e vos não fizerdes como crianças, não entrareis no reino dos céus.
4. Todo aquele, pois, que se fizer pequeno, como esta criança, esse será o maior no reino dos céus.
54a INSTRUÇÃO
O CAMINHO DA SANTA INFANCIA
Este Evangelho é o resumo perfeito da vida da Santinha que festejamos hoje.
Fazer-se criança foi o seu ideal e o seu lema e soube realizá-lo tão admiravelmente que se tornou uma das santas mais poderosas no céu e mais queridas na terra.
A vida de Teresinha é admirável, mas é sobretudo imitável. Parece que Deus suscitou esta humilde religiosa para orientar a espiritualidade de nossa época, imprimir-lhe rumos de simplicidade, e destruir um certo apareíhamento de ciência, com que parecia revestida.
Vamos meditar esta bela vida e destacar nela o que carateriza Santa Teresinha. Serão pontos das nossas considerações:
I - Sua vida.
II - O segredo da Santa infância.
I - SUA VIDA
Esta vida está compendiada na "História de uma alma...
escrita por ela mesma, e completada pelos documentos do processo canônico.
Teresinha nasceu em Alençon, na França, em 2 de Janeiro de 1873, filha de pais profundamente piedosos: Luís Martin e Zélia Guérin. Ambos, em sua mocidade, haviam sentido aspirações para a vida religiosa, porém, por uma providência visível, não puderam realizar este primeiro ideal da sua vida.
Teresinha era o nono rebento deste tronco de fé e de piedade.
Ela era de constituição fraca, caráter vivo, expansivo, alegre.
Não era sem defeitos: era teimosa, com uma inclinação para a vaidade.
Apenas chegada à idade de 4 anos e meio, perdeu, em 1877, a sua mãe carinhosa.
Foi o início de uma vida nova, séria e pensativa. Teresinha compreendia a extensão do golpe que a atingira.
Pouco depois, o sr. Martin deixou Alençon e foi fixar-se em Lisieux, em companhia das suas 5 filhas vivas.
Teresinha encontrou em sua irmã Paulina, uma segunda mãe; porém, em 1882, esta entrou para o Carmelo e eis Teresinha órfã pela segunda vez.
Chorou e sentiu tão vivamente esta separação que caiu gravemente enferma.
Felizmente encontrou em sua irmã mais velha. Maria, uma terceira mãe.
Restabelecida, ou melhor curada pelo sorriso da Imaculada, Teresinha começou a frequentar o Colégio das Irmãs Beneditinas, onde se distinguia pela vivacidade de inteligência e a aplicação aos estudos.
Em 8 de maio de 1884, a piedosa colegial fez a primeira Comunhão, com toda a ternura de seu jovem coração. Era o primeiro encontro com este Jesus que devia amar tanto durante o resto da vida.
Permitiu Deus que nos anos seguintes a alma de Teresinha caísse em dolorosas angústias e escrúpulos de consciência.
E, por cúmulo de males, perdeu a terceira mãezinha, Maria, que entrou também para o Carmelo, a exemplo de Paulina.
* * *
Teresinha havia chegado à idade de 15 anos.
Desejava entrar no Carmelo mas devido à sua saúde frágil, as superioras não a aceitaram e adiaram a sua entrada para a idade de 20 anos.
Mas Teresinha era teimosa: dirigiu-se ao Bispo da Diocese. Nova recusa.
Não desanimou. Quis dirigir-se ao Santo padre, o Papa Leão XIII.
Aproveitando uma peregrinação de França a Roma, o Sr. Martin se lhe incorporou com as filhas Celina e Teresinha.
No dia da visita ao Santo padre, por ser muito numerosa a peregrinação, havia o Diretor proibido que se falasse ao Papa.
Porém, Teresinha ainda era teimosa. Depois de beijar os pés do Santo padre, ela lhe colocou confiante as mãozinhas sobre os joelhos, e com lágrimas nos olhos suplicou-lhe que a deixasse entrar para o Carmelo com 15 anos.
O Papa sorriu, mas relegou a decisão ao Superiores da Ordem.
O coração de Teresinha quase estalou de dor chorou muito, rezou ainda mais e não desanimou.
Sempre teimosa, recorreu aos superiores, pediu, suplicou, e no ano seguinte. em 9 de abril de 1888 eis Teresinha admitida no Claustro das religiosas de Lisieux.
Durante o espaço de nove anos, ela viverá neste recinto sagrado, orando, trabalhando, sofrendo, por seu único amor: Jesus.
É deste recinto que a sua alma virginal e amorosa, tornará o seu vôo para os braços de seu celeste esposo no dia 30 de setembro de 1897.
II - O SEGREDO DA INFÂNCIA
Não basta conhecer a vida exterior de Santa Terezinha, é preciso penetrar no Santuário de sua alma.
No convento, a sua vida foi a de uma religiosa fervorosa, não se distinguindo exteriormente em suas ações, mas no modo de executá-las.
Levava uma vida calma, recolhida, cheia de pequenos sacrifícios, mas plena de grandes atos de caridade e de abnegação.
Antes de morrer, esta humilde religiosa teve a coragem de dizer que iria para o céu e alí passaria o seu céu a fazer cair uma chuva de rosas sobre a terra.
Ela falou de seu pequeno caminho da infância espiritual, que devia levar muitas almas a Deus.
Este segredo da santa infância é parte saliente e prática da vida de Santa Teresinha.
Parece muito simples, mas é muito profundo, e constitui o resumo prático da conformidade da nossa vontade com a vontade de Deus.
A base desta espiritualidade é a seguinte:
Deus é Pai, e a ternura de seu Coração eclipsa a ternura de todos os corações mortais.
Mais do que isso; a sua bondade ultrapassa a de todas as mães: pois no dizer do Profeta, se por impossível, uma mãe se esquecesse de seu filho, nunca Deus se esquecerá de nós. ( Is. LXIII. 25)
Disso resulta que o meio mais seguro de ganhar-lhe o Coração, é permanecer criança a seu olhos, ou tornar-se criança Isto se faz, reconhecendo o nosso nada, em presença da sua majestade.
Depois é preciso confiar sem receio na sua bondade soberana, com o intuito de provocar a misericórdia.
Tais são as linhas iniciais do pequeno segredo de Santa Teresinha, que ela quer revelar às almas pequeninas.
* * *
Assinalemos aqui os três caractéres próprios desta santa infância.
O primeiro é o reconhecimento da sua incapacidade e indigência.
Esta disposição é mais rara do que se julga. Muitas almas piedosas confessam a sua fraqueza até certo ponto, mas se julgam, entretanto, dotadas de certa força pessoal.
Não compreendem que a força da criancinha é a sua própria fraqueza, pois Deus está tanto mais inclinado a socorrer a sua criatura, quanto mais esta reconhece e expõe humildemente a sua impotência radical.
Santa Terezinha tem ensinamentos encantadores a este respeito.
Ela escreve: "Para ser levada ao céu nos braços de Jesus, eu não preciso crescer: é preciso, ao contrário, que fique pequena e cada vez mais pequena" (Hist. IX).
E ainda: "O que agrada a Jesus em minha pequena alma, é me ver amar a minha pequenez e a minha pobreza, é a esperança cega que tenho em sua misericórdia".
Ela chega a dizer: "É Jesus que faz tudo em mim; e eu não faço nada, senão ser pequenina e fraca."
* * *
O segundo característico da santa infância é a pobreza.
A criança nada possui de próprio: tudo pertence aos seus pais, eles lhe dão tudo aquilo de que necessita, porque sabem que nada tem, e implora o que falta.
Foi o que inspirou à Santa Teresinha estas palavras admiráveis:
"Entre os pobres dá-se o necessário à criança, mas desde que cresceu e se torna grande, o pai não quer mais sustentá-la e lhe diz: Trabalha agora, tu podes sustentar-te a ti mesma!
"Pois bem, ajunta ela, para nunca ouvir tais palavras, eu não quis crescer, sentindo-me incapaz de ganhar a vida eterna do céu.
"Nunca eu soube fazer coisa sozinha fiquei sempre pequenina, não tendo outra ocupação, senão de colher as flores do amor e do sacrifício, e de oferecê-las ao bom Deus para lhe agradar."
A criança que quer obter a assistência reclamada pela sua idade, deve dizer a seu pai: Eu nada posso, sede a minha força. Nada tenho, sede a minha riqueza.
É o que Teresinha fazia continuadamente.
O terceiro característico da santa infância é a confiança ilimitada em Deus.
Humildade do coração, pobreza de espírito, e confiança na misericórdia do Pai celestial: - eis a base que sustenta toda a espiritualidade de Santa Teresinha. Ela repetia muitas vezes a palavra de S. João da Cruz: "Alcança-se do bom Deus tanto quanto se espera d'Ele".
Ela escrevia a este respeito: "Deus é compadecido porque é justo, lento em punir e abundante em misericórdia, pois conhece a nossa fragilidade, e lembra-se de que somos pó." (Cart.).
As consequências desta confiança devem extender-se a nossas faltas passadas, a nossos insucessos, a nossas provações e securas.
No fim de sua vida, Teresinha sofria muito a secura e abandono, mas dizia: "Eu me volto para o bom Deus e lhe agradeço assim mesmo. Creio que ele quer ver até onde irá a minha confiança"
Escrevia alhures: "Se as almas fracas e imperfeitas, qual a minha, sentissem o que eu sinto, nenhuma desesperaria de alcançar o cume da montanha do amor"
"A alma que quer trilhar este caminho, diz a Santa, deve imitar a ternura singela e quente que as crianças prodigalizam a seus pais, e ganhar Jesus pelas carícias.
"Não devem perder nenhuma ocasião de agradar-lhe: não deixar escapar nenhum pequeno sacrifício, nenhum ato, nenhuma palavra para testemunhar-lhe ternura. Não somente deve aprender a sofrer, mas gozar por amor e em tudo o que faz, como em tudo que sofre, saber sorrir-lhe."
E o meio infalível, continua ela, não somente de obter um olhar de amor, mas de ver-se elevado em seus braços paternos e apertado sobre o seu coração."
III - CONCLUSÃO
Grandes lições podemos recolher da vida de Santa Teresinha.
A primeira é a prova de que a santidade não consiste em fazer grandes e muitas coisas, mas em fazer tudo bem feito, e por amor de Deus.
A segunda é a prática da doutrina da santa infância, que Teresinha veio pôr em plena luz e aplicar praticamente a nossa vida.
Esta via da infância espiritual, não é um estado particular para umas almas; deve ser a norma geral de todos que aspiram à perfeição.
A "pequena via" é para todos: O que pode variar, e varia necessariamente, é o grau de amor com que se praticam as virtudes próprias desta via, isto é, a humildade, o espírito de pobreza e a confiança na bondade de Deus.
O merecimento incomparável de Santa Teresinha, como será a sua glória para sempre é torná-la tão atraente, sem entretanto dissimular os sacrifícios e as lutas que exige. Ela mostrou a santidade sob um aspecto verdadeiramente evangélico, despojando-a das complicações, nas quais o espírito humano a envolvera através dos tempos.
É o que fez dizer um teólogo ilustre: - "Santa Teresinha desentulhou o caminho do céu"; e a um Cardial: "Teresinha suprimiu as matemáticas da santidade."
E não é somente como reveladora da santa infância, que Santa Teresinha nos aparece, mas como modelo deste modo de praticar a virtude.
Ela nos revelou o caminho e nos deu o exemplo.
E este exemplo recebeu de Deus a aprovação plena, pelos numerosos milagres que a santinha tem operado e opera, e pelas virtudes sublimes que seus exemplos tem suscitado no povo cristão.
Morta em 1897, foi beatificada em 1923 e canonizada em 1925, isto é, 28 anos após sua morte, tendo sido nomeada protetora especial das Missões, ao lado de São Francisco Xavier, em 1927.
SÃO FRANCISCO DE ASSIS
(4 de Outubro)
EVANGELHO (Mat. XI. 25-30)
25 - Naquele tempo Jesus disse: Graças te dou ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondestes estas coisas aos sábios e aos prudentes, e as revelastes aos pequeninos.
26 - Assim, é, ó Pai, porque assim foi de teu agrado.
27 - todas as coisas me foram entregues por meu Pai; e ninguém conhece o Filho senão o Pai; nem alguém conhece o Pai, senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar.
28 - Vinde a mim todos vós que padeceis e vos achais acabrunhados, e eu vos aliviarei.
29 - Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim que sou manso e humilde de coração: e achareis descanso para as vossas almas.
30 - Porque o meu jugo é suave e o meu fardo é leve.
55a INSTRUÇÃO
APÓSTOLO E SERAFIM
A Igreja, em sua liturgia, comemorando a festa de hoje, aplica a São Francisco de Assis esta frase do Evangelho:
Graças te dou ó Pai, porque escondestes estas coisas aos sábios e aos prudentes e as revelastes aos pequeninos.
São Francisco era um pequenino perante o mundo, porém Deus lhe havia revelado os segredos da verdadeira grandeza.
Fez-se pobre na terra, para ser rico no céu.
Quis ser desprezado pelo mundo, para conquistar o amor de Deus.
Desapegou-se de tudo para possuir o tudo, - Deus.
A sua vida é um romance: faz rir, chorar, orar, amar a Deus.
Não pensemos que é somente um santo admirável, é também imitável, e seus exemplos de Apóstolo e de Serafim são um luzeiro para todos que desejam santificar-se e fazer o bem.
Tem-se idealizado muito S. Francisco ele é um ideal. é certo: mas é também um modelo.
É este modelo que vamos contemplar aqui, percorrendo a sua vida e destacando dois pontos luminosos.
I - O apóstolo ardente.
II - O Serafim de amor.
I - O APÓSTOLO ARDENTE
Francisco, que se chamava pelo batismo João, nasceu em 1182: era filho de abastado negociante de Assis. Era rico, mas não se sentia feliz. Sentia grandes atrativos para o prazer e um vivo desejo de ser mais rico.
Entretanto, conservara um coração caridoso, e prometeu nunca recusar a esmola a quem a pedisse.
A caridade é um fogo; e este fogo tende sempre a estender-se mais: Francisco tornou-se o grande amigo dos pobres.
Quando jovem, encontrou um pobre quase nu: imediatamente despe-se de suas roupas novas e elegantes, e os deu ao pobre.
Tendo encontrado um leproso, recuou de horror, mas voltando a si desta primeira impressão, aproxima-se do infeliz, abraça-o com afeição e lhe dá a esmola.
Numa peregrinação que fez a Roma encontrou certo número de pobres à porta da igreja de São Pedro: inflamado de caridade, despe-se de suas roupas, troca-os pelos farrapos do mais mísero dentre eles, passando ali o dia no meio dos mendigos.
Era a vitória definitiva de Francisco sobre a sua vaidade nata e a sua inclinação à elegância; apagou de uma vez estas duas paixões.
Daí em diante o sonho de Francisco é ser pobre e humilhado.
O pai contrariado pela desonra de ter um filho mendigo, levou-o diante do Bispo de Assis, queixando-se da liberalidade exagerada do filho, e exigindo a renunciar a sua parte de bens na herança da família.
Francisco cede tudo e chega a entregar ao pai as vestes que trajava, dizendo que agora podia dizer com toda verdade: Nosso Pai, que estais no céu, que não tinha mais outro Pai.
O pai expulsou-o de casa como filho pródigo e vergonha da família.
E lá se foi o jovem mendigo pelo mundo afora, sem, dinheiro, sem recursos, sem alimentação, sem amigos, trajando veste grosseira, e confiando-se, para tudo, à Providência divina.
Começou a vida de pobre mendigo: pediu esmolas para reconstruir a igreja de São Damião, em Assis que ameaçava ruir, e pôr em obras a de São Pedro.
Retirou-se depois para perto de urna antiga igreja dos Beneditinos chamada Porciúncula, dedicada a Nossa Senhora dos Anjos, Reconstruiu-a, e fixou ali sua morada.
* * *
Um dia, assistindo à Santa Missa ficou fortemente impressionado pelas palavras do Evangelho: Não queirais possuir ouro, nem prata, nem tragais dinheiro, nas vossas cinturas, nem alforge para o caminho, nem duas túnicas, nem calçado, nem bordão. (Math. X. 9)
Francisco tomou o texto ao pé da letra e fêz dele o fundamento da regra que sonhava escrever.
Tirou logo os sapatos, a cinta de couro, não conservando senão uma grosseira túnica cingida por uma corda.
Nestes trajes novos do Evangelho, começou a pregara penitência nas ruas e nas praças públicas.
A novidade excitava a curiosidade, e a curiosidade fêz com que todos escutassem a sua pregação.
A audição dessa palavra estranha, que parecia o eco daquela de João Batista, impressionou e converteu os pecadores.
Alguns de seus auditores, excitados pela sua palavra e seu exemplo quiseram seguí-lo e imitá-lo.
O número destes discípulos chegou a sete e depois a doze.
Francisco resolveu escrever para eles uma pequena regra, curta e prática, e levá-la a Roma, pedindo a aprovação do Papa Inocêncio III.
Encontrou oposições, mas Deus quis a obra e manifestou sua vontade por meio de uma visão ao próprio Papa, que depois aprovou o gênero de vida dos novos apóstolos.
Francisco, antes de deixar Roma, recebeu das mãos do Cardeal de Colonna, a tonsura e pouco depois, provavelmente o Diaconato, em 1209.
Eis Francisco com seus primeiros discípulos a percorrer as cidades e os campos, pregando a penitência e pobreza, à sociedade fervendo de cobiças e de ódios, como o era nesta época.
* * *
O zelo de Francisco era o fogo, como o seu coração: o seu lema era ganhar almas, e si possível, sofrer o martírio. Resolveu pregar o Evangelho aos maometanos. Embarcou para o Egito, onde foi preso e levado perante o Sultão.
Começou a sua evangelização, porém, o terreno não era propício, e embora recebido com veneração pela sua coragem, nada poude conseguir.
Daí, Francisco foi para a Terra Santa e voltou para Itália, onde graves dificuldades exigiam a sua presença.
O número dos Irmãos aumentou consideravelmente e as suas ermidas se multiplicavam na Itália.
Em menos de 3 anos contava já 60 casas.
Até, os Irmãos não tinham outra instrução a não ser o catecismo, e pregavam mais pela virtude, a convicção e o zelo, do que pela ciência, tendo-lhes o Papa dado licença de só pregar a moral.
O Cardial Hugolino, Protetor do Instituto, para evitar abusos, exigiu então que se dedicassem seriamente aos estudos, e que um certo número fosse elevado ao Sacerdócio.
II - O SERAFIM DE AMOR
Francisco sentiu que estava no termo da sua vida apostólica. O seu zelo havia percorrido a Itália e comovido a Europa.
Além dos milhares de almas fervorosas que abraçaram a Regra dos Frades Menores, e a das clarissas, fundada por ele, centenas de milhares haviam entrado para a Ordem de penitência, para os leigos.
Sem desinteressar-se da Ordem, Francisco havia deixado o governo desde 1219, para aplicar-se à contemplação que o atraía irresistivelmente.
Retirou- se primeiro no vale de Rieto e no ano seguinte (1224) refugiou-se numa choupana do Monte Alverne, no meio de rochedos cercados de espessas florestas.
Certo dia, meditando com ardor sobre a paixão do divino Mestre, viu descer do céu um Anjo luminoso tendo seis asas: duas elevadas acima da cabeça, duas estendidas para o voo e duas cobrindo o corpo.
A aparição tinha os braços extendidos, os pés juntos e parecia pregada na cruz.
No rosto do Serafim, Francisco contemplava a beleza dos traços do Crucificado e ouviu uma voz a lhe dizer que o fogo do amor o transformou na imagem de Jesus crucificado.
Ao mesmo tempo uma viva dor trespassa-lhe os membros: cravos pretos atravessam-lhe as mãos e os pés, e de uma ferida aberta em seu lado, o sangue começa a jorrar.
Acabava de receber os estigmas da paixão.
* * *
Após a festa de São Miguel disse adeus ao Monte Alverne, e sentindo que seus pés não mais suportavam o andar, voltou para Porciúncula montado num jumentinho, semeando milagres por onde passava.
Dores atrozes o atormentavam.
Extenuado pelos jejuns e privações, alquebrado por frequentes hemorragias, atormentado por uma oftalmia tenaz e quase cego, consentiu em descansar numa choupana que Santa Clara lhe fez preparar no jardim de São Damião, onde residiam as religiosas.
É, aí, nas trevas da cegueira que este serafim de luz compôs o célebre Cântico do sol.
Sentindo aproximar-se o fim, Francisco pediu que o levassem para Assis.
De Assis, a seu pedido, foi levado para a igreja de Nossa Senhora dos Anjos, onde desejava morrer.
À Porciúncula deu as suas últimas instruções e morreu como havia vivido, em 4 de Outubro de 1226.
O pobre de Assis, logo depois da morte, operou tantos milagres, que desde 1228, o Cardial Hugolino, então Papa Gregório IX, lhe decretou as honras dos altares.
Francisco, o apóstolo de fogo e o Serafim de amor entregara sua alma radiante a Deus, tendo apenas 46 anos de idade, mas 46 anos destes que o Espírito Santo chama: "Anos inestimáveis" ( J ob. XXXVI. 26).
III - CONCLUSÃO
Cada santo tem uma fisionomia própria: não há dois santos semelhantes.
São Francisco de Assis é o modelo perfeito do desapego de tudo e o pobre por amor de Jesus Cristo, porém, é mais do que isso.
O traço distintivo do Santo é o zêlo das almas, provindo diretamente de seu amor a Deus!
A sua força, a sua grandeza, o segredo da ação admirável está em sua união íntima com Deus, na contemplação sobrenatural.
É o segredo desta atividade fecunda que o Santo exerceu sobre as multidões e sobre os seus filhos espirituais.
É um exemplo de apóstolo que se dedica à conversão das almas.
Deus, em primeiro lugar!
Deus, amado em si mesmo e Deus amado no próximo: é a fórmula do apostolado.
Queremos, pois, imitar o zelo de São Francisco, procuremos imitar-lhe o espírito de união com Deus.
Ninguém pode tornar-se apóstolo ardente sem ser Serafim de amor!
NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO
(7 de Outubro)
EVANGELHO (Lucas I.)
O mesmo da Anunciação - pág. 177 (ou 63)
56a INSTRUÇÃO
O ROSÁRIO DE MARIA SANTfSSIMA
O Evangelho nos rediz neste dia a mais bela saudação que já foi dirigida por Deus a uma criatura.
E não é simplesmente uma saudação: é um modelo e um exemplo.
Deus permitiu que estas palavras admiráveis nos fossem conservadas pelo Evangelho, para que a exemplo do Arcanjo, saudássemos com elas a Virgem Santíssima.
A recitação repetida desta saudação forma o Rosário, a grande, a poderosa oração da Igreja e das almas piedosas, como disse Lacordaire: É uma oração que se rediz continuamente e que nunca se repete, porque cada vez se torna a expressão de novo amor.
Meditemos hoje esta bela instituição, vendo:
I - A origem do Rosário.
II - O seu poder admirável.
I - ORIGEM DO ROSÁRIO
O santo Rosário, quanto à substância, sendo composto da oração de Jesus Cristo e da saudação angelical , isto, é do pai Nosso e Ave Maria, assim como da meditação dos mistérios de Jesus e Maria , é, sem contradição, a primeira prece e a primeira devoção dos fiéis, em uso, desde os apóstolos até aos nossos tempos.
Em sua forma atual, porém, foi inspirado a sua Igreja, e dado por Maria Sma. a S. Domingos, para este converter os Albigenses, que haviam invadido a França, em 1214.
Deus suscitou São Domingos para refutar estes hereges, precursores dos protestantes.
O santo percorreu a França, pregando dia e noite, sem entretanto, alcançar o fim almejado.
Entregou-se à mais rude penitência, e à oração contínua, quando uma noite, meio morto de esgotamento e fadiga, numa gruta perto de Tolosa, a Virgem Sma. lhe apareceu e lhe disse:
"Domingos, se quereis converter estes hereges, preparai o meu saltério ou a repetição de um certo número de Ave Marias".
O Rosário é chamado Saltério, porque contém tantas Ave Marias quantos salmos contém o saltério de David.
A origem do Rosário confunde-se de certo, a piedosa prática do terço, desde o começo do Cristianismo, sobretudo entre monjes do deserto, que haviam adotado terços para regulamentar as suas orações, porém foi S. Domingos quem juntou à recitação das Ave Marias, à meditação dos mistérios da vida de Jesus e Maria.
O Rosário completo consiste na recitação de 15 dezenas de Ave Marias, acompanhada da meditação de cada um dos cinco mistérios, gozosos, dolorosos e gloriosos .
A palavra Rosário quer dizer coroa de rosas. E de fato é urna coroa esplêndida das mais belas e santas preces do Cristianismo.
O Credo, ou sublime profissão de fé dos Apóstolos.
O pai Nosso, ou oração divina, feita pelo próprio Nosso Senhor e exprimindo todos os nossos deveres para com ele, assim como todas as nossas necessidades.
A Ave Maria, ou cântico delicioso do céu, com que o anjo, em nome de Deus, saudou a Virgem Santa, e que Sta. Isabel e ·a Igreja completaram com a expressão da sua veneração e confiança.
O Glória ao pai, ou hino eterno dos anjos no céu.
Deste modo,. o Rosário é a oração mais agradável a Deus, mais gloriosa para Maria, mais poderosa e mais popular.
É a oração do pobre como do rico, da criança como do velho, do cientista como do ignorante.
Não receemos que a repetição desta mesma prece se torne fastidiosa ao coração.
Uma rainha não se cansa de ouvir os milhares de vivas que aclamam a sua passagem.
Urna mãe não se cansa tão pouco em ouvir os seus filhinhos dizerem-lhe que é bela, boa, que a amam e veneram, conforme já ficou dito muito bem! o amor tem apenas uma palavra, e redizendo-a sempre, nunca a repete.
II - O PODER DO ROSÁRIO
Para conhecer o poder desta oração privilegiada bastaria conhecer a história da Igreja, ou a vida de alguns santos, que foram seus ardorosos propagadores, como S. Domingos; o Bem-aventurado Alano da Rocha, S. Luís Maria Grignon de Montfort, S. Geraldo, Sto. Afonso Rodrigues, o Santo Cura d'Ars, etc. etc.
A vida destes homens extraordinários, é um tecido de maravilhas operadas pelo Rosário.
Foi pelo Rosário que S. Domingos reconduziu ao seio da Igreja mais de 100.000 albigenses.
Pregando um dia, perto de Carcassona, trouxeram-lhe um albigense possesso do demônio. O santo exorcizou-o em presença de grande multidão.
Os demônios eram constrangidos, por imposição do santo, a declararem publicamente:
1. Que estavam no corpo deste infeliz, em número de 15000, porque este havia blasfemado os 15 mistérios do Rosário.
2. Que, pelo Rosário pregado por S. Domingos, espalhava-se o terror e o espanto no inferno inteiro, e que era ele o homem a quem mais odiavam por causa das almas que lhes arrebatava com o Rosário.
3. Revelaram-lhe ainda várias outras particularidades.
S. Domingos tendo suspendido o seu Rosário em redor do pescoço do possesso, perguntou - aos demônios a quem temiam, entre todos os Santos do céu, e quem devia ser mais honrado e amado pelos homens.
A esta interrogação lançaram gritos tão horríveis que grande parte dos assistentes, tomados de pavor, caíram por terra.
Para evitar uma resposta àquelas perguntas, os demônios choravam e lamentavam-se de modo tão comovedor, que vários assistentes choravam também, movidos por uma compaixão natural.
Gritavam os demônios pela boca do possesso, em voz chorosa: Domingos! Domingos, tem compaixão de nós: prometemos que nunca havemos de fazer-te qualquer coisa! Tu, que tens compaixão dos pecadores e miseráveis, tem dó de nós, miseráveis que somos!
Ai de nós! sofremos tanto: porque tu te divertes em aumentar as nossas penas! Basta-te o que sofremos! Misericórdia, misericórdia, misericórdia!
O santo, sem se deixar comover por estas palavras lamuriosas dos espíritos in fernais lhes respondeu que não deixaria de atormentá-los, até que respondessem às suas perguntas.
Disseram que responderiam, porém em segrêdo, ao ouvido, e não perante aquela multidão.
O santo insistiu e ordenou-lhes, em virtude do Rosário, que respondessem em alta voz.
De súbito uma chama ardente saiu dos ouvidos, do nariz e da boca do possesso, fazendo tremer a praça inteira, sem, entretanto, fazer mal a ninguém, e os demônios exclamaram:
- Domingos, nós te suplicamos pela paixão de Cristo, e pelos méritos da sua Santa Mãe e de todos os Santos, que nos deixes sair do corpo deste homem, sem nada dizer: pois si tu o queres saber, os anjos t'o revelarão. Somos uns mentirosos, bem o sabes porque queres acreditar em nós? Não nos atormentes, mais, tem dó de nós!
- Desgraçados, respondeu São Domingos, sois indígnos de serdes atendidos. E, pondo-se de joelhos, implorou a Sma. Virgem pedindo que obrigasse os demônios a revelarem a verdade publicamente , para a instrução do povo.
Mal terminava a oração, viu a Sma. Virgem ao seu lado, cercada de uma legião de anjos, obrigando os demônios a responder.
Estes então começaram a gritar e a exclamar: Ó inimica nostra, ó nostra damnatrix, ó confusio nostra! ó inimiga nossa! Ó ruína nossa (ó confusão nossa: porque baixastes do céu, para atormentar-nos deste modo?
- Então, mau grado nosso, somos obrigados a dizer toda a verdade, ó advogada dos pecadores, que os retirais do inferno! O caminho seguro do paraíso! Somos obrigados a publicar diante de todos a causa da nossa confusão e da nossa ruína.
Ai de nós! Ai de nós! príncipes das trevas!
Escutai pois, cristãos: esta Mãe de Jesus Cristo é toda poderosa, para impedir que os seus servos caiam no inferno!
É ela, quem, tal um sol, dissipa planos, quem rompe as nossas ciladas, e torna inúteis todas as nossas tentações!
Somos coagidos a declarar que nenhum daqueles que perseveram em seu serviço, se perderá conosco!
Um único de seus suspiros, que oferece à Sma. Trindade, ultrapassa todas as preces, os votos e os desejos dos Santos.
Nós a tememos mais que todos os bem-aventurados juntos, e nada podemos fazer contra os seus serviços fiéis.
Vários cristãos que a invocam na hora da morte, os quais, segundo nossas leis ordinárias, deviam ser reprovados, salvam-se pela sua intercessão!
Oh! se esta Marieta (é assim que o seu ódio a chamava) não se tivesse oposto a nossos desígnios e esforços, há tempo que teríamos derrubado e destruído a Igreja e feito cair todas as suas ordens no erro e na infidelidade.
Protestamos ainda, pela coação que nos é feita, que nenhum daqueles que perseveram na recitação do Rosário, se perderá: pois ela alcança a seus devotos uma verdadeira contrição de seus pecados, o que lhes merece o perdão e a indulgência.
S. Domingos fêz então que o povo ali reunido recitasse o Rosário, lenta e devotamente, e a cada Ave Maria, que o santo e o povo recitavam, saia do corpo deste uma multidão de demônios, sob a forma de carvões flamejantes.
Tendo desaparecido os demônios e ficando o herege livre, Maria Sma. deu a sua benção ao povo. Este nada via com os olhos, mas sentia a alma inundada de imensa consolação.
A este milagre se podiam ajuntar muitos outros não menos extraordinários e significativos.
Simão de Montfort alcançou vitórias estrondosas sobre os albigenses por meio do Rosário.
A vitória de Lepanto é outro triunfo do Rosário.
A vida do Venerável Alano da Rocha está repleta de milagres para provar o poder do Rosário.
III - CONCLUSÃO
O Ven. Alano da Rocha resume, deste modo, as grandes vantagens da recitação do Rosário:
1. Os pecadores alcançam o perdão:
2. As almas fervorosas, chegam à santidade:
3. As que choram, são consoladas:
4. As que são tentadas, recobram a paz:
5. Os ignorantes, são instruídos:
6. Os religiosos, são reformados:
7. Os vivos triunfam da vaidade:
8. Os mortos, são aliviados.
"Quero, disse um dia a Sma. Virgem ao mesmo santo, que os devotos, do meu Rosário tenham a graça e a benção de meu Filho, na vida e na morte, e que depois sejam libertados de toda espécie de escravidão, e sejam reis, tendo a coroa na cabeça, o cetro na mão e a glória eterna."
Diante de tantas e tamanhas promessas, compreende-se que a Igreja tenha elevado a festa de N. Sra. do Rosário à categoria das grandes festas marianas, e consagrado o mês de outubro inteiro para este fim, fazendo recitar o Rosário diante do Santíssimo Sacramento exposto.
Unamos, pois, o nosso pequeno têrço a estes milhares e milhares de Rosários que são recitados diàriamente no mundo inteiro.
A nosso prece pode ser fraca e imperfeita: por isso unamo-la à prece universal da Catolicidade inteira. Recitemos o nosso terço com fervor, durante este mês, sobretudo: e depois çontinuemos a fazê-lo em nossa vida inteira, para assegurar-nos a proteção da Virgem do Rosário.
FESTA DE CRISTO REI
(último Domingo de outubro)
Esta festa foi instituída em 1925, para proclamar a soberania universal de Jesus Cristo.
É a reação contra a praga, que hoje avassala a sociedade: o espírito de independência e de revolta. Este espírito muda de nome conforme as circunstâncias: é o Liberalismo,o Socialismo, o Laicismo, o Comunismo.
O resultado final é a revolta contra toda autoridade, tanto contra o domínio de Deus como contra os governos.
A festa de Cristo-Rei vem lembrar aos homens que há uma autoridade, que não vacila, nem se deixa abalar, porque é divina: e esta autoridade é a de Jesus Cristo, "Rei dos reis e dominador dos dominadores" (I. Tim. VI. 15). "Et erit Dominus rex, super omnem terram."
É preciso proclamar o Cristo Rei, para que ele reine sobre a sociedade e a reconduza à paz e à união. O Cristo Redentor que, do alto do Corcovado, domina a Capital do Brasil, é o símbolo glorioso de seu reinado sobre nós!
EVANGELHO (João XVIII. 33-37)
33 - Naquele tempo disse Pilatos a Jesus: - És tu Rei dos Judeus?
34 - Respondeu-lhe Jesus: - E de ti mesmo que isto perguntas, ou foram outros que to disseram de mim?
35 - Replicou Pilatos: - Porventura sou eu algum Judeu? O teu povo e os pontífices entregaram-te nas minhas mãos: que fizeste?
36 - Tornou-lhe Jesus: - O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os meus partidários, sem dúvida, pelejariam para que eu não fosse entregue aos judeus mas agora o meu reino não é daqui.
37 - Inquiriu Pilatos: Logo, tu és Rei? - Respondeu Jesus: É como dizes, eu sou Rei. Nasci e vim ao mundo para dar testemunho da verdade: todo o que está pela verdade ouve minha voz.
57a INSTRUÇÃO
O REINO DE JESUS CRISTO
O Evangelho de hoje é de uma expressão tão divinamente majestosa e tão ternamente autoritária, que basta meditá-lo um instante para fazer irradiar dele a majestosa figura do Cristo Rei. Basta uma página, destas para provar a origem divina do Evangelho.
Nunca o gênio humano, jamais a imaginação humana seria capaz de pintar um quadro tão sublime como o que nos representam estes cinco versículos do Evangelho. Meditemo-los um instante, para melhor saborearmos a sua doçura e apreciarmos sua harmoniosa beleza. Vejamos:
I - A cena da proclamação.
II Os títulos desta realeza.
I - A CENA DA PROCLAMAÇÃO
Era nas vésperas da grande Festa da Nação. Antes que a aurora banhasse os altos montes que cercam a capital , um povo imenso e como que atarefado, fervilhava nas ruas e um ruído surdo zunia até nas casas ainda fechadas, tomando, aos poucos, as proporções e o ritmo encolerizado de uma revolta.
O governador, altivo e silencioso, sentado no terraço da antiga fortaleza que transformara em palácio, perturbado na calma de seu repouso matinal, não pôde reter um gesto de impaciência e dirigindo-se ao centurião da guarda, perguntou-lhe, em voz de comando o que significava esse alvoroço.
Antes que o centurião respondesse, em frente ao edifício, apinhava-se uma multidão compacta, em demanda do palácio do governador.
Será levantamento? revolução? crime?
O governador, numa ordem ríspida, inquieta, mandou duplicar a linha dos soldados, que guardavam o palácio, saiu acompanhado de dois oficiais.
No pretório encontrou-se em frente de uma populaça amotinada cheia de ódio e de sangue. Gritos tumultuosos, insultos, ameaças, tudo isto se cruza num caos indescritível. Do meio da multidão destacou-se uma turba de homens semi-nus, mercenários a conduzir preso, um homem de uns 30 anos de idade. O prisioneiro não se parecia com malfeitor. De estatura acima do comum, porte nobre, cabelos flutuantes, barba curta e bela, semblante regular, simpático.
Imponente, tudo denotava nele nobreza e dignidade. Nenhum a palavra cai-lhe dos lábios, nenhum olhar indignado nem sequer um gesto repulsivo tolda a calma majestade de seu exterior. Dir-se-ia um preso voluntário, ou então um homem que vive numa atmosfera fora do tumulto, que o cerca.
Ao ver tanta calma no meio de tanta agitação, tanta dignidade no meio de tanta baixeza, o governador pára, impressionado e compassivo, e impondo silêncio à turba agitada, pergunta-lhe em tom indignado: - De que é acusado este homem?
Crescendo em audácia, os satélites respondem: - Se não fôsse um criminoso não lho teríamos remetido.
O governador, ferido pela arrogância da réplica, responde num tom de desprêzo:
- "Pois bem, se é um malfeitor, julgai-o conforme a vossa lei."
A turba, excitada por alguns de seus chefes, sabendo que tal direito não lhe cabe mais, começa a acusar o preso, gritando e vociferando: este homem perturba a nossa nação, dizendo-se o Cristo Rei! - dicentem se Christum regem esse!
O governador, compreendendo o ridículo de tal acusação, examina o prêso, cuja calma e dignidade excitam sua simpatia, e perturbam a sua superstição: pois, bem que homem sem religião, a ideia de qualquer divindade o amedrontava.
Sem responder, fez sinal que introduzissem o pretenso malfeitor no palácio, querendo falar pessoalmente com ele.
O preso é introduzido e sem levantar o olhar, conserva-se numa atitude tão digna, tão fidalga, que o governador não hesita este homem deve ser verdadeiramente um nobre, um rei. É ele, o representante da grande Roma do César todo poderoso - sente-se pequeno, pequenino, diante desta majestade - em frente da dignidade deste preso, de mãos ligadas e de olhos baixos.
Sente que não se trata aqui, nem de crime e nem de criminoso, e visivelmente perturbado, manifestando involuntariamente a sua convicção, pergunta:
- És tu verdadeiramente Rei dos Judeus? - Tu es Rex Judeo rum?
Rei dos Judeus? Não o preso quer endireitar a pergunta, e estender o seu cetro além do povo hebraico. Então, levantando o olhar, profundo sobre o seu interlocutor, o homem misterioso responde com um acento, que faz tremer o Governador:
- Meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, meus súditos pelejariam para que eu não fosse entregue aos Judeus, mas agora meu reino não é deste mundo. O governador, ao ouvir esta voz, ao mesmo tempo tão suave e tão firme, tão calma e tão altiva, sente um medo misterioso percorrer-lhe o corpo sente-se em presença deste homem superior, cujo estado mísero deixa transparecer uma dignidade escondida. como para confirmar os dizeres do acusado e patentear sua convicção, o Governador responde, antes que pergunte:
Então, tu és Rei? - Ergo Rex rs tu?
A dignidade do inculpado está bem determinada sua realeza não se limita mais a uma nação ou a um país.
Ele não é mais simplesmente o Rei dos Judeus, mas o Rei Universal - Ergo Rex es tu?
A pergunta assim clara, precisa, merece uma resposta igualmente precisa e clara.
E esta resposta brota -lhe dos lábios num tom que deve atravessar os séculos e as gerações além e ressoar até o fim dos tempos:
Tu díeis, quia Rex sum ego!
Tu o dizes, eu sou Rei.
E para mostrar que a sua realeza não é obra ou favor dos homens, mas uma dignidade, um poder e um título próprio, o homem misterioso ajunta - "Eu sou Rei, nasci neste estado, e vim a este mundo para esse fim, para testemunhar a todos a verdade, e quem ama a verdade escuta a minha voz." (João XVIII. 37).
II - OS TÍTULOS DESTA REALEZA
Eis a proclamação divina da realeza de Jesus Cristo.
Não digam que é uma novidade, uma inovação. Não: é tão antiga como o Evangelho. O fato, que acabamos de n arrar, não é uma ficção imaginária é o Evangelho, texto por texto, palavra por palavra.
A cidade onde se desenrola este drama imortal é Jerusalém. A populaça amotinada são os Judeus amotinados pela sinagoga. O governador, testemunha e ator nesta sublime proclamação dos direitos e da dignidade do Cristo, é Pôncio Pilatos, Procurador Romano, governador da Judeia nesse tempo: esse preso arrastado pelos Judeus, calmo, majestoso, é Jesus Cristo, O Deus homem, O Cristo Rei, que neste dia a Cristandade aclama.
Sim, o Cristo é Rei, não somente dum povo como ele mesmo o declara, mas Rei de todos os povos, - Rei universal, Rei eterno, como o canta a Igreja no seu grande símbolo ou profissão de fé: - cujus regni non erit finis - Cujo reino não terá fim.
O profeta do Apocalipse chama-o: - "Rei dos reis e Senhor dos senhores" (Apoc. XIX. 6).
Os Santos padres celebraram a realeza de Cristo. Basta citar Tertuliano, resumindo a tradição de seu tempo: - "Para todos os povos, diz, O Cristo é Rei, Juiz, Deus e Senhor.
É o que canta a Igreja no seu triunfal Te Deum: "Tu és o Rei da glória, ó Cristo! Tu Rex gloriae, Christe!"
Ele é Rei por direito de nascimento, pois a união hipostática - união com a divindade - o faz herdeiro de todos os bens divinos: Porque tu és meu Filho, diz o Salmista, porque te gerei, podes pedir-me todas as nações da terra, e dar-tas-ei como herança! ( Salmo II. 8).
É o que Jesus disse a Pilatos: - Eu nasci neste estado - Ego natus sum.
Ele é Rei ainda por direito de conquista, isto é, por via de mérito. Operando a redenção, tornou - se o grande libertador: salvou os homens da escravidão do demônio e dos horrores da morte eterna. Volta de sua laboriosa expedição com a bandeira gloriosa, tinta de sangue, sua cruz triunfante, conservando para sempre o s estigmas de suas feridas. O Cristo é, pois, Rei. " Tu dicis, quia Rex sum ego"
Nada de mais positivo, nem de mais absoluto. Tudo está submisso a seu império, diz S. Paulo. Tudo isto é a realeza terrestre, e bem assim a realeza espiritual. Convém notar, entretanto, que Jesus Cristo não quis atribuir-se, durante a vida mortal , este império terrestre. Declara que seu reino não é deste mundo, ou melhor, traduzindo palavra por palavra o texto do Evangelho: nunc autem regnum meum non est hinc (Joan. XVIII. 36). Agora, porém, meu reino não é deste mundo.
Agora, isto é, na hora que estava diante de Pilatos, seu reino estava ainda limitado a seus Apóstolos e a poucos discípulos. Mas este reino deve ser, o Cristo, Rei universal, como universal é seu poder e universal sua autoridade.
"Regem saeculorum" - o Rei de todos os séculos. ele deve reinar - "Oportet illum regnare! "
Reinará, apesar do ódio dos ímpios, dos ataques dos perseguidores, da fraqueza e da covardia de seus próprios filhos. ele reinará.
III - CONCLUSÃO
E como há de reinar o Cristo Rei?
Tendo nas mãos o cetro do poder, e a coroa da eterna majestade, poderia reinar pela força quebrando seus inimigos e esmagando os perseguidores. mas quer remar pelo amor.
Só o amor é digno de seu Coração.
Deus patiens quia aeternus, respondeu Santo Agostinho a alguém que lhe perguntou porque Deus permitia o triunfo de seus inimigos.
Deus permite-o, porque tem diante de si a eternidade.
Nós, homens, temos pressa em vingar-nos e em derrubar os nossos inimigos, porque sentimos que nosso tempo é limitado, e que demorando, a presa pode escapar-nos.
Deus tem diante de si a eternidade, e, cedo ou tarde, os homens têm de cair em suas mãos, ninguém pode fugir de seu poder.
Ele quer reinar pelo amor. É para significá-lo que a Santa Igreja prescreve a Consagração a Cristo-Rei, e quer que todos se sirvam da Consagração da humanidade, ao Sagrado Coração de Jesus.
O Cristo-Rei, é, pois, o Coração de Jesus.
É o Cristo-Rei, e o Cristo Pai. Dois títulos inseparáveis.
E para reinar, Cristo quer seu exército, seus soldados.
Em frente de Pilatos, Jesus disse que o seu reino não era, então, deste mundo, porque não havia ainda súditos capazes de pelejar por ele, afim de que não fosse entregue aos Judeus, por isso conclui: agora porém meu reino não é des te mundo.
Hoje o Cristo-Rei tem súditos. O mundo é cristão, os católicos fiéis cifram-se por milhões. O Cristo tem, pois, soldados, exército, e a eles cabe pelejar, lutar para que o seu Rei não seja entregue aos Judeus modernos, Judeus maçons, Judeus protestantes, Judeus espíritas, Judeus indiferentes, e esta peleja, pedida por Jesus, consiste, principalmente na luta contra o respeito humano, que, entre os homens, é o grande obstáculo ao triunfo completo de Cristo-Rei. Guerra, pois, ao respeito humano! Sejamos católicos, mas saibamos mostrá-lo!
Façamos reinar o Coração de Jesus em nossos lares, levantemos, publicamente, o seu trono de Rei, unindo deste modo e confirmando o seu reinado espiritual nas almas e o seu reinado terrestre e universal, no mundo.
É o triunfo que a Igreja Católica anuncia hoje pela proclamação da nova festa, que manda celebrar no mundo inteiro. No entusiasmo de suas vitórias, os antigos Gauleses exclamavam, com brado de gratidão e de patriotismo:
Viva o Cristo que ama os Francos!
Neste dia, saibamos fazer nosso esse grito de fé, e, depois de termos entronizado Cristo em nossos corações, exclamemos: - Viva Cristo que ama os Brasileiros!
FESTA DE TODOS OS SANTOS
(1o de Novembro)
EVANGELHO (Mateus V 1-12)
1 - Naquele tempo, vendo Jesus a grande multidão do povo, subiu a um monte, e tendo-se sentado, aproximaram-se dele os seus discípulos.
2 - E ele, abrindo a boca, os ensinava, dizendo:
3 - Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus.
4 - Bem-aventurados os mansos porque possuirão a terra.
5 - Bem-aventurados os que choram; porque serão consolados.
6 - Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça porque serão saciados.
7 - Bem-aventurados os misericordiosos porque alcançarão misericórdia.
8 - Bem-aventurados os puros de coração porque verão a Deus.
9 - Bem-aventurados os pacíficos porque serão chamados filhos de Deus.
10 - Bem-aventurados os que sofrem perseguição por amor da justiça, porque deles é o reino dos céus.
11 - Bem-aventurados sois, quando vos injuriarem e vos perseguirem, e mentindo, disseram todo o mal contra vós, por causa de mim.
12 - Alegrai-vos e exultai, porque é grande a vossa recompensa nos céus pois (também) assim perseguiram os profetas que existiram antes de vós.
58a INSTRUÇÃO
SANTOS E SANTIDADES
No discurso que a Igreja nos faz meditar neste dia, encontramos o código da perfeição e da santidade.
São as bem-aventuranças tão suaves e tão belas que Jesus Cristo preconiza e aponta o segredo da santidade - que a legião de Santos soube realizar tão admiravelmente. O cumprimento dos mandamentos da lei de Deus, faz o bom cristão. A fidelidade aos conselhos evangélicos faz o homem perfeito. A prática das bem-aventuranças faz o santo. Levantando os olhos para o céu, vemos na glória esta legião imensa, incalculável de Santos de todas as condições, idades, países, homens, mulheres, jovens e crianças. Ora, lembremo-nos, de que, o que eles puderam fazer, nós também somos capazes de fazê-lo. Meditemos, pois, hoje:
I - Que os Santos eram o que nós somos.
II - Que nós podemos ser o que eles são.
I - eles ERAM O QUE NÓS SOMOS
Lendo a vida dos Santos ficamos admirados da coragem e da generosidade deles, em extirparem os seus defeitos, em praticarem virtudes heroicas, em empreenderem obras que parecem ultrapassar forças humanas. Ficamos admirados, e uma voz parece sussurrar aos nossos ouvidos: É belo, é admirável, mas isto é só para eles porque eram almas privilegiadas, eleitas para isso. A nossa indolência inata, deleita-se com tais pensamentos que têm o condão de atrofiar as nossas energias latentes e fazer acreditar que os Santos não são homens como nós. É um erro e uma tentação do demônio: tal voz não é a de Deus mas a do demônio. A verdade é que Deus chama todos os homens à santidade. É uma lei universal: " Sancti estote" sede santos! Ora, Deus chamando para um ideal, dá as graças necessárias para realizá-lo, porém, a graça não realiza a obra, mas nos ajuda a realizá-la. Deus não pode salvar-nos sem nós: nem santificar-nos sem a nossa cooperação. Uma verdade fundamental que sempre devíamos ter diante dos olhos, é que sem Deus nada podemos. - "Sine me nihil potestis facere" (João XV. 5) e que "com ele tudo nos é possível", no dizer de S. Paulo. (Fil. IV. 13) .
Eis o segredo dos Santos, a fonte da sua força. Deus é Pai de todos, e não tem amizade particular com ninguém, senão com os pequeninos e com os humildes. "Ele resiste aos soberbos e dá a sua graça aos humildes. (João VI. 6). Todo o segredo da santidade está nesta frase divina. É este pensamento que fez dizer a Santa Teresinha, proclamando a sua pequenez: "Se Deus, por impossível, encontrasse uma alma mais pobre e mais pequena que a minha, ele faria ainda mais para ela do que para mim. O santo mais elevado é necessariamente o mais humilde, e a criatura mais santa que o mundo já viu é Aquela que sendo escolhida para ser a Mãe de Deus, proclamou-se a escrava do Senhor."
Os Santos foram o que nós somos, mas além disso, eram convencidos do seu nada. Esta completa, desconfiança de si encheu-os de uma confiança completa em Deus. Nós queremos ser qualquer coisa e Deus afasta-se desta mentira e presunção, mas se inclina para a verdade e a desconfiança de si mesmo.
Eis-nos, pois, em paralelo perfeito com os Santos, quanto à natureza. Os inimigos a combater são os mesmos, o demônio, o mundo, a carne. As inclinações perversas que sentiam são as mesmas que as nossas: a imodéstia dos olhares, os deleites da carne, o orgulho da vida. Para convencer-nos disto, basta percorrer a vida dos Santos; cada página da vida deles, é uma página da nossa vida. Há entre eles muitos que saíram dos fundos pútridos do mal; elevaram-se pela oração e pela luta, até chegarem a sepultar o homem velho, para substituí-lo pelo homem novo, reformado. Quem era Maria Madalena antes da sua conversão?
- Uma mulher decaída, uma pobre pecadora.
E Santo Agostinho, nos primeiros anos?
Um homem gozador, dominado pela ambição.
Quem era Santo Inácio antes do golpe da graça que o prostrou?
Um soldado sem religião e sem convicção. Quem era São Francisco Xavier, antes da conversão?
Um professor vaidoso, ambicioso. E quantos outros se podiam citar, cuja v ida prova que eram bem como nós somos .
e até entre eles, uns eram bem como nós somos, e até piores do que nós. Entretanto, ei-los hoje, brilhantes como estrelas no firmamento do céu. Maria Madalena, a pecadora, tornou-se a grande penitente. Agostinho, o maniqueu, é um luzeiro da Igreja Inácio, o soldado colérico, é o heroico soldado de Cristo. Francisco Xavier, o ambicioso, o apóstolo das Índias.
Eram pecadores: hoje são Santos! Eram o que nós somos:
podemos, pois, vir a ser o que eles são.
II - PODEMOS SER O QUE ELES SÃO
Não basta admirar a glória dos Santos, nem considerar o que alguns eram antes da sua conversão. É preciso repetir com Santo Agostinho: " Quod isti et istae cur non ego?" - O que eles têm podido fazer, por que não o poderia eu?
Uns foram preservados do mal, e tiveram a felicidade de atravessarem em voo rápido, o lamaçal deste mundo, sem macular as asas; outros - e é a maior parte - tiveram que lutar e vencer na arena habitual da vida, enquanto outros surgiram do fundo do mal, reabilitaram-se pela penitência e voaram até Deus pela oração. Há entre eles Santos de todas as idades, nações, posições; crianças, jovens e velhos, todos eles souberam conquistar a coroa da glória: por que nós não o poderíamos?
Somos da mesma natureza que eles; temos em nós as mesmas inclinações, e em nossa frente os mesmos inimigos a vencer. Eles os venceram, logo nós o podemos também.
Qual é o caminho a seguir para atingir este ideal? Encontramo-lo a cada passo no Evangelho, mas temo-lo diante de nós, no Evangelho de hoje, com uma lucidez deslumbrante, e uma precisão que não deixa dúvida. O mundo - tem o seu código de Bem-aventuranças mundanas. Encontramos este código em todos os jornais e em todas as bocas anti-cristãs.
Bem-aventurados os ricos, porque podem gozar, bem-aventurados os folgazões, porque não sentem o tédio, bem-aventurados os que riem, porque se esquecem das suas misérias.
Bem-aventurados os fortes, porque dominam os fracos. Bem-aventurados os aplaudidos, porque sentem a sua vaidade satisfeita. Bem-aventurados os elegantes porque são adulados. Bem-aventurados os sensuais, porque gozam a vida. Tal é a filosofia da carne e do orgulho e o código dos mundanos sem fé. Diante deste código da lama e do gozo, Jesus Cristo devia também proclamar o seu código, as suas bem-aventuranças. O demônio mostra o caminho da perversão; Jesus Cristo devia opôr-lhe o caminho da salvação. O príncipe deste mundo, satanás, proclamou as suas bem-aventuranças.
O Príncipe da eternidade proclamou as dele. E, sendo o reino de Jesus Cristo a oposição ao reino do mundo, pode-se prever que a sua proclamação será diametralmente oposta à do mundo. Jesus Cristo, no Evangelho de hoje, faz a enumeração completa e pormenorizada do que .faz a felicidade e a glória do homem. As 8 bem-aventuranças são o código completo da santidade mais heroica, e o caminho certo para aqueles que desejam amar a Deus, acima de todas as coisas.
Gravemos no espírito estas divinas máximas, das quais, cada uma serve como de centro de uma irradiação de santidade.
1. Bem-aventurados os pobres de espírito, diz Jesus Cristo, e ao longe, vemos resplandecer esta legião de santos.
Admiráveis pelo desapego, que se chamam: João Batista, o seu precursor, S Francisco de Assis, S. Bento Labre, S. Bruno, S. Pedro de Alcântara, S. Carlos Borromeu, Santa lsabel da Hungria, Santo Aleixo, etc., etc.
2. Bem-aventurados os mansos. E eis uma outra legião luminosa e sorridente de santos que - se chamam: Santo Ambrósio, S. Francisco de Sales, S. Boaventura, S. Vicente de Paulo, Santo Cura d'Ars, S. João Basco, etc., etc.
3. Bem-aventurados os que choram. Mais outra legião, cujas lágrimas brilham como diamantes, que se chamam: Maria Madalena, S. Pedro, o Apóstolo. Sta. Mônica, Santa Thais, Santa Margarida de Cortona, S. Pio V, Papa, S. João da Cruz, etc., etc.
4. Bem-aventurados os que tem fome da justiça. E através dos séculos se levanta esta legião de heróis do zelo e do amor, que se chamam: Santo Inácio, S. Domingos, S. Tomás, S. Francisco Xavier, S. Pedro Claver, S. Leonardo, Sto. Antônio de Pádua, etc., etc.
5. Bem-aventurados os misericordiosos. É a legião imortal dos S. Camilo, S. Norberto, S. Venceslau, S. Raimundo, S. João de Deus, S. Francisco de Paulo, S. Jorge, S. Martinho, etc.
6. Bem-aventurados os puros de coração. É outra legião gloriosa, a dos S. João Evangelista, S. Luís de Gonzaga, S. Estanislau Kostka, S. João Berchmans, S. Gabriel dei Adolorata, Santa Inês, Sta. Luzia, Santa Teresinha, Santa Zita, Santa Ângela, etc., etc.
7. Bem-aventurados os pacíficos. Outra legião imortal aí de glória que se chama: os S . Canuto, S. Sebastião, S. Policarpo, S. Inácio de Antioquia, S . João Crisóstomo, S. Pedro Nolasco, S. Casemiro, S. Gregório, S. Filipe de Neri, etc., etc.
8. Bem-aventurados os perseguidos e caluniados. E eis, desde os Apóstolos, S. Lourenço, e uma legião incalculável de milhões e milhões de mártires que se apresentam, a túnica tingida em seu próprio sangue e a palma do triunfo na mão.
São João os viu na visão apocalíptica: são uma multidão incalculável, vindo da grande tribulação e tendo os seus vestidos lavados e embranquecidos no sangue do Cordeiro. (Apoc. VII. 14). As oito Bem-aventuranças formam como que o centro de umas constelações de santos, que constituem os felizes habitantes do céu.
III - CONCLUSÃO
Vemos claramente que os santos, durante a sua vida mortal, eram o que nós somos: e que nós podemos tornar-nos o que eles são. O caminho está traçado, e o próprio Salvador, numa análise sucinta, porém completa, nos indica nas oito Bem-aventuranças o que são aqueles que hoje reinam no céu, e qual é o caminho que seguiram. Lembremo-nos, às vezes, deste Código divino, e num exame sério e calmo, indaguemos conosco mesmos qual destas bem-aventuranças nós praticamos.
1. Somos desapegados dos bens passageiros?
2. Somos mansos em nossas relações?
3. Sabemos chorar os nossos pecados?
4. Procuramos aperfeiçoar-nos cada dia?
5. Somos misericordiosos para com o próximo?
6. Temos um coração puro?
7. Somos caridosos para com os outros?
8. Sabemos sofrer qualquer coisa por amor de Deus?
Tenhamos a coragem de penetrar no âmago da nossa alma, e ali pegar ao vivo, e apalpar com sinceridade as nossas disposições habituais. "Fillii sanctortim sumus", diziam os Israelitas. Somos filhos de santos: devemos, pois, imitar aqueles que nos precederam, e mostrar pela nossa vida que não somos filhos degenerados. Apontando-nos estas legiões de santos que hoje festejamos, Deus repete a cada um de nós:
"Sancti estote, sicut ego sanctus sum"
DIA DE FINADOS
(2 de Novembro)
O dia de finados é o complemento da festa de Todos os Santos. A Igreja divide-se em três partes: a militante aqui na terra, a padecente no purgatório, a triunfante no céu. A Igreja militante prestou ontem a sua homenagem à Igreja triunfante do céu, e pela festa de hoje implora a Deus pela Igreja padecente. O culto dos mortos nasceu com a religião: a instituição de uma festa particular, porém, data do X século. Foi santo Odilon, abade do mosteiro de Cluny, na França, quem se lembrou de mandar celebrar esta festa em todos os Conventos da sua Ordem: uso que pouco depois foi adotado pela Igreja inteira. As particularidades a notar nesta festa são as seguintes:
1) Durante o dia, pode-se ganhar, urna indulgência plenária para as almas, todas as vezes (toties quoties) que se visitar a igreja, rezando nas intenções do Santo padre, o Papa.
2) Os padres podem celebrar três Missas, com uma oração, a sequência e prefácio de defuntos, somente para uma Missa podem receber stipendium, devendo uma ser aplicada a todos os defuntos e a outra nas intenções do Santo padre.
Sendo celebradas em seguida as três Missas, somente no fim da última são recitadas as orações finais.
3) Todos os altares são privilegiados neste dia, em benefício da alma pela qual se celebra.
4) Os fiéis que tiverem feito a Sagrada Comunhão podem ganhar durante a oitava uma indulgência plenária para os defuntos cada vez que visitarem o Cemitério e ali rezarem pelos defuntos.
EVANGELHO DA PRIMEIRA MISSA
(João V 25 -29)
25 - Naquele tempo disse Jesus às turbas: Em verdade, em verdade vos digo que vem a hora e agora é, em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus: e os que a ouvirem viverão.
26 - Porque assim como o Pai tem a vida em si mesmo, assim deu ao Filho ter vida em si mesmo:
27 - e deu- lhe o poder de julgar, porque é Filho do homem.
28 - Não vos admireis disso, porque virá tempo que todos os que se encontram nos sepulcros ouvirão a voz do Filho de Deus:
29 - e os que tiverem feito boas obras, sairão para a ressurreição da vida: mas os que tiverem feito obras más, sairão ressuscitados para a condenação.
EVANGELHO DA SEGUNDA MISSA
(João VI. 37-40)
37 - Naquele tempo disse Jesus: Todo aquele que o Pai me dá virá a mim, não o lançarei fora.
38 - Porque eu desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou.
39 - E a vontade do Pai que me enviou, é que eu não perca nenhum daqueles que me deu, mas que o ressuscite no último dia.
40 - E a vontade de meu Pai que me enviou, é que todo o que vê o Filho e crê nê/e, tenha a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia.
EVANGELHO DA TERCEIRA MISSA
(João VI 51 -55)
51 - Naquele tempo disse Jesus: Eu sou o pão vivo, que descido céu.
52 - Quem comer deste pão viverá eternamente: e o pão que eu darei é a minha carne (que será sacrificada para a salvação do mundo).
53 - Disputavam, pois, entre si os Judeus, dizendo:
como pode este dar-nos a comer a sua carne?
54 - E Jesus disse-lhes: Em verdade, em verdade vos digo: Se não comerdes a carne do Filho do homem, e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós.
5 - O que come a minha carne e bebe o meu sangue, tem a vida eterna: e eu o ressuscitarei no último dia.
59a INSTRUÇÃO
AS ALMAS DO PURGATÓRIO
O dia de Finados é a festa de caridade em favor das almas santas do purgatório. O purgatório ê um lugar de sofrimentos onde as almas dos justos acabam de expiar suas penas, antes de entrarem no céu. A existência do purgatório. negada pelos protestantes, é uma verdade de fé, definida pela Igreja, como a existência do céu e do inferno: e prova-se pela Sagrada Escritura, pelo ensino da Igreja e pela razão. Para fundamentar bem a nossa fé e as nossas convicções a respeito do purgatório, e dos sofrimentos que ali padecem as almas, que são puras demais para caírem no inferno e demais manchadas para entrarem logo no céu, meditemos hoje estes dois pontos importantes:
I - A existência do purgatório.
II - Os sofrimentos das almas ali detidas.
I - A EXISTÊNCIA DO PURGATÓRIO
A existência do purgatório é de uma certeza absoluta.
O simples bom senso no-lo ensina de modo irrefutável. Nada de manchado pode entrar no céu (Apoc. XXI. 27).
Ora, neste mundo todos os homens têm as suas fraquezas. Cometem faltas, leves, e uns não têm tempo para expiá-las antes da morte, de modo que, ao comparecerem perante o tribunal de Deus, estarão nesta alternativa: não são bastante puros para entrarem no céu: nem bastante manchados para irem para o inferno. Nem um nem outro. Para onde irão eles então?
Não sendo merecedores do inferno, para lá não irão nunca. Sendo merecedores do céu, para lá devem ir, porém lhes falta expiar umas tantas imperfeições contraídas no ambiente poerento da terra. Deve, pois, existir um lugar de expiação, onde as almas santas acabam de serem purificadas, para depois entrarem no céu. Este lugar de expiação, de purgação é o purgatório.
* * *
A Sagrada Escritura confirma este raciocínio. O Antigo Testamento fala poucas vezes de modo explícito desta verdade, como aliás falta pouco dos grandes mistérios da fé, insistindo quase exclusivamente sobre a existência, a unidade e supremacia de Deus, assim como do culto supremo de adoração que a ele é exclusivamente devido. O texto mais claro encontra-se no 2o livro dos Macabeus (XII. 43-46).
É uma passagem clara, expressiva, e por sí só vale todos os argumentos. A palavra de Deus de fato, é certa, de modo que uma única passagem tanto prova quanto vinte passagens.
Lemos ali que Judas Macabeu oferece um sacrifício pelos mortos, para que fiquem livres de seus pecados, é sinal que estão num lugar donde é possível sair. Logo, não é o inferno, nem o céu, donde não se sai, sendo ambos eternos: e tal lugar é o purgatório. Pouco importa que o nome de "purgatório" não figure na Bíblia, basta estar indicado.
* * *
No Novo Testamento encontramos a mesma prova clara e expressiva, embora N. S. não pronuncie a palavra purgatório.
Dizendo por exemplo: Aquele que blasfemar contra o Filho do homem , ser-lhe-á perdoado; mas quem blasfemar contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado nem neste mundo, nem no outro. (Mateus XII. 32). Há, pois, pecados que serão perdoados na outra vida. Ora, o céu e o inferno são lugares eternos, sem mudança, nem perdão possíveis. Logo, é um terceiro lugar, fora destes, e este lugar é o purgatório. São Paulo afirma também que alguns serão salvos como por meio do fogo. (I. Cor. III. 15). E conforme esta doutrina, roga a Deus, que se compadeça de Onesíforo, o qual prestara bons serviços em Roma e em Éfeso. (II Tim.1. 16,18). Logo, o Apóstolo acreditava que Onesíforo estivesse precisando de orações para poder entrar no céu. Destas e de outras passagens deve-se necessariamente concluir a existência de um lugar de purgação das faltas, que as almas justas não tiveram tempo de expiar neste mundo, e este lugar chama-se purgatório.
II - SOFRIMENTO DO PURGATÓRIO
Como no inferno, as penas do purgatório são de duas espécies. A pena de privação, ou dano. A pena dos sentidos, ou fogo. A pena de privação, ou dano, que é uma pena moral, consiste na privação da vista de Deus. Tal privação é o suplício mais tremendo. Embora seja temporária e suavizada pela esperança, esta dor é tanto mais pungente, quanto melhor as almas conhecem a bondade de Deus e o amam como Soberano Bem. A nossa alma é criada para Deus e acha em Deus a suprema felicidade. Depois da morte, ela se lança para Deus com uma atração divina, tal a limalha para o irmã que a atrai, porém uma força irresistível a afasta bruscamente de Deus, donde provém o estado de separação forçada da alma. Pode se fazer uma ideia desta dor pelo suplício de u'a mãe, que chamada por seu filho prestes a ser devorado por uma fera, fosse retida por uma força invencível, no momento em que se precipitasse em seu socorro, e isso não uma só vez, porém, dez, cem vezes. Santa Teresa experimentou alguma cousa destas angústias misteriosas.
Em vão, dizia ela, tentaria eu explicar sua natureza. A alma, por vezes, sente um desejo irressistível de Deus, que parece transportá-la a um deserto em que ela nada mais vê em que possa descansar. Nenhuma consolação, nem do céu, aonde ainda não está, nem da terra a que já não pertence. Fica realmente comprimida entre o céu e a terra, presa de um sofrimento indizível, sem alívio de nenhuma espécie: são as supremas angústias do pensamento.
"Ó Jesus, exclama a santa, quem poderia fazer uma pintura fiel desse estado? É um martírio que a natureza custa suportar: os ossos se separam e ficam como deslocados, as mãos tomam tal rigidez que se não podem juntar, e até ao dia seguinte, sente-se uma dor tão violenta como se todo o corpo estivesse desconjuntado: um só desejo nos consome: morrer, morrer! ir a Deus!
"Êsse estado, conclui a santa, é o das almas do purgatório".
* * *
A pena dos sentidos, é chamada a também a pena de fogo, é da mesma natureza que a do inferno, menos a eternidade e o desespero. Santa Catarina de Gênova diz a respeito:
"Reuni todas as penas que os homens têm sofrido, sofrem e sofrerão, desde o princípio do mundo até ao fim dos tempos: juntai-lhes todos os tormentos que os tiranos e algozes têm feito sofrer aos mártires: será uma pálida imagem dos tormentos do purgatório."
" Se aos pobres encarcerados fosse permitido a escolha, prefeririam aqueles suplícios durante mil anos a ficarem no purgatório mais um dia."
"A razão é, diz Santo Tomás, que o fogo que as envolve é o mesmo que atormenta os condenados do inferno, e esse fogo, óh! é terrível!"
Deus, escolhendo o fogo, soube achar um reparador, digno de sua justiça! Não há dor, dizem os cientistas que iguale a da queimadura. Não objetem que o corpo não está no purgatório, e que a alma, sendo espiritual , não pode ser queimada. Santo Tomás já deu a resposta, e ela é decisiva. A dor, diz ele, não é o golpe que se recebe, mas a sensação dolorosa desse golpe. Quanto mais delicadeza há nessa sensação, tanto mais viva é a dor, e a alma sendo ferida, ela sozinha, experimenta, ao mesmo tempo, a aflição que lhe fariam sofrer todos os membros do corpo, atacados separadamente. Esse fogo do purgatório, cuja natureza é desconhecida, é dotado por Deus, de uma espécie de inteligência, para esmerilhar nos recessos da alma e consumir todas as manchas que lhe deixou o pecado, agindo ao mesmo tempo "sobre a imaginação e a memória, sobre o juízo e a vontade. Não aprofundemos mais este ponto, mas escutemos o brado pungente que se eleva do fundo deste abismo de fogo: "Crucior in hac flammá!"
Sou horrivelmente atormentada no meio destas chamas!
Uma gota dágua! uma prece, por piedade!
III - CONCLUSÃO
Bastariam estes dois suplícios, o da privação da possessão de Deus, e o dos sentidos pelo fogo, para excitar em nós um a compaixão sincera pelo estado mísero destas almas de eleitos; mas além disto há outra consideração não menos comovente, é que estas almas nada podem fazer em seu próprio benefício. O estado delas é a impotência absoluta.
Não podem nem fazer penitência, - nem merecer, nem satisfazer, nem ganhar uma indulgência, nem receber os sacramentos nem sequer orar por si mesmas.
Parecem-se com aquele paralítico estendido à beira da fonte de Siloé, que não podia fazer o menor movimento. Estas almas esperam tudo de nós. É, pois, um dever de humanidade, de caridade fraterna, de interesse pessoal, e às vezes de justiça, lembrarmo-nos dos nossos queridos defuntos e rezar por eles. Temos em mãos tantos meios eficazes de ajudá-las:
1. A oração, o Rosário, a Via-Sacra.
2. A assistência à Santa Missa, a Sagrada Comunhão, a celebração da Missa.
3. As esmolas e outras obras de caridade.
4. As indulgências tão fáceis de se ganharem.
Escutemos, pois, neste dia sobretudo, o gemido doloroso que as almas de nossos amigos, parentes, pais, talvez, nos dirigem com o planger dolente dos sinos: "Miseremini mei saltem vos, amici mei! "Tende compaixão de mim, vós ao menos, meus amigos de outrora, porque a mão do Senhor se descarregou sobre mim! Qu ía manus Domini tetigit me!"
IMACULADA CONCEIÇÃO
(8 de Dezembro)
A Festa da Imaculada Conceição tem por fim especial, honrar de modo particular o mistério de ter sido a Virgem Maria, por singular privilégio de Deus e pelos merecimentos antecipados de Jesus Cristo preservada do pecado original, desde o primeiro momento da sua existência, e ornada da graça santificante. É dogma de fé, revelado por Deus implicitamente na Sagrada Escritura, e explicitamente conservado e transmitido pela Tradição. Este dogma sempre foi professado pela Igreja Católica desde o princípio, e solenemente definido pelo Sumo Pontífice Pio IX, em 8 de dezembro de 1854. Com esta solene definição o Sumo Pontífice não criou, nem inventou uma nova verdade de fé, mas apenas definiu que esta verdade é revelada por Deus à Igreja, ainda que, por justos motivos, não havia sido solenemente proclamada. Em 1854, tendo o Papa definido o dogma da Imaculada Conceição, em 1858, quatro anos depois, veio Nossa Senhora em pessoa proclamar ao mundo e confirmá-lo pela sua própria palavra, aparecendo em Lurdes, à Sta. Bernardette e dizendo-lhe: "Eu sou a Imaculada Conceição!
EVANGELHO (Lucas, 1. 26-28)
26 - Naquele tempo, foi o Anjo Gabriel enviado por Deus a uma cidade da Galileia, chamada Nazaré.
27 - a uma Virgem desposada com um varão que se chamava José, da casa de Davi, e o nome da Virgem era Maria.
28 - E entrando o Anjo onde ela estava, disse- lhe:
Ave, cheia de graça, o Senhor é convosco; bendita sois vós entre as mulheres.
60a INSTRUÇÃO
A VIRGEM IMACULADA
Em poucas palavras a Igreja apresenta-nos a grande prova da Imaculada Conceição. Há muitas outras provas, porém esta é a mais clara, a mais popular. Nem é preciso recorrer a longos raciocínios, pois sendo a saudação do Arcanjo dos lábios do Eterno, para trazê-la à terra, ela tem necessariamente um valor probativo especial (1)
(1) Cfr. o nosso livro: A Mulher Bendita, onde a Imaculada Conceição é considerada sob seus diversos aspectos: segundo a Teologia, a Sagrada Escritura, as palavra são Arcanjo, a Tradição e o Dogma Católico - Capítuloi II, III, IV, V e VII.
De fato, são tão probativas que, rejeitando o dogma da Imaculada Conceição, tais palavras não têm mais sentido, tornam-se incompreensíveis. Meditemo-las, hoje, com amor para iluminar com o reflexo da luz que projetam, a fronte da nossa querida Mãe, dividindo-as em duas partes:
I - Maria cheia de graça.
II - O senhor com Maria.
I - MARIA, CHEIA DE GRAÇA
O Arcanjo aparecendo à Virgem de Nazaré dirige-lhe em nome de Deus, estas palavras misteriosas: Ave, cheia de graça. Digo misteriosas, e de fato, elas o eram para a própria Virgem Maria, que não ignorava, de certo, as grandes coisas que Deus havia feito nela, mas ignorava a sublime dignidade a que a bondade divina queria elevá-la. Elas são ainda misteriosas para muitos homens, que não lhe compreendem bem a significação profunda. À primeira vista parece que o Anjo devia ter dito: - Ave Maria, cheia de graça, como a Igreja completou a frase. Não devia ser: a significação teria sido diferente e muito diminuída . O que o anjo saúda não é simplesmente a pessoa de Maria Sma., como seria se houvesse dito Ave, Maria, mas sim a prerrogativa única da Virgem Santa, de ela estar cheia de graça. O que o anjo saúda é a plenitude da graça em Maria. Para o anjo Maria é "a cheia de graça." É neste sentido que a Sagrada Escritura chama Salomão o sábio, como chama Jesus Cristo o Justo, como chama S. Paulo o Apóstolo. Maria é cheia de graça, ou a plenitude da graça numa criatura. Tal é o seu qualificativo próprio. É o seu nome verdadeiro. É o seu distintivo. Só Ela é a cheia de graça: enquanto os homens são apenas participantes da graça. Eis porque na aparição de Lurdes, Maria Sma. não diz que foi concebida sem pecado, mas sim: "Eu sou a Imaculada Conceição", como o anjo havia dito: Tu és a "cheia de graça" estes dois termos são equivalentes: Maria é Imaculada; logo, é cheia de graça. Ela é cheia de graça; logo, é Imaculada. Há pessoas que não compreendem bastante a relação, a equivalência destes dois termos, e por isso não encontram na saudação angelical, a prova da Imaculada Conceição.
Examinemos bem o paralelo dos termos. Dizer que um recipiente está cheio, é declarar que nada mais pode conter, além do conteúdo. Dizer que Maria Sma. está cheia de graça, é confessar que ela recebeu todas as graças que uma criatura é capaz de receber. Entende-se por graça: os privilégios, perfeições, dons, que Deus pode comunicar aos homens. Ora, a Imaculada Çonceição é uma grande prerrogativa, uma perfeição que Deus pode dar. Logo, Ele deve tê-la dado a Maria Santíssima. Admitindo que a Mãe de Jesus não fosse dotada deste privilégio, seria introduzir um vácuo em sua plenitude, uma falha, e com tal falha ela deixaria de ser cheia de graça, mas seria apenas favorecida pela graça como o foram todos os Santos. Admitindo, pois, a palavra do anjo como verdadeira, somos induzidos a incluir nesta plenitude de graça, a Imaculada Conceição.
II - O SENHOR COM MARIA
A segunda parte da saudação contém novo argumento probativo da Imaculada Conceição. O arcanjo continua dizendo a Maria, cheia de graça: O Senhor é convosco! "Dominus tecum" este termo é empregado na Sagrada Escritura, com uma dupla significação: uma imprecativa, outra afirmativa.
É imprecativa, como Deus seja contigo (Judit VI. 18).
O modo afirmativo é a manifestação de uma realidade existente. Há um matiz visível na expressão latina, que não se nota bastante no texto vernáculo. O anjo não diz: "Dominus est tecum" o Senhor está, convosco; mas diz "Dominus tecum."
O SENHOR CONVOSCO, como se quisesse reunir num termo único: Deus e Maria, uni-los como duas coisas que se completam mutuamente. Ele não ajuntou o termo com vôsco, como se ajunta um simples qualificativo a um substantivo, mas liga os dois termos, como fazendo uma, parte integral do outro:
O Senhor convosco. O Senhor não está simplesmente com Maria, mas o Senhor e Maria formam uma como espécie de unidade, tal como o corpo e alma formam o homem, e isto desde o princípio no plano divino. Aqui de novo aparece luminosa a Imaculada Conceição. De fato, onde está o pecado, lá não está o Senhor. Se a Virgem Santa tivesse tido apenas um instante, o pecado original, durante este instante o Senhor não teria estado com ela. Tendo estado sempre com Maria, é uma prova que nunca o pecado esteve com ela, em outros termos, é uma prova que é imaculada. Tal é, aliás, a interpretação dos Santos padres. Santo Agostinho diz com acerto: "Dominus tecum. O Senhor é convosco: convosco no Coração, convosco no seio, convosco para sustentar-vos"
São Cipriano tem uma expressão admirável, que mostra a crença na Imaculada Conceição, dos primeiros séculos.
Ele diz: "Deus não honrou simplesmente a carne de Maria pela sua divina presença, mas também a sua alma, de modo que a integridade da sua alma devia igualar em perfeição, a integridade de seu corpo."
"A carne da Virgem, continua o Santo, era toda pura:
não havia nela nada que lembrasse a corrupção do pecado original do mesmo modo não podia haver nada nesta alma que lembrasse o pecado.
"Era necessário que Maria fosse cheia de graça, isenta de toda falta e de toda imperfeição".
Eis um argumento forte da Conceição imaculada da Mãe de Jesus. Deus fez um milagre único em seu gênero, para preservar a pureza virginal do corpo de Maria. Convinha que fizesse igual milagre para preservar a pureza de sua alma. O primeiro é o parto virginal de Maria. O segundo é a preservação do pecado original. Esta pequena frase do arcanjo a Maria, "Dominus tecum", nos revela assim a Conceição Imaculada de Maria.
III - CONCLUSÃO
Como conclusão, recolhamos a terceira frase do arcanjo:
Bendita sois vós entre as mulheres. É outra revelação da sua Conceição imaculada. Maria é cheia de graça, e Deus está com ela: são dois privilégios únicos, como acabamos de ver, cuja consequência é fazer de Maria, a mulher bendita entre todas as mulheres. Notemos bem que no momento que São Gabriel dirige a Maria estas palavras, ela não é ainda Mãe de Deus; está ainda nos prelúdios da negociação. Logo, ela não é bendita por ser Mãe de Deus. Por que será então?
Só pode ser por ter sido preservada do pecado original.
É o único privilégio que a eleva acima de todas as mulheres.
Neste dia proclamemos, pois, a grandeza e a bondade de nossa Mãe celestial. Ela é grande, de toda a grandeza da maternidade de Deus feito homem. Ela é boa, com toda a ternura de seu Coração virginal. Se a sua grandeza excita a nossa admiração, sua bondade deve excitar o nossp amor.
"To ta pulchra es, Maria!" Exclama a Igreja como deslumbrada.
E nós podemos ajuntar: Ó clemente, ó piedosa, ó doce Virgem Maria! Sede a nossa advogada e a Mãe de Misericórdia!
O DIA DAS MISSÕES
(4o Domingo de Outubro)
No documento oficial publicado nos "Acta apostolicae Sedis" encontram·se as normas seguintes:
1. Fixa o penúltimo Domingo de Outubro como dia de oração e propaganda em prol das missões.
2. Nesse Domingo se há de rezar na Missa a oração "pro propagatione Fidei"
3. O sermão será de caráter missionário, no qual se induzirá aos fiéis a fazerem parte da Propagação da Fé.
4. Concede indulgência plenária aos fiéis que nesse dia comungarem e pedirem pela conversão dos infiéis.
5. Em todas as festas de missões e nos Congressos desse caráter, pode celebrar-se Missa votiva solene pela Propagação da Fé, ainda nos dias de rito maior duplo e do mingas menores.
EVANGELHO (Mateus IX. 35-38)
35. Naquele tempo andava Jesus por todas as cidade e aldeias, ensinando nas suas sinagogas, e pregando o Evangelho do reino, e curando toda doença e toda enfermidade.
36. Vendo, porém, as turbas, compadeceu-se delas, porque estavam fatigadas e como ovelhas que não têm pastor.
37. Então disse aos seus discípulos: A messe é verdadeiramente grande, mas os operários são poucos.
38. Rogai; pois, ao Senhor da messe que mande operários para a sua messe.
61a INSTRUÇÃO
O APÓSTOLO MISSIONÁRIO
Este dia é consagrado à grande obra da propagação da fé. Tal obra funciona já em todas as paróquias, porém é preciso, uma vez por ano, soltar um brado mais veemente, e mostrar com mais minúcias o que é tal obra, o que merece o que se pode esperar dela. Para isto o Santo padre Pio XI instituiu o dia das missões. Enquanto nós aqui vivemos no sossego, no meio dos mil confortos da civilização e da abundância, há milhares de Sacerdotes, de Irmãos e Religiosas, que deixando o aconchego do lar, as consolações da pátria, embrenham-se nos desertos e nas selvas, passam mil privações para ganhar almas para Deus. É um dever de caridade, o lembrarmo-nos destes heróis e destes mártires, e para termos parte em suas conquistas, dar-lhes pelo menos hoje:
I - Um olhar atento
II - Uma prece fervorosa
III - Uma esmola generosa
I - UM OLHAR
Diariamente os jornais estão repletos de notícias políticas, de narrações criminosas, de jogos, de novas invenções, de ameaças de guerra, e tais notícias são lidas, comentadas, suscitando, às vezes, ou verdadeiros entusiasmos ou profundas inquietações. Há uma categoria de homens heróis pela fé, pela coragem, pela tenacidade, pela abnegação de si mesmos, que lutam, sofrem e morrem pera levar ao longe a fé em Deus e a civilização dos homens, e estes homens, sem reclamos, sem propaganda, sem aspirações à popularidade, ficam verdadeiros desconhecidos do mundo.
Ninguém fala deles, porque eles mesmos escondem os seus sacrifícios e os seus triunfos. Ninguém os exalta, porque eles mesmos se rebaixam. Ninguém canta a sua glória, porque eles só procuram a glória de Deus. Quase ninguém os auxilia, porque o seu quinhão é o sofrimento, a ingratidão, e às vezes a calúnia. Esta legião de heróis conquistadores forma um exército de 266000 homens e mulheres. É a vanguarda dos pioneiros do Evangelho. estes Missionários deram tudo o que tinham, a sua fortuna, sua posição, o seu porvir. o seu coração. esperando que possam dar também a sua vida.
Muitos entre eles, cuja coragem é maior de que as suas forças caem à direita ou à esquerda da estrada de seu sacrifício, ceifados antes da hora, pela inclemência do tempo, pela privação do necessário, senão entre os dentes das feras ou sob o suplício dos homens.
Oh! neste dia, pelo menos, dirijamos um olhar atento para este heroísmo sublime.
II - UMA PRECE
Compreende-se que é um dever o auxiliar estes homens privilegiados, que, em pleno século XX fazem renascer o ardor dos Apóstolos e o entusiasmo dos Cruzados. Como auxiliá-los?
Orando por eles, e dando-lhes o nosso óbulo de caridade. O que eles pretendem realizar, é uma obra sobrenatural; e tal obra se edifica sobretudo com meios sobrenaturais, pela oração, a Comunhão, os sacrifícios, conforme a palavra de Jesus Cristo:
- A messe é grande, mas os operários são poucos, rogai, pois, ao Senhor da messe que mande operários para a sua messe.
Sim, a messe é grande, imensa! Para apenas citar uma amostra diminuta, lembremo-nos de que há em nosso século de progresso e luz, mais de mil milhões de almas, para as quais o sangue do Redentor foi derramado inutilmente, e isto só em nossa época.
A índia conta apenas quatro milhões de católicos e trezentos milhões de pagãos.
A Indochina, conta dois milhões de católicos e quarenta milhões de pagãos. A China tem apenas três milhões de católicos e conta 450 milhões de pagãos. A Africa, por sua vez, tem menos de oito milhões de católicos, e 150 milhões de pagãos. Mais de mil milhões de infiéis! Não é isto uma estatística desoladora, pungente, para um coração que ama a Deus? E para evangelizar estes milhões, temos somente 266000 missionários Que é isso para tanta gente?
Oh! rezemos para que Deus sustente os heroicos missionários, suscite uma nova legião de santos para substituir aqueles que tombam no campo de batalha.
III - UMA ESMOLA
Lembremo-nos da palavra do Santo padre Pio XI:
"Que nem uma só alma, uma só que seja, se perca pela nossa indolência, pela nossa falta de generosidade! "Que nem um só missionário desista porque lhe faltam os meios que nós recusamos. "Não há mais lugar ao comodismo, à frieza!
Uma esmola para os infiéis, uma oração para os missionários, um sacrifício para o êxito do dia das missões. Para extensão do reino de Jesus Cristo pede-se-nos uma contribuição generosa. O brado dos infiéis é comovente! As lágrimas dos missionários confrangem a alma. O seu longo e doloroso martírio exige a nossa cooperação. Nada de cálculos mesquinhos: Dar para os infiéis é emprestar a juros altos ao próprio Deus. Sejamos generosos nas esmolas, nas orações, nas comunhões, nos sacrifícios! Há dinheiro para a política, para o cinema, para o luxo, para as diversões; haja também para sustentar as obras missionárias, alimentar os futuros mártires, dilatar o reino de Jesus Cristo.
Abra-se a nossa bolsa, conforme o tamanho dos nossos corações para que no dia do juízo o Salvador nos possa dizer: Vinde benditos de meu Pai, possuir o reino que vos está preparado porque tive fome e me destes de comer!
(Mateus XXV. 34).
Demos de comer a Jesus Cristo.
Demos-lhe a nossa generosa esmola!