Conheçam Nossa Senhora de La Salette!

espiritualidade

Tão importante quanto, Fátima, Lourdes e Guadalupe, a aparição da Virgem Maria chorando em La Salette tem muito a nos dizer.

CONHEÇAM LA SALETTE

HISTÓRIA DA COMOVEDORA APARIÇÃO DE MARIA SSMA. EM PRANTO

Pe. Dr. Simão Baccelli, M. S.

1952
EDIÇÕES PAULINAS

 

Visto por delegação do Superior
Sio Paulo. 2 de Dezembro de 1952
Pe. Guido Pettinati
Por parte da Pia Sociedade de S. Paulo
Pode-se imprimir
São Paulo, 30 de Maio de 1953
Pe. Celeste Lenta, S.S.P.
"Nihil obstat"
Rio de Janeiro, 19 de Abril de 1952
Pu. André Dugust, Sup. Prov., M.S.
"Nihil obstat"
Rio, 4 e Novembro de 1952
Mons. Henrique de Magalhães
(Censor deputado)
Imprimátur
Rio, 11 de Novembro de 1952
R. Costa Rego, Arceb. Tit.
Vigário Geral

 

Prefácio do Autor

Por ocasião das solenidades comemorativas do centenário da Aparição de N. Sra. De La Salette na capital do pais, um ilustrado e muito nosso amigo membro do operoso Episcopado brasileiro, perguntou-nos inopinadamente: "Então, não ha meio de termos um livro em condições sobre La Salette?" com voz baixinha respondemos que no estado embrionário andava-nos um projeto pela mente, mas...

Nesse malfadado mas apinhavam-se não poucas desculpas, como sejam, o serviço premente e contínuo de vigário duma populosa paróquia, as preocupações do superiorato, a já bem adiantada idade, e também, obstáculo maior, a nossa deficiência no idioma português.

Esse rico idioma não recebemos dos lábios maternos, mas a nós veio como que à força, numa época da vida em que da adolescência só tínhamos a saudade, resultando, - por demais o percebemos - num instrumento assaz impróprio em nossas mãos.

Fique isso liminarmente declarado, não para provocar os costumeiros "não apoiados", mas no sentido de sincero apelo à benevolência do prezado leitor, bastante bondoso pra relevar as nossas imperfeições, quiçá, os nossos erros de linguagem.

Em nosso caso, aliás, não se trata de literatura, senão dum acontecimento religioso da maior importância, que é a maravilhosa Aparição de Maria SSma. em que ela, debulhada em lágrimas, como até agora não aconteceu em nenhuma das suas manifestações, verberou larga, enérgica e maternalmente os profundos males religiosos e morais da nossa época, e por esse motivo foi tão combatido por alguns mal-intencionados e particularmente pelos inimigos declarados da Religião.

No campo católico, muitos, esquecidos quase por completo da finalidade verdadeira da mensagem da Virgem - isto é, a volta do povo ao Cristo - limitando-se a obstinadamente ao fato, de todo secundário, dos segredos, gabaram-se erradamente de os ter desvendado e foram sonhando com hediondezas morais e apregoando catástrofes e o próximo fim do mundo, atirando assim o desprestígio sobre a mesma aparição.

Finalmente outros, mantendo na penumbra virtudes acrisoladas, e demonstrando-se por demais admirados, com uma ponta de escândalo, por certos aspectos do procedimento dos videntes, produzem dúvida e perturbação nas almas.

Esse conjunto de contrastes resulta num claro-escuro que obnubila o pensar de não poucas pessoas, ótimas, porem mal informadas a respeito da Aparição; e, para esclarecê-las, não existia em português nenhum escrito apropriado, - precisamente outra cousa não quis dizer o Exmo. Sr. Bispo.

Neste ano de 1952 em que transcorrem o centenário da Congregação dos Missionários de N. Sra. de La Salette e o cinquentenário da sua chegada ao Brasil, no intuito de atender à manifesta necessidade, resolvemos divulgar o presente livro, no qual tentamos, como Deus é servido, não somente entrar no âmago do assunto, ilustrando-lhe a radiosa verdade, como também examinar-lhe os contornos e penetrar nos arrais dos inimigos, dos oponentes e com a devida vênia, dos iluminados, para lhes analisar e rebater os desarrazoados,; finalmente, apontar as tão benéficas irradiações da celeste Aparição.

Para tanto, fomos compilando o que lemos em numerosos livros, mormente dos atuais intrépidos defensores e ilustrados glorificadores do grande acontecimento. eles, bem o sabemos, manusearam cuidadosamente os documentos originais.

Com efeito, existe a mais ampla documentação a respeito do fato La Salette, como comprova a bibliografia, embora incompleta, logo de início apresentada.

Permiti, ó N. Sra. de La Salette, Rainha e Mãe nossa, que este vosso humilde missionário deposite aos vossos pés, esta modesta obra que ele, já no ocaso da vida, executou para ainda cumprir a vossa ordem terminante: "Pois bem, meus filhos, transmitireis tudo isso a todo o meu povo". Sobre ela, deitai vossa poderosa benção para dar-lhe valor, deixai cair uma vossa lágrima para dar-lhe calor, e assim no coração do vosso povo que porventura ela atingir, faça penetrar fundo as vossas dores e a vossa mensagem, externadas, por entre lamentos, lá no vosso escolhido Monte de La Salette.

Pe. Dr. Simão Baccelli, M. S.

 

 

CARTA DO SUPERIOR GERAL DOS MISSIONÁRIOS DE N. SRA. DE LA SALETTE AO AUTOR

Meu Padre,

Foste bem inspirado em querer por ao alcance das nações de idioma português a história da Aparição de N. Sra. de La Salette. Essa nações, com efeito, são privilegiadas, pois a Bem-aventura Virgem Maria para elas manifestou-se nas aparições de Fátima, cuja repercussão aumenta cada vez mais e alcança rapidamente todo o mundo cristão. Ora, Fátima nada é senão a repetição e o prolongamento da misericordiosa manifestação em La Salette.

Por esse motivo, os católicos do Brasil vos serão gratos por lhes fazerdes conhecer o acontecimento de La Salette sob seu verdadeiro aspecto, despojando-o de tudo o que certos espíritos, e não dos menores, tentaram acrescentar-lhe nestas últimas décadas, sob inspiração do pretendido segredo de Melânia. Rendeis assim testemunho à própria mensagem primitiva e pública, a única que tenha a Igreja a seu favor e só teve aprovação do Ordinário responsável, D. Felisberto de Bruillard, Bispo de Grenoble, na sua Carta doutrinal de 189 de Setembro de 1841, na qual declarava: "que os fiéis tem fundamento para acreditar que a Aparição de La Salette é certa e indubitável.

Queira Deus que a vossa obra suscite novo impulso na devoção mariana tão fortemente evocada na Aparição de La Salette, devoção que reanima nossa fé e nossa confiança no amor misericordioso de Maria para com as nossa pobres almas pecadores e nos concita a coadjuvá-la com nossas orações e nossos sacrifícios a afastar da nossa infeliz humanidade os justos castigos de Deus!

Esperançoso, pois, faço os melhores votos pelo sucesso o vosso empreendimento nessa terra do Brasil, tão devota a Maria, e vos abençoo de todo o coração.

Roma, 30 de Março de 1952.

J. Imhof. M. S.

Superior Geral

 

PRIMEIRA PARTE

O GRANDE ACONTECIMENTO

CAPÍTULO PRIMEIRO

UMA "BELA SENHORA" EM LA SALETTE

§ I - Os preliminares

"La Salette", imensa e belíssima concha, cuja orla nada é senão o desenrolar imponente de altíssimos cumes da cordilheira dos Alpes, cujo findo, cheio de relevos, é feito de prados, torrentes, aldeiazinhas com o repuxo da torre da pequena e vetusta igreja paroquial. Há nessa orla uma única brecha, por onde se sai para ir à vila e decanato de Corps, Diocese de Grenoble, sudeste da França, a uns 70 quilômetros, em linha reta, da fronteira italiana.

Em Corps nasceu no dia 27 de agosto de 1845, Maximino Giraud, e a 7 de novembro de 1831, Melânia Calvat. Esta, desde os 8 anos de idade, andava empregada como pastorinha fora de Corps. Maximino era também pastor, porém não se conheciam. Encontraram-se, pela primeira vez, na vida, na quinta feira de tarde, a 17 de setembro de 1846, lá nas alturas dos montes, no território de La Salette (1).

No dia seguinte, encontrando-se novamente, travaram mais amplo conhecimento e brincaram "de recortar, com seus canivetes, quadradinhos na relva" (2). Na manhã do sábado, o grande dia, 19 de setembro de 1846, após terem galgado as íngremes e muto escarpadas encostas, de novo estavam eles cuidando naturalmente do seu gado, porém brincando e tagarelando. Aos toques da "Ave-Marias", pelo meio dia, o patrão de Maximino mandou que ele levasse já as vacas a beber. "Vou chamar a Melâniazinha e lá vamos". E foram eles tangendo o gado até uma fonte, na encosta norte dum terreno chato, chamado Planalto, a bem 1800 metros de altitude. Depois que as vacas beberam, na Fonte dos Bichos, fizeram-nas atravessar o pequeno riacho por nome Sézia e as deixaram nos penedos dos Gargas, monte de 2.200 metros.

Subindo uns cinquenta metros acima, foram sentar-se à beira do Sézia, perto duma nascente, a Fonte dos Homens, e comeram pão com queijo, beberam água fresquinha e, carregando os seus alforjes, desceram até a fontezinha então seca e lá, deitados na relva do valãozinho, contra seu costume, adormeceram. Não se chegou a saber quanto tempo dormiram os pastorinhos.

(1) De Brulais - L'Echo de la Saint Montagne - Bibliografia 30.

(2) Nortet - Notre Dame de La Salette. bibliografia 58. Notes Lagier - Manuscrits Bossan - Bobliografia 3. Bibliografia 14.

 

§ II - A Aparição

Quem primeiro acordou foi Melânia que, bastante preocupada, chamou: "Menino, vamos ver onde estão as nossas vacas". Subiram apressados a encosta até o Planalto e viram, perto as vacas, ruminando, placidamente deitadas. Sossegados, iam descendo para apanhar os seus alforjes, quando Melânia exclamou: "Menino, olha essa claridade!" "Onde?" "Lá em baixo". Então ambos viram, enchendo o barranco, um globo enorme, dum raio de três a quatro metros, muito mais luminoso que o sol. Este, no entanto, fulgurava no firmamento sem nenhuma nuvem.

Eis que o globo, abrindo-se, deixa aparecer, na expressão dos videntes, uma "Bela Senhora" ainda mais brilhante que o globo, assentada nas mesmas pedras em que, há pouco, eles se tinham sentado, com os cotovelos apoiados nos joelhos, o rosto escondido nas mãos, o corpo curvado para frente ao peso do sofrimento, os pés no leito da fontezinha, parecendo chorar. Seriam pelas duas a três da tarde, hora em que, no hino das primeiras vésperas de Na. Sra. das Dores, canta-se: "Oh! quantas lágrimas inundam o semblante da Virgem Mãe!"

Visão tão inesperada e tão extraordinária assustou sobremaneira os pastorinhos, especialmente a medrosa Melânia, que erguendo os braços, gritou: "Meu Deus!" - Maximino, porém, mais valente, disse: "Pega o teu bastão Melânia, eu tenho o meu e se ela nos fizer alguma coisa, dou-lhe uma pancada."

A "Bela Senhora" levanta-se, recolhe as mãos dentro das largas e compridas mangas, coloca o braço direito em cima do esquerdo, adianta-se um pouco e, com voz suavíssima, chama: "Venham, meus filhos; não tenham medo, aqui estou para lhes contar grande nova".

Atraídos irresistivelmente por tão maternais palavras, eles correm e se colocam em frente à "Bela Senhora": Melânia à sua esquerda e Maximino à sua direita; e "tão perto, que uma pessoa, disseram eles, não poderia passar entre nós e Ela". O cãozinho veio, deitou-se aos pés de Maximino e dormiu.

Totalmente arrebatados, puderam então os felizes pastorinhos contemplar a maravilhosa visão. Melânia, mais atenta, foi mais favorecida, pois o menino, vislumbrado, não conseguiu ver o semblante da Senhora. Conforme permite a linguagem humana, Melânia deu a seguinte descrição: "Toda Ela era só luz, de regular altura, bem proporcionada, rosto branco e formoso, um tanto alongado, de finos traços. Uma touca muito alva, cobria-lhe a cabeça, os cabelos, a fronte até por cima dos olhos, as orelhas e o pescoço, coroada a "Bela Senhora", com magnífico diadema, de refulgentes raios de luz, adornado na base com rosas de variadas cores, de cujos centros surgiam jatos luminosos. O vestido branco, recamado de pontos brilhantes como pérolas, fechado até a base da touca, ia descendo até cobrir parte dos pés. É bastante amplo para não ressaltar as formas do corpo. Da cinta, chegando até um dedo acima da orla do vestido, pende uma avental cor de ouro".

Cobre-lhe os ombros um chale da cor do vestido, porém sem pérolas, cruzado no peito, com um nó por trás, os contornos adornados por uma grinalda de rosa, parecidas com as do diadema, e por uma espécie de galão de ouro, da largura de três dedos, cujo desenho aparenta uma corrente feita de elos não entrelaçados, apena justapostos.

No peito, pendente do pescoço por uma correntinha, um crucifixo duns vinte e cinco centímetros, cujo Cristo resplandece mais que todo o resto. No braço da cruz, do lado direito, uma torquesa entreaberta, e do lado esquerdo um martelo; tudo tem o brilho do mais fino ouro. Calçados brancos, recamados de perolas, com fivelas de ouro e grinaldas menores, porém do mesmo feitio e matizes daquelas do diadema.

Mostrava-se tão aflita que, no dizer do videntes, parecia uma infeliz mãe a quem os filhos tivessem maltratado, sempre chorando. "Eu bem vi correrem as suas lágrimas", afirmava Melânia. ela assim falou, no idioma francês: "Se meu povo não quiser submeter-se, hei de ver-me obrigada a deixar cair o braço do meu Filho; é tão forte e tão pesado, que não posso mais sustê-lo. Oh! há quanto tempo sofro por vós! Se quero que meu Filho não vos abandone, tenho de lho rogar sem cessar , e vós, disso não fazeis caso. Por mais que rezeis, por mais que façais, nunca me podereis re­tribuir os penosos cuidados que tive por vós. Dei-vos (3) seis dias para o trabalho. reservei-me o sétimo e não mo quereis conceder. É isto que torna tão pesado o braço do meu Filho. Os que conduzem carroças não são capazes de praguejar sem interpor o nome do meu Filho, cujo braço, por estas duas coisas, se torna tão pesado. Se a colheita se estraga é por vossa causa. Bem vo-lo mostrei o ano passado, com as batatas; mas não fizestes caso, pelo contrário, encontrando-as estragadas, praguejáveis, interpondo o nome do meu Filho. Vão continuar a se estragar e pelo Natal já não haverá mais".

Muito impressionado, Maximino, exclamou: ''Tanto assim não, as batatas não desaparecerão todas. sempre algumas hão de se encontrar."

Melânia, ouvindo a palavra "batatas" que ela, no seu dialeto, só chamava de "trufas", virou-se para Maximino para pedir esclarecimentos, porém a "Bela Senhora" prevenindo-a disse: "Ah! não entendeis o francês, esperai, vou falar de outro modo". (4). Recomeçou em dialeto da região com estas palavras: “Se a colheita se estraga ...” até ''não haverá mais"; prosseguiu no mesmo dialeto: “Se tendes trigo não o deveis semear, pois tudo o que semeardes, os bichos (insetos) o comerão; e o que vier, tornar-se-á em poeira quando for moído. Sobrevirá uma grande fome, mas antes, as crianças de menos de sete anos serão acometidas de tremores e morrerão sob os olhos das pessoas que as tiverem nos braços; os adultos farão penitência pela fome. As uvas apodrecerão e as nozes(5)se tornarão ruins". Aqui a "Bela Senhora" virou-se para Maximino que, sem no­tar alteração no tom da voz, recebe um segredo. Melânia nada ouve, embora veja o movimento dos seus lábios. Por sua vez ela recebe o seu segredo e Maximino nada ouve. Os segredos :foram ditos em idioma francês.

Fazendo-se ouvir pelos dois juntos. ela continuou em dialeto: "Se se converterem, as pedras e os rochedos se tornarão em montões de trigo e as batatas hão de se­mear--se na terra per si.. (6).

Então perguntou-lhes: "Fazeis bem a vossa orações meu filhos?"- "Oh! não, Senhora, não muito" - responderam com franqueza. “Ah! meus filhos, disse Ela, é preciso fazê-la bem, de manhã e de noite: quando não tiverdes tempo, dizei pelo menos um Padre Nosso, e uma Ave Maria e quando puderdes dizei mais."

"Só vão à missa umas mulheres idosas. Os outros trabalham no Domingo, durante todo o verão; e no inverno, quando "não sabem o que fazer, vão à missa só para zombar da religião. "Na quaresma vão ao açougue como se fossem cães"(7).

Mais uma pergunta fez Ela: "Nunca vistes trigo estragado, meus filhos?" Maximino logo respondeu pelos dois: "Não vimos, não Senhora''. - "Mas tu, meu filho, bem o viste uma vez, perto de Coin (8), com teu pai. O dono dum terreno disse a teu pai: ''Vinde ver meu trigo estragado". Ambos lá fostes. Pegastes duas ou três espigas em vossas mãos e as esfregastes e tudo se desfez em pó. Depois voltastes. Quando estavas a meia hora de caminho de Corps, teu pai te deu um pedaço de pão, dizendo: "Toma, meu filho, come pão ainda este ano; não sei quem o comerá para o ano, se o trigo continuar a se estragar desta maneira".

- Respondeu Maximino: "É verdade, minha Senhora, agora me recordo, ainda há pouco não me lembrava."

Então a "Bela Senhora", voltando a falar em francês, disse: "Pois bem, meus filhos, comunicai isto a todo o meu povo!'

Desviando-se para a esquerda Ela passa à frente das crianças, atravessa o riacho pondo o pé numa pedra e, sem parar, sem se voltar, repete em francês: Pois bem, meus filhos, comunicai isto a todo o meu povo."

(3) Subentendido: "O Senhor disse." Os profetas antes de Cristo, por vezes dirigiam-se ao povo como se o próprio Deus falasse. Aqui é a própria Mãe de Deus quem fala.

(4) Para melhor entendimento, note-se que em francês batata chama-se "pomme de terre". e que "pomme'' significa "maçã"', e Melânia, por causa das poucas palavras francesas que sabia, não compreendia.

(5) As nozes eram uma das grandes produções daquela região.

(6) Relembremos o leite e o mel da Bíblia, a correrem na terra Prometida.

(7) Tal modo enérgico de verberar o mal encontra-se na S. Escritura. O pecador que recai no seu pecado é como o "cão que volta ao seu vômito" (II Ped. 2, 22).

(8) Coin é uma aldeola situada um terreno formando uma cunha entre duas torrentes a uma légua de Corps.

 

III - A volta para o céu

A “Bela Senhora", deslisando por sobre a relva, foi subindo, devagar, a mesma encosta galgada anteriormente pelos pastorinhos; descreveu em seu caminho um traçado em forma dum S meio aberto, verdadeira reprodução, embora em ponto diminuto, da via dolorosa, percorrida por Jesus na subida ao Calvário, conforme averiguaram muitos romeiros de Jerusalém.

Os dois videntes vão acompanhando-a: Maximino, seguindo-lhe as pisadas, e Melânia, cortando por uma reta, vai andando na frente.

Lá no alto, Ela para uns instantes, eleva-se depois um metro e pouco acima do chão, fica suspensa nos ares durante um meio minuto, levanta os olhos ao céu, baixa-os em seguida para a terra e fixa-os na direção do sudeste, isto é, da Itália, de Roma.

Melânia para melhor contemplá-la colocou-se bem diante dela e notou que já não chorava mais, embora muito aflito o seu semblante. Nesse momento a radiosa Visão foi gradual e rapidamente desaparecendo.

"Derretia-se", na expressão das crianças, primeiro a cabeça, depois os braços, finalmente os pés. Breve ficou apenas uma nesga de luz e mais nada. Quando ainda se lhe viam os pés, Maximino, pelo grande desejo de apanhar uma das rosas do calçado, estendeu rápido o braço, porém, tudo sumiu.

Melânia, recordando as imagens dos nichos nas igrejas, exclamou: "Era talvez uma grande santa” - Maximino, respondeu: "Se o soubéssemos, eu lhe teria dito que nos levasse com ela". Assim se expandiam, continuando a olhar por algum tempo para o alto, na esperança de ver de novo Aquela que os empolgara com seus indizíveis encantos, suas lágrimas, sua voz melodiosa suavemente penetrante. Maximino notava:

"Nós lhe comíamos as palavras" - Ela, porém, se fora para sempre, após ter-se mostrado e ter conversado com os pastorinhos durante meia hora, conforme o tempo que levaram para narrar o extraordinário acontecimento.

É mister notar que durante todo esse tempo, ape­sar das idas e vindas, do diálogo prolongado em voz alta, o cão de Maximino, bicho muito atento e arisco, fi­cou quieto, deitado no mesmo lugar, sem se mover, nem latir.

Desapareci;da a "Bela Senhora" os pastorinhos "que ficaram contentes'' no dizer de Maximino, foram levando o seu gado ao pasto, trocando suas impressões. De repente, o menino perguntou a Melânia: ''Escuta, que foi que Ela ·te disse, quando mexia os lábios sem falar nada?" "Ela disse alguma coisa, respondeu a menina, mas disso não quero falar, pois Ela mo proibiu". “Ah! estou bem satisfeito, sabes, Melânia, pois Ela me confiou uma coisa, mas também não quero dizer'', retorquiu Maximino (9).

Dessa maneira foi que os dois ficaram sabendo do seu respectivo segredo. Em seguida passaram a outros assuntos e continuaram a brincar como se nada acontecera.

(9)Nos · manuscritos do Pe. Bossan,.. Bibliografia no 4.

 

CAPITULO SEGUNDO

FALA-SE DA "BELA SENHORA"

§ I - Primeiras narrativas

Lá por trás dos montes escondia-se o sol. Então Maximino e Melânia, tangendo o seu gado, foram descendo pelas fraldas e chegaram, à noitinha, à casa dos seus respectivos patrões.

Pedro Selme, vendo o seu empregadinho, conforme declaração por ele próprio feita em 28 de setembro de 1847, pergunta: "Então, Maximino, você não veio procurar-me no meu terreno, como tínhamos falado?"

"Ah! é que o sr. não sabe o que aconteceu. Encontramos uma Bela Senhora que muito nos ocupou. Pri­meiro tive medo, mas Ela nos chamou: "Vinde, meus filhos, não tenhais medo, aqui estou para vos contar uma grande nova". - Então o pequeno fez ao patrão a narrativa que sempre repetiu a todos que o interroga­ram" (10).

Admirado, Pedro Selme resolveu ir imediatamente procurar a Batista Prá, no intuito de ambos interrogarem a Melânia, que ainda cuidava do gado no estábulo.

A sra. Prá foi chamá-la: "Conta, Melânia, o que viste com Maximino". - "Pois eu vi o que ele viu; se ele falou, já sabem." E fez também a sua narrativa. Ouvindo as crianças falarem à noite numa língua que de manhã elas ignoravam, coisas que não seriam capazes de inventar, todos ficaram profundamente impressionados. A mãe de Batista Prá, jã muito idosa, ponderou: “Essa Bela Senhora que vistes, é certamente Maria SSma., porque só ela tem no céu um Filho que nos governa". E virando-se para Tiago, seu filho mais moço:

''Ouviste o que a Mãe de Deus disse a esta menina? De­pois disto vai ainda trabalhar no Domingo".

Tiago, para desculpar-se, respondeu: "Pois sim! Eu vou acreditar que essa pequena viu Maria SSma., ela que nem faz oração". Os moradores da aldeia, alvoroçados, aconselharam que se falasse com o vigário.

Entre os presentes, achava-se um funcionário da prefeitura que se apressou em levar o caso ao conhecimento do prefeito, Sr. Peytard, repetindo-lhe do melhor modo que pôde o que escutara. Pela manhã do dia seguinte, domingo, as duas crianças bateram à porta da casa canônica. Quem a abriu foi a boa da Fran­cisca, empregada, que logo declarou: "Falar com o vigário? Não, Não é possível, está muito ocupado". Mais ousado, Maximino insistiu: "É que viemos anunciar-lhe uma grande nova". - "Pois então, contai-ma a mim, que é a mesma coisa".

E as crianças contaram, mas o vigário que ouvira, apresentou-se e quis diretamente saber do fato. Era um santo velhinho, o Pe. Tiago Perrin. Comovido, exclamou de olhos marejados: "Ah! meus filhos, foi a Virgem SSma. que vistes ontem na montanha".

E o bom do vigário, sem cogitar de prudência, de leis na Igreja que proíbem falar de novas aparições, rabiscou umas linhas e no sermão da missa, por entre soluços, tentou repetir as palavras da "Bela Senhora".

Bem poucos o entenderam, salvo o prefeito que estava a par, como sabemos. O prefeito, na reunião dos ve­readores perguntou: "Quem pode explicar o que o vigário quis dizer?" Só o Sr. João Moussier, pai de dois futuros missionários de Na. Sra. de La Salette - vizinho de Pedro Selme - disse algo que ouvira na véspera.

(10) Manuscritos Bossan - Melle. des Brulais, Echo de la Sainte Montagne; - Biog. 3.

 

§ II- Inquérito do sr. Prefeito

O prefeito resolveu, por conta própria, abrir inqué­rito. Foi de tarde, à procura dos pastorinhos. Só encontrou Melânia, pois Maximino já estava em Corps.

Em casa de Batista Prá, foi interrogando a menina, com habilidade, esforçando-se, de todos os modos, para fazê-la cair em contradições. Não o conseguindo, ofereceu lhe umas lindas moedas de prata, com a condição de que ela deixasse de contar o acontecimento. Melânia, embora, tão necessitada, repeliu com desprezo as moe­das: "Mesmo que me désseis esta casa cheia de dinheiro, não me importaria, nada me há de levar a dizer o contrário do que eu vi e ouvi". Então o prefeito lembrou-se de lançar mão das ameaças: "Melânia, porque estás a mentir? Eu te mandarei prender, julgar e pôr na cadeia". Calmamente respondeu Melânia: "Todas as vossas ameaças, não me amedrontam, nem o vosso dinheiro me agrada. Eu disse tudo o que aquela Senhora me mandou falar."

Diante de tão enérgica resposta, calou-se o prefeito e se retirou. A respeito desse interrogatório, Batista Prá pondera: "Quando vi a maneira pela qual o Sr. Prefeito interrogou minha empregada, fiquei certo de que era verdade, acreditei; tanto mais que o prefeito fez os seus estudos, e é homem ilustrado; antes não acreditava, mas depois dessa discussão com a menina ele também acabou acreditando como eu". (Relatado por escrito pelo Pe. Lagier, em Fevereiro, 1847).

O prefeito, Sr. Peytard, na segunda-feira, 21 de setembro, lá se foi cedo a Corps ter com Maximino e, chamando-o a sós, disse-lhe brutalmente; "Ó desgra­çado! O que fizeste? estás espalhando uma história que tira o sossego de toda a gente e terá as piores consequências. Eu não queria estar no teu lugar, preferia ter matado alguém, a ter inventado o que tu e Melânia andais a contar."

Com toda a calma, respondeu Maximino: "Nós falamos apenas o que vimos e ouvimos."

Como na véspera, o prefeito recorreu, sem maior resultado, à força do dinheiro e das ameaças: polícia, juiz, cadeia. - "Pois bem: concluiu o Sr. Peytard; Domingo próximo, estarás lá na montanha". - Efetivamente, no Domingo, 27 de setembro, no lugar do acontecimento, achavam-se o prefeito, Maximino e Melânia, e também o sargento de policia. Novamente as crianças repetiram a narrativa como tantas vezes já tinham feito. No momento julgado oportuno, o sargento irrompeu: "Mentes, Maximino, eu vou te amarrar as mãos e te levar para a cadeia". E foi desenrolando as cordas que de propósito trouxera. O menino um instante estremeceu, mas logo respondeu: "Todas as vossas ameaças não me levarão a dizer o contrário do que vimos e ouvimos".

- Pois bem! Dize-me, para onde foi aquela Senhora?

- Desapareceu numa luz e a luz não nos deixou ver aonde é que ela foi.

- E depois nunca mais a viste?

- Não senhor: · Ela não voltou para nos dizer aonde foi.

- No entanto foi encontrada, e soldados prenderam-na e a levaram para a cadeia.

- Oh! muito esperto será quem conseguir prendê-la!

Esses pormenores, o próprio prefeito, atendendo ao pedido que lhe fora feito, comunicou, por carta com data de 2 de outubro de 1847, a D. Villecourt, bispo de La Rochelle, Concluindo: A narrativa das crianças, no dia 27 de Setembro de 1846, foi a mesma que tinham feito no Domingo anterior e que fizeram ainda hoje" (11).

(11) Villecourt - Verité sur l'evenement de La Salette - Bibliografia 19. Texto completo da carta, na obra: "L'Apparition de Notre Dame de La Salette" - I volume, pagina 70 - Bibliografia no 70.

 

III § - Um arcipreste atento e prudente

O Pe. Mélin, arcipreste de Corps, mostrou-se mais frio que o vigário e menos apressado do que o prefeito de La Salette. Não procurou pelos videntes. Maximino tivera de contar o fato à madrugada, à avó e a Angélica, sua irmã. Esta no sábado 26 de Setembro falou ao arcipreste: "V. Revma. sabe que meu irmão viu Nossa Senhora?"

- Pois bem! diga-lhe que venha me falar depois da minha missa.

Aconteceu que Melânia. nesse mesmo dia, veio a Corps visitar uns parentes. O arcipreste convocou portanto os dois, que chegaram juntos à casa paroquial. Mal tinham entrado, o Pe. Mélin os separou. Melânia, na cozinha e Maximino, com ele, no salão.

Terminada que foi a narrativa do menino, perguntou: "Só isso?"

- "Não, mais alguma coisa, mas ela mo proibiu de contar” .

Depois ouviu Melânia, a quem fez a mesma pergunta, recebendo a mesma resposta. Assim ficou compreendendo que fora confiado um segredo a cada um.

Fez umas perguntas com toda a ponderação e os despachou, sem dizer "nem sim, nem não".

Dois dias depois, isto é, segunda-feira, 28 de setembro de 1846, acompanhado pelo sacristão e mais quatro pessoas, o Pe. Mélin estava no lugar da Aparição, junto com Maximino e Melânia, que ele e outros crivaram de perguntas, até com ares de mofa, levando-os para cá e por lá, nos lugares da visão, procurando fazê-los cair em contradições. Debalde. Assim como com o prefeito, os videntes sempre repetiam a todos o que tinham dito anteriormente. Apesar de aparente frieza, ficou o Pe. Mélin comovido e convencido como confessou mais tarde. Tanto ele como as demais pessoas, caíram de joelhos e fizeram uma oração.

Notando que alguém quebrava a pedra em que se assentara a "Bela Senhora", não só proibiu, mas ainda, colocou-a, nas costas do sacristão Feliz Blane, de 15 anos que, mais tarde, quando padre, contava com alegria, ter ele com Maximino levado a pedra até Corps.

O Pe. Mélin, quando todos iam descendo de volta, mandou Maximino encher uma garrafa da água da fonte que nascera no local da visão, lembrado que a sua paroquiana, sra. Aglot, tão doente, poderia dela fazer uso.

· De fato, a enferma recuperou a saúde. Seu estômago, desde muito tempo, não suportava alimento algum. Ela usou a água, fez uma novena a Nossa Senhora e, terminada a novena, estava completamente curada.

Compreendeu então o Pe. Mélin que era de sua obrigação levar ao conhecimento da autoridade eclesiástica todos esses acontecimentos e informações colhidas.

Nesse intuito, escreveu, a 4 de outubro de 1846, uma carta ao Exmo. Sr. D. Felisberto de Bruillard, bispo de Grenoble, relatando todos esses pormenores. Assim ini­ciou-se uma correspondência que deveria prolongar-se durante vários anos (12).

(12) Esses acontecimentos acham-se relatados na revista " Annales de Notre Dame de La Salette" reproduzidos pelo Pe. Hostachy em Histoire Séculaire de La Salette, pf. 37, 38, 39 - Bibliografia no 71.

 

CAPITULO TERCEIRO

QUEM ERA A "BELA SENHORA"?

§ I – Realidade do grande acontecimento

Para conseguirmos a resposta verídica e indiscutível à pergunta de tão capital importância: "Quem era a Bela Senhora?", procederemos com prudência e gradualidade, de modo a levar a bom termo o nosso intento. Veremos pois:

1o) que temos toda a certeza de que Maximino e Melânia narraram o grande acontecimento conforme ficou relatado no Capítulo anterior;

2o) que Maximino e Melânia não quiseram enganar em sua narrativa;

3o) que Maximino e Melânia, mesmo querendo, não poderiam enganar em sua narrativa;

4o) que Maximino e Melânia não foram enganados em sua narrativa.

§ 1.0 - Temos toda a certeza de que Maximino e Melânia narraram fielmente o grande acontecimento, conforme ficou acima relatado. Com efeito, lemos essa narrativa em documentos que pessoas merecedoras de confiança escreveram, na mesma época em que o fato se realizou, enquanto Maximino e Melânia lhes estavam falando ou respondiam às perguntas que lhes eram feitas. Apresentaremos aqui os documentos principais, acrescentando umas notas históricas.

1) - Documento denominado "Relatório Batista Prá". Referimos no capítulo anterior que o Prefeito de La Salette, no Domingo 20 de setembro de 1846, interrogou prolongadamente a Melânia em casa de Batista Prá. Mal o Prefeito se retirou, o mesmo Batista Prá chamou seus vizinhos João Moussier e Pedro Selme.

Então, a seu pedido, Melânia ia narrando enquanto ele escrevia as palavras da "Bela Senhora". Esse escrito, intitulado ingenuamente por esses campônios: "Carta ditada pela Virgem Santíssima a duas crianças na montanha de La Salette", assinado pelos três, constitui o primeiro documento.

Dele possuímos cópia manuscrita - pois o original extraviou-se - feita pelo Pe. Lagier, de quem logo falaremos, com estes dizeres: "Por cópia conforme o original que me foi comunicado por Batista Prá, filho da V. Prá. Corps, 28 de fevereiro de 1847" (13).

2) - Relatório de José Laurent, natural e morador de Corps, onde nasceram os videntes, de 27 de novembro de 1846, com hino a N. Sra. de La Salette, hino esse cantado no lugar da Aparição a 28 de novembro de 1848, em agradecimento por curas milagrosas a favor de pessoas da sua família. Esse Relatório foi impresso na cidade de Grenoble, em Dezembro de 1846.

3) - As extensas notas do Pe. Lagier, vigário, também natural de Corps, onde se achava, no mês de fevereiro de 1847, devido à doença do seu pai: "Aproveitando a oportunidade, resolveu fazer um inquérito no intuito de desmascarar a impostura".

Interrogou os Videntes separadamente, e depois em conjunto, horas a fio, no próprio dialeto da região; ficou procurando, por todos os modos levá-los a cair em contradições. Sendo baldados tantos esforços, acabou convencendo-se da realidade do grande acontecimento.

Agora conhecia não só as palavras da "Bela Senhora", mas também circunstâncias anteriores e posteriores ao fato, em seus pormenores.

4) - O Relatório de F. Long, tabelião e na ocasião Juiz substituto de Corps. Tendo a autoridade pública resolvido intervir, o procurador do rei deu ordem ao juiz local de abrir inquérito rigoroso. Cumprindo essa ordem, o juiz Long convocou Maximino e Melânia, advertindo-os severamente das penalidades em que incorreriam se mentissem à justiça; e, devidamente assistido pelo escrivão Giraud que redigia a ata, submeteu os atemorizados pastorinhos a muito habilidoso interrogatório, tanto em separado como em conjunto. A 23 de maio de 1841 remeteu ao procurador o seu Relatório oficial, que nada era senão as já conhecidas narrativas, separadamente apresentadas. Foi publicado esse Relatório em 1850, no livro do Pe. Rousselot “Novos documentos sobre o acontecimento de La Salette".

5) - Relatório do Pe. Lambert. de 29 de Maio de 1847, vigário na diocese de Nimes, sul da França, que tinha ido a La Salette, onde passou seis dias. Nesse do­cumento lê-se a narrativa em separado de Maximino e Melânia, com as palavras em francês ou em dialeto, conforme as pronunciara a "Bela Senhora". Narrativa escrita palavra por palavra, sob o ditado das crianças, com a presença de seis testemunhas.

Existem outros treze Relatórios escritos de fim de 1846 a meados do ano de 1847, porém ou não são tão completos - sendo apenas um resumo das narrativas, conforme os autores, padres aliás, lembraram dias após ter ouvido as crianças, - ou foram comunicados só depois do ano de 1850 (14). Como livros daquela época limitamo-nos a mencionar: "L'Echo de la Sainte Montagne" (Eco da santa Montanha, da Srta. des Brulais,

diretora de um pensionato da cidade de Nantes, que subiu a La Salette, a 10 de setembro de 1847 e lá voltou outros sete anos, passando meses em Corps, aproveitando todas as oportunidades para ouvir e interrogar a Melânia e a Maximino; e os livros do Pe. Rousselot.

Pois bem, de todos esses documentos consta claramente que Maximino e Melânia narraram pela primeira vez o grande acontecimento a 19 de Setembro de 1846, e que as narrativas por eles feitas posteriormente, na expressão do juiz Long em seu Relatório oficial, "em nada diferem daquilo que contaram aos seus patrões, ao chegarem a casa na tarde do mesmo dia da Aparição. Se existe alguma diferença, é nas palavras, mas o fundo é o mesmo; é pelo menos o que Pedro Selme tem contado" (15).

É mister portanto concluir:

Temos toda a certeza de que Maximino e Melânia narraram o grande acontecimento como acima foi relatado.

(13) Fotocopia desse manuscrito do punho do Pe. Laqier acha-se na obra: ''N. D. de La Salette'', III vol., pg. 54 - Bibliografia n. 10.

(14) Os originais doa dezoito Relatórios mencionados, encontram-se, parte no arquivo da diocese de Grenoble, parte no arquivo dos Missionários de N. Sra. de La Salette que os imprimiram todos na obra ''Notre Dame de La Salette" - 2o vol. pg, 131, e 3o vol. pg. 88. Bibl. 70.

 

§ II – Os videntes Maximino e Melânia não quiseram enganar

Não é possível supor que os pastorinhos de La Salette tenham feito propósito refletido, combinado entre si, de enganar conscientemente e sempre, seus patrões, seus parentes, seus conterrâneos, o mundo inteiro, pois seria o mesmo que acusá-lo de serem mentirosos impru­dentes, impostores refinados, criminosos da pior marca, verdadeiros fenômenos de hipocrisia, de audácia, de astúcia, de perversidade, enfim uns monstros. Com efeito, nada Parecido com isso há no quadro que dessas crianças esboçaram pessoas conceituadas, merecedoras de crédito e de comprovada sagacidade, que as conheceram, examinaram e frequentaram.

O Pe. Mélin, vigário dos videntes, “homem de espírito vigoroso e grande prudência" na opinião do bispo D. Ullathorne (16), assim escrevia dos seus pequenos paroquianos, em sua carta ao bispo de Grenoble de 4 de outubro de 1846: ”Eu os tenho interrogado. as autoridades os ameaçaram, ofereceram-lhes dinheiro.
Com vagar tomei informações, e nada, absolutamente nada consegui descobrir que demonstrasse mentira ou trapaça".

O prefeito de La Salette, após seus inquéritos acima relatados, escreveu: "Confesso que minha incredulidade foi derrotada e que fiquei totalmente convencido de que essas duas crianças nada falavam que não fosse a pura verdade (17).

O próprio bispo destinatário dessa carta, de volta da sua romaria a La Salette, realizada em 1847, notava: "Em Maximino logo transparece a candura e o encanto da sua alma. . . Melânia, muito silenciosa, singela, no falar. . . é ingênua e sem rodeio” (18).
O companheiro desse bispo, o cônego Latta, em carta de 16 de agosto de 1847: "Há nos dois pastorinhos de Corps inimitável e ingênua simplicidade. Não será em almas semelhantes que haverá astúcia e impostura. Nem sequer são capazes de tal pensamento".

De Maximino, o seu patrão Pedro Selme, dizia: "É um inocente sem malicia". A srta. des Brulais, em sua primeira romaria a La Salette, em 1847, assim ia dialogando com seu guia: "É verdade que ameaçaram levar preso a Maximino?" - é verdade, senhora; o sargento da Polícia, gritou-lhe: Mentes! e apertou as cordas que o atavam. - Esse menino é franco, dizem – Oh! minha senhora, vereis, é duma naturalidade! não sabe mentir''.

- Seus companheiros acreditam que éle conta a verdade?

- Todos acreditam.

- Nunca o trataram de mentiroso?

- Não, senhora. Nem é possível."

Ela prossegue em seu livro "Eco da Santa Montanha" (19):

"Na minha volta, ouvi um padre dizer que ele mesmo tinha perguntado às crianças da escola: ''Maximino fala mentira, quando conta tudo isso, não é?

- Oh! não, senhor, ele fala a verdade".

É sabido com que facilidade entre companheiros descobrem-se as mentiras. Depois de ter ela mesma interrogado o menino, declara: "É levado, mas é incapaz de pregar uma mentira, menos ainda sustentá-la."

A madre superiora do colégio onde estavam Maximino e Melânia disse ao padre Arnaud: "Quando eles faziam alguma travessura, por vezes procuravam des­culpar-se por meio de palavras lá não tanto exatas, porém não eram capazes de sustentar por muito tempo as suas pequenas mentiras, pois logo se confessavam culpados" (20).
Essas mentirinhas sem importância em nada prejudicavam a veracidade dos depoimentos das duas crianças. Aliás que motivos os levariam a mentir?

Amor próprio e vanglória não tinham. Quando perguntavam a Maximino: "Que é que você fazia antes de ser empregado?" - Respondia: Estava em casa dos meus pais e andava recolhendo estrume pelas estradas" (21).
“Melânia é notável pelo seu retraimento e grande modéstia, não gosta que se ocupem com ela. A respeito do acontecimento: "Preferia não ter de contá-lo, afirmava: com a condição de que os outros o saibam, e que Ela não me encarregasse de contar."

- Por que?

- Isso me obriga a mostrar-me (22).

Pelo gosto de mentir? Então deixariam logo de fazer a sua narrativa. Aborrecido de que tanta gente viesse interrogar o filho, o pai de Maximino, já no dia seguinte ao acontecimento, proibiu-lhe que atendesse.

Vendo pessoas falarem com ele, bateu no menino com violência (23).

O mesmo se deu com Melânia. Mons. Dupuch relata: “O meu criado ia perguntando; eu, que estava ouvindo, pelas respostas soube das pancadas que Melânia recebeu do pai" (24).
Para ganhar dinheiro?

Vimos, pelos testemunhos relatados acima, como eles repeliram as ofertas com toda energia. As suas fa­mílias continuaram pobres. Eles falavam com franqueza. Em sua narrativa contaram que, à Pergunta da "Bela Senhora": "Fazei bem vossa oração?" responderam singelamente: "Não, Senhora". Temos portanto toda certeza de que Maximino e Melânia não quiseram enganar.

(15) Pedra Selme foi o patrão de Maximino durante a semana da Aparição.

(16) Carta ao Bispo D. Villecourt. - Bibliografia 19.

(17} A Santa Montanha de La Salette, tradução de Almeida Garret, Bib. 32.

(18) Villecourt - Nouveau recit. - Bibliografia 19.

(19) Bibliografia 30.

(20) Amaud. Souvenirs intimes d'un Péler" Septembre 1847. Pag. 64. Bibliografia 20.

(21) Rousselot - La verité sur l'evenement de la Salette - Bibliografia 21. Foi esse autor quem fez a pergunta.

(22) Des Brulais. Echo de la Sainte Montagne. Bibliografia 30.

(23) Nortet - Notre Dame de La Salette - Paris 1879 - Bibliografia 28.

(24) Mons. Dupuch - Venez avec moi a La Salette - 1855. - Bibliografia 34.

 

§ III – Maximino e Melânia, mesmo querendo, não poderiam enganar.

Quando o sr. Giraud, pai de Maximino tendo ouvido o que narrou Pedro Selme, chegando em casa, de volta do botequim, hora tardia da noite de 20 de setembro de 1846 - acordou o filho para que lhe contasse o que acontecera, ficou escutando até certa altura e de repente exclamou: "é muito esperta a pessoa que te meteu tão depressa todas essas coisas na cabeça; enquanto que eu, foi com muito custo que consegui, em três anos, ensinar--te o Padre-nosso e a Ave-Maria". E, não querendo mais saber de nada, foi dormir bastante mal humorado" (25).

Órfão de mãe, entregue à madrasta, tão má que por vezes lhe negava comida, descuidado pelo pai, por estar este ou na oficina ou no botequim, Maximino, apenas com 11 anos de idade, esperto e vivo, quase sempre fugindo da escola e do catecismo, levava vida de vadiação, pelas ruas de Corps ou pelas encostas dos morros, cuidando, junto com seu cachorrinho, apenas duma cabra (26).

Melânia, com perto de 15 anos, de medíocre e delgada estatura, aparentando 11, devido à grande pobreza da sua família, desde os oito anos de idade colocada por seus pais, vivia continuamente empregada, só se achando na casa paterna durante os três meses do inverno.

Ficava então ajudando sua mãe, cuidava dos seus irmãozinhos, longe da escola, ausente do catecismo.

A vidente sabia o Padre-nosso e a Ave-Maria, que lhe tinha ensinado sua mãe. Esta, porém, dizia ao Pe. Arbaud: "Melânia tem a cabeça dura" (27).
Depois da Aparição, já interna do colégio das irmãs levou 18 meses preparando-se para a primeira comunhão (28).

Ambos só falavam o dialeto da região, embora soubessem algumas palavras da língua francesa. Maximino sabia um pouco mais, tendo maiores oportunidades em Corps, vila dum certo movimento, por estar situada na estrada nacional.

O Pe. Arbaud perguntou à mãe de Melânia: "Como é que sua filha não compreendia o francês uma vez que a sra. está falando regularmente essa língua?" - "Por certo, respondeu, Melânia compreendia algumas palavras francesas, quando lhe apareceu a Virgem SSma. e poderia saber mais se tivesse ficado na casa paterna; mas ela morava, a maior parte do ano, em lares onde é costume só falar-se o dialeto" (29).

Embora naturais de Corps, suas famílias residiam em pontas opostas da vila; por isso Maximino e Melânia só travaram conhecimento na tarde de 17 de setembro de 1846, ante véspera do grande acontecimento (30).
Atendendo pois à sua pouca idade, ponderando todas as circunstâncias, considerando a sua incapacidade intelectual, sua dificuldade enorme em adquirir conhe­cimentos religiosos; recordando a sua rudimentar educação, examinando o ambiente em que viviam inclusive as pessoas, muito impróprio para lhes proporcionar os elementos indispensáveis para a criação de cenas e atitudes fantásticas; e mais, não havendo em nenhuma capela da região o modelo da Virgem tão caraterística de La Salette, trazendo a cruz com martelo e torquesa; e finalmente, refletindo sobre a narrativa daquele deslizar por cima da relva, forçoso é concluir que Maximino e Melânia eram totalmente incapazes, por mais que quisessem, de compor, em prazo tão reduzido, e guardar na memória, o discurso em língua em parte por eles quase desconhecida, e com trechos de elevado alcance religioso, enfim tudo que eles narravam com minuciosa exatidão.

Temos, pois, toda a certeza de que Maximino e Melânia, mesmo querendo não poderiam enganar relatando o que lhes falou a "Bela Senhora".

(25) Norbert - livro já citado. - Bibliografia 68.

(26) Bez. Pélerinage à la Salette - Bibliografia 18.

(27) Livro já citado. Bibliografia 20.

(28) Dea Brulais. Echo de La Sainte Montagne. Bibliografia 30.

(29) Souvenirs intimes d'un Pélerinage, 19 Set. 1847. Pag. 79. Bibliog. 21).

(30) Notes Lagier. Bibliografia, 14.

 

§ IV - Maximino e Melânia não foram enganados nem por si próprios, por alucinação nem por outrem.

Lê-se no Dicionário Enciclopédico Brasileiro Ilustrado, de 1943: "Alucinação: Anomalia sensitiva que leva o doente a perceber objetos ou fenômenos que de fato não existem".

Ora, logo vão bordando: “Há o mundo surpreendente da alucinação, mundo movediço e incerto, mundo misterioso onde uma luz estranha, mas, dizem, idêntica à luz do dia, ilumina por vezes maravilhas nunca vistas" (31).

A alucinação provém pois dum estado bastante doentio, em que a pessoa, com o sistema nervoso excessivamente excitado e a imaginação por demais exaltada, cuida perceber objetos que, na realidade, não existem.

Ora, Maximino e Melânia gozavam perfeita saúde, e não viviam nesses ambientes agitados, cheios de epi­sódios românticos e frequentemente mórbidos, sacudidos e infeccionados por violenta e corrupta crônica policial; mas eram oriundos de ascendentes sadios, campônios rústicos, preocupados, além de escassos e rápidos atos religiosos, apenas com sua lavoura e seu gado, alheios a misteriosas cogitações.

Maximino e Melânia nunca tiveram, até o dia do grande acontecimento, o menor contato com os assinalados ambientes que os pudesse contaminar. Sua desapercebida vida, em afastados recantos, ao ar puro das montanhas, decorria no remanso da natureza campestre, debaixo do sol do bom Deus.

Neles, portanto, não existia sequer o mínimo germe que, depositado no famigerado subconsciente, pudesse evoluir ou explodir reproduzindo o que eles narraram. da "Bela Senhora", porque, é de clareza meridiana, que ninguém dá o que não tem e nunca teve.

Mais ainda, na alucinação, espontânea ou provoca­da por droga, estando a pessoa como que fora de si, tendo perdido o controle das suas ideias, surgem só incoerências e cenas caóticas do já mencionado "mundo movediço e incerto".

Pois bem, o grande acontecimento que Maximino e Melânia narraram, tanto na visão, como nas palavras e nas atitudes, constitui um conjunto magistralmente coordenado, uma harmonia maravilhosa.

Eles se conservaram senhores de si, ao acordar, não cogitam de coisas extraordinárias, simplesmente de encontrar o seu gado; a palavra de Maximino: "Guarda o teu bastão, Melânia..." denota a maior presença de espírito. Durante a Aparição, eles reagem normalmente, respondendo com precisão às perguntas da "Bela Senhora". Melânia, querendo saber o significado da palavra ''batata", vira-se com toda naturalidade para Maximino, como qualquer pessoa que quer pedir um esclarecimento. Fora o que lhes ficou na mente, do grande acontecimento, eles continuaram tais quais como dantes, em seu modo de agir e pensar.

A hipótese, por conseguinte, duma alucinação, é a respeito deste assunto, num artigo da revista "The Month", fevereiro de 1933, lê-se o seguinte: "O desagradável é que para a maioria desses problemas, como os de Fátima, Salette, Pontmanin e Beauraing, não se apresenta nenhuma esperança de solução satisfatória. Resta-nos, apenas, esperar até que o estudo da psicologia anormal e mórbida tenha feito progressos tais que nenhum dos que atualmente vive sobre a terra provavelmente chegará a vê-los (citado em La Salette, m, 66) (32).
Pedimos vênia para ponderar:

1.o A semelhantes progressos em outros campos e a leis ainda desconhecidas, recorrem os incrédulos para negar os milagres do próprio N. S. Jesus Cristo.

2.o Confessando o autor que a psicologia em seu estado atual nada explica, será que ele está seriamente acreditando que dia virá em que alguém, por ser anormal, dará o que não tem e nunca teve?

Será por acaso, que alguém, ou talvez alguns impostores idearam e depois ensinaram, como lição, todas as circunstâncias do grande acontecimento a Maximino e Melânia que, naturalmente cúmplices da criminosa impostura, concordaram em divulgá-la obstinadamente?

É só relembrar as provas acima aduzidas da candura e sinceridade dos pastorinhos, da sua memória tão rebelde que foram necessários vários anos para lhes ensinarem o Pai-nosso e a Ave-Maria e bem dezoito meses de ensino diário, ministrado pelas Irmãs Religiosas para eles adquirirem os conhecimentos doutrinários indispensáveis para serem admitidos à primeira comunhão e que eles se encontraram pela primeira vez na tarde da ante véspera do grande acontecimento e imediatamente se conclui que, em tão curto prazo, eles não poderiam decorar tão extensa e complicada lição, em duas línguas diferentes, sendo uma por eles quase ignorada, com todos os circunstanciados pormenores da Aparição; era simplesmente total essa impossibilidade.

Aliás, sabemos pelo testemunho de Pedro Selme, patrão de Maximino, que pessoa alguma com eles se encontrou até as doze horas de 19 de Setembro de 1846, dia da Aparição.

Aqui vai pois a declaração de Pedro Selme, toda repassada de singela sinceridade: "No Domingo 13 de Setembro de 1846, fui a Corps procurar um menino que pudesse cuidar das minhas vacas, pois o pastor, meu empregado, estava doente. Não achando nenhum, dirigi-me ao meu amigo Giraud, rogando-lhe que me confiasse o seu filho por uns oito dias. Recusou primeiro. Insisti muito e ele acabou cedendo.

Giraud tinha mandado seu filho Maximino dar um recado ao Sr. Vieux, na aldeia de Saint Julien. Tendo o menino chegado já à noite, esse senhor não quis deixá-lo partir e fê-lo dormir em sua casa. Ali fui buscá-lo no dia seguinte, segunda-feira, 14 do mesmo mês, pelas três horas da madrugada e levei-o comigo.

Maximino era um menino inocente, sem malícia e nada previdente.

Antes que ele partisse para conduzir nossas vacas à montanha, cuidávamos que ele tomasse a sopa e colocávamos no seu saco a comida para o dia. Pois bem, pelo caminho, comia tudo, dando parte do que levava ao seu cãozinho. Quando lhe dizíamos: "Mas que é que você vai comer durante o dia?" Maximino respondia: "Mas eu não tenho fome". Esse menino foi, nesse mesmo dia 14 de setembro e nos dias seguintes, cuidar das nossas quatro vacas no terreno que possuo, na vertente sul da montanha de Baisses. Receando que o pequeno Maximino não vigiasse com bastante cuidado as minhas vacas que poderiam facilmente cair nos inúmeros despenhadeiros da montanha, fui pessoalmente trabalhar no referido terreno; segunda-feira 14 de se­tembro e na terça, quarta, e sexta-feira da mesma semana.

Declaro e atesto que não o perdi nem um só instante de vista. o pequeno garoto. Era para mim muito fácil vê-lo, em qualquer uma parte do meu terreno onde ele estivesse, porque ali não existe nenhuma colina. No primeiro dia, levei Maximino até o planalto para lhe mostrar o riacho onde deveriam abeberar-se as vacas.

Aí ele as conduzia sempre pelo meio dia, depois voltava imediatamente a colocar-se sob a minha vigilância. Na sexta-feira, 18, eu o vi que brincava com a pequena vizinha.

Essas duas crianças iam ambas de manhã muito cedo para os seus terrenos e só voltavam à noitinha e iam dormir depois de ter tomado a sua sopa.

Durante os quatro dias e meio que o garoto cuidou das minhas vacas, eu não o perdi de vista; e atesto que não vi nem sacerdote, nem leigo aproximar-se dele para falar-lhe.

A pequena Melânia foi várias vezes cuidar das suas vacas no terreno do seu patrão, enquanto Maximino estava comigo. Atesto ainda que a vi continuamente só, e se alguém tivesse vindo falar com ela, eu teria notado, porque o meu terreno e o de Batista Prá são contíguos, na mesma encosta da montanha. Os dois terrenos tem a superfície plana, sendo suficiente portanto ficar em pé, para dominá-los inteiramente e para os abranger nu­ma vista d'olhos.

Esquecia-me dizer que num dos dias da semana o pequeno Maximino foi apascentar as vacas no outro terreno; mesmo assim, não ficou só, sendo vigiado, como nos outros dias, ou por minha mulher ou por mim (33).

No intuito de confirmar que Maximino e Melânia se encontraram pela primeira vez, na antevéspera da Aparição, quinta-feira, 17 de setembro, apresentamos aqui o diálogo que eles tiveram respectivamente, com a Srta. Des Brulais: Melânia no dia 13 de setembro, e Maximino no dia 14 de setembro de 1847, e que ela copiou:

- Ó Melânia, havia muito tempo que você e Ma­ximino se conheciam?

- Havia dois dias.

- Como é que você não conheceu a Maximino antes?

- Ele estava com seu pai em Corps.

- Em que dia você conheceu Maximino?

- Na quinta-feira.

- Ó Maximino, quando foi que você esteve com ela?

- Na quinta-feira eu a vi.

- Você a conhecia?

- Não. Encontramo-nos pela primeira vez nesse dia (34).

É por conseguinte indiscutível que durante todo esse prazo não sobrou vaga para nenhum impostor ensinar a suposta lição.

Temos pois toda a certeza de que: 1o, Maximino e Melânia não foram enganados nem por alucinação, nem 'por impostor nenhum, a respeito do que narraram acerca da "Bela Senhora". 2o, eles mesmos, querendo, não poderiam enganar. 3o, eram incapazes de enganar, devido à sua sin­ceridade e candura; logo, o que eles narraram é um fato real, certíssimo, isto é, que lhes apareceu uma "Bela Senhora" em condições extraordinárias.

(31) Queroy - Les Hallucinations, voL n. Pag. 29; tado por Jaunem La Grace de La Salette"; pag. 29. Biografia 13.

(32) O autor é o Pe. Thurson, S. J.

(33) Declaração em Rousselot, La vérité sur l'evenement de La Salette, Bibliografia 2, (reproduzido em Notre Dame de La Salette n, pg. 59- e 60. Biblig, 70).

(34) Des Brulais, Echo de la Sainte Montagne, 1852, pag. 'i0-71. - Bibl. 30. Em Notre Dame de La. Salette, vol. II, pag. 80 - Bibliografia 70.

 

§ V - Um Documento do Célebre Educador Mons. Dupanloup

Para ilustração dos argumentos apresentados acima, transcrevemos aqui os trechos mais caraterísticos duma carta que escreveu a um amigo, no dia 11 de ju­nho de 1848, Mons. Dupanloup, futuro bispo de Orleans, sem dúvida alguma um dos mais competentes e experimentados educadores do século passado. Mons. Dupanloup foi à Salette no começo de Junho de 1848, onde encontrou, examinou e interrogou a Melânia e a Maximino com quem ficou bem 14 horas. Ouçamos-lo:

“Empreendi essa romaria, confesso, com opinião antecipada pouco favorável; os próprios relatórios que eu tinha lido com cuidado me incutiram preconceitos contrários. É mister confessar que, se o meu testemunho acabar sendo a favor dessas crianças, não será pelo menos um testemunho suspeito; não terei sido, por certo, seduzido por elas.

Embora essas crianças muito me desagradassem antes da sua narrativa e continuassem a me desagradar depois, devo confessar que, recitando-a, fizeram-no com tanta singeleza, gravidade, seriedade e um certo respeito religioso, que fiquei sobremodo admirado, pois o contraste era completo com o tom sempre vulgar e geralmente grosseiro do menino e do modo tão geralmente enfadonho da menina.

Sim. Tornam-se de repente tão graves, sérios, tomam uma atitude como que involuntária que tem algo do singelamente simples e ingênuo, algo de tão grande respeito para si próprios e para com aquilo que estão dizendo, a ponto de comunicar esses sentimentos a quem os escuta, impondo a todos um quê de temor religioso para com as coisas que dizem, um quê de respeito para com suas pessoas. Percebi constante, e por vezes, mui fortemente essas impressões e no entanto nunca deixei de achá-los bastante desagradáveis.

Quando falam do grande acontecimento de que fo­ram testemunhas, ou às perguntas mais insidiosas dão respostas espantosas e irretorquíveis, além de toda expectativa, não manifestam a menor vanglória: ficam impassíveis, nem sequer o menor sorriso lhes vem aos lábios.

É um fato que, tanto um como outro, não gostam de falar desse acontecimento que os torna tão célebres, limitando-se a responder com simplicidade e ficando no estrito necessário.

Por mais indiscreta que seja a pergunta, a resposta é sempre adequada, nunca indo além de certa medida; por mais que se insista, há neles sem que o notem, algo de invencível.

Quem sabe o que são as crianças, essas naturezas levadas, curiosas, vãs, tagarelas, indiscretas. Quem fizer as tentativas que eu fiz, há de compartilhar da minha estupefação, perguntando a si próprio, se foi vencido pelas duas crianças ou por alguma força superior e divina.

Não aparentam nada de cumplicidade; aliás, fora necessário um talento inaudito, para ficarem constantemente de acordo consigo mesmos, desde há dois anos que perdura e prossegue ininterruptamente esse tremendo e rigoroso inquérito...

Essa é a primeira nota da verdade que verifiquei nas crianças.

Admirei Melânia nas suas numerosas respostas, realmente espantosas, perfeitamente inesperadas, que desconcertam os interrogadores, liquidam todas as per­guntas indiscretas, resolvem simplesmente, profunda­mente, absolutamente as maiores objeções, todas elas acima da sua idade e de seu alcance.

Aqui vão algumas:

Perguntaram-lhe:

- Você disse que a tal "Senhora" desapareceu.

De certo, sumiu-se dentro duma nuvem.

- Não havia nuvem.

- Ora, é fácil meter-se dentro duma nuvem e desaparecer.

- Então meta-se o senhor dentro duma nuvem e desapareça.

- Essa "Senhora" falou francês e você não compreendia; como é que se lembra? É que ela repetiu muitas vezes... ?

- Não, falou uma só vez e me lembrei. Aliás, o que tem isso? se eu não sabia compreender, quem sabia o francês havia de compreender, é quanto basta .

- A "Senhora" confiou-lhe um segredo, mas Deus o revelou a uma religiosa. Desejaria. pois, que você o dissesse, para ver se fala a verdade.

- Se essa religiosa sabe, que o diga; eu não o direi.

- Você tem que dizer o segredo ao confessor, a quem não se deve esconder nada.

- O meu segredo não é pecado; ao confessor há só obrigação de contar os pecados.

- O seu anjo da guarda bem que sabe o seu segredo.

- Sim, mas o meu anjo da guarda não é do povo.

- A "Senhora" que você viu foi o demônio que veio perturbar a Igreja.

- Mas o demônio não leva a cruz no peito.

Ora essa ! O demônio que levou a Jesus até ao alto do templo de Jerusalém, bem que pode levar a cruz.

- Não senhor, Deus não havia de deixar o demônio levar a cruz, pois foi na cruz que Ele morreu.

- Se se deixou levar a si próprio?

- Mas foi pela cruz que ele salvou o mundo. Jesus ainda não fora glorificado.

A beleza e a profundeza desta resposta fizeram que todos se calassem.

A Maximino:

- A "Senhora" se enganou, pois anunciou fome, no entanto a colheita é ótima.

- Nada tenho com isso. Ela falou, o mais é com ela, ou talvez tenham feito penitência.

- A ''Senhora" que você viu era uma nuvem?

- Nuvem não fala.

- Você é um mentiroso, não acredito.

- 'Que me importa! estou encarregado de dizer e não de obrigar a crer.

- Talvez foi o demônio que lhe confiou o segredo que você fala.

- O demônio não leva cruz e não proíbe blasfêmias.

- O seu segredo é por certo a bem das almas, então escreva, ponha-o num envelope fechado e mande-o à secretaria do sr. Bispo e quando você morrer ele abrirá o envelope e você terá guardado o seu segredo.

É que alguém poderia ser tentado a abrir a carta, depois eu não conheço quem é que está na tal secretaria; (pondo a mão no coração) a melhor secretaria está aqui.

- Você quer ser padre; pois, eu falo com o sr. Bispo e me encarrego de tudo, se você me disser o segredo.

- Se para ser padre tenho que dizer o meu segre­do, nunca o serei.

- Se você tivesse de escrever o seu segredo ou morrer, que faria?

- (Com firmeza) Morreria.

- E que foi que você sentiu - perguntou um padre - depois da Aparição?

- Sentimo-nos bem felizes.

- E nos dias seguintes?

- Foi como V. Revma.: muito fervoroso na celebração da sua primeira missa, um pouco menos na segunda, e depois como toda a gente.

Prossegue Mons. Dupanloup: - ''Maximino pen­durou-se no meu braço e não mais me deixou o dia todo. Descemos assim da Montanha juntos. Fi-lo almoçar e jantar comigo". Então Mons. Dupanloup re­novou suas insinuações para conseguir o segredo. Baldados esforços.

"Eu tinha, diz ele, uma maleta, cujo cadeado abria e fechava por meio de segredo. Sendo o pequeno mui­to curioso, mexendo com tudo, olhando tudo, viu que eu abria sem chave e me perguntou como é que eu fazia: Respondi: "É um segredo... Pediu com muita in­sistência que lhe mostrasse. Aproveitando o ensejo, eu lhe disse: "Meu filho, é meu segredo; você não quis me dizer o seu eu não lhe direi o meu...

- Não é a mesma coisa, logo atalhou.

- E por quê?

- Porque estou proibido de dizer o meu segredo, e ao Sr. ninguém proibiu dizer o seu.

A resposta era sem réplica. Mas continuei:

- Uma vez que você não me quer dizer o seu se­gredo, eu também não direi o meu.

Ia de propósito fechando e abrindo o cadeado sem que ele desse pelo segredo, isso durante horas; ele sempre implorando, implorando. E apaixonado, como que ardendo: “Mas diga-me!"

Está bem! eu digo, mas você tem que me dizer o seu.

Então a sua curiosidade sumia-se. Vendo-o sempre firme:

- Diga-me ao menos se o seu segredo é para bem ou para mal.

- Não posso! respondeu.

Compadecido, Mons. Dupanloup ensinou-lhe o segredo. O menino, pulando de alegria, foi várias vezes abrindo e fechando a maleta. Mons. Dupanloup pondera: "Bem poderia ele ter-me contado qualquer história, se a Aparição fosse um invento deles". Continuando: "Um caso particular me levara a trazer comigo quantia vultosa em ouro. Maximino ia de novo olhando tudo, mexendo em meus objetos, farejando e de repente encontrou a bolsa com as moedas de ouro.

Pegou nelas com rapidez e colocando-as em cima da mesa, brincava de contá-las, empacotando-as e desmanchando o pacote. Quando percebi que ele já estava todo encantado, arrebatado em contar, segurar e tocar esse ouro, julguei o momento oportuno para experimentar e conhecer com certeza a sua sinceridade. Disse lhe com tom de amigo: "Pois bem, meu filho, se você me dissesse o segredo, pelo menos parte do que pode dizer, eu poderia lhe dar todo esse ouro para você e para seu pai. Eu daria tudo já e não se preocupe que tenho mais para minha viagem.

Então vi um fenômeno moral de certo muito especial, e contando-o sinto-me ainda impressionado. O menino estava todo possuído pelo ouro, gozava imenso em vê-lo, tocá-lo. De repente, ouvindo minhas palavras, ficou triste, afastou-se rápido da mesa e da tentação e me disse:- Senhor, eu não posso.

Insisti:

- No entanto, você teria o suficiente para ser feliz junto com seu pai.

Respondeu mais uma vez:

- Não posso! - e pronunciou essas palavras com voz tão firme que me senti vencido.

Disfarcei porém, e com voz a um tempo mal humorada e irônica:

- É que talvez você não queira dizer porque não tem nenhum segredo. Você está apenas gracejando".

Não se mostrou ofendido pelas minhas palavras e respondeu com vivacidade:

- Oh sim! tenho um, mas não posso dizê-lo.

- Quem lho proibiu?

- A virgem Santíssima.

Parei. Senti que a dignidade do menino superava a minha.

Coloquei então, com amizade e respeito, a minha mão na sua cabeça e fazendo uma cruz na sua fronte, disse-lhe: - Adeus, meu querido filho, espero que a Virgem Santíssima, há de me perdoar todas as minhas insistências que eu lhe fiz. Fique fiel toda a vida à graça que recebeu" (35).

Semelhante documento, quer pelo seu conteúdo, quer pelo seu autor, constitui testemunho de altíssimo valor que muitíssimo corrobora toda a nossa argumentação. Esta é a nossa conclusão: -"Uma Bela Senhora mostrou-se realmente a Maximino e Melânia em La Salette, no dia 19 de setembro de 1846, nas condições extraordinárias por eles descritas, e pronunciou o discurso por eles relatado, e essas condições demonstram claramente que Ela não era um ser do mundo presente.

(35) Essa carta foi publicada no jornal da época: "Ami de la Relision", no 7, ele abril de 1849.

 

CAPÍTULO QUARTO

A "BELA SENHORA" É MARIA SSMA. MÃE DE DEUS E MÃE DOS HOMENS.

§ I - Preliminares

Recorda-se por certo, o leitor, de que logo no mesmo dia do acontecimento, a mãe de Batista Prá declarou:

“Meus filhos, vistes a Virgem SSma.” No dia seguinte, Domingo, o vigário de La Salette, já pregou sobre N. Sra. de La Salette, e na segunda-feira, 28 de setembro, o Pe. Mélin, arcipreste de Corps, conforme confessou ulteriormente, ficou convencido de que se tratava duma aparição de Maria SSma. (36)

Julgamos atualmente um tanto apressada essa crença. É que nós julgamos mais dum século depois. Eles porém achavam-se em contato direto com Maximino e Melânia, eram conhecedores imediatos do ambiente, das qualidades e das deficiências desses pastorinhos, nada lhes obstava a aceitação do fato.

Os professores do seminário maior de Grenoble, consultados, se externavam com mais reserva; e embora admitindo a candura simples e firme das crianças, eram de parecer que o fato fosse examinado pela autoridade Eclesiástica a fim de se tornar incontestável, e melhor ainda, que fosse confirmado por milagres, verdadeira marca da intervenção divina. Era muito prudente essa atitude (37).

Para conseguirmos, portanto, plena certeza de que a "Bela Senhora" é a própria Maria SSma., Mãe de Deus e Mãe dos homens, vamos proceder gradualmente:

1o Examinaremos o que Ela disse.

2o Apresentaremos prodígios maravilhosos que se preliem ao grande acontecimento.

3o Lembraremos alguns milagres propriamente ditos, que comprovam ser a "Bela Senhora" a própria Mãe de Deus.

4o A decisão da competente autoridade eclesiástica.

5o La Salette em Roma.

(38) Carta do P. F. Blanc - Anales de Notre Dame de La Salette - Agosto de 1874 - Bibliografia 52.

(37} Rousselot. Nouveaux documents sur l'evénement de La Salette, 1850, Pag. 1$; Bibliografia 21.

 

§ II - Exame das palavras da "Bela Senhora" em La Salette.

Comprovada no capítulo anterior, de modo irrefragável, a realidade completa do acontecimento, torna-se necessário estudá-lo com algum apuro, pois trata-se dum fato religioso, para descobrir se, porventura, nele se encerra algo contrário à divina Religião.

Pois bem, examinemos o discurso da "Bela Senhora".

Vejamos antes de tudo, a admirável unidade, a forte coordenação desse discurso, em estilo direto "eu" - "vós".

Nota-se logo que é uma advertência, a um só tempo, severa e maternal ao povo cristão, bastante culpado.Na primeira frase: "Se o meu povo não quer sub­meter-se"', a Oradora indica o mal na sua universalidade, isto é, a revolta geral contra Deus, provocando ''o braço forte e pesado" da divina Justiça, que Ela, intervindo em nosso favor, se esforça por aplacar. "Há muito tempo que sofro por vós (38), vejo-me forçada a rezar sem cessar por vós", com apelo às almas generosas: "Por mais que façais, por mais que rezeis..."

Sendo a revolta pecado do espírito, isto é, particularmente o orgulho, logo temos o anúncio do castigo da alma: ‘Se quero que meu Filho não "vos abandone", o tremendo afastamento de Deus!

Em seguida, Ela especifica esses pecados: A violação do Domingo e a blasfêmia. Ora o que motiva esses pecados é o afã do lucro, a vontade ansiosa de possuir mais e mais bens materiais; para tanto ''trabalha-se no Domingo e se conduzem carroças". é lógico, pois, que venham castigos que atinjam esses bens: “A colheita se estraga, não haverá mais batatas; o trigo torna-se em pó, as uvas apodrecem, as nozes se estragam" (39).

Intercalam-se agora os segredos que, pelo pouco que o Papa disse, são a continuação dos castigos. O discurso apresenta depois o remédio para tantos males: "Se eles se converterem", e logo a recompensa: "As terras se acharão como que semeadas por si próprias e as pedras se tornarão em montões de trigo (40).

Falar de coisas tio ínfimas, tão materiais! exclamam alguns. Como se a dona da casa do pobre carpinteiro de Nazaré e a Mãe de Quem multiplicava pães e peixes, até os assava, não pudesse designar os alimentos dos pobrezinhos, pelos nomes que o povo lhes dá!

Indica então os meios para a perseverança na conversão, de modo indireto: a mortificação, censurando com energia "que se vá ao açougue como cães"; queixando-se de que "não vão à missa", portanto é necessário ir participar do sacrifício do Cristo, fonte de graça e salvação; a oração: "Fazeis bem a vossa oração?

- Não senhora. - É preciso fazê-la bem" (41).
Finalmente recomenda confiança nela. Lembra o episódio da terra de Coin, em que o trigo ficou estragado, cruel a decepção para o lavrador: e o que se passou com o pai de Maximino, de antemão aflito por talvez não ter mais pão para dar ao filho, episódios esses que apresentam, de modo tão expressivo e confortador, a providência maternal de Maria SSma. interessando-se "por nós e tão de perto nos acompanhando.

Conclui logicamente o seu discurso com esta ordem: "Pois bem, meus filhos, comunicai isto a todo o meu povo", para que a sua advertência alcançasse a todos e que portanto a sua intervenção não ficasse infrutífera, mas que Deus fosse melhor servido e seu povo reconduzido ao seu Filho.

(38) É claro que ali Maria SSma. intercede por nós. Pois bem, houve quem visse um conflito entre Jesus e sua Mãe! No. D. Salette, I, p. 17. Bibliografia 70.

(39) Gustavo Thibon, lavrador e grande escritor disse: "A mensagem da Virgem resume-se nestas palavras: Se não procurardes o Céu, perdereis a terra". Em La Salette, Temoignages.. p. 180, em 1946. Bibliografia 79.

(40) Linguagem da S. Escritura, em que Deus promete uma terra onde hão de correr leite e mel (Ex. m, S. 1,1). No Evangelho, o próprio Cristo exige "se adore a Deus em espírito e verdade'', e anuncia: ''Eu vos preparo um reino, como o meu Pai mo preparou, para que comais e bebais, à minha mesa, no meu reino” (Luc. 22. 19).

(41) Jesus também perguntava: "Quantos pães tendes?" Isto para esclarecer a quem pretende que se fosse Maria SSma., não faria tal pergunta porque Ela já sabia que não faziam oração.

 

§ III - Em La Salette a Visão fala e age como Mãe e Medianeira doe homens.

Analisando, embora rapidamente, esse discurso de tão rija e harmoniosa estrutura, dirigido, na pessoa das duas crianças, a todo o povo, não só nada nele se encontra que seja contrário à doutrina Católica, mas pelo contrário nela se nos apresenta Maria SSma. com aquelas dignidades e prerrogativas que a Igreja de Cristo dela proclama e que nela honra.

Para ilustrar essa nossa asserção e dela tirar as consequências próprias para o assunto em foco, julgamos desnecessário prender em demasia a preciosa atenção do leitor, aduzindo as elevadas explanações dos mestres da doutrina, que são os teólogos.

Será suficiente, ao nosso ver, referirmo-nos às orações, às invocações, com que a Santa Igreja, por boca dos fiéis, · exalta a suplica diariamente a Virgem Nossa Senhora.

Na Ave Maria, na Salve Rainha, na Ladainha, clara e indiscutivelmente, Maria SSma. vem repetidamente sendo proclamada Mãe de Deus, Mãe dos homens, rainha universal; é também invocada como Advogada e Medianeira junto ao Cristo em favor dos homens.

No discurso em La Salette, igualmente, a "Bela Senhora" fala e age como sendo mãe de Deus, Mãe doa homens, Rainha universal, advogada e Medianeira junto a Cristo em favor dos homens.

Mãe de Deus. Logo de início: "O braço" do meu Filho é tão forte é tão pesado, que já não o posso suster (42) também: "Se quero que meu Filho não vos abandone"... Ela como que se identifica com o próprio Deus, ao mencionar os mandamentos: '"Dei-vos: seis dias para o trabalho, só me reservei o sétimo... "

Mãe dos homens. Ela os convida para ouvir sua Mãe: “Vinde meus filhos, estou aqui para vos contar uma grande nova”. Indaga, como fazem as mães cristãs: ''Fazei bem à vossa oração, meus filhos?" e logo acrescenta o conselho, antes, a ordem: "é preciso fazê-la bem". Isso para o bem da alma, como primeiro tinha aconselhado para o bem do corpo: "Se tendes trigo, não deveis semeá-lo, porque os insetos vão comê-lo".

As mães deste mundo, embora tanto o queiram, não podem acompanhar os seus filhos por toda parte, como Ela faz lá do céu; pois, no caso da terra de Coin, estava vendo e ouvindo o lavrador, Maximino e seu pai.

Rainha universal. Na sua fronte refulge o diadema real. Na sua primeira e na sua última palavra, dirige-se ao seu povo, frisando: "A todo o meu povo", ao qual recorda os divinos mandamentos como sendo suas leis. . . “Dei--vos seis dias e não mos quereis conceder". Apresenta-se como sendo Ela quem decretou penalidades pelas infrações das leis: “Se a colheita se estraga é por vossa causa, bem vo-lo mostrei no ano passado com as batatas".

Ela mesma se declara Advogada e Medianeira junto a Cristo em favor dos homens, nas seguintes palavras: . "Se meu povo não quer submeter-se, vejo-me forçada a deixar cair o braço do meu Filho. É tão forte e tão pesado que não posso mais sustê-lo. Há muito tempo que sofro por vós. Se quero que o meu Filho não vos abandone sou obrigada a rezar sem cessar por vós. . . Nunca me podereis retribuir os penosos cuidados a que me dei por vós.

"Eu sofro". - Ora no Céu não há sofrimento, ponderam alguns. Para que todos compreendam bem esta palavra, pedimos Vênia para transcrever aqui os seguin­tes esclarecimentos dum teólogo contemporâneo:

“É preciso considerar o S. Coração de Jesus como sendo cruelmente ferido pela ingratidão dos homens... como sendo digno da nossa compaixão".

Sem dúvida, Jesus não sofre mais por parte dos homens, porém não deixa de ser um fato que os homens fazem, por parte deles, tudo o que é preciso para fazê-lo sofrer. É mister dizer que esses ultrajes repercutiram, certo dia, em seu coração. esses ultrajes Ele sofreu, quando ainda podia sofrer. Em sua Paixão, Ele não padeceu somente ultrajes dos judeus e dos romanos, não padeceu somente pelas ingratidões dos seus conterrâneos e pelo abandono dos seus amigos. O futuro e o passado repercutiram na Paixão, nela se reconcentraram. Se, pois, Jesus · não sofre no presente, sofreu do presente: e os fiéis não estão errados quando imaginam Jesus sofrendo, uma vez que Ele sofreu pelos ultrajes de agora; aliás nada impede remontar ao passado para compadecer-se de Jesus, o futuro de então sendo o presente de hoje" (43). Pois bem! sendo Maria SSma. a Corredentora, o que ficou dito para Jesus, com toda certeza, embora nas devidas proporções, deve ser dito para ela. Haverá, de vez em quando exageros no modo de exprimir-se a esse respeito, isso porém não altera a verdade profunda acima apresentada.
Há por conseguinte pleno acordo entre a doutrina da Igreja Católica e o discurso da "Bela Senhora" em La Salette, a respeito de Maria SSma...

Ora, em nossa conclusão do capítulo anterior de­claramos, como fato real, que a "Bela Senhora" não era um ser do mundo presente. "Não vi nem padre nem leigo" declara Pedro Selme.

- Trata-se, por conseguinte, dum ser do mundo futuro, do mundo de além túmulo. Não há negar que o Anjo mau é um ser do mundo de além túmulo; mas, como notavam já Maximino e Melânia, o Anjo mau, o demônio não exige e não aconselha, sob pena de castigos, que os homens sirvam a Deus, observem os seus mandamentos, evitem as blasfêmias, façam penitência, assistam missa, se convertam, façam oração; por conseguinte, seria blasfêmia horrenda só pensar no anjo mau.

Ficou pois completamente explanado que esse ser do mundo de além túmulo, age e fala como a Igreja católica ensinam que age e fala como Maria SSma. Logo, a "Bela Senhora" é de fato a própria Maria Santíssima, Mãe de Deus e Mãe dos homens, Medianeira e Advogada nossa.

(42) Da força desse braço ela falou no "'Magnificat", Luc. 1, 51.

(43) J. BainveL - Dictionaire de Theologia de Vacant et Maginot; vol 3, co1. 28S, article: Coeur Sacré de Jésus

 

CAPÍTULO QUINTO

PRODÍGIOS COMPROVANTES DA APARIÇÃO DE MARIA SSMA. EM LA SALETTE

§ I - Prodígio da Ordem Material - A Fonte Milagrosa

“Convém aproximar-se das fontes com respeito. To­do início, todo começo é misterioso, especialmente quando se trata do início, do começo, da origem duma série de benefícios. Comprido, muito comprido será o caminho da Água" (44).

Lindas reflexões essas que se aplicam maravilho­samente bem à Fonte que surgiu no próprio lugar da santa Aparição em La Salette. As perguntas feitas a Melânia a este respeito, ela respondeu: "Eu lhe disse que onde adormecemos não havia fonte, porém na segunda-feira, vi uma fonte onde pousaram os pés da Virgem Santa.

- Quando viu essa fonte, na segunda-feira, que é que você pensou?

- Pensei que corria, porque tinha chovido.

- Parece pois que nesse lugar às vezes vem água?

- Não sei. nunca vi".

Com efeito, no mesmo interrogatório, ela disse:

"Sim, voltei na segunda-feira, pois no Domingo cho­veu" (45). Nessa fonte de fato, só havia água quando chovia muito ou se derretiam as neves. Nessa mesma segunda-feira, outras pessoas notaram o fato, particularmente Batista Prá, que declarou ter subido à montanha, pelo meio dia, a verificar se a fonte fluia, conforme lhe dissera Melânia. Viu que a menina não mentira, tanto que levou água para beber durante q trabalho no seu terreno (46).

O Pe. Luiz Perrin, vigário então de La Salette, após ter subido ao lugar da Aparição, uns 25 dias depois do grande acontecimento, escreveu: "A fonte fluía medianamente como sempre; dando mais ou menos o volume de água que sairia da ponta dum cano de espingarda, excetuando as grandes chuvas, quando vem um pouco mais forte" (47).

Desde então nunca cessou, nem sequer em época das maiores secas. Embora todas as outras fontes da montanha secassem, a fonte milagrosa sempre permanecia fornecendo, nessas ocasiões, água suficiente para as enormes construções, os operários, a lavanderia e cozinha da hospedaria.

Até o dia 10 de setembro do ano seguinte ficou no primitivo e natural estado. Nenhuma obra fez. Do tapete de grama que encobre o rochedo, a água fluía por vários fios que se reuniam num minúsculo tanque ali perto, cavado pelos pastores. Formando pequena sanga no gramado, ia cair no córrego Sézia. Os romeiros, porém, cada vez mais numerosos, movidos por piedosa devoção, arrancavam a grama para levá-la qual preciosa lembrança. Isso turvava a água e não era mais possível dela fazer uso.

O Pe. Vigário compreendeu que umas obras tornavam-se necessárias.

"No verão de 1847, escreve ele, mandei colocar um cano de ferro que aduzia a água da fonte". Assim foi possível à enorme multidão do dia do aniversário da Aparição, 19 de Set., dela fazer uso".
"Continuando, prossegue o vigário, vendo que os animais e os romeiros estragavam tudo, no verão de 1848, mandei cavar perto da fonte um tanque cercado e coberto de alvenaria, com porta e chave; e um cano de ferro por onde passava, límpida, toda a água da fonte. Nesse estado deixei o local quando me retirei da paróquia em Maio de 1851" (48). Atualmente a fonte milagrosa, fluindo por baixo da estátua da Virgem Chorando, chega por um condutor até para fora da grade de ferro que cerca os lugares da Aparição, ao completo alcance dos romeiros.

Dessa água, sempre muito fria, mesmo na época de grandes calores, beberam e ainda bebem, milhares de pessoas, suadas por causa da penosa subida - o que inúmeras vezes deu-se com quem escreve - e nunca houve queixa, nem se ouviu dizer - que lhes sobreviesse a menor indisposição.

Aqui vai o testemunho dum romeiro, o Sr. Simillen, em seu livro Pélerinage a La Salette (49). Após ter advertido quanto seja perigoso geralmente para quem está suado beber água das fontes das montanhas, acrescenta: "Todo o contrário se dá em La Salette. Desta água eu tomei não apenas um gole, não só às exigências da minha sede, mas segundo a capacidade do meu estômago. O meus dentes ficaram regelados, isso logo ao chegar, com as vestes ensopadas de suor, a ponto de podê-las espremer. Em seguida, descuidando--me até de continuar a caminhar para conservar o calor do corpo, fazia oração na capela úmida e sombria, onde ficava por largo tempo, numa completa imobilidade. No entanto, atesto perante Deus, que esse meu modo de proceder não provocou nem o mais leve resfriado, nem o menor incômodo pulmonar. O meu caso não é único, consultem--se os demais romeiros, todos· hão de concordar.'"
Mais ainda: a análise química feita pelo mesmo sr. Similien, formado em ciências, professor de matemáticas, de ciências físicas e químicas, comprovou que na água da Fonte da Aparição não se encontra nenhum dos elementos curativos que se acham nas águas minerais; é água simples e puríssima.

Igual resultado deu, a nosso pedido, a análise feita anos atrás pelo técnico químico da Alfândega do Rio de Janeiro, quando levantaram dúvidas, por ocasião duma remessa da água da Fonte de La Salette.

A respeito dessa água de nenhum valor medicinal, porém muito "maravilhosa em seus efeitos"", o bispo de Grenoble escreveu em sua carta pastoral, de 19 de Se­tembro de 1851: "Anunciavam-se curas extraordinárias, obtidas em várias partes da Europa e do estrangeiro, até nas regiões mais afastadas.

Trata-se de doentes desenganados pelos médicos, próximos da morte, que diziam, tinham recuperado perfeita saúde, por ter invocado a N. Sra. de La Salette e feito, com fé, uso da água da fonte do lugar onde apareceu a Rainha do céu a dois pastores'".

O "Mensageiro de Nossa Senhora de La Salette, desde que veio a lume no ano de 1917, publicando inú­meras e extraordinárias graças alcançadas com o piedoso uso da água da Fonte da Aparição, de norte a sul do Brasil, vem demonstrando que N. Sra. de La Salette, está de modo peculiar abençoando a terra brasileira.

Melhor do que isso, essa água maravilhosa, na expressão do mesmo bispo de Grenoble, sarou muitas almas e ocasionou a conversão de grandes pecadores, a quem pessoas caridosas deram de beber, por vezes sem eles saberem, dessa água.

Compreende-se porque essa água é levada pelos romeiros até as mais longínquas regiões e pedida também dos mais afastados países.

Nascida, por assim dizer, das lágrimas da Virgem poderosa, por toda parte leva os seus maternais benefícios.

No ano de 1855, D. Dupuch, bispo de Argélia, de volta da sua romaria, assim cantava poeticamente a Fonte milagrosa!

"Doce Fonte da Virgem de La Salette, graciosa e irrecusável testemunha da passagem da Minha Mãe, para impedir que teu pacato murmurar se levante acima da voz sonora das torrentes e dos abismos, fora necessário rechaçar de vez em quando as tuas inestancáveis ondas!

"Doce Fonte da Virgem de La Salette, mais nume­rosos que as flores sem conta que atapetam as tuas margens com suas azuladas corolas já foram os pés daqueles que a ti vieram para unir suas lágrimas às lágrimas de Maria, para lhe oscular os traços! Não seriam elas, porventura, esses riozinhos sagrados que até agora te alimentaram? Praza a Deus continuem ali correr cheios de encantos e de celestes graças!

"Doce Fonte da Virgem de La Salette, o eco da tua bendita solidão, nunca, por certo, repetiu uma só palavra que fosse culposa desde que tu redizes maternais lamentos! A melodia tão acariciadora de tuas ondas, outra coisa não é senão a imagem, o único eco, das lágrimas e dos cantos de muitos e muitos que às tuas águas chegaram seus lábios sedentos!

Oh! fica sempre unindo os cânticos da terra aos hinos do céu!

"Doce Fonte da Virgem de La Salette, nenhum dos que sorveram teu divino cristal, bebeu a morte com o erro. Oh! tens por demais o paladar da verdade, para que ninguém se possa iludir!

"Doce Fonte da Virgem de La Salette, antes que eu prossiga na minha jornada, anelante dessa verdade e dessa felicidade, ainda mais que de humanos esforços, deixa que ainda molhe, embora um só instante, os meus lábios ressequidos, minha pena sedenta, em teu cristal tão puro!

“Oxalá possa nele, em meu último alento, colar os meus lábios!

"Doce Fonte de La Salette, recordas aquela hora fugaz da minha vida que tão rápida lá se foi, como tuas ondas impacientes, pelos declives da montanha, mas que perdura e sempre há de durar em meu coração?

Então perguntava-te, de bruços Sobre tuas frias águas, cujos perfumes inebriaram-me, como nunca fora inebriado, nem sequer no dia da primeira missa e da minha sagração... nem sequer à beira das cisternas de Hipona, perguntava-te se não é antes do céu que te derramas de que desses terrestres outeiros, e se tua recordação até lá iria me acompanhar.

"Doce Fonte de La Salette, nascente tão cristalina, tão calma, tão puro espelho, que nenhum impostor poderia fazer de repente surgir deste rochedo queimado pelo sol, não poderia fazer fluir sem interrupção, sempre a mesma, durante estes últimos nove anos" (50).

(44) Ver Louvel Da revista "'Vie Spirituelle" de 1944. Citado por Hostachy M. S. Histoire Séculaire, p. 278.

(45) Notes Lagier, reproduzido esse diálogo na Obra "Notre Dame de La Salette"', III vo1., p. 131. Bibliogr. 70.

(46) Essa declaração de Batista Prá, com data de 27 ele Nov. de 1847, foi publicada na revista "Annales de N. D. de La Salette", em Maio de 1909. Bibl. 52.

(47) Manuscritos Perrin, 887, citado por P. Rostachy, ibid. Pl· 2'18. BibL 7 e 70.

(48) Ibid. n. 891.

(49) Ver a bibliografia 25.

 

§ II - Prodígio da realização das predições de Maria SSma. em La Salette

Só Deus conhece o porvir. O fato, portanto, de anunciar com grande antecedência acontecimentos que depois se realizam, demonstra participação na ciência divina; por conseguinte, a intervenção direta ou indireta do próprio Deus.

Pois bem! Em La Salette a “Bela Senhora" anunciou com antecedência fatos que se realizaram.

Ela disse: "As batatas vão se estragar e para o Na­tal não haverá mais". Ora, em 17 de Janeiro de 1847, por ocasião da abertura do Parlamento, a rainha da Inglaterra, após ter assinalado, na fala do trono, a escassez de viveres que assolava o reino acrescentou: "Na Irlanda particularmente a falta do alimento comum, a batata, ocasionou cruéis sofrimentos, epidemias e aumento de mortalidade".

Na França, o Governo teve de proibir a exportação e facilitar a importação da batata, por decretos de 19 e 25 de janeiro de 1847. Ela preveniu: “Não deveis semear o trigo, porque os insetos vão comê..los. e o mais tornar-se--á em pó . . . " - O Jornal “Univers" em 15 de maio de 1852, publicava a carta seguinte: “Abri as espigas já secas: numas não havia grão nenhum; com certeza foi roído na eclosão. Outras encerram grão, porém ressequido e minguado, que nada vale. Encontra-se nestas e naquelas espigas uma espécie de pó amarelo, como pequenos vermes que, sem dúvida, produzem tal devastação. Qualquer um pode verificar o mesmo fenômeno. Donde proviriam?" perguntava o autor da carta. E respondia: "A nossa opinião é que esses pequenos vermes são apenas agentes secretos, os ministros cegos duma vontade superior e que a doença que seca o trigo é da mesma espécie da que estraga as batatas". Os jornais da época assinalam o mesmo flagelo por toda a Europa.

Ela anunciou: “Sobrevirá uma grande fome".

Ora, o jornal "Constitutionnel", início de Março de 1856, escrevia: "Embora não seja concluída a estatística do movimento do estado civil para o ano de 1855, te­mos fundados motivos, pelos resultados já conhecidos, que nesse ano terá havido excepcional mortandade, de mais de oitenta mil falecimentos por causa da escassez de víveres".

Pelo mesmo jornal, em 1854, deram-se sessenta mil falecimentos e pior foi ainda no ano de 1856. Em dois anos morreram, na França, duzentos e cinquenta mil pessoas de fome. Avaliam-se que em toda a Europa houve um milhão de vitimas.

Ela anunciou: "As nozes vão se estragar".

Ora, um relatório enviado ao ministério do interior, assinalava: "As nogueiras no centro da França se acham acometidas por doença desconhecida e que na região do Isére (isto é de La Salette), a colheita das nozes está totalmente perdida". No ano seguinte as próprias nogueiras tinham desaparecido.

Ela anunciou: "As uvas apodrecerão".

Ora, em 1847 apareceu o terrível flagelo "oidium.", que destruiu quase todos os vinhedos da França. Che­garam ao extremo, para destruir o inseto, de inundar as videiras, o que produziu outro flagelo que só pode ser debelado pelo sulfato.

Ela anunciou: “As crianças morreriam".

Ora, na França, terrível doença - uma espécie de peste - vitimou milhares de crianças que, acometidas por intensíssimo frio, morriam, tremendo, nas condições profetizadas.

Desde aquela época bem sabemos, por dura experiência, que os flagelos aumentaram assustadoramente no mundo.

Futuro anunciado pela "Bela Senhora" e futuro doloroso e rigorosamente realizado; portanto Ela é aquela a quem são manifestados os segredos divinos. Tanto que a Igreja em seu Ofício, a Ela, isto é à própria Mãe de Deus, aplica o que a S. Escritura diz da Sabedoria (51).

Num livro intitulado: "Exposição de História e Geografia do Brasil" do Dr. Ferreira de Araújo, editado no
Rio de Janeiro em 1889 e "Alguns dias na Pauliceia" por Henrique Raffard, em 1890, encontramos o seguinte na página 225: "Quando falhar a colheita da batata, a carestia tornar-se-á eminente. Foi justamente o que aconteceu na Irlanda e no norte da Europa, em 1847, no momento da grande invasão da moléstia da batata.

Flagelo esse que foi um dos mais poderosos incentivos do movimento emigratório da Europa para o Novo Mundo".

(50) O bispo D. Dupuc:h isso escrevia em 1855 no seu livro "'Venez avec moi à La Salette" . Bibliografia 34.

(51) Todos esses dados acham-se no livro "La Salette", por Bertrand 1888, p. 197 a 204. Bibliografia 61.

 

§ III – Prodígios da ordem moral – Conversões.

Maravilhosas e repentinas conversões mesmo de pecadores obstinados, obtidas pela intercessão de N. Sra. Reconciliadora de La Salette.

Trata-se de fato de verdadeiros prodígios, pois a conversão, isto é, a completa abjuração do erro religioso e leal aceitação da verdade católica, ou a renúncia ao estado de pecado e volta ao estado de graça, manifestam direta intervenção de Deus, pois Ele só, por meio da sua graça eficiente, pode mudar as vontades e transformar os corações.

Ora, em La Salette, a "Bela Senhora" em seu discurso deu claramente a entender que se dariam conversões, quando disse: "Se eles se converterem". No livro já assinalado (pág. 54), D. Ullathorne, bispo de Birmingham, declarava em 1852: “O maior milagre que tem dimanado de La Salette é o milagre da graça".

O Pe. João Berthier, missionário de N. Sra. de La Salette, escreve no seu livro "As Maravilhas de La Salette" (pág. 241): "De 1862 a 1898, tivemos o consolo de passar, quase todos os anos, parte do verão na santa Montanha. Somos portanto fiéis testemunhas dos frutos de salvação que nas almas produz a devoção à N. Sra. de La Salette. Como missionário temos exercido o santo ministério, durante largos anos, em várias dioceses e em diversos ambientes; em parte alguma, porém temos ouvido, como em La Salette, grandes pecadores endurecidos exclamarem: “nunca eu poderia acreditar que Deus pudesse dar-me semelhante contribuição”. Os primeiros lugares beneficiados pela misericórdia “Reconciliadora dos Pecadores”, foram, como achamos natural, as regiões onde Ela se dignou apare­cer. "Conforme escreve (pág. 152) o mesmo bispo inglês, todos os relatos e informações, nada podia dar-se mais lastimoso para um país católico, do que o estado da região nos distritos circunvizinhos de La Salette na época da Aparição. Pouco tempo depois, em consequência dela, a condição religiosa da totalidade daquela parte do país já se achava inteiramente mudada".

Com efeito, o pároco de La Salette, Pe. L. Perrin, escrevia: ''Os fiéis ficaram atemorizados com esse grande golpe do céu, as orações tornaram-se mais fervorosas, as conversões frequentes, cessaram as blasfêmias e o trabalho nos Domingos. Derramaram lágrimas, quando eu pregava sobre a bondade maternal da Virgem SSma. para com os habitantes de La Salette" (52).

Em Corps nenhum sacerdote podia passar sem que fôsse insultado, como aconteceu ao arcipreste Pe. Mélin em 1841. Pois bem, esse mesmo padre comunicava em Abril de 1847, ao Exmo. Sr. bispo: "Durante a quaresma grande foi a boa vontade, devido a esse excelente pregador e primeiro confessor que foi a "Bela Senhora". Ela concedeu tantos favores espirituais extraordinários que todos manifestaram ótimas disposições e muitos desses pobres e velhos pecadores choraram ao confessar os seus pecados" (53). E nesta Páscoa, dos 1300 paroquianos só trinta deixaram de fazer a comunhão (54).

Entre os primeiros convertidos apresentou-se o S. Giraud, pai de Maximino. Lembra-se o leitor de que ele não quis escutar a narrativa do acontecimento até o fim. Só quando o seu filho lhe disse : "Mas ela me falou do senhor", foi que ele despertou. “Oh! Que diz ela?" Ouvindo o episódio do pão que ele dera ao filho, ficou tão impressionado, tão comovido, que tratou logo de se confessar, perseverando toda a vida como um bom católico.

Assim foi nas outras paróquias do Decanato de Corps e nas mais longínquas regiões. Em 1847, Monsenhor Villecourt, bispo de La Rochelle, portanto na outra extremidade da França, escrevia: ''Essas admiráveis disposições notaram-se, pela maior parte, na diocese de Grenoble, mas também nas dioceses circunvizinhas e até nas mais afastadas. Numerosos pecadores que desde há muito viviam longe de Deus, acorriam derramando lágrimas ao tribunal da penitência".

Passemos a relatar alguns casos particulares.

(52) Manuscritos Perrin, 862. Bibliografia 3 e 7.

(53) Manuscritos Bossan no 831. Bibliografia 38.

(54) Des Brulais "Echo de la Sainte Montagne", p. 8, citado por Hostachy "Les Curés de La Salette", p. 130 Bibllografia 71.

 

§ IV – Conversões repentinas

Pregando no Santuário, o superior dos missionários de N. Sra. de La Salette, narrou o seguinte: "A 19 de Setembro de 1854, um oficial, por mera curiosidade, subiu a santa Montanha! Ficou observando e não atinava com o motivo de tanto movimento em semelhante deserto. Esse oficial, de há muitos anos, do cristão apenas tinha o nome. Não quis retirar-se sem, por cortesia, fazer uma visita ao superior. Agradecendo a gentileza, recomendei-lhe: "Olhe, não desça sem ir beber um pouco de água da Fonte que lá está", e apontei o lugar. "Pois não", disse ele, "para lhe ser agradável''. Pela parte da tarde, alguém veio dizer-me: “Padre, um do Estado Maior, retido aqui como que contra a vontade, acha-se prostrado, debulhado em lágrimas, pede para se confessar". EIe assim me falou:

“Padre, aqui tendes um grande pecador. Aquele copo de água convulsionou-me o ser todo...; já não posso mais viver sem fazer as pazes com Deus". Tempo depois, um Pe. jesuíta, romeiro, dizia-me; "O vosso oficial, é o modelo da nossa cidade. Um verdadeiro missionário entre seus colegas" (55).

Em 1859 um sentenciado na penitenciária de G. na Bélgica, depois de largos anos de crimes e de irreligião, caiu gravemente enfermo. O capelão tentou falar-lhe dos Sacramentos e foi repelido com violência. Aproveitando a ocasião em que o doente dormia colocou sobre ele uma pequena medalha de N. Sra. de La Salette e retirou-se. Mal chegou ao seu quarto, vieram dizer-lhe que o doente queria confessar-se. Apressou-se e, com efeito, o doente, soluçando, recebeu todos os sacramentos e teve morte de predestinado (56).

No hospital da cidade de Hyéres, sul de França, um doente estava gravemente enfermo. As irmãs de caridade sugeriram-lhe: "E' bom reconciliar-se com Deus"'.

"Não! não quero". Uma irmã, tempo depois: "Se o sr. prefere, podemos chamar o vigário". Em vez de responder, o doente irritou-se, ficou furioso e disse aos seus vizinhos: "Estou arrependido de não me ter declarado protestante quando aqui entrei''. Vendo isso a irmã, a mando da Superiora, foi acender uma vela diante da imagem de La Salette e deitava água da Fonte Milagrosa nos remédios do colérico doente.

No dia seguinte; "Irmã, quero confessar-me; mas de que jeito? Há tanto tempo que não me confesso!"

A irmã chamou o padre, o doente rebelde recebeu os sacramentos e sossegado morreu no mesmo dia" (57).

Em 19 de Setembro ele 1855 um romeiro dizia ao padre de quem acabava ele ajudar a missa: "Eu sou um velho pecador, um jornalista; escrevi no meu jornal artigos contra N. Sra. de La Salette. Vim aqui no ano passado para melhor examinar a "superstição, ganância e impostura". Nada disso eu aqui encontrei. Retirei-me preocupado: o pensamento de La Salette não me dei­xava. Voltei aqui mais duas vezes e fiquei vencido.

Ajudo à missa para fazer penitência, e conto, na volta, mostrar-me a todos qual verdadeiro cristão" (58).

Um outro escreveu: "Fui a La Salette, unicamente para acompanhar minha mulher. Ia olhando tudo com a maior indiferença, tanto que entrei na igreja, não me ajoelhei, nem me persignei e logo saí. No dia seguinte, vendo romeiros perto da Fonte, fui e também bebi; logo senti-me impressionado. Fui à igreja. Desta vez me ajoelhei. Dentro de mim produziu-se uma transformação completa. Chorando, fiz minha confissão, após trinta e tantos anos" (59).

(55) Pe. Berthier - Mervellle s de La Salette - Biografia 80.

(56) Annales de Notre Dame de La Salette. Fev. 1889. - Biblig. 52.

(57) Annales de la Salette, ibid.

(58) Sanctuaire de Marie por Boismard.

(59) Annales N. D. Salette. Maio, 1868.

 

§ VI – Conversões de protestantes

Um pastor protestante que não podia perdoar aos católicos o culto que prestam a Maria SSma., encontrando, por curiosidade, no lugar da Aparição, piedosas mulheres a rezarem com fé ingênua e ardorosa, caiu de joelhos, vencido por uma força irresistível, aos pés da Virgem, possuído de indizível emoção. Retirou-se da santa montanha sem se converter ainda, porém, qual inglês muito positivo que é, quis ver se numa segunda viagem experimentaria as mesmas emoções. Voltou, pois, e pouco demorou. Mas a Virgem de La Salette concedeu-lhe graça igual. Partiu, porém desta vez para fazer sua obrigação em Genebra e tornou-se católico sincero (60).

Aos 8 de Setembro de 1888, pelas seis horas da tarde, numeroso clero achava-se na capela-mor do Santuário. Por entre compactas fileiras de romeiros, o bispo de Grenoble, chegado no véspera, de sobrepeliz e estola, ia para o altar; eis senão quando uma jovem, vestida de branco, vinha rompendo a massa do povo. Para ela volveram-no todos os olhares, pois no rosto transparecia-lhe o júbilo e grandes emoções lhe invadiam a alma.

Tratava-se de uma senhora protestante, de família importante, que havia seis dias tinha ido a La Salette para acompanhar uma sua parenta. Repentinamente a luz da fé ilumina-lhe a alma e confessando que a Religião católica é a única verdadeira, implora à S. Excia. Revma. se digne de admiti-la no grêmio da Igreja. Receosa, com justo motivo, de que fosse inválido o batismo recebido na sua seita, pede também queira S. Excia. batizâ-la. Solicita esse favor com tanto ardor que imediatamente o bispo administra-lhe o batismo e logo seguida a crisma (61).

(60) Bertbier, Mervellles, p. 243.

(61) No mesmo livro, pag. 244, Merveilles de La Salette. Bibliografia 60.

 

§ VII – Conversão de notáveis homens contemporâneos

Léon Bloy que influiu muito na conversão de homens merecidamente ilustres, teve a alma como que possuída pelo mistério de N. Sra. de La Salette. O seu grande amigo e mestre o Pe. Tardif, sepultado no cemitério da Santa Montanha, disse a Léon Bloy: "Vamos a N. Sra. de La Salette e lá vereis o que a Virgem San­tíssima vos infundirá no coração". E Léon Bloy escreve: "Foi muito simples. Ela mesma nele se colocou como uma brasa, e todos os crimes que de certo eu cometi, desde então não puderam fazê-la sair".

Seguindo o exemplo de Léon Bloy, converteram-se o sr. Jaques Maritain e Sra. Raissa Maritain, dos quais aquele foi padrinho de Batismo. O grande geólogo Pedro Termier (62), Van der Mecr, Stanislas Fumet.

Jacques Maritain é neto materno de Jules Favre, grande advogado, que num processo, de que falaremos mais adiante, defendeu a realidade do fato de La Salet­te. Ora, Jacques Maritain, então embaixador francês junto à Santa Sé, escreveu por ocasião do centenário da Aparição:

"Caro Senhor:

Tivestes a bondade de me pedir a minha contribuição aos testemunhos que coligis por ocasião do centenário da Aparição de N. Sra. de La Salette. Trata-se, na verdade, menos de testemunhar do que de render graças, e creio que aquilo que importaria mais dizer, o que se refere ao íntimo da alma, interessa mais o público dos Anjos, que o dos piedosos leitores". Aliás, se alguém se interessar por aquilo· que os afilhados de Léon Bloy pensam a respeito de La Salette e pela parte que ela teve nos acontecimentos de sua vida e de vários de seus amigos, encontrará essas coisas narradas melhor do que eu poderia fazê-lo, nos dois volumes de recordações que Raissa Maritain escreveu, durante nossos anos de exílio, em homenagem à grande renascença espiritual que se realizou na França, entre as duas guerras" .

Jacques Maritain deixa discretamente entender que à N. Sra. de La Salette muito devem ele e D. Raissa que se externa do seguinte modo:

“Por nossa vez, chegamos ao conhecimento de La Salette através de Léon Bloy. A Aparição de Nossa Senhora em La Salette é um dos acontecimentos mais importantes que se deram desde há séculos. Mesmo Lurdes, apesar de mais conhecida, á menos extraordinária. Apesar de curas milagrosas de Lurdes, o acontecimento de La Salette apresenta-se com excepcional grandeza e beleza." (63).

"A 24 do Junho de 1907 fomos a La Salette, onde chegamos no dia 28 às 7 horas da noite. Oh! solidão!

Oh! silêncio!... Nesse elevado retiro preparamo-nos para o Sacramento da Confirmação, que recebemos a 6 de Julho em Grenoble com assistência de Pedro Termier" (64).

Foi nessa ocasião que enviaram um cartão postal a Ernesto Psichari. Da. Raissa narra também que achando-se gravemente enferma, ela e o Sr. Maritain, a pe­dido de Léon Bloy recorreram a N. Sra. de La Salette.

Chegou a ser ungida. E escreve: "Minha cura começou e completou-se rapidamente".

Na hora da morte do seu pai, diz a mesma senhora, "após orar a todos os Santos, sobretudo a N. Sra. de La, Salette, de repente o venerando ancião, convertido como eu, do judaísmo, declara: "quero ser batizado".

Imediatamente o Sr. J"acques Maritain administra-lhe · êsse Sacramento com água da fonte de La Salette.

Dias após falecia, venerando também uma medalha de N. Sra. de La Salette.

(62) Pedro Termier, após a leitura do Que Léon Bloy es­creve no seu livro Le Femme pauvre tomou-se fervoroso devoto de Maria SSma. em pranto. Ver "Les Grandes Amitiés-", por Raissa Maritain, I voL, pg. 229-255 e passim.

(63) "'Les Grandes Amitis", I voL pag. 252.

(64) Ibid. pag. 210.

 

§ VIII - Conversão de Ernesto Paichari (65)

Entre os convertidos podemos enumerar de modo certo, o neto de Renan, que, graças à N. Sra. de La Salette, reencontrou o Deus negado por seu avô, e cuja volta ao Cristo e à sua Igreja foi, provavelmente, causa de outras conversões; pelo menos deu à mocidade contemporânea um exemplo magnífico de fé e piedade e também de acrisolado patriotismo pela sua morte heroica no campo de batalha.

Eis aqui a história dum cartão postal que Jacques Marita:in enviou lá da Santa Montanha ao seu amigo no longínquo deserto da Africa: "A mãe de Ernesto Psichari era a própria filha de Renan (66), e seu pai, um grego cismático, impio pior do que Voltaire, como dirá o próprio filho: Compreende-se que num semelhante ambiente familiar o jovem só pudesse achar, segundo suas próprias palavras, uma alma, sem defesa contra o mal, sem proteção contra os sofismas e preconceitos do mundo. Aos vinte anosvadiava sem convicção por todos os jardins envenenados do vício. Enjoado de tudo, ao sair de Saint-Cyr (escola dos oficiais) levava vida de almofadinha. De repente apaixonou-se por viagens e excursões militares, porém, no intuito de "lançar a todos os céus a sua maldição". No entanto ficou muito impressionado pelo céu de Marrocos e salutar lhe foi a solidão do deserto. Ele descreveu as fases da sua volta a Deus num romance que só veio à lume depois da sua morte, e que teve um sucesso extraordinário: "A viagem do Centurião". Certo dia, narra ele de Maxêncio, herói do romance (que é ele mesmo), certo, dia, no deserto de Saara, chegou-lhe um cartão postal, que leu com prazer. O cartão porém lhe causou certa admiração e inquietação. Era uma estampa da Virgem de La Salette, chorando, e, no reverso, havia estas simples linhas: "Maxêncio, nós rezamos por ti no alto da santa Montanha. Parece-me que ela está chorando por ti, essa Virgem tão linda, e que ela te chama. Será que tu não vais escutá-la? Teu irmão e amigo: Pedro – Maria.''

Ele não a escutou e fez ouvido de mercador por bastante tempo.

Revoltou-se até contra o chamamento do seu ami­go e contra essa Virgem dorida que parecia censurar lhe o procedimento".

Apesar de tudo, Ernesto Psichari confessa: "Pela primeira vez, Maxêncio percebeu que uma aragem de ternura lhe vinha das Gálias longínquas.

Não acreditava de modo nenhum na oração, e no entanto parecia-lhe que o amava melhor que os outros quem rezava por ele; era mesmo só quem o amava".

Esse amigo, Jacques Maritain, era um convertido pelo grande devoto de N. Sra. de La Salette, Léon Bloy, neto de Júlio Favre e professor no Instituto Católico de Paris. Tinha rezado pelo centurião que estava tão distante, por ocasião da sua romaria a La Salette e testemunhava-lhe melhor assim o seu amor junto do amor duma Virgem que chorava pelos seus filhos tresmalhados.

O duplo espetáculo espiritual da Virgem e do seu “Orante" abalou o descrente sacudindo-o do seu torpor. Mas Psichari não demorou em cair de novo nas suas dúvidas, suas fraquezas, suas paixões malsãs.

“Vã, escrevia, vã, por todas aparências, foi a aparição da Virgem chorando, no início das suas estradas no deserto. Vã essa estranha saudação daquela que é coroada e cingida de rosas. Vi essa saudação da rosa ao cardo".

Pouco a pouco, no entanto, “a rosa mística", irá embalsamando o cardo rebelde, coberto de areia e de pecado. Mal acabava de terminar a sua meditação so­bre N. Sra. de La Salette, Maxencio marchava à frente da sua tropa para desbaratar um bando de salteadores no deserto.

"Maxencio coloca na areia a Virgem chorando, que o vento leva; manda selar alguns camelos e atira-se à frente dos seus homens. Corrida louca!"

Mais louca era a carreira que realizava novamente para satisfazer suas péssimas paixões sensuais. "Sombrio delírio apoderara-se dele. Três dias seguidos, ele foi escravo duma escrava... no aviltamento da sua alma, da sua alma entregue totalmente ao demônio".

Eis senão quando, numa certa tarde, a Virgem que se evolara, voltava para perto do seu filho culpado e arrependido.

"Quando ia entrando na tenda, bruscamente pensou no seu amigo Pierre, e a imagem dessa Virgem chorando apareceu-lhe. Era a mesma que recebera outrora e que o vento do deserto tinha levado para longe.

Sentiu dor espantosa, dor que ele não conhecia. Esse coração, desde sempre devotado ao remorso, experimentava um. sofrimento novo: sofrimento misterioso, indizível, em que, num único soluço, misturavam-se o céu e a terra".

Maxêncio tinha muito chorado sobre si mesmo.

Nesse dia, porém, "o seu olhar não podia desviar-se da Senhora muito longínqua que os pecados dos homens faziam chorar''.

Era sim, a mesma "Bela Senhora" que tinha apare­cido a Maximino e a Melânia e cujas lágrimas, após ter conquistado esses dois pequenos representantes dum povo de campônios, acabava de tomar seu cativo um intelectual, tipo desses eternos espíritos errantes que na literatura vão à procura do amor humano através dos mais lindos painéis da natureza, sem cogitar da alta e cristalina fonte do Amor de Deus.

De volta à França, Psichari convertia-se e no dia 4 de fevereiro de 1913 abjurava a heresia ortodoxa grega, na qual tinha nascido, ajoelhado diante duma estátua de N. Sra. de La Salette na capela do seu amigo Maritain.

Lemos no "Journal" de Mme. .Maritain estas poucas linhas escritas no mesmo dia da cerimônia: "Terça-feira, 4 de fevereiro de 1913, o Pe. Clérissac e Ernesto, chegam às 16 horas. A nossa pequena capela está toda adornada com flores, as velas estão acesas, duas lindas velas bentas, Domingo, dia da Candelária. Ajoelhado perante a estátua de N. Sra. de La Salette, com voz forte, embora muito emocionada, Ernesto fez a profissão de fé de Pio IV e a de Pio X. O padre está de pé, testemunha diante de Deus; Jacques e eu estamos escutando de joelhos, tremendo de emoção. Após essa leitura, saímos. Ernesto faz a sua confissão geral. Enquanto isso não cessamos de orar. Finalmente chamam-nos.

Achamos Ernesto transformado, radiante de alegria.

Seus olhos são novos, lavados por água do céu. Estou pensando nos olhos luminosos e puros do meu pai depois do seu Batismo. No dia 8 de fevereiro seguinte ele foi crismado por D. Gibier, bispo de Versailles, e tomava o nome de Paulo, em reparação dos ultrajes do seu avô contra o grande Apostolo" (67).

Tombou gloriosamente a cabeça atravessada por uma bala, na Bélgica, na batalha de Charleroi, na tarde de 22 de agosto de 1914. Em torno das mãos trazia enrolado um terço, parecido com aquele que coroava e cingia a "Reconciliadora dos pecadores", que o fora procurar lá no deserto.

Ernesto Renan, o avô apóstata, acolheu com desprezo a Aparição de Nossa Senhora de La Salette e escreveu a um seu amigo de Grenoble que era necessário combater e desmascarar a nova superstição. A resposta da Virgem misericordiosa foi a conversão de Ernesto Psichari e sua morte de herói cristão (68).

Todos esses prodígios, com inúmeros outros aqui forçosamente omitidos, proclamam, com toda eloquência, que lá na montanha de La Salette apareceu “Santa Maria, Mãe de Deus que roga por nós pecadores."

(65) Na brochura La Salette - Témoignages. Paris, 12 de agosto 1946. B. 79.

(66) Apóstata, autor do livro "'Vie de Jesus" que é uma voluntária deformação dos Evangelhos e porisso levou inúmeras pessoas à incredulidade; Nasceu em 1823, morreu em 1892.

(67) Les Grandes Amitiés, 2 voL, Pg· 170. Bibliografia 65.

(68) Artigo do P. Hostachy, M. S. na sua brochura ''La Sallete- dans les lettres françaises" . Pag. 107 ss.

 

CAP1TULO SEXTO

A APARIÇÃO DE MARIA SANTÍSSIMA EM LA SALETTE, INDISCUTIVELMENTE PROVADA PELO TESTEMUNHO DE DEUS, ISTO É: OS MILAGRES ESTRITAMENTE DITOS.

§ 1 - Preliminares

Deus se exprime numa linguagem que Ele só pode falar, isto é, o milagre: quer dizer, um fato, devidamente verificado, que demonstra que, no caso, foram suspensas, alteradas, dominadas as próprias leis da natureza e de tal maneira, que, houve intervenção do mesmo Criador.

O próprio N. S. Jesus Cristo apelou claramente para os seus milagres, para provar a sua divindade. "Vós dizeis que eu blasfemo por ter dito: que sou Filho de Deus? Se eu não faço as obras do meu Pai não creiais: porém, se as faço, quando não queirais crer em mim, crede ao menos nas obras que faço, para que conheçais e acrediteis que o Pai está em mim e eu no Pai" (69).

Apresentaremos algumas curas milagrosas, precisamente aquelas que a Comissão de inquérito, nomeada pelo bispo de Grenoble, admitiu como sendo milagres no sentido estrito (70).

Dissemos que o fato do milagre deve ser realmente verificado. Para isso nada melhor e mais convincente do que a exposição certa e sincera do fato, o atestado do médico, declarando que os recursos naturais, as forças humanas se averiguaram insuficientes, ineficazes, e frequentemente, corroborado pela sentença da competente autoridade religiosa por ser o milagre uma intervenção do próprio Deus, e condição indispensável em nosso assunto, obtida pela intercessão de N. Sra. de La Salette.

(69) Evangelho de S. João capitulo 10 versículos 38, 37, 38.

('70) Dom Giray publicou em 1821 uma obra em dois volumes: ''Les miracles de La Salette". Bibliografia ?(ilegível).

 

§ II - Cura de Maria Antonieta Bollenai, na Paróquia de Avallon, em 1847

Da relação do Pe. Gally, vigário da miraculada, extraímos os seguintes trechos: "Desde 1843 o estado de saúde de Maria Antonieta Bollenat, durante quatro anos seguidos, foi sempre piorando. Sofria horrivelmente, a ponto de cair em frequentes desmaios, e dia 11 de novembro, todos - o médico mais do que os outros - julgaram ter chegado a hora do desenlace fatal.

Vieram me chamar. Ela se confessou entre desmaios e horrendos sofrimentos.

Ficou resolvido recorrer-se a N. Sra. de La Salette, tanto mais que tinham água da Fonte, e Maximino e Melânia tinham prometido rezar uma Ave Maria cada dia da novena que, começada no dia 12 de novembro, prosseguiu sempre com o uso da água da Fonte.

Os sofrimentos não abrandavam; o menor toque na região epigástrica a fazia gritar dolorosamente e não tolerava nenhum alimento. "No dia 21 de novembro, último, da novena, levei-lhe a sagrada comunhão, que muito a confortou, porém sempre em estado de prostração devido a dores intoleráveis.

A uma hora da tarde, tomou água da Fonte milagrosa pela última vez, a quantidade de costume, isto é, três colherinhas! E depois de beber, ficou toda esperançosa, anunciando uma cura que nada poderia fazer supor.

As duas horas, com vontade de comer pediu caldo com pedacinhos de pão, que ela tomou sem experimentar o menor sofrimento. Acreditou que tivesse chegado a hora da sua cura. Tentou, debalde, levantar-se.

Então rápida dúvida lhe passou pela mente, mas logo recuperou toda a confiança em Deus e tomou a resolução de aguardar a sua hora.

Pelas cinco horas e meia, de repente, as palpitações, as dores, tudo estava terminado. Com toda a calma levantou-se, vestiu-se e foi pedir alimento que comeu com apetite. A cura era completa.

Avallon, 13 de Fevereiro de 1848.

Pe. Gally, vigário.

 

Atestado médico

"Eu abaixo assinado, formado em medicina, na faculdade de Paris, morador de Avallon, certifico que tratei o doente Maria Antonieta Bollenat, desde 1830 até 1847, tendo em resumo observado o seguinte:

1o Há 17 anos Antonieta Bollenat vomitava tudo o que comia, digeria apenas umas colheradas de leite e de caldo. Nos últimos 3 meses até 21 de novembro nada mais digeria. Em 21 de novembro pelas 6 horas do tarde, sem transição alguma, sem a menor crise, ela comia, digeria muito bem uma sopa substanciosa.

2o Há três anos que Antonieta Bollenat não andava, ficando só deitada de costas, podendo apenas mover as extremidades dos membros inferiores. Em 21 de novembro, Antonieta Bollenat levantou-se, pôs os seus vestidos, suas meias e passeou pelo quarto.

3o Há dez anos que Antonieta Bollenat não podia se deitar do lado esquerdo e quase não conseguia mais dormir. - Em 21 de novembro Antonieta Bollenat deitou-se do lado esquerdo e dormiu toda a noite.

4o Há dezenove anos que as dores de estômago, quase que intoleráveis, por fim, não lhe davam tréguas. Em 21 de novembro não havia mais dor alguma, na região epigástrica, nem tão pouco em parte alguma do hipocôndrio esquerdo.

5o Há sete anos um tumor enorme existia na parte superior média lateral do ventre, e desde muito eu não receitava nenhum remédio, seja para curar esse tumor, seja para impedir se desenvolvesse. - Em novembro dia 21 o tumor desapareceu por completo, não se deu nenhum movimento crítico, nenhum derrame purulento ou qualquer outro por via nenhuma.

6o Em 19 de novembro Antonieta Bollenat apresentava todos os sintomas de morte iminente. Em 21 de novembro e nos dias seguintes a temos visto gozando perfeita saúde.

E por ser verdade, assino o presente atestado que declaro sincero e verdadeiro.

Avallon, 4 de Dezembro de 1847.

Ass. : Dr. Gagnard

 

Sentença judicial do Exmo. Sr. Bispo Diocesano

"Mellon Jolly, pela divina misericórdia e favor da Santa Sé Apostólica, Arcebispo de Sens:

Atendendo ao relatório da Comissão por nós nomeada, em 24 de Fevereiro de 1848, para proceder a um inquérito judicial sobre os fatos relativos a uma cura extraordinária, que sucedeu em Avallon, no dia 21 de novembro de 1847, na pessoa de Antonieta Bollenat, depois de ter feito sua novena à Virgem SSma.; aten­dendo também aos depoimentos das testemunhas e do facultativo, datados de 7 e 8 e 14 de Fevereiro de 1848; igualmente, atendendo aos certificados e documentos anexos dos interrogatórios, e também atendendo ao relatório que nos foi apresentado em 28 de Fevereiro de 1849 pelo Pe. Chauvan, nosso Vigário Geral, encarregado do exame desse acontecimento e da discussão dos fatos; atendendo finalmente às conclusões que se deduzem do mesmo relatório, e depois de ter ouvido o parecer do nosso Conselho e invocado o nome de Deus:

Nós declaramos, para a glória de Deus, da Virgem Santíssima, e para edificação dos fiéis, que a cura de Antonieta Bollenat, sucedida em 21 de Novembro de 1847, depois duma novena à SSma. Virgem Mãe de Deus, invocada sob o título de N. Sra. de La Salette, apresenta todos os caraterísticos duma cura miraculosa e constitui um milagre de terceira ordem.

Dada em Sens, sob o nosso selo e do contra-selo do nosso Vigário Geral, secretário particular, 4 de Março do ano da Graça de 1849.

(S. G.) - Assinado: Mellon

Arcb. de Sens.

De ordem do Exmo. Sr. Arcebispo E. Chauveau

Vigário Geral (71).

(71) Bousselot - La Vérité sur l'évenernent de La Salette - Bibliografia 21.

 

§ III – Cura da irmã Francisca de Sales

''No ano de N. S. Jesus Cristo de 1849, a 26 de Julho, nós abaixo assinados, Vigário Geral de S. Excia. Revma. e bispo de Rennes, visto:

1o O certificado médico seguinte: Nós abaixo assinados doutores em medicina, fomos chamados para o tratamento da Sra. Maria Francisca de Sales, religiosa da Visitação. Essa religiosa padecia, há muitos anos, de hipertrofia do coração com lesão das válvulas. Uma inchação enorme se estendia desde a clavícula até a última costela. Desde que chegou de Paris a Sra. Maria Francisca de Sales, sentiu o mal aumentar. As crises de sufocação que padecia há muito, iam se tornando cada vez mais frequentes, e chegaram a ponto que ela já não podia mais colocar-se na posição horizontal. A deformação das costelas tornou-se enorme, o coração parecia querer pular para fora e toda a árvore arterial esquerda começou a hipertrofiar-se. O Sr. Fretanneau, conceituado especialista, verificou o mal que assinalamos. O seu diagnóstico foi o que acabamos de apresentar. As pernas incharam, tornaram-se vermelhas, e se abriram feridas. A inchação subia para cima dos joelhos. A doente passou cento e dez noites e cento e dez dias sentada numa poltrona.

Todos os recursos da medicina foram usados e não conseguiram impedir o desenvolvimento rápido dessa horrenda moléstia que durante alguns dias desistimos de tratar.

A sra. Maria Francisca de Sales desejava que se fizesse uma novena. As crises iam cada vez tornando-se mais agudas e a doente entrou em agonia; um suor frio porejava pelo rosto; as pupilas, imóveis e insensíveis.

As pessoas presentes aguardavam o último suspiro. De repente ela pediu de beber, tomou sem dificuldades a bebida que lhe apresentaram, pediu também caldo que lhe foi servido. As Pernas desincharam imediatamente, dormiu perfeitamente a noite toda. e quando chegamos, no dia seguinte, não encontramos nenhum vestígio de doença. As pernas tinham recuperado o seu volume e sua cor normal. A inchação e a deformação das costelas tinham desaparecido. Os ruídos do coração não anunciavam mais alguma anormalidade. A sra. Francisca de Sales caminhava, subia toda a escadaria sem que se notasse aceleração nas pulsações do coração. Ótimo apetite, digestão fácil e desde então a Sra. Maria Francisca de Sales pode colocar-se na posição horizontal no leito e dormir calmamente.

Há três meses que se deu essa transformação e sua saúde continua perfeita. A Sra. Maria Francisca de Sales talvez seja a mais forte de todas as pessoas da comunidade e dessa horrível moléstia só nos fica recordação. A presente ata foi feita e atestada por nós, três meses depois da doença, a 3 de julho de 1849.

Visto:

2o O relatório a nós apresentado, escrito em parte pela doente e em parte pela enfermeira: "No principio de março do ano corrente, o médico comunicou à minha família que minha doença não tinha mais cura. Minha irmã mais velha pediu ao Vigário de La Salette uma novena de missas e enviou-me água da fonte milagrosa, pedindo-me que eu bebesse, e também tomasse parte na novena. Custei a consentir, pois desejava morrer; mas, por obediência, fiz a novena com todas as Irmãs. As minhas crises foram tornando-se cada vez mais agudas; sofria horrivelmente, nem sequer podia engolir a minha saliva. Só esperava pelo meu último momento".

(Agora fala a enfermeira:)

"No dia 26 de março, pelas 6 horas e 30 da tarde, a Irmã Maria Francisca de Sales teve uma crise que bem parecia a última: delírio, olhos fixos e mais sintomas da morte. O Pe. Capelão veio apressadamente administrar-lhe a Extrema Unção. Todas as Irmãs estavam tão certas de que ela ia morrer que prepararam todo o necessário para o enterro.

A agonia prolongou-se por 22 horas. Ela já não engolia. Só lhe molhávamos os lábios com água da Salette. De repente a febre diminuiu muito, ela pôde pedir e receber o Santo Viático pelas quatro horas da tarde".

(De novo fala a própria doente:)

"Ao receber Nosso Senhor, eu não via nem o Padre, nem as luzes, só sabia que ia comungar. Recuperei os sentidos; o meu mal queimava-me o corpo. Nosso Senhor me disse: Eu posso e quero curar-te. - Fiat! respondi. Entretanto meu lado esquerdo se movia todo, o meu coração como que se virou e se colocou no seu lugar, com movimento tão violento que me assustei.

Notando porém que nada mais sofria, pelo contrário, que um bem estar geral se difundia pelo meu ser todo, compreendi que estava curada.

Após meia hora de ação de graças, resolvi comunicar o fato à nossa Madre Superiora."

Declaramos que também nós presenciamos várias vezes os crises padecidas pela doente, estamos convencidos do que não podia haver, por meios naturais, cura instantânea.

Consideradas todas essas declarações, examinando o atestado médico, julgamos que a cura da Irmã Maria Francisca de Sales deu-se de modo extraordinário, fora das leis fisiológicas e patológicas, portanto autorizamos se faça cópia da presente ata".

Seguem as assinaturas do Vigário Geral, do capelão, dos dois médicos e de sete Irmãs.

"A presente ata foi vista e aprovada por nós, bispo de Rennes, 2 de agosto de 1849 (72).

G., bispo de Rennes".

('12) Rousselot - Nouveaux Documents. Bibliografia 21.

 

§ IV – Cura da srta. Paulina Burton, em Namur - Bélgica.

Relatório do S. Delvaux, doutor em medicina em Rochefort, província de Namur, documento esse conservado no Arquivo da Igreja de Ciney.

“A Srta. Paulina Burton nasceu de pais que gozavam boa saúde, proprietários e lavradores, com meios de vida largamente suficientes. Teve educação bem cuidada; passou vários anos num pensionato dirigido por religiosas, onde adquiriu instrução própria para seu estado. Sua saúde, embora não muito sadia , man­tivera-se regularmente boa.

De volta em casa dos seus pais, tratou dos afaze­res domésticos, no entanto preferia o trabalho mais sossegado - costura, bordado, - de maneira que a sua vida, mesmo no campo, foi bem a vida duma sedentária.

Na idade de dezoito para vinte anos, fez um exercício violento e desde então não gozou mais boa saúde.

Pálida, sofredora, tristonha, digerindo muito mal; respiração ofegante; suas forças foram diminuindo. Tor­nou-se anêmica, padecendo contínuas dores; rápidas palpitações declararam-se, bem como todos os sintomas de hipertrofia do coração e pontadas nos pulmões denotaram perigo de tísica pulmonar.

O estômago ficou também atacado de peculiar modo, e a região epigástrica tornou-se tão dolorida que o menor contato provocava síncope. Dores nas costas e as apófises das vértebras dorsais, sensíveis em extremo, indicaram alguma moléstia da medula espinhal. Os órgãos do ventre, por sua vez, contaminaram-se, etc.

Nesse estado ela viveu durante dezenove a vinte anos, com intervalos de menor sofrimento. Só podia caminhar com a ajuda de alguém para ir à igreja. A maior parte do tempo sofria tanto que devia ficar acamada, conservando sempre a mesma posição e sofrendo horrivelmente, com tanta violência por vezes, que esperava-se que ela sucumbiria. Várias vezes recebeu os últimos sacramentos.

No mês de março de 1850, a Sra. Burton piorou muito: os sofrimentos aumentavam e os remédios nada adiantavam. Até essa época podia fazer ainda alguns servicinhos: bodados, costura, arrastar-se até a igreja. Foi preciso deixar tudo, ficar no leito, com as dores mais cruciantes. Recusou todo e qualquer alimento; aliás, o seu estômago nada suportava; náuseas, vômitos sobrevieram; as palpitações do coração eram tão fortes que se escutavam a distância do leito. Nenhum sono, nenhum repouso.

A tantos males veio acrescentar-se suor tão considerável que a roupa, tanto a do corpo como a da cama, ficava molhada em pouco tempo. E não havia nada que estancasse esse suor. Uns quinze a vinte litros de suor por vinte e quatro horas. A 11 de dezembro declarei à família que estava próximo o desenlace e retirei-me, certo de não mais ver a doente. Dias depois recorreram à intercessão de N. Sra. de La Salette. Não vacilo em declarar que a cura instantânea que se deu então é fato milagroso. Impossibilitado de voltar, só vi minha antiga doente 15 dias depois do acontecimento. Encontrei-a de pé, alegre. Repito, passar sem convalescênça o leito da morte a estado perfeito de saúde, é coisa sobrenatural (73), um verdadeiro milagre.

Rochefort, 22 de julho de 1852.

Delvaux

É necessário ponderar que não é só por meio de atestado médico que se pode Verificar milagres verdadeiros (74). Para os de N. S. Jesus Cristo não há nenhum atestado médico. É suficiente o testemunho dos presentes, como se deu por exemplo com a cura miraculosa da Srta. Apolônia Hermite, paralítica desde muitos anos que ficou curada meia hora depois do meio dia de 26 de agosto de 1874, após ter sido colocada pela pessoa caridosa que dela cuidava à beira da fonte milagrosa, no próprio lugar da Aparição, fazendo orações.

Nessa hora chegaram os missionários e todo o clero, que uniram as suas suplicas às dos fiéis, enquanto a enferma conservava os pés dentro da água. O Revmo. Pe. Superior, rezava as ladainhas de N. Sra. de La Salette, clero e fiéis imploravam: Rogai por ela, curai-a.

Por várias vezes repetiram orações. Debalde, parecia tudo debalde. No entanto a pobre enferma muito sofria com os pés dentro da água fria.

Os Padres resolveram retirar-se, mas a protetora da paralítica pediu, por favor, continuassem a rezar; e recomeçaram as orações. Ela filialmente implorava: ''É uma pobre órfã, sem recursos; curai-a, ó Virgem Santa!" De repente, no entusiasmo da sua fé, deu ordem à paralítica que se ajoelhasse. A pobrezinha, com esforço imenso, segurando a grade, colocou de vagar os joelhos no chão. Então começaram a rezar: "Lembrai-vos". De repente a doente sentiu-se o corpo perpassado de intensa emoção e, levantando-se, ficou firme em pé. - "Milagre! Milagre!" bradaram as trezentas pessoas que lá se achavam, acompanhando a miraculada que ia, com passo apressado, cantar com todos no Santuário: "Ave Maris Stella" (75).

(73) Rousselot - un nouveau Sanctuaire - Bibliografia 21.

(74) O Papa Benedito XIV, no seu tratado da beatificação e canonização dos servos de Deus, citado p. D. Giray.

(75) Semaine Religieuse (Boletim diocesano) de Grenoble, 3 Set., 1874.

 

§ V - Cura milagrosa obtida especialmente no intuito de comprovar a verdade da aparição de Maria Santíssima em La Salette.

Deu-se a 16 de abril de 1847, com a Irmã São Carlos, Religiosa Hospitalar em Avignon, França, que sofria de tuberculose pulmonar, no último grau.

A Superiora escreveu: "No dia 14 de fevereiro de 1847, a Irmã São Carlos recebeu a extrema unção. Ouvindo falar dos milagres operados pelo uso da água de La Salette, primeiro duvidei Devido porém à cura duma "Irmã do S. Coração, tive mais confiança e lembrei-me de propor uma novena à nossa querida enferma.

Embora gostasse de vê-la curada, o meu intento maior era a glória da Virgem SSma., a confirmação da sua aparição aos dois pastorinhos e a conversão dos pecadores.

Por esses motivos, por entre as nossas muitas doentes, escolhi minha irmã São Carlos, por ser a mais conhecida, devido à sua prolongada doença e portanto a mais própria para o meu intento.

Comuniquei-lhe o meu pensamento; mostrou-se totalmente indiferente, declarando-me que não fazia questão de recuperar a saúde pois isto seria afastá-la da eternidade, que preferia morrer ou mesmo ficar no estado em que se achava, conquanto Deus fosse servido.

Insisti várias vezes. Achando-a sempre com os mesmos sentimentos, resolvi recorrer à minha autoridade.

Tendo conseguido uma pouca água da fonte de La Salette, disse-lhe que não devia só pensar em si, mas também que maior glória de Deus e incremento do culto da Virgem SSma. resultariam duma cura tão extraordinária.

Dei-lhe ordem de unir-se à novena que para ela faria a comunidade e de tomar a água que eu lhe traria.

Na quinta-feira, 16 de abril, a doente desmaiou e vomitou muito sangue assustando-nos, a ponto que eu disse-lhe: “A Virgem SSma. vai curar-vos, mas é colocando-vos no Céu".

Na sexta-feira, dia 17 de abril, enquanto estávamos assistindo a missa de Mons. Prilly, bispo de Chalons, ela cogitava de pedir para o dia seguinte mais uma comunhão geral. De repente, deu-se na enferma uma transformação completa. Sentindo-se inteiramente curada, levantou-se, vestiu-se e desceu sozinha à capela para também ouvir missa, ocasionando entre nós o maior espanto...

Há quinze meses que se deu essa cura, e minha Irmã São Carlos, prossegue fazendo todos os exercícios da comunidade. Levanta-se às cinco horas da manhã, gozando perfeita saúde. Assino pois este relato, atestando que é conforme a mais estrita verdade.

J. Pineua, Superiora das Religiosas Hospitalares de São José.

 

ATESTADO MÉDICO

Clarice Pierron, com 30 anos de idade, de elevada estatura, de temperamento nervoso, sanguíneo, entrou, a 21 de novembro de 1834, no convento das Religiosas Hospitalares de S. José em Avignon, recebendo o nome de soror São Carlos...

Embora de constituição fraca, nunca tinha estado doente. De repente, a 22 de junho de 1838, sofreu hemoptise. Esse mal desapareceu depois de dez meses de tratamento com os Drs. Rocha e Chauffard.

Em Julho de 1839, sobreveio-lhe violenta disenteria, que os esclarecidos cuidados do Dr. Martin curaram, ficando porém paralisadas as extremidades inferiores durante oito anos.

Como consequência da inflamação crônica do aparelho digestivo, a dos pulmões voltou de tal modo que os vários tratamentos alternativamente aplicados pelos distintos médicos acima citados, não conseguiram impedir que o mal progredisse.

Em 1845, soror São Carlos foi confiada aos meus cuidados.

A hemoptise dá-se frequentemente, a tosse quase contínua, a expetoração é por vezes sanguínea e por vêzes purulenta; existe uma dor do lado esquerdo do peito, insônia, emagrecimento, febre e grande prostração muscular.

Os vários médicos aos quais recorri, nenhuma melhora conseguiram, pois a doente foi cada vez piorando.

Pelos fins de 1846, sobrevieram aftas no céu da bo­ca, na língua, na laringe; uma dor na garganta, com grande dificuldade para articular sons e engolir. Os remédios próprios para esse estado ficaram sem efeito.

Em fevereiro de 1847, todos os sintomas tinham aumentado; as faces profundamente alteradas e cento e cinquenta pulsações por minuto. A doente só tomava umas colheres da água, leite e caldo por vinte e quatro horas. Sendo desesperador o seu estado, e o doutor Rocha, que a via de vez em quando, tendo pronunciado o mesmo prognóstico, tive forçosamente que desenganá-la.

Mas que surpresa! no dia 16 de abril próximo passado, pelas oito horas do manhã, após uma noite de agonia, por assim dizer, operou-se uma revolução que, do repente, transformou o estado mórbido em estado normal. "Não posso exprimir, diz ela, o movimento que convulsionou o meu ser todo, mas o que posso dizer é que, num só instante, senti a minha cabeça, a minha garganta, o meu peito e meu lado como que desvencilharem-se, meus membros retomarem força, agilidade e minha voz a sua sonoridade".

Após essa transformação inesperada e estranha, ela se levanta, veste-se, anda, pula, sobe e desce esca­das correndo, vai percorrendo todos os aposentos da casa que visita pela vez primeira (76), atravessa pátios, jardins, e depois de lauta refeição, manda-me chamar.

Encontrei-a no seguinte estado: Estava trabalhando na sala comum com outras religiosas. Sua fisionomia, que refletia nos dias anteriores abatimento e sofrimento, irradia grande alegria. O pulso baixou a 100 pulsações. Sua voz é sonora. Sobe e desce com rapidez a escadaria. Carregando um fardo de 70 quilos, caminha depressa. O apetite voltou. No dia 17 de abril, nos dias subsequentes, ela trabalha, come, bebe e pratica os exercícios religiosos.

Agora que a cura de Soror S. Carlos não se desmentiu, se me perguntarem como foi que se deu, eu devo responder que, medicalmente falando, ela não acompanhou as fases comuns. Será porventura fato natural que um doente, em estado grave, recupere a saúde sem convalescença mais ou menos prolongada e penosa? Será porventura coisa natural que, numa doença grave, repentinamente o facies se transforme e que, de súbito, as forças e o apetite voltem? Por mim, confesso, que nunca vi coisa semelhante.

Av:ignon, 31 de maio de 1847.

Gérard, médico.

 

"O abaixo assinado, doutor médico chefe do Hospital de Avignon, após 36 anos de atividades, declara que a volta inesperada e imprevista dum estado medicalmente julgado mortal, na pessoa de soror São Carlos, a um estado de perfeita saúde, sob todos os aspectos funcionais e orgânicos, efetuou-se repentinamente sem intervenção dos recursos da arte e que por conseguinte trata-se dum prodígio.

Dr. Rocha, médico.

Por cópia conforme - Avignon, 24 de Junho de 1848.

(C. Persyse; Semaná, Barrêre, vigários capitulares, em Giroy: Les Miracles de La Salette, vol. I. pag. 340 e 375).

Quem aqui escreve não pode furtar-se à satisfação de narrar uma sua recordação. Lá pelo ano de 1902, quando ainda seminarista maior dos Missionários de N. S. de La Salette, ia subindo à querida Montanha, onde fez o noviciado. No caminho alcançou um venerando ancião, de cabelos branquinhos, galgando penosamente a íngreme encosta. Após os usuais cumprimentos, travou-se a conversação. O velhinho disse: "Há trinta anos que neste mês, cada ano, faço setenta quilômetros à pé, bem fielmente, para vir agradecer a N. Sra. de La Salette o grande milagre que Ela me concedeu; pois há trinta anos eu vim aqui completamente cego e voltei para a casa com minha vista completamente boa e assim se conserva. Estou porém com mais de 72 anos de idade, as minhas velhas pernas já me não querem levar, esta é pois a minha última romaria. Maria SSma. sabe, Ela há de me desculpar".

Recordando--lhe a maternal bondade de Nossa Senhora, sosseguei o bom do velhinho que mais não vimos cujas feições tão serenas, donde promanavam fé e gratidão, me calaram fundo na alma.

(76) Soror São Carlos viera para essa casa de maca.

 

§ VII – Milagre em favor de Colete Yver

Transcrevemos a narrativa da merecidamente célebre escritora católica, por muitos apreciada em seus livros no Brasil, Colete yver.

“A Na. Sra. de La Salette" Como se paga uma dívida, uma dívida muito suave, venho aqui contar, com toda singeleza, em honra da Virgem Maria, o benefício que Ela, sob as feições de Na. Sa. de La Salette, concedeu-me na minha infância.

Na encantadora cidade de Segré, França, vivia, faz bem uns sessenta anos, uma menininha, que então contava apenas três anos, adulada com mimos pelos seus quatro irmãos e irmãs mais velhos, dotada de muita vivacidade, tanto que a sua mãe dava-lhe o apelido de "Azougue". Não era capaz de ficar parada. Ria e brincava sem descansar.

Essa benjamina que apreciou, numa família cristã, todo o calor verdadeiro do ninho é que, sendo agora uma velha literata, guardou muito vivas ainda as imagens dessa infância - recordações tão indeléveis essas, e que tanto vibram! - julga-se feliz hoje em colher piedosamente, no frêmito dessas recordações mais longínquas, como uma pedra duma casa desmoronada: - um acontecimento maravilhoso, um doce milagre da Virgem Santíssima.

Ainda vejo o quarto bem grande dos meus pais, o leito com alto baldaquino donde caiam compridas cortinas de musselina que o envolviam como santuário, onde o Crucifixo que ali reinava era um quadro grande, desenhado a carvão pelo irmão mais velho a mesa redonda bem no meio, por baixo da qual eu passava em pé a minha pequena poltrona de vime. Sim, te­nho tudo isso diante dos meus olhos, mormente a pequena poltrona ajeitadinha à minha altura. Era, da minha mobília pessoal, a peça principal. Ainda vejo-a fechando os olhos. Sentada nela, brincava de boneca, bem pouco mais acima do chão.

Certo dia minha mãe me chamou. Procurei levantar-me: impossível! as minhas pernas se tomaram inertes.

Minha mãe insistiu, acreditando numa desobediência. Eu respondi: "Estou grudada na minha cadeira!" Nada, com efeito, poderia melhor exprimir o que se passara porque era-me impossível ficar em pé. É sempre permitido pensar numa brincadeira, num gracejo, numa ocasião dessas, por parte duma criança. Os familiares, já aflitos, tinham ido chamar o meu pai lá no terreiro - espalharam bombons de chocolate pelo chão, dizendo que eu viesse apanhá-los. "Mas se estou grudada na minha cadeira, respondi, como é que posso levantar-me".

Chamaram o médico da família, o bom do doutor Poitevin que, vendo-me, ficou estupefato. Renovaram na presença dele a experiência do chocolate.

Apalpou os meus joelhos e as minhas articulações.

Tétrico foi o seu diagnóstico. O pior era que eu não sofria nada. Não se tratava pois de reumatismo. Por força teve de declarar que era paralisia. Naquele tempo a eletricidade ainda não tinha invadido o cam­po da terapêutica. A que recorrer, humanamente falando? A levadinha cabeça de beija-flor e como este passarinho sempre a se mexer, ali acometida de paralisia, estaria para sempre condenada. sem recursos?

O doutor meneava a cabeça, confortando do melhor modo os meus pais.

Por parte minha, não me lembro de ter sofrido nem mesmo um pouquinho. Era mesmo o sinal mais assustador do mal...

Essas coisas passaram-se em 1877, portanto, trinta e um anos depois que, na montanha de La Salette, em 1846, a Virgem Santa, rasgando, a favor de duas crianças. o véu que nos esconde o invisível, viera visitar a terra , na França. O país, convulsionado por diferentes modos de sentir e de pensar, padecia os assaltos do chamado ''livre pensamento". Mas no coração da minha província sossegada e ponderada, reinava serena e tranquila a paz das ideias. Ali a fé cristã permanecia inalterável. O vigário, O Pe. Villette - seja por motivo duma promessa do povo, seja oferta de alguma devota paroquiana, não sei - tinha mandado vir, para colocar na capela do cemitério, uma estátua, que julguei monumental, de Nossa Senhora de La Salette, com sua touca do feitio dum turbante, entre Maximino e Melânia, as duas crianças da montanha. Chegada que foi, verificou-se que a estátua era pesada de mais para poder ser levada até em cima dum altar ou duma coluna. Tinham-na colocado lá nas lages mesmo, na entrada da igreja do cemitério, encostada à parede do lado direito. Minha mãe, verdadeiro modelo de mãe cristã, aflita pela enfermidade da filhinha, resolveu, uns dias depois, recorrer à Virgem Santa e particularmente implorá-la sob a figura um pouco bizantina com que Maria se revestiu em 1846.

Menina paralisada que era, eu, não podia ir ao cemitério andando com os meus pezinhos inertes. Foram buscar no sótão o meu carrinho dos primeiros tempos, um lindo carro de vime, conforme uso da época, e a ama da minha irmã ficou encarregada de empurrar o carro de rodas fortes, embora de madeira e um tanto pesado, até à capela do cemitério.

Na porta da capela trocaram uma linda vela que puseram nas minhas mãos e pondo-me no chão disseram: "Vai levá-la a Nossa Senhora", e eu fui correndo. Desde então, nenhum sinal de paralisia nunca veio recordar-me esses dias trágicos em que, afinal, o milagre de Maria fez de mim uma mulher incansável para caminhar.

Dois anos depois o meu pai, funcionário, foi transferido para Rouen. Deixei em Segré a querida imagem da Virgem do milagre" (77).

Para não tornar volumoso demais este nosso livro, limitamo-nos a esses milagres. Mons. Giray, bispo de Cahors, França, na sua importantíssima obra em 2 volumes ''Les Miracles de La Salette", publicada em Grenoble em 1921, apresenta, até o ano de 1879, sessenta e cinco milagres, dos quais nove canonicamente julgados, trinta. e cinco admitidos por Bispos e dezesseis de caráter secundário.

É certo, portanto, que numerosos e grandes milagres foram obtidos pela invocação de N. Sra. de La Salette. Ora é contra a sabedoria e infinita perfeição de Deus, que Ele faça milagres que possam ser apre­sentados como provas de fatos inexistentes e menos ainda, de ardilosas imposturas.

Logo devemos concluir: Maria SSma, realmente apareceu no monte de La Salette a 19 de Setembro do ano de 1846.

(77) Na brochura '"La Salette - T61ooipagea. p. 187 - Bibliografia 78.

 

CAPÍTULO SÉTIMO

TESTEMUNHO DA AUTORIDADE ECLESIÁSTICA

JULGAMENTO E SENTENÇA DO BISPO DE GRENOBLE

§ 1o - Comunicado e Delegados episcopais

Se no capitulo anterior temos apresentado milagres obtidos pela intercessão de N. Sra. de La Salette particularmente na época da Aparição, foi porque nesses milagres é que a Autoridade eclesiástica se baseou para declarar verídico e divino o grande acontecimento.

De N. S. Jesus Cristo recebeu a Igreja católica poderes para decidir a respeito de tudo quanto se refere à Religião e a qualquer intervenção divina. Pois bem: por lei da Santa Igreja é somente ao bispo da diocese, em cujo território se deu algum fato com circunstâncias extraordinárias e porventura sobrenaturais, que oficialmente compete examiná-lo e julgá-lo.

Ora. o monte de La Salette pertencendo - como ainda pertence à Diocese de Grenoble, cujo bispo era então D. Felisberto de Bruillard, somente a ele assistia o direito de examinar e julgar o caso da Aparição.

Procedendo com a maior prudência, ele logo de início mandou aos vigários a seguinte circular:

- Vigário:

Sem dúvida chegaram ao seu conhecimento os fatos extraordinários que se deram, pelo que dizem, na paróquia de La Salette, perto de Corps. Concito V. Revma. a reler os Estatutos Sinodais que eu dei à minha diocese, no ano de 1829. Eis aqui o que se lê na página 97: “Proibimos, sob pena de suspensão incorrida ipso facto. declarar, mandar imprimir ou publicar algum novo milagre, por mais divulgado que seja, a não ser de ordem da Santa Sé ou da nossa, após exame exato e rigoroso".

Ora, nada pronunciamos a respeito dos acontecimentos de que se trata. O critério e o dever impõe a V. Rvma, se mostre muito reservado, e particularmente guarde silêncio absoluto, sobre o assunto, na tribuna sagrada.

No entanto houve quem publicasse um desenho litografado acrescentando-lhe umas estrofes. Comunico-lhe, Senhor Vigário, que essa, publicação não tão somente não foi por mim aprovada, mas antes me tem bastante contrariado; e que a tenho formal e rigorosamente reprovado. Tome portanto cuidado e dando o exemplo da prudência, não deixe de recomendá-la aos outros.

Queira aceitar, sr. Vigário, a expressão do meu sincero e afetuoso devotamento.

Felisberto, bispo de Grenoble, 9 de outubro de 1846."

Entrementes, com todo o cuidado, o bispo ia recolhendo todas as informações, cartas e relatórios; mandou sacerdotes conceituados a La Salette, ver os lugares e interrogar os dois pastorinhos. Ouviu, ou melhor, leu todos os relatórios que eles fizeram. Em Dezembro de 1846 nomeou duas comissões, compostas de cônegos da catedral e dos professores do seminário maior, aos quais ordenou. após inquérito, fizessem em separado o seu relatório bem fundamentado sobre o já rumoroso caso.

Ambas as comissões, em seus relat6rios - já prontos, em 25 de dezembro - aconselhavam maior estudo, maior informação. A dos cônegos concluiu se abrisse "o inquérito jurídico". Sem a menor pressa o bispo, prudente, ia refletindo e finalmente resolveu abrir o inquérito pedido. "Considerando ser o nosso dever, dizia ele na Provisão de 10 de julho de 1847, obter informações jurídicas tanto em Corps e La Salette como nos outros lugares onde se fala de curas milagrosas, nomeamos o Sr. Rousselot, professor de teologia no seminário maior, cônego da catedral e vigário geral honorário e o Sr. Orcei, cônego honorário e superior do seminário maior, para, na qualidade de Delegados, abrirem inquérito e colherem todas as informações referentes ao Fato em foco.

Concitamo-los a convocar tantos sacerdotes e leigos quantos julgarem necessários para alcançar a verdade.

Exigirão particularmente os atestados médicos das curas obtidas pela invocação de N. Sra. de La Salette ou pelo uso da água da Fonte milagrosa."

Poucos dias após sua nomeação oficial, a 27 de julho de 1847, os Padres Rousselot e Orcei deixaram Grenoble e foram percorrendo nove dioceses. Escreveram em seu Relatório: "Detemo-nos em todas as cidades episcopais das nove dioceses e tivemos audiência de seis bispos. Esses ilustres prelados mantiveram conferências conosco sobre a finalidade da nossa missão. Por toda parte tivemos boa acolhida, por toda parte muito se fala da Aparição do N. Sra. de La Salette, da água da fonte milagrosa, de romarias feitas ou projetadas à Santa Montanha, dos milagres operados ou das graças alcançadas pela intercessão de N. Sra. de La Salette.

Vimos e interrogamos as várias pessoas que diziam ter sido curadas; por toda parte nos deram ou prometeram relatórios autênticos desses fatos maravilhosos.

No dia 25 de agosto seguinte, após feliz viagem, estávamos de volta, por Corps, à vila por onde é necessário passar, querendo visitar o lugar do maravilhoso acontecimento que, dum ano para cá preocupa a França inteira e tem repercutido em países estrangeiros.

Na tarde disse dia, interrogamos, um depois do outro, os dois pequenos pastores, que, sem que pareça até agora terem notado, se tomaram tão célebres, e são causa prima da prodigiosa afluência ininterrupta que se vê nessas altas montanhas. na extrema fronteira sudeste da diocese de Grenoble".

Finalmente no dia seguinte, “com um tempo frio e nublado" por caminhos estreitos, penosos. íngremes'", os dois inquiridores, os primeiros que agiam oficialmente, alcançavam o planalto da Aparição, Vinham acompanhados das duas crianças, do Pe. Mélin, arcipreste de Corps, do Pe. Luiz Perrin, vigário de La Salette, do Pe. Paquet, vigário de Treminis; vários outros padres e quarenta romeiros se tinham unido a eles.

Momento solene, uma vez que nesse primeiro confronto oficial dos dois pequenos videntes dependeria a decisão autêntica da realidade ou da falsidade da sua visão.

Os dois delegados episcopais, de volta a Grenoble, apresentaram, primeiro por palavra, o resultado do seu mandato; depois o Pe. Rousselot redigiu por escrito o resultado do seu inquérito, num extenso relatório que seguidamente seria o primeiro livro que publicaria sobre o acontecimento de La Salette. Concluía em data de 15 de outubro de 1847, do modo seguinte:

“Tudo o que podemos ver pessoalmente, tudo o que ouvimos de testemunhas insuspeitos, todos os documentos autênticos que temos colhido sobre o fato extraordinário de La Salette, nós aqui apresentamos com fidelidade, boa fé, simplicidade. Se externamos, se defendemos nosso modo de pensar, é para levar ao conhecimento de V. Excia. nossa convicção pessoal.

Essa convicção vem sendo compartilhada, quer na diocese, quer fora dela, pela maior parte das pessoas com quem entramos em contato, que temos interrogado, ou que pessoas. espontaneamente comunicaram-nos as suas impressões.

Todos os eclesiásticos e leigos que vimos, aguardam pressurosos o julgamento doutrinai de V. Excia. sobre esse caso. Todos fazem votos para que essa decisão seja para a maior glória de Deus, incremento da devoção à augusta Mãe de Deus e salvação do povo. Por causa do fato em si, independentemente de qualquer decisão autêntica e solene, as multidões se movimentaram e se encaminham, vindas de todos os lados, para a montanha de La Salette. Quanto maior não há de ser o efeito, quando for revestido, esse fato, do selo da autoridade episcopal" (78).

(78) Rousselot - Livro já citado. Bibliog. 21.

 

§ 2o - Comissão examinadora

Prosseguindo na sua prudência, o chefe jurídico da diocese, longe de pôr o seu selo em documento que certificasse o fato da Aparição, resolveu nomear ''uma comissão numerosa - conforme suas palavras - composta de homens conceituados, piedosos e ilustrados, que deveria maduramente examinar e discutir o fato da Aparição com suas consequências".

Era composta essa comissão de dezesseis membros: os dois vigários gerais titulares, o superior do seminário maior, os oito cônegos da catedral e os vigários das cinco paróquias da cidade episcopal.

O bispo submeteu ao seu estudo o Relatório dos seus dois delegados. Do 8 de Novembro a 13 de Dezembro da 1847, a comissão realizou oito reuniões numa das salas do paço episcopal, sob a presidência do próprio D. Felisberto de Bruillard que dirigia os debates. Maximino e Melânia compareceram juntos e em separado. Como na Montanha, repetiram as palavras e atitudes da Aparição, sem nada modificar.

Em 4 de novembro, o bispo tinha mandado uma carta de convocação aos vigários da cidade, na qual se notavam particularmente estas palavras: "Desejosos de lhes dar prova da sua estima e confiança, resolvera associá-las aos seus vigários gerais e aos membros do seu colendo cabido, no intuito de ouvirem e discutirem todos juntos o Relatório a ele apresentado".

Determinava, com antecedência, hora e lugar para cada reunião, exigia rigoroso segredo e pedia orações para o feliz êxito do empreendimento, as luzes do Espírito Santo e o auxílio da Virgem.

"As reuniões, ordenava, terão início segunda feira próxima, no palácio episcopal, à uma hora e quinze da tarde, numa das salas do segundo andar; e prosseguirão nos dias seguintes à mesma hora, sendo indispensáveis o comparecimento exato e o segredo inviolável até decisão final.

Para pronunciar sentença doutrinai sobre o fato importante que há de nos ocupar durante várias sessões, necessito do socorro do Céu.

Haveis de me ajudar a consegui-lo, rezando, assim como eu, na Santa Missa nos dias de reunião, as orações do Espírito Santo e da Bem-aventurada Virgem".

A Sua carta de convocação anexou um “regulamento sobre a ordem a ser seguida nas reuniões". Esse regulamento foi comunicado" a todos os membros da comissão e particularmente especificava que na abertura e no encerramento das reuniões haveria oração.

Foram previstas seis sessões e cada uma com seu assunto claramente determinado. Isso aliás não impediu as digressões que obrigaram o bispo a chamar à ordem a douta e loquaz assembleia.

No fim da quarta sessão, interveio com certa severidade. "Senhores, disse, não ficareis admirados se na quarta sessão, salientando que nas duas primeiras compareceram os dois videntes, eu vos dirijo uns avisos... O debate sobre o grande acontecimento da Aparição se realizou com plena liberdade, como devia ser, e a oposição usou largamente do seu direito de falar. Colocou frequentemente até pedras pelo caminho por onde anda a comissão e a marcha, embora não impedida, ficou prodigiosamente retardada.

Pareceu-nos que se perdeu muito tempo. Evitemos esse mal, pois o tempo é precioso. Aliás vossa intenção não há de ser de prolongar exageradamente os nossos debates e as nossas reuniões".

A oposição, de quatro membros, sendo o mais ativo o Pe. Cartellier, vigário de São José, procedia com tenacidade, apesar do acordo contínuo dos doze membros.

Foram precisas oito sessões para esgotar todos os assuntos. No entanto, a votação a favor do Relatório e das mais questões levantadas foi sempre com grande maioria de votos, umas até com unanimidade; e as soluções das objeções apresentadas foram adotadas também pela grande maioria".

No dia 13 de dezembro de 1847, o bispo declarou encerradas as sessões, agradecendo aos membros da assembleia a frequência e zelo, e acrescentando que em tempo oportuno pronunciaria seu julgamento doutrinai".

Como fazia notar, D. Ginoullac, sucessor de D. Felisberto, o bispo não necessitava do exame de comissões tão numerosas para pronunciar o seu julgamento sobre a Aparição. Nem tão pouco era necessária maioria tão grande como foi em todas as reuniões, para que pudesse agir". D. Felisberto porém fazia questão de afastar a menor possibilidade de errar e de "cercar-se de todas as luzes possíveis sobre o assunto, e obter esclarecimentos sobre os pontos mais dificultosos. Embora, dizia ele mais tarde, a nossa convicção fosse completa no fim das sessões da comissão, não quisemos ainda pronunciar julgamento doutrinai sobre fato de tanta importância".

Limitou-se a dar sua aprovação, no ano seguinte, ao relatório dos dois Delegados, autorizando a sua publicação. Essa obra, feita com toda ciência e imparidade, intitulada: ""La Vérité sur l"Avenement de La Salette... (A Verdade sobre o Acontecimento de La Salette) impressa com aprovação do bispo, denota com que grande cuidado foi examinado o assunto e prolongado o exame" (79).

(79) Rousselot - na obra assinalada e Manuscritos do Pe. Bossan. M. S. arquivo dos Miss. de N. Sra. de La Salette. Bibliografia 3, 7, 21.

 

§ 3o – Julgamento e sentença do Bispo diocesano

Entre a publicação do relatório e a divulgação da Carta Pastoral do julgamento, decorreram quatro anos, e durante esse prazo surgiram vários casos de que falaremos mais abaixo; a oposição desenvolveu atividades que alguns trataram de "satânicas", que aliás se prolongaram ainda por mais seis anos depois da sentença episcopal.

O venerando Prelado enfrentou a luta sem temor e com sábia e nobre longanimidade. "Todos sabem, havia de escrever na sua Carta pastoral, que não faltaram os contraditores. Qual a verdade moral, qual o fato humano e mesmo divino que não os teve? No entanto, para modificar a nossa crença num acontecimento tão extraordinário, tão inexplicável sem intervenção divina, cujas circunstâncias e consequências unem-se para apontar o dedo de Deus, fora necessário um fato contrário, tão extraordinário e tão inexplicável como o de La Salette, ou pelo menos que explicasse este último de modo natural; ora tal coisa não encontramos, e por esse motivo, publicamos, alto e bom som, a nossa convicção" (80).

Quiseram contestar o seu direito de pronunciar o julgamento. Até o seu Metropolita, o arcebispo de Lião, tentou avocar, a si, com insistência, o caso de La Salette. Ora ele apenas poderia recomendar cuidado e prudência; o julgamento, porém, de acordo com o Concílio de Trento era da alçada do bispo diocesano, e o bispo de Glenoble estava certo do seu direito.

“D. Felisberto, afirmou mais tarde D. Ginoullac em sua Carta Pastoral de 4 de novembro de 1854, consultou pessoas muito conceituadas em Roma para saber das leis e de vários lados teve resposta que lhe assistia o direito de se pronunciar sobre o fato da Aparição e erigir um santuário na montanha de La Salette.

Tomava o bispo todas as cautelas, para não dar nenhum passo errado. E para completar o plano de uma Carta Pastoral dirigiu--se ao seu colega de La Rochelle, D. Villecourt, futuro cardeal que, romeiro de La Salette no ano seguinte ao da Aparição, fizera inquérito pessoal e publicara um livro em que proclamava com força a sua convicção. Esse bispo pôs-se ao dispor de D. Felisberto. Pronta que foi a carta pastoral redigida, em colaboração, pelos dois prelados, D. Felisberto remeteu o documento a Roma para submetê--lo às luzes e ao juízo do eminente Príncipe da Igreja, o cardeal Lambruschini, prefeito da Sagrada Congregação dos Ritos e antigo Secretário de Estado de Gregório XIII. A resposta foi: "Está tudo muito bem, nada há a desejar".

Depois disso, quis ainda que uma comissão composta dum vigário geral e dos cônegos da Catedral examinasse o trabalho, o que eles fizeram estudando o documento frase por frase, com toda a atenção, assinalando apenas umas leves alterações julgadas necessárias, que o venerando Prelado de bom credo aceitou, levando assim a prudência ao extremo. Nada mais faltava.

Resolveu finalmente o bispo de Grenoble publicar a sua Carta Pastoral, na qual, após minucioso relato dos fatos, das cautelas tomadas, dos trabalhos das Comissões, das orações feitas, das objeções dos adversários luminosamente rebatidas, ele pronunciava o seguinte julgamento e sentença:

“Baseando-nos sobre os princípios ensinados Papa Benedito XIV e seguindo as normas por ele traçadas na sua imortal obra da Beatificação e da Canonização dos Santos (Livro II, cap. 31, n. 12); visto o relatório escrito pelo Padre Rousselot, nosso Vigário Geral, intitulado: A verdade sobre o Acontecimento de La Salette visto igualmente o livro Novos Documentos sobre o Acontecimento de La Salette, publicado pelo mesmo autor em 1850, ambas essas obras por nós aprovadas; ouvidas também as livres discussões realizadas em nossa presença, sobre os fatos, nas sessões de 8, 15, 16, 17, 22, 29 de novembro, 6 e 13 de dezembro de 1847; visto ainda e ouvido tudo quanto foi escrito e dito, desde essa época, em favor ou contra o Acontecimento; considerando, antes de tudo, a impossibilidade em que Nos achamos de explicar o fato de La Salette de outra maneira a não ser por intervenção divina, seja qual for o modo como o consideremos, quer em si mesmo, quer em suas circunstâncias, quer em sua finalidade essencialmente religiosa; considerando, em seguida, que as consequências maravilhosas do fato de La Salette apresentam-se como sendo o próprio testemunho de Deus, manifestado por meio de milagres, e que esse testemunho é mais forte que o dos homens e suas objeções; considerando que esses dois motivos em separado, e ainda mais em seu conjunto, devem predominar em toda a questão e tirar toda espécie de valor às pretensões e suposições em contrário que declaramos perfeitamente conhecer; considerando, finalmente, que pela nossa docilidade e submissão o Céu nos pode poupar numerosos castigos de que estamos ameaçados e que por demasiada e prolongada rebeldia nos podemos expor a males sem remédio; a pedido formal de todos os membros do nosso colendo cabido e dos sacerdotes da nossa Diocese (81); no intuito, igualmente, de atender à justa expectativa de muito avultado número de almas piedosas, tanto da pátria como do estrangeiro, que acabariam por nos censurar por mantermos a verdade cativa; invocando novamente o Espírito Santo e o auxilio da Virgem Santíssima declaramos o seguinte:

Artigo 1o: julgamos que a Aparição da Virgem Santíssima a dois pastores, em 19 de setembro de 1846, num monte da cordilheira dos Alpes, situado na paróquia de La Salette, do Decanato de Corps, encerra t§das as cir­cunstâncias características da verdade e que os fiéis têm fundamento para acreditar que é certa e indubitável.

Artigo 2o: Cremos que esse fato adquire um novo grau de certeza da espontânea e imensa afluência dos fiéis ao lugar da Aparição, bem como dos inúmeros prodígios que foram consequência do referido acontecimento, grande número dos quais não oferece a menor dúvida, sem violar as regras do testemunho humano.

Artigo 3o: Por isso, para testemunhar a Deus e à gloriosa Virgem Maria a nossa profunda gratidão, autorizamos o culto de N. Sra. de La Salette. Permitimos seja pregado e possam tirar-se as conclusões práticas e morais desse acontecimento.

Artigo 4o : Proibimos no entanto, terminantemente, se publiquem formulários particulares de orações, cânticos, ou livros de devoção, sem nossa autorização, dada por escrito.

Artigo 5o : Proibimos terminantemente aos fiéis e aos sacerdotes da nossa diocese que se declarem publicamente por palavra ou por escrito contra o fato que hoje proclamamos e que portanto todos devem respeitar.
Artigo 6o : Queremos e mandamos que esta nossa Carta Pastoral seja lida e publicada em todas as igrejas e capelas da nossa diocese, na missa principal ou de comunidade, no domingo imediato ao seu recebimento.

Dado em Grenoble, sob o Sigilo e Selo das nossa Armas e Contra-Sigilo do nosso Secretário, a 19 de setembro de 1851 (quinto aniversário da Aparição)."

Fellsberto, bispo de Grenoble.

De ordem de S. Exa. Revma.: Auvergne, Cônego honorário, Secretário.

Os dois artigos 6 e 7, referem-se respectivamente à construção dum santuário no lugar da Aparição e à devoção dos fiéis, para que aproveitem e pratiquem as advertências e os ensinamentos de Maria SSma. em sua Aparição.

Tendo sido porém retardada a remessa, essa Carta Pastoral só foi lida, no dia 16 de novembro de 1851, nas seiscentas igrejas e capelas da diocese de Grenoble e teve ótima acolhida pela grandíssima maioria dos padres e dos fiéis.

Fora da diocese, igualmente, a Carta Pastoral foi recebida com aplausos quase gerais.

O Pe. Rousselot escreveu: O bispo de Grenoble, que pelo modo como tratou do acontecimento de La Salette, nada tinha que recear do juízo, nem de Roma, nem dos seus venerandos colegas, houve por bem remeter a sua Carta Pastoral aos bispos da França, a personagens de vulto de Roma e a alguns prelados no estrangeiro.

Os jornais religiosos da França e do estrangeiro, notadamente de Roma, publicaram a Carta Pastoral. Vários bispos mandaram publicá-la em sua diocese. Outros escreveram, por essa ocasião, cartas circulares para levar o fato ao conhecimento dos seus diocesanos.

A carta Pastoral de D. Felisberto foi logo traduzida em italiano, alemão, inglês e flamengo. O bispo recebeu, como resposta da remessa da sua Carta Pastoral, numerosas e lindas cartas de adesões públicas e particulares, da maior parte dos bispos, vigários gerais, superiores de Ordens religiosas e de toda espécie de pessoas da alta sociedade.

O arcebispo de Milão lhe dirigiu carta admirável. O bispo de Ryent, Inglaterra, mandou reimprimi-la e publicar junto com outra sua.

Todos os sucessores de D. Felisberto. até o atual, D. Caillot, aprovaram essa Carta Pastoral e se demonstraram devotados ao culto de N. Sra. de La Salette. O sucessor imediato de D. Felisberto foi o defensor estrênuo da Aparição e do Julgamento doutrinal. É que D. Ginoullac era homem de grande talento e profundo teólogo. Nas suas três Cartas Pastorais - de 30 de setembro, de 4 de novembro de 1854, de 19 de setembro de 1857 - de magistral valor e lógica irresistível, repeliu os ataques dos adversários rebatendo com ciência e energia os argumentos em contrário, e os reduziu ao silêncio.

A autoridade religiosa competente pronunciou sentença oficial, declarando fato certo que Maria Ssma. apareceu na Montanha de La Salette. Cremos portanto que a "Bela Senhora", era, na verdade, a Mãe de Deus.

(80) Carta Pastoral de 18 de setembro de 1851.

(81) Por ocasião do retiro espiritual, 240 padres assinaram uma súplica solicitando ao bispo uma declaração favorável. só 17 contra.

 

CAPÍTULO OITAVO

LA SALETTE E A SANTA SÉ

§ 1o - Esclarecendo

Para evitar todo e qualquer mal-entendido. iniciamos este Capítulo transcrevendo aqui uma resposta da Sagrada Congregação dos Ritos, do dia 12 de Maio de 1877. Fizeram a essa Sagrada Congregação a seguinte consulta:

"A Santa Sé aprovou as aparições e as revelações que, ao que dizem, se deram e foram causa do culto prestado a N. Sra. de Lurdes e N. Sra. de La Salette?"

A Sagrada Congregação respondeu: "A Santa Sé nem tem aprovado, nem tem condenado essas aparições e revelações; permitiu somente que se lhes dê piedosa crença de fé meramente humana, baseada na narrativa que delas fazem, narrativa aliás confirmada por testemunhos idôneos e por documento. Nada por conseguinte impede que os Ordinários..." (Decreta Autêntica, 3419, Dubium, 2).

Por conseguinte, nunca a Santa Sé, a respeito de Aparições e revelações, pronuncia julgamento doutrinário como fez D. Felisberto para a Aparição de N. Sra. de La Salette; pois a resposta acima bem claro dá a entender que tal julgamento Compete aos "Ordinários", isto é, aos bispos.

''É de fé meramente humana" porque a fé divina é só para a revelação que Deus fez à humanidade; essa revelação terminou com a morte do último Apóstolo de N. S. Jesus Cristo. É a respeito daquilo que se refere direta ou indiretamente a essa revelação divina que a Santa Sé, o Papa, pronuncia julgamento doutrinário definitivo.

Escusado é portanto querer o leitor encontrar neste Capitulo frase como esta: A Santa Sé aprovou no sentido do julgamento de D. Felisberto a Aparição de N. Sra. de La Salette encontrará, no entanto, provas de sobejo que a Santa Sé, na expressão da Sagrada Congregação, “permitiu se desse crença e culto a N. Sra. de La Salette".

 

§ 2o - O Papa Pio IX e seus breves em favor de La Salette.

Na época da Santa Aparição era chefe da Igreja o Papa Pio IX, que muitos favores concedeu para incrementar o culto de N. Sra. de La Salette (82).

Vimos que o bispo de Grenoble, antes de publicar o seu julgamento, enviou a sua Carta Pastoral ao Cardeal Lambruschini, prefeito da Congregação dos Ritos, que a 7 de outubro de 1851 respondeu: "Assim que as minhas ocupações mo permitiram, li com a máxima atenção a Carta Pastoral de V. Excia. Eis aqui o meu parecer. O prelado narra o fato, de certo extraordinário, sem prevenção e com a exatidão histórica tão recomendada na Sagrada Escritura e de conformidade com as Regras da Santa Igreja.

Tudo está muito bem, nada deixa a desejar, especialmente a respeito do exame do acontecimento, que foi conduzido com edificante e muito louvável rigor. Faço apenas notar que talvez, por sábia prudência, é melhor omitir o canto do "Te Deum", para não atestar com 'tão magna solenidade, em nome da Igreja, a verdade do Fato de que se trata".

Após tais palavras não é de admirar que o "Osservatore Romano" jornal do Vaticano, tenha publicado na quinta feira, 1o de abril de 1852, "com a autorização da censura", depois de rigoroso exame, a Carta Pastoral de 19 do mesmo ano.

O jornal 'acrescentava: "Recebem-se, nos escritórios do Osservatore Romano as ofertas para a referida Peregrinação".

Logo de início a Santa Sé concedeu favores espirituais. "A prova mais decisiva de proteção e favor dado à nova Peregrinação pela Santa Sé, é o número tão extenso das graças espirituais que o Sumo Pontífice tem concedido ao Santuário de N. Sra. de La Salette.

1o Por um Rescrito de 24 de agosto de 1852, o Soberano Pontífice declarou o altar mor do Santuário de La Salette, altar privilegiado perpétuo.

2o Por um Rescrito de 26 de agosto de 1852, concede a faculdade de celebrar a missa votiva da Ssma. Virgem a todos os padres que forem à La Salette, em todos os dias do ano, exceto nas grandes festividades e férias privilegiadas.

3o Por um breve de 26 de agosto de 1852 o Sumo Pontífice concede aos membros da Confraria de La Salette:

1. Indulgência plenária no dia da admissão;

2. Indulgência plenária na hora da morte;

3. Indulgência plenária uma vez no ano, no dia da principal festividade da Confraria;

4. Indulgência de sete anos e sete quarentenas, quatro vezes por ano, em quatro dias determinados;

5. Sessenta dias de indulgência por cada obra de caridade que praticarem.

4o Por um indulto de 2 de dezembro de 1852, Pio IX concede, a pedido do bispo de Grenoble, a permissão de solenizar, todos os anos, no dia 19 de setembro, o Aniversário da Aparição (vel ipso Apparitionis die) em todas as igrejas da diocese, ou no domingo seguinte, por uma missa solene e pelas vésperas cantadas de Nossa Senhora.

No mesmo indulto, o Papa autoriza o clero, se este o preferir, a celebrar a memória da Aparição (Memoriam hujus Apparitionis recolere) adotando o ofício inteiro, celebrando a missa do patrocínio da Bendita Virgem sob o rito solene duplo de segunda classe.

O mesmo Papa, de próprio punho, concedeu, em 10 de fevereiro de 1857, grandes indulgências à devoção de N. Sra. de La Salette estabelecida na Igreja dos Revmos. PP. Recoletos de São Trond, diocese de Liêge, Bélgica. E em 1858, concedeu iguais indulgências aos Revmos. PP. Passionistas de Buremonde, na Holanda (83) (No livro "Auguste Marceau, Capitaille de Frégate", 2a edição, II volume, pág. 429).

A Santa Sé, portanto, logo no início, permitiu o culto de N. Sra. de La Salette. Em 6 de agosto de 1867, o culto de N. Sra. de La Salette foi estabelecido publicamente em Roma, com autorização do Cardeal Patrizi, vigário do Papa, na diocese de Roma. Um quadro representando a Aparição foi exposto à veneração dos fiéis na igreja do São Salvador in Thermis. Na mesma igreja, a Confraria de N. Sra. Reconciliadora foi erigida e enriquecida com numerosas indulgências, pelo próprio Papa, que mandou inscrever o seu nome (84) em 16 de outubro de 1870. D. Baillés, antigo bispo de Luçon, oficiou na cerimônia.

Foi o padre Crévoulin, capelão da igreja de São Luiz dos Franceses, que erigiu a Confraria nessa igreja. Ele custeou as despesas da reforma de São Salvador em Thermis, para nela estabelecer o centro da devoção romana à Virgem dos Alpes (85).

Quando se levantaram os contraditores de La Salette, em 1854, Pio IX mandou escrever a D. Ginoullac, em 30 de agosto de 1854, uma carta para protestar contra os panfletos: "Sendo necessário, acrescentava o Santo Padre, é dever do vosso cargo e de vossa solicitude pastoral esclarecer o vosso rebanho a respeito dos perigos que cercam essa mesma devoção e pré muni-la contra eles ".
Por esse motivo, D. Ginoullac escreveu a sua Carta Pastoral de 4 de Novembro de 1854 em defesa do Fato e do culto de Na. Sra. de La Salette.

Um mês depois D. Ginoullac achava-se em Roma por ocasião da proclamação da Imaculada Conceição, e teve duas audiências de Pio IX, que tomou a iniciativa de falar de Na. Sra. de La Salette: "O Santo Padre, escreveu ele em 30 de janeiro de 1855, disse formalmente que é preciso manter a devoção a N. Sra. de La Salette, que confirmava a Carta que me tinha escrito e que na minha Carta Pastoral, que ele leu, eu tinha interpretado exatamente essa Carta".

Ora, na sua Carta Pastoral, D. Ginoullac assinalava o interesse especial do Santo Padre pela obra de N. Sra. de La Salette". O mesmo Papa, em Breve assinado do próprio punho, com data de 20 de novembro de 1869, felicitava o Sr. Similieu, de Angers, pelo seu devotamento ao altar de La Salette e pelos seus escritos conscienciosos vingando das calúnias e dos erros (vindicandae e calumniis et erroribus) a história dos fatos referentes à Aparição (86).

Em 10 de setembro de 1868, sabendo da morte do Padre Jacquet, missionário de La Salette, em Roma, no último dia do mês de N. Sra. Reconciliadora de La Salette, o Papa exclamou, levando os olhares para o alto:

"Oh! quanto é auspicioso para o céu! Gosto dessa devoção e estou contente por ver que ela se difunde" (87).
Parece até que a mensagem de N. Sra. de La Salette influiu na Encíclica de 1849 e nas cartas de Pio IX, conforme notava D. Ginoullac na sua Carta Pastoral de 1854. Com efeito, ele escrevia de Nápoles ao seu Vigário em Roma o Cardeal Patrizi, a 12 de outubro de 1867:

"Deploramos particularmente três males, a impiedade da blasfêmia, que se difunde infelizmente de modo particular no povo, a violação dos dias santos e a falta de respeito na casa de Deus. Esses males geralmente atraem a vingança divina, como a Sagrada Escritura e a história atestam.

Por conseguinte, compenetrado da santidade do nosso dever em vigiar pela glória de Deus e pela salvação das almas e de afastar do nosso povo, na medida do possível, os flagelos celestes, nós vos recomendamos de proceder em nosso nome e com plenos poderes à extirpação desses males... " São os próprios ensinamentos contidos na narrativa dos dois pastores.

(82) Bibliografia n. 7.

(83) Bibliografia 54.

(84) Bibliografia – Historie Secularie; p. 171 - Bibliografia 71.

(85) Lafond - La Salette. p. 49 nota.

(86) Semaine religieuse de Grenoble, 14 de novembro de 1858.

(87) Annales de Notre Dame de La Salette, abtil de 1890. Bibliog. 62.

 

§ 3o - Os Papas Leão XIII, Pio X, Benedito XV e Pio XI

O Papa Leão XIII muitos favores concedeu aos devotos de N. Sra. de La Salette. Vendo entre os membros da peregrinação a Jerusalém, um missionário de N. Sra. de La Salette dizia ele: “0h! de todo o coração, abençoamos La Salette e tudo o que é de La Salette".

O Bem-aventurado Pio X concedeu também a La Salette e aos seus benfeitores as suas mais largas bençãos (88). Pedindo vênia ao prezado Leitor, aqui recordo a bondade paternal com que esse Papa Santo, por ocasião da audiência na véspera da nossa vinda para o Brasil, nos disse que abençoava aos brasileiros e aos Missionários de La Salette, e concedeu, com toda facilidade, uma indulgência plenária aos agonizantes que osculassem o nosso Crucifixo de missionário.

O Papa Benedito XV nos dias 4 de novembro de 1916 e 20 de março de 1920, por ocasião das audiências que ele se dignou conceder aos Missionários de N. Sra. de La Salette e ao seu Superior Geral, dizia quanto essa cara devoção à divina Reconciliadora lhe parecia legítima e benfazeja, acrescentando que merecia fosse encomiada e desenvolvida, que estava satisfeito com seus progressos e por esse motivo abençoava os seus obreiros apostólicos e todas as suas obras" (89).

Igualmente, Sua Santidade Pio XI dizia numa audiência aos mesmos Missionários: "Tendes uma boa Nossa Senhora como Providência" (90).

Na última coletânea oficial das orações com indulgências, lê-se que Pio XI concedeu 300 dias de indulgências à oração “Lembrai-vos, ó Nossa Senhora de La Salette . . . '" e 100 dias à invocação "Nossa Senhora de La Salette, Reconciliadora dos pecadores, rogai sem cessar por nós que recorremos a vós".

(88) Giray. Les Miracles de La Salette - vol II, pág. 434. Bibliog. 68.

(89) Bulletin des Missionnaires de N. D. de la Salette, dezembro de 1918 e Maio de 1920.

(90) Na Revista acima. Fevereiro de 1928.

 

§ 4o - O Papa Pio XII

Foi particularmente por ocasião do Vo Congresso Mariano Nacional na França que Sua Santidade o Papa Pio XII manifestou seu paterno interesse pelo culto de N. Sra. de La Salette e seus missionários.

Em 31 de dezembro de 1943, em carta dirigida ao bispo de Chartres, no decurso das sessões preparatórias disse Congresso Mariano a realizar-se em Grenoble e La Salette de 2 a 8 de setembro de 1946, o Santo Padre convidava "a França, reino de Maria, em tantas provações nos atuais acontecimentos, a unir-se para festejar o Centenário da Aparição de N. Sra. de La Salette e avivar sua piedade filial para com sua augusta Protetora".

Ao então Superior Geral dos Missionários do N. Sra. de La Salette, Sua Santidade escreveu a seguinte carta autógrafa traduzida do original francês: "Caro Filho, Estevão Cruveiller, Superior Geral dos Missionários de N. Sra. de La Salette. Nossa devoção à SSma. Virgem, ao Coração Imaculado de Maria, ao qual consagramos a Igreja e o mundo, não pode senão dilatar-se diante das doces perspectivas que a vossa carta nos deixa entrever, do próximo Centenário da Aparição de N. Sra. de La Salette, cujo processo canônico então instruído resultou favorável.

É bem compreensível que a vossa Família religiosa, da qual D. Felisberto de Bruillard lançou a semente, "como perpétua memória da misericordiosa Aparição de Maria em La Salette" tenha tomado especialmente a peito, a comemoração secular da tarde bendita do dia 19 de setembro em que a Madona (Nossa Senhora), em pranto, conforme se relata, veio conjurar seus filhos a entrarem resolutos, na via da conversão a seu divino Filho e de reparação pelos inúmeros pecados que magoam a augusta Majestade Divina.

A Junta Nacional Francesa dos Congressos Marianos foi igualmente bem inspirada, decidindo, com pleno assentimento da Assembleia dos Cardeais e Arcebispos da França e de acordo com o nosso Venerável Irmão Alexandre Caillot, bispo de Grenoble, de celebrar, nesta ocasião, as sessões do V° Congresso, no lugar honrado há cem anos por esse insigne favor.

Vossa Congregação aliás, especialmente instituída para guarda do Santuário de N. Sra. de La Salette e irradiação de Maria Reconciliadora, não podia deixar de trabalhar eficazmente na realização desse magnífico projeto. É de mui bom grado que de Nossa parte, dirigimos a esse respeito, Nossos votos de encorajamento paternais aos queridos Missionários de N. Sra. de La Salette, na doce confiança de que a Virgem Santíssima há de querer, em retribuição, alcançar-lhes, para os seus múltiplos ministérios, até nos mais longínquos e duros campos apostólicos, abundantíssimas graças e consolações. Não há dúvida que a celebração desse Centenário contribuirá muito para o acréscimo de fervor espiritual e o reerguimento do mundo, ainda tão revolucionado pelas consequências da guerra, e particularmente da querida França, que há de querer soerguer-se cada vez mais; assim o esperamos, para a sua completa felicidade e plena prosperidade, no reino de Maria.

É portanto de todo o coração que almejamos completo e sobrenatural sucesso a essas solenidades jubilares, e que vos enviamos, assim como aos vossos caros filhos e a todos os que cooperarem nas mesmas solenidades com orações, trabalhos e generosidades, como penhor das melhores recompensas celestiais, a Bênção Apostólica".

Vaticano, aos 8 de outubro de 945 (91).

A Santa Sé, já no ano de 1943, tinha aprovado a missa e o ofício próprios de N. Sra. Reconciliadora dos Pecadores de La Salette. Durante o Centenário da Apari­ção de N. Sra. de La Salette concedeu:

1o Indulgência de Sete Anos cada dia dos Tri ou Novenas a N. Sra. de La Salette.

2o Indulgência plenária para as pessoas que assistissem ao Tríduo todo ou cinco dias duma novena a N. Sra. de La Salette.

3o Uma Indulgência plenária, para todas as pessoas que tomassem parte numa Romaria organizada, a um Santuário de N. Sra. de La Salette.

Terminamos este Capítulo mencionando mais duas provas do paternal interesse do Papa Pio XII por tudo o que se refere às obras salettenses. Por ocasião do Centenário da Congregação dos Missionários de N. S. de La Salette, o Santo Padre, em 22 de abril de 1952, por intermédio da Secretaria de Estado do Vaticano, se dignou escrever-lhes para dar-lhes as suas felicitações e fazendo os melhores votos, e acrescentou: "Do Santuário Mariano, berço da Congregação, os religiosos difundiram-se por inúmeros países, e hoje em dia levam até longínquas terras o espírito missionário mariano que caracteriza o Instituto". No dia 28 de maio seguinte Sua Santidade recebeu 70 religiosos salettenses numa audiência tão carinhosa que até consentiu ser fotografado no meio deles, jubilosos por tão grande honra. Concedeu 1000 dias de indulgências, toties quoties, a quem oscular os seus crucifixos de Missionários, falando-lhes com nímia benevolência “da vossa eminente Congregação". (92)

(91) Essa carta foi publicada no Diário Oficial da Santa Sé. Acta Apostolicae Sedis", de 1946, pág. 156.

(92) Annales de Notre Dame de La Salette. Maio-Junho de 1952.

 

CAPÍTULO NONO

OS SEGREDOS DE LA SALETTE

§ 1o - Os Segredos despertam a atenção

O Pe. Laggier, em seus interrogatórios, fez estas perguntas a Melânia:

- Então. Maximino ouviu o que Ela te falava?

- Não sei.

- Maximino não te disse?

- Não, ele não me disse nada. Quando Ela tinha desaparecido, Maximino me disse: "Ela ficou muito tempo sem falar, só lhe via mover os lábios. O que é mesmo que Ela falava?" Eu respondi: “Ela me falou alguma coisa, mas não posso te dizer: Ela mo proibiu."

- E você não lhe fez a mesma pergunta?

- Não, porque antes de perguntar-lhe ele me disse:

“Oh! que contente que eu estou, Melânia! A mim também Ela falou alguma coisa, mas eu não te quero dizer (93).

Assim foi que os dois Pastorinhos ficaram sabendo dos segredos, mas não falaram nada a este respeito, quando narraram o grande acontecimento. A quem lhes perguntou, por que motivos não tinham falado, responderam: “Ninguém nos perguntou; uma vez que era segredo, não era preciso falar" (94).

Justamente por ser segredo é que todo mundo queria conhecer.

O cardeal de Lião, a cujo arcebispado pertencia e ainda pertence o bispado de Grenoble, respondendo a uma carta do Pe. Rousselot, que respeitosamente queixara-se de certos rumores em Lião sobre a Aparição, "Respondeu (95):

Arcebispado de Lião, 21 de maio de 1851.

Confidencial

Não me ocupei absolutamente do caso de La Salette, Sr. Padre, a não ser para fazer respeitosas representações a S. Excia. o bispo de Grenoble; de que, sem dúvida, o Sr. teve conhecimento, a respeito do Concílio de Lião. Hoje tenho de me ocupar do caso na qualidade de conselheiro do Papa e venho rogar-lhe me diga se Marcelino e sua irmã me confiarão os seus famosos segredos para transmiti-los a Sua Santidade.

Queira aceitar", etc.

Visto o duplo erro do nome e do parentesco do vidente, o bispo de Grenoble podia "concluir que o caso de La Salette estava sendo bem pouco estudado pelo clero de Lião".

No entanto apressou-se em ordenar se dessem Os passos necessários junto às crianças para obter delas os segredos, porque, acrescentava: ''A carta de Sua Eminência supõe evidentemente que o Papa manifestou algum desejo de conhecer os segredos das crianças" (97),

(93) La Salette, III - pág. 134, 135. Bibliografia 20.

 

§ 2o - Os segredos escritos para serem comunicados ao Papa

Não foi tarefa nada fácil. Vimos, especialmente Pela carta de Mons. Dupanloup, quão renitentes se mostraram as crianças. Foi preciso que os Padres Rousselot e Auvergne lhes explicassem quem era o Papa, a quem deviam obedecer; que não era possível que a Virgem SSma. tivesse proibido de contar os segredos ao Chefe da Igreja; pelo contrário, Ela queria que se obedecesse ao Papa. "Mas, disse Melânia, não é o Papa que está pedindo". Finalmente convenceram-se, Maximino mais facilmente, Melânia com multo maior dificuldade.

Consentiram, mas com expressa condição: “Somente ao Papa e a mais ninguém" (97).

A Srta. de Brulais perguntou ao Pe. Gerin, 21 de Setembro de 1851, se Maximino e Melânia se tinham mutuamente consultado, antes de resolverem confiar os segredos ao Papa: - "Ah! não, respondeu o padre, pois entre eles havia bem hora e meia de viagem". (98).

Imediatamente D. de Bruillard remeteu relatório exato dessas entrevistas ao Cardeal Arcebispo, que dois meses depois ainda nada tinham respondido. Esse inexplicável silêncio levou o bispo de Grenoble a fazer, por carta, pormenorizada exposição dos fatos à Santa Sé, cuja resposta foi que Ele podia comunicar diretamente os segredos ao Santo Padre o Papa. Foi o que se deu, como passamos a narrar apesar do pedido formal do Cardeal: "Escrevam as crianças os segredos e mos remetam" - chegado ao bispado nesses entrementes.

D. de Bruillard enviou um leigo conceituado, homem de sua confiança, sr. Dausse, buscar Maximino e trazê-lo ao bispado, a 2 de julho de 1851. O menino ao chegar foi introduzido numa sala do segundo andar e colocado diante duma escrivaninha, com todo o necessário para escrever. Para vigiá-lo, de 0rdem do bispo, veio também o cônego de Taxis. Tanto ele como os outros se afastaram. Maximino, de cabeça na mão, ficou refletindo uns instantes, coordenando ideias. De repente começou a escrever o preâmbulo que mostrou do Sr. Dausse: "No dia 19 de setembro. de 1846, eu vi uma Senhora Luminosa como o sol, que acredito ser a Virgem Santíssima, mas eu nunca disse que fosse a Virgem SSma. É a Igreja que deve julgar se é a Virgem SSma. ou outra pessoa. Ela me disse no meio do discurso, após estas palavras: as uvas apodrecerão e as nozes se estragarão..."

O Sr. Dausse achou que estava direito, então ele escreveu ligeiro. Quando parou, levantou-se e, deixando cair a folha de papel no chão, foi espiar lá fora pela janela. As testemunhas apanhando o papel, viram que não passava dum rascunho todo borrado. Obrigaram-no a recomeçar e desta vez ele escreveu muito direito.

Avisaram o bispo que veio e ordenou a Maximino colocasse o escrito no envelope e fechasse. Imediatamente foi lacrado com Selo episcopal. Nesse mesmo dia foram ao convento de Corenc, perto de Grenoble, buscar Melânia que, vendo chegada a hora de escrever seu segredo, pôs--se a chorar e recusou ir.

Levaram o resto do dia e parte da noite para fazer-lhe compreender o seu dever finalmente ela prometeu obedecer.

No dia 3 de julho, numa das salas da casa do capelão, em presença deste, Pe. Gerente e do Sr. Dausse, escreveu pausadamente, sem precipitação nem lentidão como quem não precisava pensar para achar as ideias e exprimi-las. Terminado que foi o escrito, ela assinou, colocou no envelope que fechou, com este endereço: "A Sua Santidade Pio IX".

Horas depois andava preocupada, tristonha e de repente pediu para falar com o Pe. Rousselot. “Era, disse, para colocar duas datas no seu lugar certo". No convento das Religiosas da Providencia, em Grenoble, dia 6 de julho, na presença do Secretário da bispado, Pe. Auvergne, e da Superiora do Convento, ela escreveu de novo o segredo, perguntou pela ortografia, de ''Antéchrist' e a significação de "infalliblement". Assinou e fechou: as testemunhas assinaram no envelope, atestando que o escrito era mesmo de Melânia.

96) Rousselot - Un Nouveau Santuaire, p. 65. Bibliografia 21.

(97) Rousselot, Un nouveau Santuaire, pág. 85, Bibliografia 21.

(98) Echo de la Sainte Montagne 256. Bibliografia 30.

 

§3o - Os Segredos em Roma

De posse dos Segredos, o bispo de Grenoble encarregou os Padres Rousselot e Gérin de levá-los a Roma, sendo também portadores da carta seguinte.

“Santíssimo Padre.

Vossa Beatitude vê dois bons sacerdotes prostrados aos seus pés para receber a sua bênção apostólica e me transmitir o que Vossa Santidade houvesse por bem mandar ao bispo de Grenoble e seus caros diocesanos.

Um é o Pe. Rousselot, há uns 40 anos professor de teologia do meu seminário maior e vigário geral honorário, autor de várias obras estimadas; outro é o Pe. Gérin, pároco de minha catedral, que já fez a viagem à Cidade eterna. Eu os enviei para esclarecimentos com Vossa Santidade sobre o Acontecimento de La Salette e depositar em suas mãos benditas o escrito que contém os segredos confiados na montanha da Aparição, um a Maximino Giraud, outro a Melânia Mathieu, pela Senhora que a eles se mostrou com proibição de os revelar a quem quer que fosse.

As crianças resistiram obstinadamente ao pedido que lhes fizeram de descobrir o seu segredo milhares de romeiros de toda categoria e de toda condição.

Mas elas compreenderam que havia, de direito, uma exceção para o Chefe supremo da Igreja,. uma vez que este manifestava vontade de conhecê-lo.

Meus dois enviados estão encarregados de me relatar o que Vossa Santidade houver por bem de pronunciar sobre o fato da Aparição da Virgem SSma.. No caso de resposta favorável, o Santíssimo Padre se dignaria consentir que o bispo de Grenoble declare, por Carta Pastoral, que julga que essa Aparição encerra em si todas as caraterísticas da verdade e que os fiéis estão fundamentados a crê-la verídica? Sua Beatitude haveria por bem de acolher nossos votos, abrindo os tesouros da Igreja, de que possui as chaves, em favor das pessoas que visitassem com piedade a Santa Montanha e também daquelas que, depois de confessadas tiverem a felicidade de comungar na capela? Seja qual for o parecer de Sua Beatitude, curvar-me-ia docilmente, perante a sua resolução: "Roma locuta est, causa finita est".

Tenho a honra de ser, com o mais profundo respeito" e prostrado a vossos pés, Santíssimo Padre, de Vossa Santidade o humílimo, obedientíssimo e devotado servidor e filho.

Felisberto, bispo de Grenoble".

Enquanto os PP. Rousselot e Gérin estavam em Roma, o Cardeal Arcebispo de Lião, de Bonald, passando pelo grande Convento dos Cartuxos, chegava a Grenoble e ia logo ao bispado, no dia 12 de Julho. Depois de homenageado pelo clero, compareceram Maximino e Melânia que responderam como de costume às suas perguntas. Quando, porém, ele abordou o assunto dos segredos, as crianças silenciaram. Quando, insistindo fez saber que ele falava em nome do Papa, e fez notar a sua dignidade, eles responderam que o Santo Padre já recebera os segredos, portanto não havia necessidade alguma de contá-los outra vez.

De fato, a 18 de julho de 1851, os delegados recomen­dados pelo bispo de Grenoble, entraram no Vaticano sendo recebidos em audiência por Pio IX.

Aqui deixamos a palavra ao Pe. Rousselot, um dos delegados, cujo relatório possuímos, por escrito.

"Sua Santidade, escreveu ele, abriu em nossa presença as três cartas, leu-as e começando pela de Maximino, disse: "Aqui está a candura e a simplicidade duma criança.” Respondemos: "Essas crianças são pequenos montanheses que só recentemente entraram em casa de educação" (99).

Para melhor ler as duas cartas, Sua Santidade levantou-se e aproximou-se duma janela e nós o acompanhamos. Após a leitura da carta de Melânia, Sua Santidade disse: "Tenho de ler essas cartas em hora de calma". Durante a leitura desta última, certa emoção manifestou--se no rosto do Santo Padre; seus lábios se contraíram e suas faces como que cresceram. Acabada que foi a leitura, o Santo Padre nos disse: "São flagelos que ameaçam a França, não é só ela culpada: a Alemanha, a Itália e toda a Europa é culpada e merece castigos. Tenho menos que recear da impiedade aberta, do que do indiferentismo e do respeito humano. Não é sem motivo que a Igreja é chamada de militante, e aqui lhe tendes o capitão (e colocou a mão no peito). Dirigindo-se ao P. Rousselot: Mandei examinar o seu livro pelo promotor da fé, Mons. Frattini; ele me disse que está satisfeito, que esse livro é bom e repassado de verdade'' (100).

Mais tarde, o mesmo Pio IX disse ao R. P. Giraud, superior geral dos Missionários de N. S. de La Salette, que lhe perguntava numa audiência privada, “se havia possibilidade de saber algo dos segredos de La Salette".

- Ah! Quereis conhecer os segredos de La Salette?

Pois bem! Eis aqui os segredos de La Salette: "se não fizerdes penitência, todos haveis de perecer".

Nada mais sabemos de modo autêntico e certo a respeito dos segredos de La Salette. A Santa Sé até a presente data não julgou oportuno divulgá-los, portanto, a ninguém assiste o direito de apresentar um escrito qualquer como sendo um autêntico segredo de La Salette.

Brevemente trataremos do pretendido segredo, publicado, dizem, pela própria Melânia.

(99) P. Carlier: Histoire de l'Apparition de la Salette, p.147 e seg. Bibliografia 66.

(100) P. Bertrand - La Salette - pág. 257.

 

§ 4o - A Santa Sé reprime os abusos a respeito dos Segredos. Decreto do Sto. Oficio.

Devido a frequentes abusos, a Santa Sé reagiu com energia. A Congregação do "Index" inscreveu duas obras que continham e comentavam o suposto segredo de Melânia no catálogo dos livros proibidos. Em 7 de Junho do 1901 condenava "Le Grand Coup avec sa date probable, étudo sur le secret de La Salette" (101), 1894; e no dia 12 do abrll da 1907: "Le Secret de Melanie, bergére de La Salette et la Crise actuelle" (102) 1906, ambos escritos pelo Pe, Combe. Tendo alguns editores tido a ousadia de publicar novamente esse segredo divulgado em 1904, a pretexto de slmples reedição ''ne varieter " (não variar mais) e com “Imprimatur" (103) (licença de imprimir) do mestre dos Sacros Palácios em Roma, P. Lepidi, a Congregação do Santo Ofício baixou, no dia 21 de Dezembro de 1915, um decreto da maior importância, transmitido no dia seguinte ao bispo de Grenoble.

Ei-lo: "Chegou ao conhecimento desta Suprema Congregação que há pessoas, mesmo do clero que, apesar das respostas e decisões desta própria Sagrada Congregação, continuam por meio de livros, brochuras e artigos publicados em revistas periódicas, sejam assinados, sejam anônimos, a tratar e discutir a questão, chamada de "Segredos de La Salette", dos diversos textos e suas adaptações aos tempos presentes ou aos tempos vindouros e isso não tão somente sem autorização dos Ordinários, mas até contra sua proibição. Para que esses abusos, que prejudicam a verdadeira piedade e atingem gravemente a autoridade eclesiástica, sejam reprimidos, esta mesma Congregação ordena a todos os fiéis, seja qual for o seu país, se abstenham de tratar ou discutir o assunto em foco, seja qual for o pretexto e seja qual for o modo - livros, brochuras ou artigos assinados ou anônimos ou de qualquer outra maneira. Aqueles que venham a transgredir esta ordem. do Santo Ofício sejam privados, sendo sacerdotes, de toda a dignidade que porventura tenham, e ficarão de ordem do Ordinário, suspensos, quer de ouvir confissões, quer de celebrar missa, e sendo leigos, não sejam admitidos aos Sacramentos, enquanto não se emendarem. Além disso, que tanto estes como aqueles se sujeitem às sanções decretadas, quer por Leão XIII na Constituição "Officiorum ac munerum" contra os que publicam, sem autorização dos seus Superiores, livros que tratam de coisas religiosas; quer por Urbano VIII no seu decreto "Sanctissimus Dominus Noster", baixado a 13 de março de 1625, contra os que difundem publicamente, sem autorização do Ordinário o que for apresentado como sendo revelações.

Este decreto, porém, em nada é contrário à devoção para com a Virgem Santa, invocada sob o titulo de "Reconciliadora de La Salette". Dado em Roma, no Palácio do Santo Ofício, a 21 de Dezembro de 1915".

Esse decreto foi publicado no Jornal Oficial da Santa: Sé "Acta Apostolice Sedis" - Vol. VII, pág. 594.

(101) O Grande Golpe com sua data provável, estudo sobre o segredo de La Salette.

(102) O Segredo de Melânia, pastora de La Salette e a crise atual.

(103) notemos que o "Imprimatur" ou licença de imprimir não quer dizer que quem dá essa· licença admite as ideias do autor, mas que não ha nada contra a fé e a moral.

 

§ 5o - Utilidade dos segredos

Alguns talvez pensam que ficando ignorados os segredos de nada adianta que N. Senhora os tenha confiado aos videntes. Pelo que acabamos de expor não é fora de prudência, dizer que os segredos eram exclusivamente destinados ao Chefe da Igreja.

Para corroborar essa nossa ponderação, aqui transcrevemos o testemunho seguinte: "Em 1860, narra o Padre Rousselot, um Religioso da Companhia de Jesus perguntava ao Santo Padre se era verdade que ele não tinha dado nenhuma importância aos segredos que lhe tinham levado os enviados do bispo de Grenoble. Pio IX respondeu: "Ainda bem que fomos avisados; do contrário ter-nos-íamos encontrado numa posição embaraçosa, donde não poderíamos sair" (104).

A respeito igualmente dos Segredos foi aduzido em 1859 pelo Pe. Doyen, no seu "Manual da devoção a N. Sra. Reconciliadora" - pág. 9 em nota, (ver Jornal de Muret, dezembro de 1862, pág. 426). Falando certo dia, desse Segredo (de La Salette) à pessoa que eu poderia nomear, Sua Santidade disse: Consideramo-nos bem felizes por se ter Deus dignado de nos fazer conhecer tais coisas". Quem seria essa pessoa, confidente de Pio IX?

No 3o opúsculo (Os últimos ataques) sobre os Segredos de La Salette, publicado pelo sr. Giraud, em 1873 encontra-se esta ponderação - pág. 82: "O Sr. Pe. Barthe, cônego de Rodez, afirma que Pio IX lhe declarou que lhe fora útil ter conhecido o conteúdo (dos segredos) nas circunstâncias dolorosas que a Igreja atravessa".

No mês de outubro de 1870 passava por Bordéus, indo ao Brasil, D. Sebastião, bispo do Rio Grande do Sul Este venerando Prelado voltava do Concílio do Vaticano. Na sua audiência de despedida, o Papa lhe disse : "A profecia de La Salette está começando a cumprir-se"." é o que se lê numa carta do Pe. Biard, de 5 de Janeiro de 1872, citado por Girard.

Esses dados acima, encontram-se na página 432, nota, do II vol. do Livro “Miracles de La Salette" por D. Giray.

O prezado leitor notou, por certo, a última frase do decreto do Santo Ofício: “Em nada contrário à devoção para com a Virgem Santíssima invocada sob o título de Reconciliadora de La Salette". Lembremos, de fato, que muitos lamentos. muitas admoestações e muitos maternais conselhos encontram-se na mensagem de Maria SSma. em La Salette. Aproveitemos, pois, o que a Mãe do Céu nos falou e não imitemos essas pessoas movidas pela curiosidade e os católicos de espírito apocalítico ou também irrequieto, que, pondo inteiramente de lado esses ensinamentos a recordarem-lhes as suas principais obrigações religiosas a necessidade premente de converter-se e fazer penitência, ficam totalmente hipnotizados pelo incógnito dos Segredos.

(104) Temoignage de Rousselot, 30 de Julho de 1851 citado em “Auguste Marceau, capitaine de Frégate - 2a édition, volum. II, pág. 430. Bibliog. 54, e Mermier – Mois de Setembre, 2a édition, 1869, - pág. 215 (mês de setembro, 2a edição, 1869 – pág. 215) citado por P. Hostachy: Histoire Séculaire de La Salette – pág. 177. Bibliografia 71.

 

CAPITULO DÉCIMO

SANTOS QUE FORAM DEVOTOS DE N. S. DE LA SALETTE

§ 1o- São João Maria Vianney e La Salette Foi precisamente, com perdão da palavra, o prurido profético e também desta vez por motivo de politica - essa política que o Padre Vieira dizia poder trocar de lugar com o diabo sem inconveniência, - que ocasionou o rumoroso caso acontecido na história da Aparição de N. Sra. de La Salette, denominado "Incidente de Ars'".

Uns fanáticos, partidários dum certo Richemond, que se declarava pretendente ao trono da França, se auto sugestionaram, a ponto de querer que os segredos de La Salette se referissem ao tal senhor. Para ter ocasião de conhecer o segredo, de tal jeito maquinaram o seu projeto, que conseguiram do tutor de Maximino, então de 15 anos de idade, com autorização do Juiz de Menores, licença de oito dias para levar o vidente junto com sua irmã Angélica, ao santo Cura de Ars sob pretexto de consultar sobre a sua vocação.

Lá em Ars, em lugar de consultar sobre sua vocação, Maximino teria desmentido a respeito da Aparição de La Salette, na sua entrevista com o santo Cura. Esse suposto desmentido constitui o “Incidente de Ars" (105).

A documentação que possuímos sobre o caso constitui verdadeira floresta, cortada. por inúmeros caminhos. Para não cansar o leitor numa viagem por todos esses caminhos, vamos limitar--nos aos seguintes fatos (106).

"Era a noite de terça-feira de 24 de setembro de 1850; o cocheiro da diligência de Ars desembarcou os seus passageiros na escadaria da igreja. Um grupo de 5 pessoas, três homens: Brayer, Verrier, Thibanat e um rapaz de 15 anos que era Maximino, e sua irmã Angélica, foram em busca do Padre Vianney, Como ele se encontrasse no confessionário, apresentou-se o coadjutor, Pe. Raymond, que não acreditava no fato de La Salette.

Ele subira aquela montanha num dia em que Maximino foi também. O menino negou-se a responder-lhe a certas perguntas e o P. Raymond, de temperamento belicoso, guardou contra ele forte animosidade. Esse simples fato bastou para. indispô-lo contra tudo mais, isto é, contra a própria Aparição.

“Convidei-os, escreve o P. Raymond, a passar alguns momentos na Providência (107) e perguntei-lhes pelo objetivo da viagem. Responderam que Maximino desejava consultar o P. Vianney sobre a sua vocação.

- "Pois bem! terá amanhã essa oportunidade!" Um dos viajantes perguntou-me: - V. Revma. e o Sr. Cura, que pensam a respeito de La Salette? . Respondi que não tinha juízo formado sobre esse particular e fiz notar que em alguns pontos não se havia guardado a reserva, nem toda a prudência que a Igreja exige. - "Como não crer, me replicaram, nessas crianças que não podem inventar o que narram?"

A conversa sabre este assunto tomou um tom áspero. O Pe. Raymond aduziu um suposto fato ocorrido havia 40 anos antes e que há poucos dias viera a saber: Três medidas entraram de acordo para impingir às suas famílias e ao povo a crença numa aparição da Virgem Santíssima. E só com a idade de 50 anos que uma das pretensas videntes confessou sua mentira (108).

E por sua vez, acrescentou o coadjutor do P. Vianney, encarando o pequeno Maximino: "Eu te recebo aqui e tu lá não quiseste falar. Mas aqui "vai haver te com um santo e aos santos se engana” (109). Maximino já cansado com a viagem e importunado com os propósitos daqueles desconhecidos, vexado pelas palavras ásperas e ofensivas do P. Raymond, deu a resposta que lhe era habitual, quando alguém falava com ar de pôr em dúvida sua veracidade: "Diga, se lhe apraz, que eu minto, que eu não vi nada!" "Da minha parte, diz P. Raymond, preveni o P. Vianney do que acabava de passar. Ele me agradeceu com benevolência. As 8 horas da manha seguinte falou a sós com Maximino na sacristia. Que tal foi essa entrevista? O senhor Cura não disse palavra. Somente observamos, o irmão Jerônimo e eu, que, dali em diante não quis mais benzer medalhas de La Salette". Até aqui o Pe. Raymond.
As crianças de La Salette mentem como aquelas três meninas.” Carta de Verrier ao P. Rousselot, Setembro de 1853. Este Verrier acompanhava Maximino na sua viagem; portanto ouviu estas palavras.

Nessa mesma ocasião, esse Padre disse a Maximino: "'Entrando eu de repente na sala de jantar do Pe. Mélin, vigário de Corps, ele ficou surpreendido e colocou rapidamente o guardanapo em cima da comida, carne com certeza, embora fosse sexta-feira. para eu Dão ver''. - "'Isso não, - respondeu Maximino. - conheço os hábitos do Pe. Mélin; ele costuma escrever as suas cartas até durante as refeições e quando chega uma pessoa estranha. ele cobre tudo para que ninguém veja o que está escrevendo e assim pode atender imediatamente". (Em Champon - Recits de Maximin, citado pelo P. Hostachy. M.S. no seu livro: Les Cures de La Salette, pág. 122). Bibliog. 71 .

O santo desde o principio acreditou na Aparição de N. Sra. de La Salette. Ele mesmo escreveu ao bispo de Grenoble: "Excia. Tinha grande confiança em N. Sra. de Salette, benzi e distribui uma grande quantidade de medalhas representando esse fato; distribui pedaços de pedra na qual a Virgem SSma. se teria sentado, mandei colocar um pedaço em relicário. Falei frequentemente desse fato na igreja. Acredito, Excia., que há poucos padres na sua diocese que tenham feito tanto como eu em favor de La Salette. Escusado é, que eu repita a V. Excia. o que eu disse a esses Senhores (os padres Rousselot e Melin em novembro de 1850).

Tendo--me o pequeno dito que não viu a Virgem Santíssima, senti-me mal uns dois dias. Aliás, Excia., a chaga não é tão grande assim; e se esse fato é obra de Deus, o homem não há de destruí-lo. João Maria Vianney - Cura de Ars". - É que Maximino lhe tinha escrito o seguinte: - Sr. Cura: - Acabais de dizer ao sr. Cônego Rousselot e ao Sr. Cura de Corps que vos confessei não ter visto nada e ter mentido contando a minha bem conhecida narrativa e ter prosseguido três anos nessa mentira por causa das boas consequências;

Acrescentastes, Sr. Cura, que tendo-me pedido autorização de comunicar essa confissão ao Sr. Bispo de Balley (bispo do Pe. Vianney) e o meu endereço para poder-me escrever sendo necessário, eu lhe dei essa autorização e ia dar esse endereço, e logo depois, recusei tanto este como aquela. Esse relatório que fez o Sr. Rousselot, prova que eu não soube fazer-me compreender por vós, Sr. Cura; e, permiti que vo-lo diga, com toda sinceridade: houve mal-entendido completo de vossa parte. Eu não quis dizer-vos, Sr. Cura, e não disse seriamente a ninguém não ter visto nada, nem ter mentido fazendo a minha narrativa, nem ter persistido três anos nessa mentira vendo as consequências. Eu vos disse unicamente, Sr. Cura, saindo da sacristia, na porta, que eu vi alguma coisa e que não sabia se era a Virgem Santíssima ou outra senhora. Nesse momento caminháveis pelo meio do povo e nossa conversa cessou.

"Pouco depois mandaram-me de novo falar-vos se eu devia voltar para a minha diocese ou ficar em Lião. Tornastes a dizer-me que eu devia voltar para a minha diocese e acrescentastes umas palavras que eu não pude compreender. Eu não vos ouvi absolutamente falar do bispo de Belley, nem me pedir o meu endereço; e tenho certeza de não vos ter dado esse endereço, nem pedi que se escrevesse ao bispo de Belley. Faço e escrevo esta declaração com toda a minha alma e em consciência, e consinto em ser expulso do seminário menor, onde me acho muito satisfeito, até mesmo sofrer tudo, se esta declaração é de qualquer modo oposta à verdade.

Grenoble, 21 de novembro de 1850.

Maximino Giraud."

- Antes dessa carta Maximino já tinha negado qualquer desmentido seu, por declaração escrita em 2 de novembro de 1850, em vários interroga­tórios, por exemplo no seguinte, expressivo, espontâneo . O Cônego Henrique de Grenoble, encontrando casualmente a Maximino disse-lhe: Ah! meu menino, sempre gostei muito de você, mas agora gosto mais ainda.

- Porque, sr. Cônego!

- É que você já é um menino muito bonzinho. Antes você era um pequeno mentiroso, mas hoje você acaba de confessar a sua mentira em Ars, hoje você é um garoto muito sincero, muito franco.

- Mas senhor cônego, eu não me desmenti.

- Já sabemos, meu filho, o que pensar. La Salette não é mais nada. Bonzinho como é você, confessou.

Agora não há mais segredo.

- Mas sr. cônego, eu não me desmenti.

- Pois nós sabemos o contrário, você desmentiu tudo; por isso é que agora gosto tanto de você.

- Mas, senhor cônego, está caçoando de mim.

- Não, meu amigo, não estou caçoando.

- Sr. cônego, estão agora caçoando de La Salette, mas é como a flor que no inverno cobrem de estrume e lama e que, na primavera ou no verão, surge da terra mais bela (110).

Em La Salette há outro responsável, Melânia. O P. Gérin, sem preveni-la vai interrogá-la: - "Então Melânia, disse-lhe à queima roupa, há quatro anos que nos enganais! Maximino acaba de confessar ao cura d e Ars que nada viram na montanha.

- Oh! que infeliz! Eu porém, sempre direi que vi alguma coisa.

- Que quer dizer com isso?

- Quero dizer que vi uma "Bela Senhora" que falou e desapareceu.

- E que vos disse tudo que há na vossa narrativa há quatro anos? - Sim, senhor."

Apesar da carta de Maximino, o Cura de Ars ficou na sua atitude, conforme se vê no seu escrito ao bispo de Grenoble. A sua descrença não durou muito, mas conservou dúvida ou sofreu tentação de dúvida, com surtos, de crença firme.

Um capuchinho, P. Bruno, pelos fins de 1850, in­terrogou o Cura de Ars a respeito de La Salette e do desmentido. Ele respondeu: "Por muito dinheiro eu não queria que esse menino tivesse vindo aqui". No dia seguinte, porém, a sós, o capuchinho voltou ao assunto e com surpresa ouve o Cura dizer: "Eu sempre acreditei em La Salette e ainda creio. Benzi medalhas e santinhos de N. Sra. de La Salette, distribuindo-as em profusão. Isso escrevi ao bispo de Grenoble. Vede se eu acredito". Dizendo isso, ele correu as cortinas do seu leito e mostrou ao Padre Bruno uma grande estampa de N. Sra. de La Salette pendurada na cabeceira" (111).

O certo é que o santo Cura andou torturado por dúvidas durante oito anos, cessando finalmente a provação. Em outubro de 1858, plenamente voltou ao seu primeiro sentir, isto é, a crer em La Salette. Eis aqui, diz o Pe. Toccanier (companheiro, em Ars, do Pe. Vianney), como ele contou a historia desse retorno: "Fazia uns quinze dias que padecia uma grande inquietação interior. Minha alma andava como que arrastada sobre areia. Fiz então um ato de fé na Aparição, em seguida restabeleceu-se a calma no meu espírito. Desejei então ver um sacerdote de Grenoble para manifestar-lhe o que eu tinha padecido. No dia seguinte chegou daquela cidade um distinto eclesiástico (112). Entrando na sacristia, perguntou-me que havia de pensar sobre La Salette. Eu. lhe respondi: "Pode crer".Faltava-me a quantia necessária, continua o Pe. Vianney, para completar a fundação duma missão. Encomendei-me à Virgem de La Salette, e encontrei numa gaveta, exatamente o dinheiro de que necessitava. Considero esse fato como milagroso". Desde então voltou a benzer medalhas e imagem de N. Sra. de La Salette, animando os seus penitentes a ir em romaria à Santa Montanha.

O Pe. Descostes, em 7 de Junho de 1864, num interrogatório por ocasião do processo de canonização, relatou: "O P. Vianney disse: Desde muito tempo andava atormentado a respeito de La Salette. Uma noite acabei exclamando: Meu Deus, eu creio. No entanto, quisera que me désseis algum sinal, alguma prova. Imediatamente gozei grande paz de alma; estava eu sofrendo muito interiormente, desde vários dias: roguei a Virgem Santíssima me livrasse desse sofrimento como prova da verdade da Aparição, prometendo nela crer, e logo cessou o meu sofrimento. Aconteceu também que, certo dia, chegou um sacerdote, alto como o senhor que sem me cumprimentar, perguntou: “Sr. Cura, que pensais de La Salette? Respondi: Eu acho que se pode e que se deve crer na Aparição. Virou-me as costas, e se foi sem nada mais dizer". (113).

O Cônego Oronte de Seignemartin, pároco da catedral de Belley, antigo cura de Saint-Friver (localidade perto de Ars) contava em 1878 o seguinte:

"Achava-me numa reunião de sacerdotes, quando chegou o Cura de Ars. Perguntei-lhe o que pensava sobre a Aparição e ele me respondeu em tom um tanto grave: "Creio firmemente''.

Nos fins de 1858, conta Madalena Mandy Seipiot, minha mãe estava enferma. Pedi licença ao Sr. Cura para fazer uma promessa à Virgem de La Salette. Respondeu-me que não era necessário, que fizesse mesmo a N. Sra. de Fourviére: "Mas quanto a La Salette, pode crer: eu creio de todo o coração". (114).Aqui há quem estabeleça o seguinte dilema: (115):
"Ou Maximino mentiu quando narrava o acontecimento de La Salette ou mentiu quando falava com o santo Cura d'Ars, sobre o mesmo acontecimento. Logo é mentiroso de qualquer maneira sobre o mesmo fato, portanto não era merecedor de crédito".

Ponderemos antes de tudo, que o santo Cura d'Ars tornou, é certíssimo. a crer "firmemente, de todo o coração" na Aparição de N. Sra. de La Salette. Ora se esse santo, de tão escrupulosa pureza de consciência, tivesse tido sempre completa certeza do desmentido de Maximino, nunca poderia, mesmo a custo da. própria vida acreditar na realidade da Aparição de N. Sra. de La Salette, e declarar a sua crença aos outros, pelo simples motivo de que cometeria pecado grave. Por, isso no processo de canonização muito se insistiu sobre essa questão.

Feita essa importante ponderação, entre as pontas do dilema acima, facilmente introduzimos: Ou Maximino quis experimentar o dom de intuição do Cura de Ars, ou também, foi um simples mal-entendido entre ele e o Santo Cura de Ars, ou ainda as duas coisas, sendo uma na primeira entrevista, outra na segunda entrevista de Maximino com o santo Cura. A própria carta de Maximino parece sugerir essas explicações, embora não de modo explicito.

Na chegada a Ars, como vimos, o Pe. Raymond, depois de tratar Maximino como um mentiroso, preveniu: "'mas aqui vais haver-te com um santo e aos santos não se engana.” Provocado por essa espécie de repto, já aborrecido, Maximino, talvez falasse de si para consigo: Vou ver se realmente o Cura d'Ars vai desmascarar a minha mentira. - Na primeira entrevista na sacristia com toda imprudência que os seus 15 anos e seu gênio irrefletido, explicam, teria declarado não ter visto absolutamente nada.

Por isso, na sua carta Maximino afirma: "Eu não quis dizer-vos e não disse seriamente a ninguém, não ter visto nada".

Ora, escreve o Cônego Trochu, pág. 347 e 348: "Cura d'Ars, a quem nem sempre assistia o dom da intuição, pensou que o menino se retratava de suas afirmações a respeito da Aparição".

O próprio Cura d'Ars· declarou a esse respeito: "Tenho remorsos... receio ter feito algo contra a Santíssima Virgem. Oxalá Deus me ilumine sobre esse ponto. Orei muito para conseguí-lo. Se o fato fosse verdadeiro então falaria nela e se não fosse estaria tudo acabado" (116). Deus ·porém nem sempre ilumina os próprios santos sobre todos os fatos.

O Santo Cura admitiu que talvez Maximino tivesse feito essa traquinada com ele. "Aliás, disse, o pequeno bem pode ter querido caçoar de mim, como já havia caçoado do Sr. Coadjutor" (117). Desse modo o incidente de Ars, não passaria duma lamentável travessura.Melhor será dizer que houve mal-entendido entre Maximino e o Cura d'Ars, como claramente afirma o vidente em sua carta: ''Não soube fazer-me compreender por vós… o que houve mal entendido de vossa parte”.

Notemos um pormenor que parece uma contradição. Lemos no livro do Cônego Trochu, pág. 347: "Pela manhã do dia 26 de setembro, o Pe. Raymond encontrou sobre a cômoda da sacristia um envelope com o endereço de D. Bruillard, escrito pelo P. Vianney: ''Que é isto?" - perguntou o Coadjutor com a sua habitual indelicadeza. "Queria dar uma carta a Maximino, respondeu o Santo, para que a entregasse ao Bispo de Grenoble. O menino negou-se a isso", e acrescentou amuado: "Eu fiquei descontente com ele e ele comigo".

Ora, na sua carta, Maximino· declara que o P. Rousselot lhe disse que o Cura d'Ars pediu-lhe autorização para escrever ao bispo de Belley. Haveria ali algo do mal-entendido?

Sabemos que Maximino sempre narrava: ''Eu Vi uma Bela Senhora", nunca "eu vi a Virgem Santíssima". No começo da própria carta do segredo, recordará o leitor, que o menino escreveu ao Papa: "Eu vi uma Senhora luminosa. como o sol, que acredito ser a Virgem Santíssima, mas eu nunca disse que foi a Virgem Santíssima". A carta do segredo é posterior ao "incidente d"Ars". Pois bem, na sua carta ao Cura d'Ars, Maximino frisou: "Eu vos disse Eu vos disse unicamente senhor Cura, saindo da sacristia e na porta, que eu vi alguma coisa e que não sabia se era a Virgem Santíssima ou uma outra Senhora. Nesse momento caminháveis pelo meio do povo e nossa conversa cessou".

Devido a se achar no meio do povo, talvez, o Cura d.'Ars só ouviu que não se tratava da SSma. Virgem cuidou compreender que Maximino se desmentia a respeito da Aparição, e por parte do menino era mais um esclarecimento do que tinha falado na sacristia, onde a entrevista, conforme o Pe. Monnin (118) teria come­çado assim: "Então foi você que viu a Virgem Ssma.?"

- "Eu não disse que vi a Virgem Santíssima, mas uma "Bela Senhora".O mal-entendido prosseguiria até o fim (119).

Finalmente Maximino, após ter iludido voluntariamente o Cura d'Ars, para lhe experimentar o dom da intuição, refletindo, quis, na hora da saída, explicar-lhe francamente: era tarde demais, pois, o santo. já longe, não ouviu tudo.

Assim, experimentação irrefletida por parte de Maximino e mal-entendido (120) entre ele e o Cura d'Ars. forneceriam a explicação do “Incidente d'Ars".

Todos esses acontecimentos, isto é, as entrevistas de Maximino e do Cura d'Ars, deram-se antes do julgamento doutrinal do bispo de Grenoble. Este remeteu todos os documentos ao bispo do Santo D. Devie, que tende-os recebido por ocasião da sagração episcopal do seu Coadjutor, consultou-se com os seus três colegas e comunicou ao bispo de Grenoble: Consideramos como certo, que as crianças não entraram em acordo para enganar o povo e, que de fato, viram uma pessoa que lhes falou.. Será a Virgem Santíssima? tudo inclina a crê-lo mas isso só pode ser verificado por milagres diversos da Aparição".

Encerramos este estudo, com um solene testemunho, do bispo Mons. Langalerie que pregando no próprio Santuário na santa Montanha, exclamou: "Amados romeiros, eu vim aqui para trazer o testemunho a favor da aparição da Virgem Santíssima, nesta montanha, o testemunho daquele que gostamos de chamar, aguardando o julgamento da Igreja, o santo Cura D’Ars.Fui o seu bispo e seu amigo, ele morreu nos meus braços; ele me disse que acreditava na Aparição de La Salette. Está me ouvindo do alto do céu, não há de me desmentir" (121). O "Incidente de Ars" confirma portanto a realidade da Aparição de Maria Santíssima no monte de La Salette.

São João Batista Maria Vianney, Cura d'Ars, vimos, tinha um quadro de N. Sra. de La Salette, na cabeceira da sua pobre cama; e, pela intercessão de N. Sra. de La Salette obteve graças e benefícios de Deus.

(105) Ao caso dá bastante importância um Articulista da revista "Razón y Fé” no numero de maio de 1949. pag. 462 e 463.

(106) A este estudo havemos de recorrer, quase que exclusivamente ao Cap. XIX, pag. 342 a 3SO do livro "O Cura de Ars” do ’Cônego Francis Trochu, traduzido no Seminário Central de São Leopoldo - Porto Alegre.

(107) Orfanato fundado pelo Santo Cura

(108) Notemos: 1o- quem são essas menínas? 2O- Quem é aquela que se desmentiu? Aonde se deu o fato? Que disse então a Virgem SSma.? - Nenhuma resposta a tão importantes perguntas. É ele só quem fala disse falo.

(109) O padre também exclamou: "Como é que Maximino veio consultar sobre sua vocação, si ele viu a Virgem SSma.?

(110) Rousselot - Un nouveau Santuaire. pág. 28. D. Dupanloup, bispo de Orleans, - declarou D. de Bruillard a 23 de Janeiro de 1852, - após ter interrogado a Maximino, escreveu-me que o pastorinho não se desmentiu. Esse interrogatório deu-se no Convento dos Cartuxos. a 10 de outubro de 1851. na presença do Superior do Convento, dum outro bispo, um padre e dois senhores. (Giray, I vol, pg. 130, Bibliografia 68).

(111) Carta do Pe, Bruno ao bispo de Grenoble, com data de 11 de agosto de 1861. Todos esses documentos encontram-se citados pelo P. Javen no seu livro: "'La Grace de La SaJette• ,Pág. 178-178 - Bibliografia 73.

(112) O Cônego Gérin cura da Catedral de Grenoble. Sua entrevista com o P. Vianney ocorreu a 11 de Outubro, Carta desse padre ao Bispo de Grenoble. D. Ginoullac de 13 de Outubro de1858.

(113) D. Giray - Les Miracles de La Salette. II vol. pg, 285. Bibliografia 88.

(114) No livro do Cônego Trochu. já assinalado, pág. 349, 350. Notamos que esse autor tira a sua documentação do processo oficial de canonização do santo Cura D'Ars.

(115) Articulista de "Razon y Fé''. número de Maio de 1949, pag. 462-463.

(116) Cap. Lant. do Processo Apostólico - pág. 123; em Tochu, pâg. 349.

(117) Gaetan Bernoville, La Salette, Paris, 1947 - pág. 145 - Bibliografia 75. Na mesma página lê-se: Maximino disse, em 8 de Novembro de 1850 ao Pe. Auvergne.. secretário do bispado: "Os santos bem mostram que são homens e que se enganam como os outros". Jauen, Pág. 179, dá a referência. Bibliografia 73.

(118) O Pe. Monnun escreveu a Vida do Cura d'Ars.

(119) A condessa de Gibeins declarou no Processo apostólico da canonização: '"Eu sei que depois da visita de Maximino ao Sr. Cura, este declarou que Maximino não tinha visto a Virgem SSma., mas uma "Bela Senhora". Girey - Les Miracles de La Salette, vol II, pág. 274; citado por Jauen, pág. 184, em "La Grace de La Salette".

(120) O Santo admitiu esse mal-entendido, escrevendo : '"Não nos compreendemos". Carta do Cura d'Ars ao Pe. Auvergne, 19 de setembro de 1857.

(121) Testemunho de Mélin, confirmado ao Pe. Millon, em1911, por Mons. Valansio, vigário geral que acompanhava Mons. E. Langalerie na romaria. Citado pelo Pe. Jauen p. 193 em "14 Grace de La Salette"', Bibliografia "13.

 

§ 2o - São João Bosco

Esse Santo muito popular foi verdadeiro devoto e propagador do culto de N. S. de La Salette. Para evitar delongas limitemo-nos a citar o seguinte:

"No ano de 1846, celebramos a festa de N. Sra. da Conceição. A alegria dessa festa foi aumentada pela notícia duma aparição da "Madona" na montanha de La Salette, na França. Essa Aparição tornou-se o tema preferido de Dom Bosco, que ele repetiu centenas de vezes, não somente para avivar no espírito dos seus jovens a ideia do sobrenatural, e a confiança em Maria Santíssima, mas sobretudo para lhes infundir o ódio aos três pecados que acendem. a cólera de Jesus Cristo e fazem recair sobre os homens terríveis castigos: a blasfêmia, a profanação dos dias santos e o esquecimento do jejum e da abstinência. Ele ligava tanta importância a esse fato, que contou o acontecimento milagroso em dois opúsculos impressos em anos diversos, alcançando a tiragem de 30.000 exemplares. É incalculável o bem espiritual que os jovens do Oratório experimentavam ouvindo narrativas desse padre, que lhes falava da "Madona'" como se a visse, tão grande era a vivacidade das suas palavras e dos seus sentimentos, nas descrições que dela fazia (122). A devoção a N. Sra. de La Salette, escreve um seu historiador, teve grande influência no espirito do santo e na fundação da sua sociedade'' (123).

(122) Nas memórias que o padre salesiano João Batista Lemoyne consagrou ano por ano, ao seu santo Fundador - citado por Hostachy - pag, 326-327 no livro "Histoire Seculaire de La Salette". Bibliografia 71.

(123) Lemoyne - Memorie bibliografiche di Don Giovanni Boseo, Vol IV, p. 5'76.

 

§ 3o - O Bem-aventurado Pe. Eymard

O Bem-aventurado Pe. Eymard (Pedro Julião Eymard) fundador da Congregação dos Padres do Ssmo. Sacramento e propagador da Adoração Perpétua, foi também um devoto de N. Sra. de La Salette.

Na época da Aparição, o P. Eymard residia em Lião. Foi o primeiro aí a saber do fato, por carta da sua irmã, que dava a narrativa pormenorizada da Aparição. A sua convicção foi rápida sobre a veracidade e natureza dessa manifestação celeste.

"Eu, respondeu à sua irmã, e nossos padres, acreditamos no fato, pois se o céu está irritado, não admira, porque o mal é grande! Os homens perdem a fé, as mulheres perdem a piedade, que constitui no entanto, toda a sua glória e toda a sua felicidade. A mocidade, envelhecida pelos seus vícios faz corar os anciãos".

O bem-aventurado ficou aguardando o julgamento da autoridade eclesiástica para subir ao lugar da Aparição. Quando o seu amigo, o Cônego Rousselot, lhe comunicou a carta pastoral do bispo de Grenoble, jubiloso respondeu em 21 de Julho de 1852: "É me impossível exprimir-lhe a alegria que me causou o recebimento da carta pastoral Venho testemunhar-lhe o meu profundo reconhecimento. A aprovação do fato sobrenatural de La Salette, provocou viva sensação aqui no sul. A carta pastoral tomou-se popular. La Salette será a grande peregrinação da França".

A 18 de Agasto de 1852, o Pe. Eymard galgava a Santa Montanha, onde encontrou os novos missionários, que o receberam no pobre casebre de madeira, aberto aos ventos e às chuvas, que constituía sua única habitação. Mas para o bem-aventurado tinha o valor de um palácio, e seu maior desejo era nele estabelecer sua residência. "Se eu não tivesse a felicidade de ser Marista, escreveu ele no livro do Tombo, viria pedir ao meu bispo, como o mais insigne favor, licença para me consagrar corpo e alma ao serviço de N. Sra. de La Salette. Fui o primeiro a proclamar em Lião o fato milagroso da Aparição e sinto-me feliz em beijar com amor e gratidão esta terra bendita, esta montanha da Salvação".

Antes do julgamento doutrinal, de modo privado, o fervoroso partidário da devoção a N. Sra. de La Salette, concitava as almas a recorrerem a Ela. E Maria Santíssima retribuía com graças peculiares a confiança do seu servidor. Assim foi que, dois anos depois da Aparição, já Ela se dignara ouvir a sua oração, conceden­do a uma das suas penitentes, então desenganada pelos médicos, em véspera de morrer, uma cura completa e repentina. (Trata-se da Senhorita Suillot, a esforçada colaboradora do Bem-aventurado).

"No dia 21 de Julho de 1868, o Bem-aventurado chegou em casa dos Missionários de N. Sra. de La Salette. em Grenoble, pelas 11 horas da manhã. Foi recebido pelo Pe. Archier, que, vendo-o tão fraco, tentou dissuadí-lo de celebrar a Missa. Ele fez questão". Eu quis, narrava o Pe. Archier, ajudar a missa que ele celebrou com muito custo, e quase que o recebi em meus braços, quando desceu do sagrado altar. "Dei-lhe um pouco de licor". Os missionários lhe ofereceram hospedagem que ele agradeceu. Seguiu penosamente para a sua vila natal, La Mure, onde poucos dias depois falecia santamente. Foi portanto na capela e com auxilio do superior dos Missionários de N. Sra. de La Salette que o Bem-aventurado celebrou a sua ultima missa (124).

(124) Le bienheureus Pierre-Julien Eymard, par un Religieux du Saint Sacrament. Vol. I, pag. 379 et vil, pag. 539.

 

§ 4o – Algumas santas

Santa Maria Emilia Rodat, foi canonizada pelo Santo Padre Pio XII, a 23 de Abril de 1950. Nasceu a 6 de Setembro de 1787 e faleceu a 19 de Setembro de 1852. Neste último dia, declara o Papa "será celebrada a sua festa". Era devotíssima de N. Sra. de La Salette, que ela invocava frequentemente nos últimos instantes da sua vida. O R. P. Silvano Giraud, M.S., no seu livro "O Espírito e a Vida de Sacrifício no Estado Religioso" (125) fala com piedoso entusiasmo dos exemplos de virtudes que essa grande santa deu, com heroísmo, aos religiosos e religiosas. E escreve: “Quando a grande noticia da Aparição de La Salette chegou-lhe aos ouvidos lá na solidão da casa Matriz do Instituto das Religiosas da Sagrada Família, de que era fundadora, ela logo compreendeu, com alma profundamente emocionada, quantas maravilhas se encerram nessa visita miraculosa de Maria SSma. aos homens, nessa mensagem tão prodigiosa. No jardim do convento havia uma estatua da SSma. Virgem com o título "N. Sra. do Socorro"; no ultimo ano da sua vida quis a Santa Superiora que esse título fosse mudado no de N. Sra. de La Salette. Diariamente ela ia fazer oração perante essa estatua, em união, dizia ela, com os numerosos romeiros que sobem a Montanha Santa". Frequentemente mandava as Irmãs rezar pela mesma intenção recomendando-lhes de não se cansarem em fazer, mentalmente, a santa romaria.

Finalmente, dois dias antes de morrer, dizia: "Fiquei muito consolada pensando nos pastores de La Salette. A Virgem SSma. chorava quando lhes apareceu.

Eu porém tenho confiança, quando for vê-la, que a encontrarei toda jubilosa". Notou-se que ela faleceu no mesmo dia e na mesma hora da Aparição, como que em recompensa da sua fé e piedade para com esse milagroso acontecimento" (126).

Santa Maria de Santa Eufrasia Pelletier, Fundado­ra do Bom Pastor de Angers - Devotadíssima ao culto da Virgem chorando, continuadamente difundia em torno dela essa sua devoção. Por ocasião das bodas de ouro da sua vida religiosa, em setembro de 1867, mandou erigir no seu convento um monumento a Nossa Senhora de La Salette.

Santa Sofia-Madalena Barat, pelo ano de 1800 teve por seu diretor espiritual em Paris, o Pe. Felisberto de Bruillard , que a Providência levaria, em 1826, ao trono episcopal de Grenoble e que seria o bispo da Aparição.

Em 1846 a :Madre Barat tinha 67 anos. Devia morrer em 1865. Ficou, sem demora, convencida firmemente da verdade da Aparição e facilmente comunicou a sua convicção às suas filhas. Em 13 de setembro de 1846 estabeleceu uma casa da sua Congregação perto de Grenoble. Nessa casa foi levantado o primeiro monumento em honra de N. Sra. de La Salette, após a capela da santa Montanha" - (A. Garnier, livro citado pag. 8 2, 82).

(125) 1o vol., pag. 0 e seguintes.

(126) Cônego A Garnier: L'expansion de La Salette dans le monde; 1946; pag. 87. Bibliografia '76-88, citando P. Barthe- Esprit de la mére Emilie de Rodat, pag. 375.

 

SEGUNDA PARTE

OS ADVERSÁRIOS DA SANTA APARIÇÃO

SUAS FALSAS ALEGAÇÕES

CAPÍTULO PRIMEIRO

GUERRA TOTALMENTE DESLEAL

Toda e qualquer obra divina encontrou, e sempre encontrará, adversários para combatê-la ou impedir, na medida ao seu alcance, que ela produza efeitos profícuos à glória de Deus e à salvação dos homens, que outra finalidade não tem a Providência divina.

A maravilhosa Aparição de Maria SSma. em La Salette, onde se manifestara na sua missão de Corredentora e Medianeira, não poderia fugir à violência de adversários, a cuja frente quis colocar-se a Autoridade pública civil. Certo prefeito “denunciou aos seus chefes hierárquicos uns boatos que perturbam os lavradores". O chefe do Departamento de Isére, baseado nessa denúncia, fez uma representação ao bispo de Grenoble.

A autoridade judiciária mandou secretamente um magistrado, interrogar os patrões das crianças, Pedro Selme e Batista Prá. Este, meses depois, em Corps, reconheceu nesse "inquisidor" o próprio Procurador do rei, Esse movimento parou com a declaração de Maximino e Melânia feita perante o Juiz de Direito, conforme relatamos.

Finalmente, interveio o próprio Ministro da Justiça e do Culto, através duma comunicação ao bispo de Grenoble, queixando-se "de perturbação, surgida no povo por causa de anúncio de fome, de doença mortal para as crianças, de advertência aos lavradores de não semear trigo... Por certo, Sr. Bispo, haveis de compreender, assim como eu, o perigo de semelhantes publicações, e não haveis de permitir, que os culpados se prevaleçam da vossa proteção; pelo contrário, importa reprimir o mal, etc."

O Bispo respondeu que "não tinha autorizado nenhuma publicação, mas enviado uma circular ao clero, recordando a proibição de publicar visões e milagres novos e que vigiava pelos acontecimentos". A autoridade civil, receosa, talvez de enfrentar-se com o sobrenatural, cessou suas inquirições e representações.

A imprensa ímpia e incrédula abriu violenta campanha contra a "superstição". Os jornais católicos responderam vitoriosamente. Um pasquim, ''Censeur de Lyon" excedeu-se acusando um padre dos Alpes de "ter inventado o acontecimento de La Salette para arranjar dinheiro".

O venerando Decano de Cabido de Grenoble, por carta escrita em tom digno e enérgico, intimou o articulista ousado a publicar o nome do padre. O tal não publicou o nome do padre, mas calou-se.

'Uns" pastores" protestantes, imitando o seu fundador Lutero que tão frequentemente falava do diabo, divulgaram brochuras nos quais declaravam, sem vacilar, que o próprio Satan tinha fanatisado Maximino e Melânia!

Assim chegamos ao campo católico, onde sacerdotes, especialmente dois, Pe. Cartellier, sorrateiramente, e Deleon, abertamente, moveram guerra realmente encarniçada e tenaz à santa Aparição. Foi mais uma triste prova de que o sacerdote, embora revestido de poderes espirituais extraordinários, conserva, infelizmente, a fraqueza humana.

O Pe. Cartellier, era membro da Comissão examinadora, composta de dezesseis sacerdotes, e fazia parte da minoria de quatro contraditores. Minoria essa que procurava prolongar inutilmente os debates, por meio de sutilezas como a seguinte: "Uma opinião muito provável, equivale ou não a uma opinião quase certa?”

Esse adversário, inteligente e sagaz, proporcionava continuamente os materiais da controvérsia aos outros, particularmente ao P. Deleon. O Pe. Cartellier, enviou em 1854 ao Papa Pio IX um manuscrito intitulado "Me moire au Pape'' (Memorial ao Papa); mas também mandou logo imprimir e distribuir largamente esse manuscrito, e remeteu um exemplar ao Papa, o que era uma falta de consideração, pois não deixava o tempo necessário para o exame do escrito. Pio IX remeteu-o ao bispo de Grenoble, com estes dizeres: “Quando notamos que o opúsculo impresso não era senão o manuscrito que nos fora enviado, não podemos deixar de ficar admirado com semelhante procedimento por parte de homens conhecidos que desprezando os principios da civilidade até a mais vulgar, para não dizer mais, pretenderam ocasionar-nos embaraços com a publicação anônima desse escrito".

O novo bispo de Grenoble, sucessor de D. Felisberto, era D. Ginoulliac, homem de talento, profundo teólogo. Em sua Carla pastoral de 4 de novembro de 1854, o Prelado ressaltando a ofensa feita ao Chefe da Igreja, demonstrou os erros, as insinuações maldosas, as injúrias dirigidas a D. Felisberto e a membros do clero e condenou a publicação por ser injuriosa à Santa Sé, ter sido publicada sem a devida autorização, violando assim as leis da Igreja, por conter alusões e acusações injuriosas, desrespeitando uma devoção legitimamente estabelecida, e proibiu aos membros do clero ler e conservar o livro incriminado, propagá-lo e emprestá-lo, sob pena de suspensão, ipso facto. A respeito do autor declarava: "Na esperança de que o autor desse livro dê o exemplo de louvável submissão, nós nos reservamos para resolver, a seu respeito, o que for de direito". O Pe. Cartellier, vendo o seu livro condenado, para fugir ao interdito e para não ser removido da paroquia de que era pároco, submeteu-se exteriormente, entregando nas mãos do bispo uma declaração escrita em que afirmava "ter combatido o fato e não a devoção à La Salette", comprometia-se "com plena submissão" à carta pastoral, a nunca propagar o Memorial; submetendo-se aos atos da administração episcopal, embora tivesse aduzido fatos de boa fé em seu Memorial, desaprovava e condenava tudo o que é erro e inexato; conservando o seu modo de pensar sobre La Salette, desaprovava e condenava as expressões que tinham magoado a D. Felisberto e aos sacerdotes apontados por S. Excia. na sua Carta Pastoral".

Desde então nunca mais publicamente atacou La Salette. Atacava-a secretamente, morrendo adversário da santa Aparição, em Vichy, a 13 de julho de 1865.

No livro condenado liam-se inventos como o seguinte: "Conforme relatam os Srs. Day e Guilland, nos primeiros tempos, Maximino não sabia fazer a sua narrativa. Essa alegação, fica confirmada pelo caso seguinte: Um funcionário da Universidade, altamente colocado, estando em Corps, quis ver os heróis de La Salette; chega pois ao convento onde eles se acham. Não entrou só. Lá encontrou um certo número de estranhos. Maximino, diante de toda a assembleia, faz o histórico da Aparição. Exprime-se com ligeireza, como um aluno que tivesse recitado uma lição bem decorada. “Meu menino, pergunta a pessoa de que falamos, o que você acaba de nos dizer, sabia no começo como sabe agora?" - "Não, Senhor" "Como foi que você fez para ter assim presentes essas recordações?" - "Foi o Senhor Vigário". - Isto tem mesmo jeito de anedota.

- Sabemos, como demonstramos, no primeiro capitulo, que o Sr. Mélin, o vigário ai apontado; portou-se com toda a prudência e cautela quando lhe anunciaram o acontecimentos porém a convicção que depois manifestou, não é dum impostor. No caso apresentado, muito cautelosamente, para evitar desmentidos, não Se encontra nem o nome do tal funcionário, nem de nenhum dos presentes. nem a data.

Aliás esse caso já se lia (com a diferença de que se fala apenas dum alto funcionário de Grenoble, não já da Universidade) no livro ''La Salette, Fallavaux", escrito dois anos antes pelo Pe. Deleon.

Esse infeliz sacerdote, que fora" coadjutor em Corps em 1822 e 1823, estava encarregado, na época da Aparição, duma paróquia perto de Lião, porém da diocese de Grenoble, cargo que ele teve de deixar, de ordem episcopal, por indigno procedimento. No começo declarou-se completamente a favor da Santa Aparição, tanto que publicou no seu jornal "Union Daupbinoise" os artigos do Pe. Chambon sobre o "incidente de Ars".

Em 1852, foi conforme acima se disse, afastado por D. Brouillard do sagrado mistério por mau comportamento. Então, por espírito de vingança, passou-se para as fileiras do oposição, tendo boa acolhida por parte do Pe. Cartellier.

Homem intelectualmente bem dotado, audacioso; nada escrupuloso, de estilo fluente, atirou-se à luta com triste furor, iniciando em Agosto de 1852 a luta com o livro, acima já mencionado "La Salette, Fallavaux, Vallée du Mensonge" (O Vale da Mentira) com o pseudônimo de Donnadieu.

A respeito desse panfleto, D. Bruillard escreveu, em 1 de setembro de 1852 no jornal "Univers": "Uma brochura infame, repleta de falsas alegações. de mentirosas asserções e de injúrias grosseiras contra pessoas do maior respeito acaba de sair em Grenoble; por todos esses motivos, a nossa única crítica é que ela encerra tantas mentiras quantas palavras". Contavam os contraditores que esse livro criaria confusão e teria muitos compradores por entre os padres reunidos para o retiro espiritual em Grenoble. Foi, mercê de Deus, um verdadeiro fracasso sobre todos os pontos de vista. Pelo contrário, os 212 sacerdotes presentes assinaram o protesto seguinte: "Excelência: Nós, membros do clero, reunidos para o retiro espiritual, submissos à autoridade do seu bispo, em seu julgamento doutrinai sobre o fato de La Salette, protestamos espontaneamente e com energia contra tudo o que um panfleto, que acaba de sair, contém de injurioso ao primeiro Pastor da diocese a quem amamos como Pai e a colegas, merecidamentehonrados pela vossa confiança e queremos como irmãos e amigos, Protestamos igualmente contra todo e qualquer escrito semelhante que vier a ser publicado". No fim de Dezembro de 1852, D. Felisberto de Bruillard, com mais de 80 anos de idade, solicitou demissão do seu alto cargo e tendo-lhe sido facultada a escolha do seu sucessor por gracioso favor do Papa, ele apontou o Pe. Ginoulliac, vigário geral de Aix. Nesses livros, os contraditores da santa Aparição, aproveitando-se dos relatórios mais ou menos resumidos e para uso privado, já assinalados, redigidos vários dias após terem sido ouvidos os videntes por alguns ótimos sacerdotes, conforme os dizeres" que lhes ocorriam à memória (127), os contraditores acusaram os delegados do bispo de terem no inquérito oficial, diminuído ou aumentado a narrativa de Maximino e de Milânia.

Se eles tivessem procedido com boa fé, facilmente iriam consultar o documento de Batista Prá, assinado por mais duas testemunhas, escrito logo no dia seguinte ao grande acontecimento, ditado por Melânia; e se teriam certificado de que o relatório oficial concordava com a primeira narrativa do fato, e também, salvo leves variantes de palavras, com os mais relatórios escritos na presença dos videntes, a medida que eles estavam falando. como os do Pe. Largier, do juiz Long, do Padre Lambert.

Preferiram acusar, injuriar. Na vacância episcopal, os adversários reergueram a cabeça na esperança de que o novo bispo mostrar-se-ia menos favorável à Santa Aparição, e o Pe. Deleon, ainda, com o falso nome de Donnadieu, publicou a segunda parte do seu livro "La Salette, Fallavaux".

Em 7 de maio de 1853, D. Ginoulliac tomou posse do bispado. Tratava-se dum homem de grande valor, erudito, teólogo de vasta ciência, professor de teologia, agindo com prudência e calma.

Espírito conciliador, quis apaziguar os ânimos. Acolheu bondosamente o Pe. Deleon que solicitava levantamento do seu interdito.. O prelado anuiu com a condição que ele, como provas da sua sinceridade, vestisse novamente o hábito talar , despedisse da sua residência a pessoa suspeita, causa de escândalo, retirasse do comércio o seu livro "La Salette, Fallavaux" entregando no bispado os exemplares existentes e escrevesse uma carta de desculpas a D. Bruillard.

Após tentar algumas escapatórias, o Pe. Deleon aceitou essas condições, foi reintegrado nas fileiras do clero, porém não demorou infelizmente em recair em seus erros.

Até então, isto é, durante sete anos, os encarniçados adversários tinham sustentado, por todos os meios e com toda a força, que Maximino e Melânia nada tinham vista e com ninguém tinham falado em La Salette; eis senão quando Deleon na segunda parte do livro "La Salette, Fallavaux", com audácia afirmava: “Eles viram e ouviram alguém: A senhorita de Lameliere".

(127) Um deles, P. Emery apresenta o discurso deste modo: A Senhora lhes falou mais ou menos nos termos seguintes: O mesmo escreve "o meu Filho vai vibrar o raio das suas vinganças". - P. Janaen, La Grac:e ele La Salette. Pg. 77, Bibl . 73.

 

CAPITULO SEGUNDO

O ENGRAÇADO ROMANCE "LAMELIÈRE"

Não daríamos nenhuma importância ao escrito, pois não passa de um bem excogitado romance o caso Lamerlière, se ainda poucos anos há um cientista, ou pretenso cientista, Salomão Reinach, lá em Paris em seu livro "Orpheus" não lhe desse todo o crédito. Escreveu pois (p. 564): "Uma beata, Senhorita de Lamerlière, lembrou-se - ao que dizem - em 1946, de vestir-se de amarelo, com chapéu, feitio de pão de açúcar e de "aparecer" na montanha de La Salette, a dois pastores, a eles revelando-se como sendo a Virgem SSma.

Muito embora um processo ulterior tenha desmascarado a impostura (128), contra qual protestara o cardeal arcebispo de Lião (129), o inquérito canônico concluiu em 1847 (130) com a proclamação do milagre, pelo bispo de Grenoble. Fundou-se uma Congregação para explorá-lo, fizeram e ainda fazem romarias a La Salette, onde a água duma fonte demonstrou-se fértil em curas".

Vamos ao romance, cuja heroína é a Senhorita Constança Luíza Margarida Saint-Férreol de Lamerlière, moradora em Saint-Marcellin, a 120 quilômetros· de La Salette. Piedosa, porém de corpo bastante volumoso, era tão prodiga em boas obras que seus parentes pleitearam em juízo a sua interdição, contra o que reagiu energicamente.

Deleon conta que Lamerlière, lá pelos primeiros dias da caça (131) de 1846, subia ao sobrado da diligência que vai a Grenoble, com uma caixa de papelão contendo vestidos. Durante a viagem diz ao condutor que um seu parente acaba de ser promovido à posto superior no exército da Africa, e que ela segue para os Alpes. Desembarcando, anuncia misteriosamente que algo sensacional vai suceder, e lá sumiu carregando a sua caixa.

Pouco depois dava-se a Aparição, na montanha da Salette, lugar por ela conhecido, pois ai mora, num palacete. Com a máxima facilidade, pois, ela pôde mostrar-se a Maximino e a Melânia com os trajes trazidos na caixa.

Falou primeiro em francês e vendo que não compreendiam, falou no dialeto de Corps. graças a algumas palavras que tivera ocasião de aprender durante a sua estada na região. Aproveitando uma nuvem que se aproximava, subiu com toda a solenidade a encosta dizendo: ''Pois bem, meus filhos, haveis de comunicar isso ao meu povo". Entrando então numa segunda nuvem que descia perpendicularmente, cobrindo-lhe a cabeça, o corpo, os pés, sumiu-se vertente abaixo. Está feita a Aparição!

Notemos desde já que as crianças sempre disseram que não havia nuvem nenhuma, que viram muito bem a "Bela Senhora" subir, acompanhando-a, que ela ia deslizando (132) por cima da relva e que até Maximino estendeu o braço para apanhar rosas do seu calçado.
Para impressionar o leitor, não vacila Deleon, imperturbável e impagável, em dizer que o condutor da carruagem chamava-se Fortin, que Maximino fez a narrativa dessa Aparição ao Sr. Filiole, negociante de Grenoble, que o tomou junto com o pai, em seu carro , indo de Corps a La Salette em Dezembro de 1848.

Prosseguindo no seu romance, o autor escreve: "Poucos dias depois a Srta. Lamerlière chegava a N. Sra. de Laus, a 70 quilômetros de La Salette, hospedando-se no convento das Religiosas, onde mostrou-se a uma empregada e às Irmãs vestida como lá em La Salette.

Fugiu pela janela do seu quarto e debalde a procuraram os Missionários e as Religiosas. Uns meses depois, o condutor Fortin, estando de serviço, na vila de Tullins, em casa do Sr. Mazet, vendo medalhas de N. Sra. de La Salette, caiu na gargalhada, dizendo que La Salette foi fabricada pela Srta. Lamerlière; e esta chegando precisamente neste instante, confirmou em parte o que ouviu. Aliás, as várias peças do referido vestido foram vistas pelo Sr. Gérard, negociante de paramentos sacros e a Sra. Carra, hoteleira perto da Porta da França, em Grenoble; finalmente a Srta. Lamerlière confessou todos os fatos à Sra. de Monière, que foi contá-los ao Vigário Geral, padre Berthier, em Dezembro de 1846; fatos esses do domínio público já em novembro desse ano. Da pena de Deleon aqui caiu o ponto final (133).
D. Ginoulliac, devido ao rumoroso escândalo, abr!u rigoroso inquérito, averiguando: "O condutor Fortin, não podia receber nos primeiros dias da caça" de 1846 na diligência a Srta. Lamerlière, por que, conforme declaração de 30 de julho de 1857, do empreiteiro das carruagens, Sr. Gruinard, esse condutor só entrou no serviço em 1849, A Srta. Lamerlière não podia falar da promoção do seu parente na Africa, em 1846, porque o sou cunhado, Sr. de Luzy, em 1846 e 1847, estava aquartelado em Lião e foi promovido a General, na Africa só sois anos depois.

A Srta. Lamerlière conheceu La Salette, só na sua romaria que fez em 1840, levada por um lavrador de São Miguel de Beaumont, que certificou que foram precisos bem dois dias para ela chegar ao lugar da Aparição (134).

Todos os prefeitos da circunvizinhança atestaram que no território dos seus municípios não existiu o tal palacete. Em 19 de setembro de 1846 Pedro Selme, como vimos, vigiava Maximino, nas montanhas descampadas de La Salette, e teria visto a tal criatura.

O negociante de Grenoble, não poderia tomar em seu carro a Maximino de Corps a La Salette pelo simples motivo que até 1851, não existiu ali nenhuma estrada de rodagem, mas só umas sendas estreitas.

O Superior e as Religiosas de N. Sra. de Laus atestaram que nunca lá viram Lamerlière ou qualquer outra pessoa vestida como a "Bela Senhora" de La Salette cuja Aparição bem conheciam. O Sr. Mazet de Tullins, em documento assinado, declarou que nunca falou com o condutor Fortin do acontecimento de La Salette.

A Srta. Lamerlière mostrou vestidos esquisitos, diversos dos de La Salette ao Sr. Génard, só em 1848; pois em 1846 ela estava de luto pela morte da própria mãe.

Finalmente o casal Carra declarou que só em 1847 tomaram conta do hotel Porta da França, e que só em 1850 a Srta. Lamerlière lá se hospedou pela primeira vez.

A Srta. Lamerlière, julgando-se merecidamente ofendida, processou Deleon; e, para comprovar que ela não podia estar em La Salette a 19 de setembro de 1846, apresentou ao tribunal uma intimação judiciária com data de 18 de setembro de 1846 a qual lhe foi entregue pessoalmente às 2 horas da tarde na vila de Saint Marcellin (135) pelo oficial de justiça que atestou esse fato.
D. Ginoulliae acrescentou: "Esse documento está bem nossas mãos". O advogado da Srta. Lamerlière foi Jules Tavre, notabilíssimo causídico que exuberantemente comprovou o que o Procurador admitiu que essa sua cliente estava em Saint Marcellin, nos d!as 19 e 20 de Setembro de 1846, porque no sábado 19 de setembro ela aguardava a chegada do seu cunhado, coronel de Luzy, que sofreu um desastre pelo caminho. Tendo porém a Srta. Lamerlière requerido 20.000 francos de indenizações, o Tribunal declarou que se limitava exclusivamente a julgar se ela se achava com o direito de exigir essa quantia, e sentenciou que o autor do livro, estando de boa fé, não tencionara prejudica-la na sua reputação, portanto não o condenava ao pagamento dessa quantia (136).

A esse processo aludiu Salomão Reinach, mostrando mais uma vez, a sua ignorância e sua estreiteza de espírito em admitir e divulgar novamente o ridículo, porém sacrílego, romance "Lamerlière".

(128) Precisamente o contrário como veremos.

(129) ele só quis comunicação dos segredos.

(130) O julgamento doutrinai foi a 19 de setembro de 1851.

(131) Nos meados de setembro: época em que na França o governo autoriza o começo da caça.

(132) Imaginem com a corpulência da Senhorita Lamerlière!

(133) P. Carbier. Historie de l'Apparition de La Salette, p. 176.

(134) Geralmente as pessoas não corpulentas levam um dia a pé. Quem escreve conhece as localidades.

(135) Essa vila fica pelo menos a 120 quilômetros distante de La Salette. A condução daquela época era vagarosa.

(136) A Ata por extenso desse processo acha-se no livro: "Affaire de La Salette", por J. Sabbatier. - Ver Bibliog. 46.

 

CAPITULO TERCEIRO

LEVANTANDO FALSAS ACUSAÇÕES

Deleon e mais adversários levantaram falso testemunho contra os dois bispos D. Bruillard e D. Ginoulliac, pretendendo que o primeiro tinha designado o segundo para bispo de Grenoble com a condição expressa de que seria defensor da Aparição de N. Sra. de La Salette. Disseram mais que outros candidatos recusaram a aceitar a honra não se sujeitando à condição. É o que se lê no livro "La Conscience d"un prêtre et le pouvoir dun evêque", em 1856 (137).

Igualmente, afirmava Deleon que o Pe. Rousselot tinha mentido em seu relatório da audiência do Papa por ocasião da entrega dos segredos; Pois Pio IX dissera aos dois delegados do bispo de Grenoble: “O que trouxestes é um mundo de estupidezes". E na mesma tarde da audiência, na presença de cardeais e prelados romanos: "Eram ninharias, bobagens e monstruosidades", dizeres esses que Mons. de Segur ouvira e repetira em Paris a 21 de outubro de 1854, na presença de 25 padres.

D. Ginoulliac que tivera de lançar novamente o interdito sobre Deleon, indignado, respondeu com sua magistral Carta Circular de 19 de setembro de 1858, em que apresentava a carta que recebera de D. Bruillard, comunicando-lhe a sua escolha para bispo de Grenoble, na qual nenhuma vez se lê a palavra Salette, protestava com a máxima energia contra a injúria que o julgava capaz de vender a sua consciência. Aduzia estas palavras de Mons. Plantier, outro acusado: "As bondades de D. Bruillard para mim, têm sido inúmeras, porém nunca chegou a ponto de me oferecer o bispado de Grenoble com a condição de ser o defensor de La Salette" (138). "É erro que não tem desculpa, para não dizer calúnia, pois sempre e por toda a parte, manifestei a minha crença na aparição". O cardeal arcebispo de Lião escreveu a D. Ginoulliac: "Nunca disse e nunca escrevi que houve acordo entre D. Bruillard, e Vossa Excia., a respeito de La Salette. Quando ouvi falar nessa calúnia, sempre a combati" (139). Finalmente Mons. de Segur: "Tudo isso é tão mentiroso como ridículo, eu desminto formalmente. O Santo Padre nunca me falou de La Salette e eu não falei sobre tal assunto nem em Paris," nem em parte nenhuma, nem perante eclesiásticos'' (140).

Desta vez o Pe. Deleon sentiu-se tão esmagado que para sempre se calou, até que mais tarde foi absolvido e reabilitado por D. Fava e morreu em idade muito avançada, após ter declarado ao Pe. Marron, missionário de N. Sra. de La Salette, com quem temos convivido, "que sempre acreditara na Aparição de N. Sra. de La Salette e que tão somente a tinha combatido para se vingar da autoridade". Esse missionário, por sua vez, comunicou tal declaração ao Padre Carlier, missionário de N. Sra. de La Salette (141) de cujo livro extraímos os dados acima.

Deturpações de fatos, hipocrisia, mentiras e calúnias foram portanto as armas de que lançaram mão os adversários da santa Aparição. No entanto, continua-se, por ai, a despertar a desconfiança contra a misericordiosa intervenção de Maria SSma. dizendo: "La Salette foi combatida .desde o começo". É triste, imensamente triste!

(137) "A consciência dum padre e o poder dum bispo". Tanto este último panfleto como os outros de Deleon, o romance de Lamerlière, foram cabal e vigorosamente refutados pelo bispo D. Ginoulliac em sua carta Pastoral e várias suas Cartas Circulares. Ver Bibliografia 31.

(138) Carta a Amadeu Nicolas, 24 de maio 1857 em "La Salette devant la raison". Ver Bibliografia 40.

(139) Carta circular, 18 de setembro de 1858, de D. Ginoulliac. Bibliografia 31.

(140) carta de 11 de Setembro de 1858, de D. Ginoulliac. Bibliografia, 31.

(141) P. Carlier - Histoire de l'Apparition de Notre Dame de La Salette; pag. 170, nota. Blibliografia 66. P. Jauen “Da Grace de La Salette", pag. 68, Bibliografia 73.

 

CAPÍTULO QUARTO

UMA CARTA CAÍDA DO CÉU

Com o pretexto de que há muitos séculos andavam, e ainda andam, pelo mundo uns escritos com o titulo de Carta de N. S. Jesus Cristo, como andam hoje em dia orações correntes de Santo Antônio ou mais santos, o R. P. Delehaye, S. J., grande erudito não há dúvida, em hora rara por certo, em que ele cochilava - fraqueza essa do próprio Homero - afirmou (142) que o fato de La Salette não passava duma dessas cartas caídas do Céu.

O Reverendo, e digamos, saudoso padre, pois era homem de valor, aduz dois motivos para basear a sua afirmação.

1o - Como geralmente nas mencionadas cartas recomenda-se especialmente o repouso dominical, assim vê-se essa recomendação na Salette e em ambos os escritos, com ameaças do castigos rurais, como fomes e mortes. 2) Na cópia de Batista Pro, lê-se: "Carta ditada pela Virgem Santíssima ... "

Para ilustrar (143) o nosso caso transcreveremos aqui um exemplar típico duma dessas cartas. ''Carta milagrosa encontrada no lugar por nome Arrais, escrita em letras de ouro do próprio punho de Nosso Salvador e Redentor Jesus Cristo. Jesus, Maria - Nos domingos não fareis obra nem trabalho sob pena de serdes malditos por mim; ireis à igreja e rezareis a Deus que vos perdoe os vossos pecados. Dei-vos seis dias para trabalhardes e o sétimo para descansardes, depois de ouvido o serviço divino. Dareis vossos bens aos pobres, vossos campos serão férteis e vós sereis repletos de bençãos. Mas se, pelo contrário, não acreditardes na presente carta, a maldição cairá sobre vós e vossos filhos e vossos gados serão malditos. Hei de vos enviar guerra, peste e fome, dor e aflição do coração, como sinal da minha justiça e cólera e dura vingança; vereis sinais Prodigiosos nos astros, com grandes terremotos. Jejuareis cinco sextas feiras em honra das cinco chagas que sofri para vos salvar na árvore da cruz. Quem ler e divulgar esta, escrita do meu próprio punho sagrado editada pela minha boca sagrada, ainda que tenha cometido tantos pecados quantos dias há no ano, ser-lhes-ão perdoados, sendo realmente contrito e confessando-se ao próximo se o prejudicou. E se não acreditardes piamente nesta carta, eu vos enviarei bichos monstruosos e ferozes que devorarão a vós e aos vossos filhos. Felizes serão os que fizerem cópia desta carta e a levarem consigo; nunca espírito mau, nem fogo, nem raio o tocará. E guardai os meus mandamentos e os da minha Santa Igreja Católica fielmente e sereis salvos.

Assim seja.

Autorização de imprimir e distribuir.

Verdun, 19 de junho de 1824, o Sub-prefeito, Harmand.

Perguntamos: o que há de comum entre tal escrito e a mensagem de N. Sra. de La Salette, fora a recomendação de não trabalhar nos domingos? Note-se que a tal carta diz: “Dei-vos seis dias para trabalhardes e o sétimo para descansardes, de modo que o fim principal da lei é o descanso para os homens. Em La Salette, N. Sra. declara que o sétimo dia é para Deus reservei-me o sétimo... Nada na carta, a respeito da blasfêmia como Maria SSma. na Salette! Nenhum vestígio há na tal carta, da revolta do povo, do maior castigo, nada rural.

nada material: “Se quero que meu Filho não vos abandone..." o abandono de Deus! Nada de intercessão de Maria SSma. "Tenho de rezar sem cessar por vós'", dos seus penosos cuidados por nós, dos seus lamentos:

"Há muito tempo que eu sofro por vós”. Note-se também que os castigos piores e tão diversos dos anunciados em La Salette são para quem não acreditar na carta, não faz cópia da carta, como acontece nas orações-correntes.

Franqueza! o reverendo padre estava mesmo cochilando, ou não lera o discurso de N. Sra. de La Salette.

2o - No início da cópia de Batista Pra lê-se: "Carta da Virgem SSma. ditada ...". Ora, no documento acima, o próprio N. S. Jesus Cristo declara que Ele a escreveu de próprio punho.

Batista Pra escreveu "carta", simplesmente porque, pobre inculto lavrador, perdido em suas longínquas montanhas, não conhecia outro gênero literário a não ser o epistolar; as palavras mensagem, discurso, advertência, etc. não existiam na sua mente. Escreveu ''Virgem SSma.", porque - recordará o leitor - tendo notado a convicção do "Prefeito", homem culto, inteligente, após o interrogatório de Melânia, por isso ele também acreditou. Igualmente é necessário não esquecer, que Maximino e Melânia nunca disseram “encontramos" ou “Ela nos deu uma carta” mas "Ela nos falou chorando"; que na cópia de Batista Pra, não se trata de carta "encontrada", mas a narrativa da Aparição foi feita primeiro por palavra, não por escrito, a muitas pessoas, ao Vigário particularmente e ao "Prefeito"; foi por palavra que o grande acontecimento foi conhecido; o primeiro escrito surgiu bem 24 horas depois que Maximino e Melânia falaram. Negar isso é recusar qualquer valor ao testemunho humano.

Finalmente, o que resolve a questão de modo irrecusável, é o caso concreto, o fato contemporâneo do pedaço de pão dado a Maximino por seu pai, quando estavam a sós, completamente a sós, no caminho de Corps. O Sr. Giraud, não somente não desmentiu, mas por causa desse fato recordado voltou resolutamente à prática da Religião. De que modo o autor da pretensa carta chegaria a saber do caso? É claro, o R. P. Delahaye não refletiu.

O prezado leitor há de concordar conosco que as alegações dos adversários da santa Aparição não passam de erros, invencionices, má fé, e até calunias e irreflexão.

(142) Na revista "'Recherches de Sciences religieuses - fevereiro, abril 1928.

(143) Em "Grace de La Salette", pelo Pe. Jaum – pag. 13S e seguintes.

 

TERCEIRA PARTE

OS VIDENTES

CAPITULO PRIMEIRO

A GRAÇA CONCEDIDA A MAXIMINO E MELÂNIA

A justificativa deste capítulo encontramos na seguinte frase do R. P. Bliguet da Ordem Dominicana, professor do Escolasticado dessa Ordem na Bélgica: "A piedade popular é, particularmente quando ardorosa, um tanto simplória; ora muitos católicos cultos acompanham, não há dúvida, com relação à La Salette, a piedade simplória do povo fiel. Se alguém vos disser: Maximino e Melânia não foram nada santos; depois do maravilhoso acontecimento, não foram além de cristãos muito comuns, assim como eram antes, logo ficareis pensando, ou pelo menos tereis a tentação de assim pensar: Então não viram a Nossa Senhora! Pois, ver a Nossa Senhora e não se tornar santo, não é admissível. Aliás, uma das marcas da origem divina duma inspiração não será precisamente a sua eficácia santificante?"

Para esclarecimento e solução dessa dificuldade, pedimos vênia ao Pe. Bliguet - que por certo anuirá, uma vez que sua intenção era que o seu escrito fosse publicado pelos missionários de La Salette (144), - pedimos vênia para transcrever aqui a parte mais importante do seu estudo. Antes de mais nada o R. Padre afasta resolutamente o argumento acima: Maximino e Melânia não foram santos, pelo contrário; logo, não viram a Nossa Senhora. E apresenta a seguinte doutrina: "Que Maximino e Melânia não foram verdadeiramente santificados, é caso da alçada do historiador, e somos de parecer que muito modo de julgar a esse respeito deve ser modificado. Mas vamos ao pior, isto é supor que os pastores manifestaram na sua vida toda notável insignificância religiosa. A questão que temos para resolver é a seguinte: Na verdade, por causa dessa insignificância, o seu testemunho fica prejudicado e temos de conceder que o sinal mais autêntico da origem divina duma aparição ou duma revelação, seja o seu valor e sua eficácia santificante? - Sim e não. Sim, se falamos do seu valor e da sua eficácia santificantes para aqueles a quem é destinada, isto é, a Igreja, aos, fieis. Não, se falamos do seu valor e da sua eficácia santificantes para os instrumentos de que Deus há por bem usar para comunicar a sua mensagem ao povo.

 

Essas duas afirmações são apenas a aplicação ao caso de Melânia e de Maximino, das leis gerais que santo Tomás de Aquino descobre em toda a inspiração.

É conhecida a divisão clássica das graças e dons de Deus em graças “gratis datae” (145) ou carismas, e "gratum facientes"  (146) ou graças propriamente ditas. Eis aqui de que maneira explica e justifica essa divisão (1.a, II.a, quaest. III.a, 1). (147).
''Tudo o que vem de Deus vem Sendo feito de modo coordenado.'"

A criação de Deus é hierarquia; não só Deus governa pessoal e diretamente os seres, mas ainda Ele quis comunicar às suas criaturas essa perfeição, essa grandeza, para que elas fossem também ativas e providentes umas para com as outras. Isso é verdade na ordem da natureza e é verdade na ordem da graça; também a ordem sobrenatural é uma hierarquia.

É mister, portanto, dizer que a conversão e união a Deus - que são toda a razão de ser e toda a essência da graça - se realizam de dois modos: sem intermediário, quando Deus age só no íntimo da alma; e indiretamente, quando Deus usa dum instrumento que Ele escolheu para operar a salvação dos homens.

De modo que existe dupla graça; uma pela qual o homem fica unido individual e imediatamente a Deus, é a graça “Gratum faciens, e outra pela qual coopera com alguém para converter; é a graça “Gratis data"' (graça dada para bem dos outros).

Chama-se a primeira “Gratum faciens”, porque santificando aquele que a recebe e a conserva, torna-o agradável a Deus.

Não se chama a segunda “Gratum faciens”, porque, por meio dela, o homem que a recebe, não a recebe para sua própria justificação (volta ao estado da graça) e santificação, mas para a justificação e santificação dos outros.

Chama-se “gratis data” porque é gratuita inteiramente e por dois modos: pelo primeiro modo, porque ela está acima das forças da natureza, cujas leis ultrapassa; é a força que faz o profeta; pelo segundo modo, ela não tem relação com o mérito da pessoa a quem é concedida.

Como diz S. Paulo, é concedida para utilidade comum (148).

Essa doutrina, tão clara tão simples, é a luz que ilumina todo o tratado da Inspiração na Suma Teológica. Logo de início, santo Tomás coloca a profecia, isto é, a inspiração, na categoria das graças “Gratia datae” (concedida para o bem dos outros). Mais em baixo, ele faz apelo para essa doutrina, para resolver um caso difícil, aquele precisamente de que estamos falando: o caso dum profeta que não é santo: "A profecia é dada para o bem dos outros e da Igreja".

Ele já dissera no tratado "De· Veritate" (Da Verdade), questão 12, art. 5: "A profecia é concedida para bem da Igreja e não para bem do próprio profeta". Sustenta a mesma tese, em termos iguais, na Suma contra os Pagãos (livro III, pág. 154-155).

É portanto nele, idéia sólida, uma convicção firme e sempre mantida. Aliás, tradicional, sempre afirmada desde S. Paulo.

Ora, precisamente, esse caráter impessoal e social da revelação, ressalta com brilho em La Salette. Desde o começo da conversação que Ela se digna de ter com as duas crianças. É claro que Nossa Senhora, por ci­ma da sua cabeça - se é lícito assim falar - se dirige ao seu povo, a toda a Igreja. Bem sabe Ela que Maximino e Melânia compreendem mal o idioma francês, poderia falar no dialeto deles, e daí a pouco assim fará.Não parece cuidar disso, porque se dirige à França, cuja língua fala; e, além da França, à Igreja toda. As duas crianças que a ouvem, apenas são os seus mensa­geiros; e, se, dentro em pouco, Ela tem a Condescendência de falar o dialeto regional, é que o homem é instrumento de Deus, enquanto homem, isto é, sabendo, e não como um objeto.

O conteúdo do discurso se dirige claramente a todos os fiéis: "Há muito tempo que sofro por vós; se quero que meu Filho não vos abandone, tenho de implorá-lo sem cessar, e vós não fazeis caso", etc.. Tudo isso, é claro, excede a responsabilidade, a consciência e a própria compreensão dos dois pastores.

A consciência cristã é que é atingida. É a Igreja que deverá ouvir a lição e aproveitá-la. Por isso, a Virgem SSma. termina o seu discurso, dizendo: "Pois bem, meus filhos, comunicai isso a todo o meu povo".

Foi o que Maximino e Melânia fizeram, até mais do que eles queriam. Não era absolutamente necessário, para a sua missão, que eles fossem santos. Nenhum deles soube, é certo, ter vida fixa. Os dois sempre inconstantes, vão andando sem encontrar em parte alguma o seu lugar definitivo.

As aventuras, porém, da sua vida e o seu continuo movimentar-se, serviram à causa pela qual foram escolhidos; o fato de serem eles instáveis - fato que nos incomoda se não refletimos - tomou-os instrumentos mais apropriados à sua missão.

O próprio segredo, embora ignorado, atraiu mui­to a atenção e fez com que milhares de almas estudassem e recebessem a mensagem de Maria Santíssima em La Salette, a relembrar os deveres do cristão. Tantos pormenores explicam-se do modo ma!s simples, uma vez admitido o carater social católico da Aparição de La Salette.

As crianças não importam, são intermediários que, sem inconveniente, podem ser esquecidos. Trata-se dum dialogo entre o povo fiel e a Mãe de Deus. É mister procurar o resultado almejado e a eficácia comprobatória: não já nos dois pastores, mas sim nas almas cristãs a quem a mensagem foi dirigida. Aqui, nenhuma decepção, nenhuma dificuldade, pois as almas ouviram a voz querida a lhes recordar o seu dever, e a mensagem transmitida a todo o povo de Maria já renovou em muitos corações a devoção católica, e o bem vai prosseguindo.

Não há, pois, nenhuma necessidade, para que a mensagem divina tenha eficacia, de que Maximino e Melânia fossem santos, e nisso não existe nenhum motivo de admiração. Esta é a doutrina de santo Tomás:

"A bondade do homem consiste na caridade, pela qual ele fica unido a Deus; portanto, tudo o que pôde existir sem a caridade, pode também encontrar-se tanto nos maus como nos bons. É necessário, com efeito, dizer isso, em "louvor da divina bondade: é que ela recorre tanto aos maus como aos bons, para realizar os seus desígnios; por esse motivo, ela comunica tanto aos maus como aos bons esses carismas (dons) que não se acham necessariamente sob a dependência da caridade. Ora, precisamente, a revelação não se acha forçosamente vinculada à caridade. A profecia está na inteligência; a caridade está no coração; a profecia e outros dotes intelectuais não dependem da caridade; por isso a fé, a profecia e outros dons semelhantes podem encontrar-se nos maus e nos bons. O profeta recebe a revelação, não para uso pessoal, mas para utilidade da Igreja. Ora, por vezes acontece que alguém, mesmo não unido a Deus pela caridade, seja em qualquer coisa útil à Igreja.

Eis porque, a Revelação, o poder de fazer milagres, as funções eclesiásticas e mais dons em favor da Igreja podem existir sem a caridade; no entanto, só ela faz os homens realmente bons.

Na distribuição do dom da revelação, há prudência e escolha deliberada por parte de Deus. Ora, alguns há que não são bons ou muito bons para o seu próprio fim, mas são bons ou muito bons com relação à missão profética, capazes de cumpri-la bem, até muito bem. Dessa capacidade só a Providência é único juiz. O dom recebido fica sempre bom em si mesmo; o abuso provém da perversidade humana". Até aqui santo Tomás.

A respeito de La Salette, não devemos pois per­guntar se Maximino e Melânia eram santos, mas se estavam em condições de receber e de levar o testemunho conforme deles se esperava.

Pois bem, até o momento em que a Aparição, alcançando o seu fim real, tornou-se coisa pública, estudada e julgada pela autoridade eclesiástica, as duas crianças cumpriram de modo admirável a sua missão de testemunhas e de mensageiros. A sua candura, a sua sinceridade ingênua, por vezes com certa rudeza, o seu desinteresse, a sua ignorância, a sua imaginação, que parece incapaz de inventar, - tudo serve neles ou melhor tudo serve para o intento da Providência."

A respeito do que poderia ter acontecido após o julgamento episcopal, D. Ginoulliac , pregando a sete ou oito mil pessoas na santa montanha, por ocasião do 9o aniversário da Aparição declarou: "A missão dos pastores terminou, a da Igreja começa. Eles podem afastar-se, espalhar-se pelo mundo, tornar-se infiéis à grande graça recebida; a Aparição de Maria não ficará por isso abalada, pois é certa e nada no futuro poderá reagir contra ela" (149) .

D. Ginoulliac, o talentoso, piedoso e estrenuo defensor da santa Aparição. pronunciava essas palavras solenes quando Maximino estava com 20 anos de idade e Melânia com 24, no início portanto - após o grande milagroso acontecimento - de sua bastante movimentada carreira que vamos acompanhar com relativa brevidade.

(144) L'Apparition de La Salette. Vol I. p. 23 a 37. Bibliografia 70.

(145) Uma sraça gratuitamente dada. no sentido que Deus concede a alguém essa crença que não para ele, mas para outros.

(146) Uma graça que torna alguém agradável a Deus, portanto, uma graça que é para a santificação de quem a recebe, portanto uma graça que não é para os outros. Em nossa tradução escreveremos "dom" para designar as graças da primeira categoria.

(147) Quer dizer: a 1a parte da 2a Parte, questão III, artigo 1, da Suma Teológica de Santo Tomás de Aquino.

(148) I Cor. 12: “Datur manifestatio spiritus ad utilitatem." - isto é: a bem dos outros.

(149) Amédée Nicolas, livro citado pag. 418 - Bibliografia 40. O autor estava presente. Citado pelo P. Hostachy. Histoire seculaire de La Salette, pg. 218 - Bibliografia 71.

 

CAPÍTULO SEGUNDO

CARREIRA E CARÁTER DE MAXIMINO (1835-1875)

O Pe. Nortet, que viu a Maximino em Corps, pouco depois da Aparição, escreve: "O pai de Maximino deixa-o vadiar, brincar na rua, atirar pedras. O menino é irrequieto, volúvel. incapaz de parar, despreocupado com tudo; no entanto boa criança, sem amor próprio nem malícia" (150).

Essas palavras pintam Maximino com toda a exatidão; e sua vida - fora, naturalmente, a Aparição - nada é senão a mera ampliação desse quadro.

Apresentaremos um rápido esboço dessa vida cheia de surpresas, e depois demoraremos um pouco em lhe considerar os defeitos e as qualidades, cuidando em deixar a palavra, o mais possível, a ele próprio.

Nasceu Maximino Giraud na vila de Corps, na diocese de Grenoble, província do Delfinado, França, em 1835. Ficou órfão de mãe, infelizmente quando ainda pequeno, e seu pai não demorou em contrair segundas núpcias.

A madrasta não cuidou muito dele, e até frequentes vezes o maltratava. Já dissemos que vida levou até o dia 19 de setembro de 1846, em que foi escolhido por Maria SSma. para sua testemunha.

Logo depois do grande acontecimento, foi matriculado no colégio das Religiosas na sua vila natal, onde ficou até os 15 anos de idade, já órfão de pai.
De volta da sua rumorosa viagem a Axs e sua entrevista com o santo Cura, D. Bruillard o admitiu no Seminário menor de Rondeau, nos arredores de Grenoble. Durante as férias, passou um mês no convento dos R. Pe. Cartuxos, donde escreveu: “Sou bem alimentado, bem tratado, mas o tempo custa muito a correr. Os dias são meses"; no entanto ele fez retiro espiritual de oito dias

Para o novo ano letivo foi transferido para outro seminário menor, em Sto. André, porque nas proximidades de Grenoble as visitas se tornavam por demais frequentes. Nas férias o Pe. Rabillond o levou consigo, em meados de 1852. Em seguida, foi confiado ao Pe. Champon, aproveitando a ocasião de ir a Roma com o Sr. Similien, doador do alta-mor do Santuário, pois muito se interessava por ele.

Em 1856, afasta-se do Pe. Champon, para ingressar no seminário Maior de Dux, situado perto dos Pireneus e do Oceano Atlântico, e dirigido pelos Revmos. PP. Jesuítas. "Sendo, escreve ele, o melhor (?) aluno da casa, colocaram-me perto do P. Ralhador; tenho a vantagem de ter um bom quarto, uma vista esplêndida pela janela; porém, o meu querido vizinho, ao menor ruido corre a ralhar-me".

Dois anos depois, saiu do Seminário e dando rápida volta pelo subúrbio de Grenoble, foi a Paris, onde se ocupou em vários serviços e teve ocasião de entrar como empregado no Hospício Imperial, do verão de 1859 até janeiro de 1860. Ai surgiu-lhe a ideia de estudar medicina, o que fez durante 18 meses, completando os seus estudos no colégio Tonerre, sendo hóspede do ótimo casal Jourdain. Em 1864, despedindo-se da Faculdade de Medicina, senta praça para ser soldado zuavo, no exército do Papa, apenas durante seis meses.

Voltou no fim de 1864 para sua vila natal, Corps; sendo convocado em 1870 por causa da guerra deflagrada entre a França e a Prússia , com ordem de aquartelar-se numa fortaleza perto de Grenoble.

Em primeiro de março de 1875 faleceu piedosamente em Corps, em cujo cemitério foi sepultado. Seu coração, porém, foi levado à santa montanha onde repousa dentro do Santuário de N. Sra. de La Salette.

Lancemos um olhar sobre essa vida tão cheia de inconstâncias, para lhes descobrir uma explicação e conhecer algo das qualidades e dos defeitos desse vidente de Maria. SSma. Temos uma cena bem viva e sumamente expressiva no diálogo (151) seguinte travado entre o Pe. Bossan M. S. e o próprio Maximino.

- Que dizer a quem acusa a ti e a Melânia deterdes muitos defeitos?

- É preciso perguntar quais são esses defeitos.

- Dizem que sois levados, volúveis.

- Aí não há defeitos.

- Não são vícios, porém são defeitos.

- Sou como toda gente, não sou perfeito.

- Eu sempre disse que sois bons cristãos, por ser verdade. A aparição porém não teria produzido nenhum efeito dentro de vós, trazendo alguma graça particular, para vos corrigir e viverdes santamente?

- Não posso dizer isso, nada percebi; mas a Virgem Santa fez-me a graça duma educação cristã, nas boas Irmãs de Corps; cercou-me de padres exemplares; toda a minha infância passou--se num ambiente que me afastava do mal e me levava para o lado do bem.

Sem a Aparição, talvez esquecendo de Deus, eu como muitos outros, tornar-me-ia muito mau, quiçá membro da Internacional da Comuna. É portanto uma grande graça que Ela me fez, mantendo-me em bom ambiente, com fortes convicções religiosas.

-É verdade, porém muitos assim não entendem, e quereriam que fôsseis santos e não simplesmente bons cristãos.

- Pois bem! esses são uns bobos. Impossível de pensar como eles. A Aparição e eu são coisas diversas.

Fui apenas um instrumento. Ora, por mais que a água passe por muito tempo num cano de prata ou de ouro, nunca virará vinho. A graça passa pelo meu canal, mas não o transforma.

- Tendes certeza que não passastes de instrumentos nas mãos da Virgem Santa?

- Sim, perfeitamente. Fomos apenas canais, papagaios a repetirem o que tínhamos ouvido. Bestas éramos antes da Aparição, como bestas somos depois da Aparição e bestas ficaremos a vida toda."

Eis aí, a doutrina de Santo Tomás apresentada em linguagem pitorescamente popular.

Espírito infantil, volúvel, imprevidente, eis o que explica suficientemente que Maximino não tenha resolvido abraçar um estado firme na vida. Ele confessou, escrevendo do Seminário Maior, onde era vizinho do Pe. Ralhador. "Cuidava na minha boa fé que, aos vinte anos, eu não era mais criança, e todos os dias estou experimentando o contrário. Ainda há pouco um bom P. Jesuíta me dizia: "Senhor, aos 22 anos, não se faz mais criancices! olhai, não passais duma criança grande". É que eu tinha anunciado uma aula, de brincadeira, e todos se reuniram atoa.

Lembra-se o leitor de que, subindo à montanha de La Salette, na véspera da Aparição, já de manhã cedo, tinha comido o seu almoço. Respondendo a quem observou: Que vais comer pelo meio dia? Respondeu: Mas eu não estou com fome". Volúvel, imprevidente, despreocupado, eis o motivo de tantas mudanças de projetos. Por ex.: Quis estudar medicina, só porque tivera ocasião de ver os médicos no serviço hospitalar quando estava numa casa de saúde. Foi soldado no exército do Papa, porque tinha gostado muito das paradas militares em Paris. Foi negociante de vinho, por causa de bastantes dívidas feitas passando dum serviço para outro. Foi explorado, porque o seu sócio aproveitou-se da seu nome de pastor de La Salette porém nada lhe deu.

Por isso ele muito sofreu. De Paris escreveu à Madre Santa Tecla, de que sempre se recordou, a 28 de outubro de 1859: "Por certo estais aflita, porque vivo nesta Babilônia, com perigo de me perder. Após 6 meses venho lhe sossegar. Eu me comportei regularmente, porém, traguei pedaços de vaca danada. Bem que imaginais, pois me acho em Paris há quatro meses, sem amigos e sem gente conhecida. Tinha por único recurso uma moeda de 10 francos, uma insignificância na Capital. Muitas vezes tenho chorado, relembrando os meus oito dias em casa de Pedro Selme, e não minto, os meus olhos verteram rios de lágrimas ao pensar nas carícias da boa mãezinha Santa Tecla e de tia Valéria, e as pancadas de irmã Maria e minhas lágrimas redobravam, então ia fazer oração à Virgem atrás do altar mor de S. Sulpício, e retirava-me um pouco mais animado. Enfim, tudo passou, agora estou bem colocado."

Sofreu fome, frio, dormindo no chão ao relento (152).

Espírito infantil e bom, era muito reconhecido. Nunca deixou de escrever àquelas boas Irmãs, especialmente à que chamava de boa mãezinha, manifestando-se sempre devotado a quem o ajudava. Devido ao seu gênio, custava muito a aplicar-se ao estudo. Frequentemente reprovado nos exames, nunca se queixava dos seus professores, mas culpava sempre a si mesmo.

"Vou procurar estudar melhor... Quero trabalhar bastante neste trimestre para ter boas notas" - escrevia (153).

Acusaram-no de forte propensão para a bebida. A este respeito, ele dizia: "Não se preocupe, quando bebo sou piedoso". - Era verdade, atesta o P. Perrin :M. S. que fora seu colega no seminário.

Na carta seguinte, escrita pelo futuro Pe. Jesuíta, Henrique de Kerguenec, soldado junto com ele no exército do Papa, encontramos os defeitos e as qualidades de Maximino. Entre soldados, por experiência disso sabemos, não há segredos, existe completa expansão.

"Maximino contou-me toda a sua vida e me tem fornecido muitos pormenores acerca da Aparição. Que vida movimentada e afinal, nada feliz! Esse pobre rapaz já tem sofrido muito e tudo indica que ainda não acabou! Parece que a Virgem Santíssima o vai levando por um caminho nada semeado de rosas. É boa criatura, rude como os montes do Delfinado, porém reto e generoso. Maximino contou-me todas as suas travessuras em Paris e, alhures, que ele chama "as suas loucuras”; diríamos melhor, as suas extravagâncias, pois ele jurou que a respeito da moralidade, a Virgem Santa nunca permitiu que ele prevaricasse. Em Paris, enquanto estudava medicina, alguns estudantes armaram-lhe ciladas inconfessáveis; todas ele evitou e eu que jâ o conheço a fundo, acho que esse milagre é muito mais extraordinário, se é licito falar assim, do que o de La Salette.

Tem defeitos; estaria, por exemplo, propenso a querer gostosamente alcançar o fundo das garrafas; censuraram-no já a este respeito, e ainda hão de censurá-lo; pareceu-me duas ou três vezes um pouco quente depois que aqui chegou. Ontem eu mesmo quis experimentá-lo. a ver se realmente excedia os limites da temperança e notei que um só copo de vinho comum, soltava-lhe a língua e fazia que o sangue lhe subisse à cabeça.

É questão portanto de temperamento; talvez que nele o coração já não funcione regularmente. Aliás, o que nos outros passaria desapercebido, fica sendo muito notado em Maximino. Ele porém, tem horror às palavras levianas, de sentido duplo. Vê-se que o seu coração permaneceu digno da Virgem SSma. e não se manchou de modo nenhum.

Pois bem, o coração é tudo; e ao meu ver, todas as outras imperfeições de Maximino constituem evidente confirmação do milagre de La Salette" (154).

Esse camarada militar de Maximino teve ocasião providencial de destruir um falso levantado contra o vidente, acusado de ter sido expulso do exército do Papa, por embriaguez e violência contra um sargento.

Quando já Padre Jesuíta, esse camarada, encontrou--se com o cabo que presenciou o incidente e por escrito deu-lhe declaração atestando que o agressor fora o sargento, que Maximino não estava ébrio, mas tão somente com um movimento involuntário, jogou por terra a condecoração do sargento (155).

Outro caso: - Na época em que Maximino estava hospedado em casa do Pe. Champom, achando-se este na reunião do clero, uns fizeram-lhe observar cuidasse mais do seu hóspede, pois Maximino, na ausência dele, fora após uma noite de “farra” encontrado na rua completamente ébrio, proferindo palavras ofensivas.

- É certo? e quando foi isso? perguntou o Pe. Champom.

- Foi quarta feira de manhã, a semana passada na praça Grenette; e toda a cidade de Grenoble é testemunha.

- Pois bem! na semana passada, Maximino esteve sempre comigo! e quarta-feira de manhã, ele ajudou minha missa no santuário de N. Sra. de Fourvière, em Lião e fez a comunhão" (156).

Assim as más línguas ou pessoas irrefletidas prejudicaram a reputação de Maximino, embora ele, não há negar, tenha tido as suas fraquezas, sendo a maior, alguns exageros na bebida, por vezes involuntários, porque malvados, para conhecer o seu segredo, enchiam-lhe o copo com mistura; aliás ele sempre franco e leal confessou essas fraquezas.

Por certo, o leitor notou os dizeres do soldado a respeito da pureza de costumes de Maximino. O Pe. Perrin, seu colega no seminário e sempre seu amigo, a quem Maximino recorria nas horas de desamparo, atesta: “Nunca deixou de ser irrepreensível, no ponto de vista dos costumes". Igual testemunho deram os ami­gos deles em Roma, em Paris, em Corps. Miseráveis houve que lhe armaram ciladas, foi debalde. Não sendo nem padre, nem religioso, poderia casar-se mas dizia: "Quem viu a Virgem Santíssima, não pode apegar-se a criatura nenhuma" (157).

No entanto, a ideia dum casamento atravessou-lhe a mente, mas exclusivamente no intuito de ter um arrimo na vida, pois escreveu a quem estava ao par do projeto: “Eu muitíssimo preferia ficar assim como estou, com rendimentos fixos inalienáveis, como é o caso dum soldado ou dum funcionário aposentado" (158). O médico que lhe embalsamou o coração e o tinha conhecido em Paris, estudante, declarou: "Bebeu alguns copos de vinho, mas que ninguém ouse censurar-lhe outra coisa, pelo menos." O Dr. Peytard, médico em Corps,. a pessoa que o foi procurar para liquidar os honorários pelo tratamento do vidente, declarou de modo categórico: "Maximino morreu sem ter tido nada com mulher" (159).

(150) Nortet, N. D. de La Salette, Pag. 39 - Bibl. 58.

(151) Manuscritos do Pe. Bossam. Set.1871.

(152) P. Bossa:a a quem Ale confessou esses fatos. Bibliografia 3.

(153) Maximin peint par lui-même, Ver Bibliografia 59.

(154) Souvenirs des Zouaves Pontificaux, recueillis par Henri K.erguenec, Paris, 1981.

(155) Histoíre de La Salette - Carlier pág. 218, nota 1. Bibliografia 68.

(158) Manuscrito do P. Champom no arquivo dos Miss. de N. Sra. de La Salette. citado pelo Pe. Carlier, pag. 207, do livro acima.

(157) Carlier, pág. 217.

(158) Carta a Sa. Sorbets de 28 de Nov. 1873, em "La Grace de La Salette" , pelo P. Javeu M. S., p. 217, Bibliografia 73.

(159) Histoire de l'Apparition de N. D. de La Salette, pelo P. Carlier, p. 217 a 222.

 

CAPÍTULO TERCEIRO

MAXIMINO DEFENSOR DA SANTA APARIÇÃO

Sempre e por toda a parte, Maximino, a respeito da Aparição, não somente nunca vacilou, mas, pelo contrário, prontamente levantou-se em defesa do sobrenatural acontecimento, por palavra e por escrito, com a máxima energia e brilhantismo. Mencionemos uns casos.

Levado pelo Pe. Rabilland à romaria de S. Francisco Regis, lá se encontrou com 25 padres jesuítas e mais 20 outros padres. Pois bem! Eles todos juntos, como que em renhido torneio, se esforçaram por fazê-lo cair em contradição e tiveram de confessar-se vencidos, tão bem ele respondeu a todas as perguntas e apresentou os esclarecimentos necessários, ficando todos compenetrados de santo respeito pela Aparição.

Maximino foi mais valoroso defensor da "Bela Senhora" por escrito. pois ele publicou, em 1868, uma brochura de 72 páginas, in octavo, intitulada: "Minha Profissão de fé sobre a Aparição de N. Sra. de La Salette”.

Foi por ocasião dum breve artigo, na revista leviana: '"Vida parisiense" (160) em que um articulista inescrupuloso asseverava: "0 homenzinho de outrora, agora já adulto, não acredita mais que o milagre tenha acontecido.

Quiseram interná-lo no seminário, mas sendo pouco ortodoxo, tiveram que entregá-lo ao mundo leigo. Presentemente uma sociedade de piedosas damas adotou o filho do milagre e todas em família acalentam a pequena serpente. É gostoso ver como cai na gargalhada cada vez que, por acaso, vê o grupo de gesso onde ele está perante a Virgem vestida como uma roceira... "

-Imediatamente Maximino respondeu, estranhando antes de tudo a linguagem dum mal educado e prosseguia: ' "Sou um homenzinho. nunca tive pretensão de ser pessoa de importância. Porque não abracei a vida religiosa, alguns julgaram que eu desmentia meu primeiro testemunho e estão me atribuindo uma incredulidade que eu repilo com toda a energia da minha consciência. Para que de hoje em diante ninguém me acuse de incredulidade a respeito do fato de La Salette, por 1846, meio destes verbos: "contam, dizem, asseveram", eu, testemunha da Aparição de 19 de setembro de muito conhecida pelo nome de N. Sra. de La Salette, hoje, Já grande, com trinta anos de idade, no completo uso das minhas faculdades, livre e independente, afirmo que, bem longe de não acreditar no que vi e ouvi, na Santa Montanha, estou pronto a dar minha vida, para sustentar e defender a verdade desse grande acontecimento. Espero com a graça de Deus e auxílio da Virgem SSma., invocada com o título de N. Sra. de La Salette, que não serei covarde se a ocasião se apresentar.

Tive de rir-me por causa do invento duma sociedade de Senhoras que me acalentariam, pois o engano é mesmo engraçado: o articulista confundiu um batalhão de soldados pontifícios com uma sociedade de senhoras. Diante de um grupo de La Salette, que não é, por acaso ''que eu vejo", pois tenho esse grupo no meu quarto, trago comigo uma medalha de N. Sra. de La Salette e um relicário com um pedacinho da pedra onde Ela se sentou.

Perante esse grupo, em vez dum indecente rir de que falam, reverente me inclino com sentimento de humildade pela graça que Ela fez a mim, pobre pastor, e nos perigos e provações à minha relíquia eu recorro. O articulista demonstra completa ignorância dizendo que Melânia é minha irmã; em mais de vinte livros já se lê que entre nós não há nenhum parentesco e apenas nos conhecemos na véspera da Aparição". A vida Parisiense achou-se na obrigação de publicar a 6 de janeiro de 1866, o seguinte: “No nosso número de 11 de nov. publicamos um artigo a respeito do Pastor de La Salette. O Sr. Maximino Giraud julgou que nela havia imputações próprias para prejudicar a sua reputação de homem honesto e católico. Muito ele se sentiu ferido pelo ataque à sinceridade do seu testemunho que ele deu perante as autoridades administrativas. Judiciárias e religiosas e multidões de pessoas. Declaramos aqui, com a máxima boa vontade, que não tivemos intenção de ofendê-lo e reconhecemos que as informações apresentadas são exatas.." A resposta de Maximino constitui, um livrinho de 72 páginas que é um resumo esplêndido da argumentação com todas as provas e respostas às objeções dos relatos de milagres que tomam a Aparição de Maria SSma. em La Salette um fato indiscutível. Nem sequer fica esquecida uma suposta alucinação. “Ora, escreve ele, deixem de ofender essas crianças, tratando-as de impostores ou de idiotas, escrevendo: “Cuidaram ver o que não existia". Pois então! Melânia e eu fomos acometidos no mesmo instante da mesma alucinação e, coisa muito esquisita, nossos ouvidos e nossos olhos enganados nos fizeram ver coisas e escutar palavras idênticas!... Essa doença repentina, que nada tinha anunciado, seria tão extraordinária quanto o fato recusado".

Maximino dedicou o seu livro a N. Sra. de La Salette: "SANTÍSSIMA · VIRGEM MARIA IMACULADA DE LA SALETTE" - permiti que eu deposite aos vossos pés estas poucas páginas; fazei, hoje, que já sou homem, que a minha voz seja tão pura, tão verídica como no dia 19 de setembro de 1846, quando desci da vossa Santa Montanha para anunciar, a todo o vosso povo, a grande nova de que vos dignastes de me encarregar.

Eu vos suplico e vos imploro, ó Santíssima Virgem Maria, invocada com o título de N. Sra. de La Salette, concedei-me, até morrer, a graça de confessar vossa Aparição, como todas as testemunhas da Igreja fizeram para a divindade de N. S. Jesus Cristo."

(160) Vie Parisiense - 11 de novembro de 1865.

 

CAPITULO QUARTO

PIEDOSA MORTE E TESTAMENTO DE MAXIMINO

Vê-se claramente que Maximino era sincero devoto de N. Sra. de La Salette, a quem ele se dirigia como um filho à sua Mãe, com toda a candura e simplicidade.

Costumava dizer diariamente o terço. em sua honra, por vezes foi surpreendido prestando esse tributo de amor em horas adiantadas da noite, antes de seu repouso.

Maximino nunca se afastou da prática religiosa, recebendo os sacramentos. Quando era soldado na fortaleza perto de Grenoble, descia todos os meses para confessar-se com o Pe. João Berthier, missionário de N. Sra. de La Salette, fato que esse padre anotou no seu livro "As Maravilhas de La Salette" (161).

Ficou fiel a Deus e à Virgem de La Salette até sua piedosíssima morte, que passamos a narrar pelos: "Anaes de N. Sra. de La Salette", de Abril de 1875.

“Dum ano para cá, Maximino Giraud sofria uma doença que todos, ele mais do que outros, julgaram logo muito grave. "Vou; escreveu, (162) rezar bastante à Virgem SSma. para que me auxilie e me faça morrer conforme o seu coração. e possa vê-la de novo no céu; é tôda a felicidade na terra e todo o gozo no céu". Ia fazendo novenas à Virgem, comungando nos dias das suas festas; Pedia que o seu confessor viesse· frequentemente visitá-lo. Esse padre declara que a sua doença (reumatismo que lhe atingiu o coração), foi ocasião de ele manifestar a fé mais viva, renovando frequentemente atos de resignação e abandono à vontade de Deus.

No começo de Novembro de 1874, experimentando umas melhoras, pediu que o levassem à Santa Montanha onde ele fez a narrativa da Aparição pela última vez.

"Ficamos sob o encanto da sua palavra por mais duma hora, enquanto ia apresentando todas as circunstâncias nas suas minúcias "que eu vos confio, dizia, por ser o meu dever" (163).

Em primeiro de Março de 1875, a morte "conforme o coração da Virgem SSma" foi-lhe concedida. Após uma última oração a S. José, escreveu o seu Vigário, (164) pelas cinco horas, Maximino deu sua alma a Deus. Teve morte de piedoso cristão, cinco minutos após ter recebido, das minhas mãos todos os socorros da religião, com a maior fé e perfeita resignação. Assim como antes da sua confissão, tinha bebido com piedosa sofreguidão, vários goles da água de La Salette, bebeu também com a mesma pressa para poder engolir a Sagrada Hóstia, e foi sua derradeira bebida e suprema afirmação do fato da Aparição que tivera missão de anunciar ao mundo em nome da Mãe de Deus.

Fizemos-lhe enterro com toda a solenidade possível, com a presença de seis padres e acompanhamento de quase todos os habitantes de Corps."

(161) Les Merveilles de La Salette, p. 13.

(162) Carta a Mime Sorbets, 28 Nov. 1873.

(183) Carta da Superiora das Religiosas, consignada nos Anais de La Salette. Abril de 1875.

(164) Carta do Padre Furzier à Sra. Sorbets, 12 Março de 1875, citada pelo P. Javen. Grace de La Salette, p. 225.

 

TESTAMENTO DE MAXIMINO

"Em nome do Padre e do Filho e do Espírito Santo. Assim seja. Eu creio em tudo quanto ensina a Santa Madre Igreja Católica, Apostólica, Romana, em todos os dogmas que definiu o Nosso Santo Padre o Papa, augusto e infalível Pio IX.

Creio firmemente, até com preço do meu próprio sangue, na célebre Aparição da Virgem Santíssima na Santa Montanha de La Salette, no dia 19 de Setembro de 1846. Aparição essa que eu tenho defendido por palavras, por escritos e por sofrimentos.

Depois da minha morte, ninguém ouse asseverar e dizer que me ouviu desmentir-me a respeito do grande acontecimento de La Salette, pois mentindo à face do universo, esse mentiria a si próprio. Com esses sentimentos, eu dou o meu coração à N. Sra. de La Salette" (165).

Como vimos, o coração de Maximino repousa no Santuário da Santa Montanha. Diante da beleza cristã duma tal morte e tão enérgica afirmação à beira da sepultura, que valor teriam ainda as poucas fraquezas em sua movimentada vida? Curvemo-nos reverentes perante a memória do escolhido de Maria Santíssima.

 

CAPITULO QUINTO

CARREIRA DE MELANIA CALVAT (1891· 1904)

Histórico panorâmico de sua vida

Nasceu Melânia, na vila e decanato de Corps, no Delfinado, França, no dia 7 de Novembro de 1831. Teve 5 irmãos e 2 irmãs. Sendo de família paupérrima, os seus pais tiveram de empregá-la como pastorinha, apenas com 8 anos de idade, em várias localidades da circunvizinhança, achando-se ela, 6 meses antes da Aparição, em casa de Batista Prá, na paróquia de La Salette.

A 19 de Setembro de 1846, recebeu junto com Maximino Giraud, a grande graça de ver e ouvir a Maria SSma. sendo ela mais favorecida que o menino na visão, pois só ea pôde contemplar completamente o rosto de N. Sra.: "Eu bem vi, dizia ela. que estava chorando e como corriam as suas lágrimas."

Depois da Aparição, a vovó Prá quis guardá-la consigo: “Fica conosco pequena, eu cuidarei bem de ti", contou Melânia. Mas só foi até Dezembro porque o pai da menina já não podia mais dispor dela, devido às inúmeras pessoas que se apresentavam para interrogá-la.

Pelos fins de Novembro de 1846, Maximino e Melânia achavam-se na Santa Montanha com certas pessoas desconhecidas, que diziam interessar-se por eles, propondo às crianças que as acompanhassem pois se encarregariam da sua educação. Na realidade, porém, tinham o intuito de explorá-las.

Melânia falou de noite com seus patrões, que, gente simples, acharam o projeto bom, uma fortuna! Desceu, pois, Melânia a Corps e com Maximino preparou-se para seguir viagem.

Mal os pais das crianças tiveram tempo, após breves reflexões, de correr para impedir a triste aventura. Ao par do caso, o vigário Pe. Melin escreveu ao bispo de Grenoble, D. Bruillard, que ''para evitar semelhantes perigos, resolveu matricular Maximino como externo, e internar Melânia no Colégio das Irmãs da Divina Providência, mesmo em Corps". Assim narra o P. Hostachy na sua História Secular de La Salette, página 114.

Nesse internato, onde permanecei até outubro de 1851, Melânia aproveitou bastante. "Notei nela grande transformação e progresso, a ponto de querer ser religiosa da Divina Providência", escrevia a Sta. Des Brulais no seu Eco da Santa Montanha, p. 18.

Por esse motivo, ela foi enviada à casa Matriz da Congregação situada em Corenc, nos subúrbios de Grenoble, onde ingressou primeiro como postulante e depois como noviça, recebendo o nome de soror 'Maria da Cruz.

Durante o noviciado, foi professora na escola primária gratuita anexa ao convento, desempenhando bem o seu cargo, mantendo a disciplina "conseguindo ensinar aos alunos o que ela não sabia", na espirituosa expressão do nosso conhecido Sr. Similien (166). Queria "ser missionária para ensinar às pequenas pagãs."

Apesar disso, o bispo D. Ginoulliac, por achar que ainda não adquirira suficientemente "a virtude da renúncia a si própria, por causa de certas singularidades, e para que se formasse melhor na humildade, não admitiu "Melânia à profissão religiosa" (167).

"Estando Melânia com a saúde um tanto abalada, por doença do estômago, escreve o sr. Similien, o bispo mandou-a tratar-se na casa das Irmãs de São Vicente de Paulo, na relativamente próxima cidade de Viena, onde mais facilmente poderia seguir as prescrições médicas. Demorou-se nessa casa, umas três semanas e, obtendo licença da sua Superiora, com quem se mostrou muito aborrecida, foi de romaria à N. Sra. de La Salette, a 10 de Maio de 1854 com ordem de ficar na residência de Corps. Aí devia esforçar-se por adquirir de fato a virtude de humildade. Em Corps teve caridosa acolhida por parte das suas antigas Mestras.

Nessa casa. esteve em contato com jovens camponesas irrefletidas e de educação e instrução inferiores à sua, que chegaram a ponto de fazer-lhe notar a sua condição incerta, por ter entrado sem dote na Congregação, e recordar-lhe que ela era de família muito pobre, como todos estavam vendo. Melânia sofria imenso" (168).

Inesperadamente, nessa época, um Prelado inglês, Mons. Newsham, vindo para festejar em La Salette o oitavo aniversário da Aparição, teve ocasião de conversar com Melânia e, compadecido, propôs-lhe levá-la por algum tempo à Inglaterra, com autorização de D. Ginoulliac, Autorização essa concedida por carta comunicado pelo Superior dos Missionários de N. Sra. de La Salette. Melânia consentiu com alegria (169).

Tratava-se duma simples viagem. Mons. Newsham colocou Melânia, como pensionista, em Darlington, num convento de Carmelitas. Ficando cativada pela vida austera das Filhas de Sta. Teresa, Melânia solicitou e obteve o favor de ingressar no convento, recebendo o hábito religioso a 25 de fevereiro de 1855 e, depois de mui satisfatório noviciado, fez a sua profissão religiosa em Fevereiro de 1856 (170).

O próprio capelão do convento, por ocasião duma romaria a N. Sra. de La Salette, na primavera de 1857, declarou aos Missionários de N. Sra. de La Salette que ela era uma boa religiosa.

Ou por saudade da Pátria, ou por motivo de saúde, Melânia quis absolutamente voltar para a França e foi para Marselha, onde morava sua Mãe, a 24 de Setembro de 1860 (171).

Nessa cidade ela se relacionou com a Congregação das Irmãs da Compaixão, recentemente fundada pelo P. Barthés S. J., que consentiu admiti-la, com a condição formal de que ela não revelasse a sua qualidade de vidente de La Salette, sendo apenas conhecida como ex--carmelita vinda da Inglaterra.

Solicitou Melânia do P. Barthés o favor de, pelo menos, escolher uma Irmã, a quem pudesse filialmente confiar-se, sendo determinada para essa missão a Madre Maria da Apresentação, que, de fato, durante anos, foi sua fiel companheira.

Sendo essa Madre nomeada superiora dum orfanato, numa ilha do Mediterrâneo, Melânia a acompanhou; tanto uma como outra, porém, não davam para semelhante obra e voltaram para Marselha.

Entrementes faleceu o R. P. Fundador, sendo Superior eclesiástico da Congregação, o P. Guid, vigário Geral. Este autorizou Melânia a entrar no noviciado, porém novamente com a condição expressa de ocultar a sua qualidade de vidente. Encarregada do catecismo na paróquia de Montalivet, Melânia, com a melhor das intenções, revelou ao Vigário, P. Forcade, o que ocultara até então por ordem superior. Logo esse Vigário tratou de estabelecer na sua paróquia recentemente instalada, no intuito de aumentar o movimento religioso, a devoção â N. Sra. de La Salette. Sabedores do fato os superiores decidiram que Melânia não poderia mais ficar na congregação, conforme fora entendido (172). A Madre da Apresentação, alegando que o venerando fundador lhe confiara Melânia, obteve de D. Place, bispo de Marselha, autorização de acompanhar a vidente, o que cumpriu fielmente até o ano de 1884.

Ambas foram em romaria a N. Sra. de La Salette de 15 a 18 de Abril de 1867, onde tiveram ótimo acolhimento por parte dos Missionários. No decorrer desses acontecimentos, vieram a Marselha, uns bispos expulsos do Reino de Nápoles pelos revolucionários de Garibaldi. Entre eles Mons. Petagna, bispo de Castellamare, perto de Nápoles, o qual se tornou diretor espiritual de Melânia. Precisamente, durante a romaria da sua dirigida, ele voltou para sua diocese, onde recebeu carta de Melânia expondo-lhe a sua aflitiva situação. Compadecido, D. Petagna, por intermédio de D. Ginoulliac, bispo de Grenoble, comunicou-lhe que as receberia com agrado em Castellamare, onde elas chegaram a 21 de Maio de 1867 (173).

Melânia, confiada à direção espiritual do cônego Zola, nomeado em 1876, bispo de Ugente, e transferido em 1880 para a diocese de Lecce, ensinava as pequenas italianas, só se ausentando rapidamente em 1871 para ir à La Salette e para uma estada em Roma no inverno de 1878-1879. Devido à doença da Madre da Apresentação, ambas a 22 de Agosto de 1884, estavam de volta à França. O santo Padre, escrevia Melânia em 16 de Junho, lastima que eu me afaste de Castellamare; mas atendendo aos motivos por mim apresentados, S. Santidade autorizou-me a ir para a França, recomendando-me grande prudência e discrição''.

A Madre da Apresentação após a sua romaria N.Sra. de La Salette, quis levar a sua companheira consigo a Marselha, mas a mãe de Melânia; já velhinha e doente; pediu que a sua filha ficasse com ela em Corps.

Levando, no começo de 1885, sua mãe para o sul da França, Melânia tratou dela, com todo o carinho, até primeiro de Dezembro de 1889, dia em que a morte lhe arrebatou a progenitora.

Achava-se, havia dois anos, em Marselha, quando em 1892, D. Zola, seu antigo diretor espiritual, convidou Melânia para ir morar em sua diocese. Anuiu a vidente e lá se hospedou em casa de Religiosas, até Junho de 1899, data em que voltou para a França. Ficou na terra pátria, indo várias vezes a La Salette, até pouco tempo; antes do seu falecimento.

Com efeito, pelos meados de 1904, ela se achava· em Altamura, no sul da Itália, hospedada uns meses em casa de religiosas. Depois transferiu-se para um pequeno quarto, sob a bondosa proteção do bispo D. Cecchini.

Todas as manhãs ela ia fielmente à catedral, ouvir missa, e depois recolhia-se à sua humilde moradia. Não a vendo no dia 15 de Dezembro, D. Cecchini, mandou saber dela. Sendo encontrada a porta trancada, as autoridades civis vieram e acharam Melânia morta (174).

Em carta circular de 8 de Dezembro de 1904. o Rvmo. Pe. José Perrin, Superior Geral, comunicou à Congregação dos Missionários de La Salette o seguinte: "Essa santa Moça, tinha se transferido, há 6 meses, para Altamura, na província de Bari, Itália, onde edificava o povo cristão daquele país pela sua profunda piedade e sua frequência à igreja e à Mesa Sagrada, eis quando foi encontrada morta no seu quarto, vitimada por uma sincope, no dizer dos médicos. A povoação fez-lhe magníficas exéquias, oficiando o bispo de Altamura, rodeado do Cabido da sua Catedral. É nosso dever, Missionários de N. Sra. de La Salette, não esquecer essa alma que compareceu perante o tribunal de Deus. Nesse intuito, pedimos a todos sejam feitas em suas residências exéquias solenes, ou pelo menos se celebre a santa missa onde o pessoal não for suficiente para atos mais solenes" (175).

(165) P. Carlier, Histoire de l'Apparition de La Salette, p. 225 Bibli. 66

(168) Pelerinage à La Salette. Bibliografia 25.

(167) Carlier, História, pás. 195, 196 e 191. D. Ginoullac, Carta Pastoral de 4 de Nov. 1854.

('168) Carlier, p. 197. Ver P. Javen, Grace "de Ia Salette, p. 232.

(169) Carlier, pág. 198, citando Des Brulais Suite de L'Echo de la Sainte Montagne.

(170) P. Hostachy, pág. 133 e Carlier, 198, 199.

(171) Acostumada à vida livre da Montanha "a vida de solidão do Carmelo não lhe agradava e a sua nostalgia aumentou particularmente depois da visita da sua irmã MARIA". Carta da M. Superiora.

(172) P. Carlier. Histoire de l'Apparition, p. 199.

(173) P. Jauen, La Grace de La Salette, p. 234. Bibliografia 75.

(174) No mesmo, p. 235.

(175) .P. Hestachy, Histoire Séculare de La Salette, p. 154.

 

CAPÍTULO S E X T O

UM PALADINO DESACERTADO DE MELÂNIA

LÉON BLOY

§ 1o - Sustentando erros

Estamos receosos de que o histórico apresentado acima, tenha deixado o leitor de fôlego perdido, tão rápida se realizou a nossa viagem de um convento para outro, andando por vários países. É necessário portanto que de novo percorramos com mais vagar, pelo menos algumas etapas, de modo a conhecer mais a fundo a vidente, e encontrar alguma razoável explicação dessa vida de tanto movimento e tantas inconstâncias.

Preliminarmente, julgamos oportuno nivelar o caminho e remover uns escombros, isto é, afastar os erros, embora sustentados com talento e persistência. Aludimos particularmente a Léon Bloy e por via de consequência, a quem dele intelectualmente depende.

Em parte anterior deste livro, temos aduzido fatos que comprovam claramente que Léon Bloy, desde o dia em que acolheu a Nossa Senhora de La Salette "em seu coração, como brasa ardente", tornou-se direta ou indiretamente, instrumento dessa Virgem Reconciliadora dos pecadores, para conduzir ou reconduzir ao Cristo e à Igreja, almas de altíssimo valor.

Homem realmente talentoso, escreveu frases admiráveis e candentes de fé e de amor sobre as lágrimas de Maria na sua Aparição, particularmente em "Symbolisme de l"Apparition", e em "Celle qui pleure" (176).

Aqui vai uma dessas frases: "Lágrimas de N. Sra. de La Salette, tão belas de desalentar a poesia e de fazer morrer a imaginação do homem. Assemelham-se às doze pérolas do Apocalipse, que são as doze portas da Jerusalém celestial, pelas quais é mister passar para alcançar a morada das eternas Bem-aventuranças. Talvez sejam as lágrimas de sua Mãe que antecipadamente Nosso Senhor tinha perante os olhos quando em seu Evangelho fala dessas pérolas preciosas que o homem de negócio adquire com tudo o que possui e que o divino Mestre compara com o reino dos Céus" (177).

É inegável que em "Aquela que chora", há belezas arrebatadoras, mas não deixa porém de ser um fato que Léon Bloy, devido à particularidade do seu espírito, nesse livro, erguendo-se qual desacertado paladino de Melânia, exaltando-a em demasia, acumulou muitos erros e levantou umas tantas falsas acusações.

Bem quiséramos lançar o véu do silêncio sobre essa memória de tanto brilho. Aos nossos ouvidos, porém, chegaram e ainda chegam numerosas vozes, até da longínqua Argentina, devido à tradução desse livro em idioma castelhano, vozes essas a clamarem que os escritos de Léon Bloy perturbam os espíritos, obscurecendo o grande Acontecimento, e abalam as almas em sua crença na santa Aparição, de modo que seria crime calar.

Vamos portanto, sem. acrimônia, com tôda calma, expor os fatos, tão eloquentes em sua simples realidade que não há talento que lhes supere a força. Antes de mais nada vai aqui esta anotação do R. P. Jauen, M. S., (178) no seu livro "La Grace de La Salette", pág. 231, nota: A autobiografia (de Melânia), que Léon Bloy se incumbiu de divulgar, exigiria infindas discussões críticas. Em que medida ela é obra de Melânia? Em que medida de Francia (179), lá em Messina, e de Combe aqui mais perto em Diou contribuíram nessa obra por meio de sugestões e retoques?A vidente escrevia: “0 Sr. Combe vai tratar de coordenar esses vários escritos numa só vida" (180).

Numa outra ocasião dirigindo-se ao mesmo: "Recordo que o sr. Vigário Combe disse: Quando. tiverdes terminado o vosso trabalho, será preciso destruir todas os outros escritos" (181). As reações de Léon Bloy a certos modos de proceder de Combe devem ser notadas. O informante recusa-lhe os documentos por· ele pedidos; no entanto não desconfia, admira-se, tão somente, da temeridade de Combe em substituir-se a ele como historiador de Melânia. "Esse infeliz. Combe, incumbe-se de- muita coisa, e seu erro me faz tremer. Não pode ignorar que eu fui muito particularmente designado e que ele está ocupando o meu lugar com injustiça. É portanto prevaricador sciens et prudens (com conhecimento de causa). Isso não é para espantai!? O historiador que pretende substituir-me, não sendo o escritor superior que fora necessário para que essa vida extraordinária seja aceita por cristãos dum nível intelectual mais elevado", será o fracasso supremo e completo, a exterminação definitiva de Melânia, que será acusadora, a acusadora diante de Deus, daquele que ela chamava. pelo nome de pai" (182).

E mais abaixo: "O P. Combe é um homem que não quer humilhar-se e que, por castigo, Deus priva de inteligência. Estou resolvido, hei de publicar o que possuo com uma introdução e nada mais" (183): Em "Celle qui pleure" (Aquela que chora) pág; 135, 136, Léon Bloy escreve: "Essa menina privilegiada, muito antes de 1846, foi visitada pelo Céu”, e que "A grande aparição de 1846 não passava dum episódio da sua infância". Foi, diz o seu futuro historiador que não ma compete nomear, cumulada, já com a Idade de três anos; dos dons sobrenaturais mais estupendos. Ensinada pelo menino Jesus, ela escondia essas graças…; os seus próprios diretores só lhes conheciam uma parte.

Em suas "montanhas" chamavam-na de santinha. Ela tinha os estigmas (sacros), não estranhava, parecendo acreditar que era assim para todos os cristãos... coisa dum sublime o mais aterrador. Melânia recebeu a comunhão frequentemente do próprio Nosso Senhor… Ela via tudo na Luz de Deus..."

Esses dizeres encerram em si a sua refutação; em todo o caso tão totalmente opostos às afirmações das testemunhas da época que viram e ouviram a Melânia .

Recorda o leitor, que o rapaz da família Prá exclamou "Ela que nem faz a sua oração”, - "Afirmaram-nos, que antes de 19 de Setembro de 1848, ela só foi duas vezes aos exercícios religiosos do paróquia" (184).

Ao seu guia, camponês da região, Des Brulais, perguntava: "Melânia conhecia um pouco o religião, quando viu a Santíssima Virgem! - Nada demais! rindo.

Dizem que nem sabe fazer direito o sinal da cruz. Então não tinha feito a primeira comunhão? - Impossível, não tinha inteligência suficiente para estudar uma página de catecismo" (185).

Esta dificuldade bem verificaram as· Irmãs que levaram 18 meses para prepará-la à primeira comunhão.

A própria vidente respondeu a Nossa Senhora que bem pouco fazia oração. "Fazeis bem a vossa oração, meus filhos? - Bem pouco , Senhora. dissemos. Os dois?

- Sim. Juntos? - Sim" (186).

Finalmente existe uma carta de Melânia onde lê-se: “Não sou mais tanto atormentada pelos senhores meus operários (os demônios), parece que estão descansando; porém eu não os imito - também não é justo que a última das criaturas, aquela que somente começou a rezar a Deus com a Idade de quinze anos (187), sofra mais que os outros".

Parece-nos que o caso é claro. Até o dia da Aparição não foi privilegiada sobrenaturalmente, portanto o grande acontecimento não foi um episódio nesses privilégios, mas fato completamente novo em sua vida.

(176) Aquela que chora.

(177) Symbolisme de l'Apparition (Simbolismo da Aparição), p. 169, 173.

(178) Esse Padre afirma no seu livro, p. 263, que ele leu um milheiro de cartas de Melânia e quase todos os escritos dos partidários dela referentes a questão do segredo etc.

( 179) São correspondentes de Melânia ou seus diretores espirituais.

(180) Carta ao Conêgo Brandt, 8 de novembro de 1.900, citada pelo Pe. Jauen no livro "La Grace de La Salette", p. 231, nota 2.

(181) Carta de Melânia ao mesmo, 1 de Janeiro de 1901. Essa ordem torna Combe muito suspeito, pois com isso não seria mais possível controlar o seu livro pelos originais.

(182) Pélerin de l'Absolu, p. 78 (0 Peregrino do Absotuto) que é o livro, por assim dizer das Memórias de Léon Bloy.

(183) Léon Bloy publicou o seu trabalho na revista ''Mercure de France".

(184) Cônego Bez - Pélerinage à La Salette, p. 20. (marla a La Salette, p. 20) - Bibliografia 18.

(185) Srta. Des Brulais em "Echo de la Sainte Montaigne", p. 20. Desse livro, Léon Bloy escreve: "Não existe livro mais recomendável sobre os inícios de La Salette" (em "Celle qui pleure". página 149, nota.

(186) Notas Lagier, em ''L'Apparition de La Salette", III p. 115- Bibliografia. 14.

(187} Corenc (convento onde estava Melânia) 16 de Março de 1854, em P. Jauen. livro citado, p. 231. - Debbreu e Girard publicaram essa carta. Ora Léon Bloy diz.: "As religiosas de Corenc puderam observar que essas graças não cessavam" . Em "Celle qui pleure", pag. 135.

 

§ 2o - Formulando falsas acusações

Comentando as palavras de Maria SSma., Léon Bloy escreve: "Os dois braços de meu Filho foram pregados (na cruz), mas um é suficiente para vos esmagar, esse eu já não posso mais suster, de tão pesado que é!

Ah! meus filhos, se vós vos convertêsseis! Homens então levantaram-se que tinham a mitra na cabeça e que tinham em suas mãos o bastão dos pastores do rebanho de Cristo. Esses homens disseram a Nossa Senhora: - Basta, não é? Taceat mulier in Ecclesia! (Cale-se a Mulher na Igreja). Nós somos os bispos, os doutores e não precisamos de ninguém, nem sequer das pessoas que estão em Deus. Aliás somos amigos de César e não queremos tumulto no povo. As vossas ameaças em nada nos perturbam e vossos pequenos pastores de nós só conseguirão, mesmo em sua velhice, desprezo, calúnia, escarnio, zombaria, miséria, exílio e finalmente o esquecimento.

A esperança da presente obra é fazer reparação de algum modo, se ainda estamos em tempo, pela sacrÍlega perfídia desses Caifás, desses judeus, que destruiram, há bem sessenta anos, o mais belo reino do mundo" (188).

Nada acrescentaremos, magoado por tão injusta e violenta linguagem. Limitamo-nos a relembrar o que em parte anterior deste livro aduzimos, para comprovar quanto foram e ainda são incansáveis, enérgicos e sábios os Exmos. Srs. bispos, pastores do rebanho de Cristo, na defesa, na explicação, na propagação da santa Aparição de N. Sra. de La Salette, que sem eles teria caí do no esquecimento, humanamente falando, apesar das ofensas recebidas no desempenho desse seu munus pastoral.

Volvendo-se particularmente contra D. Ginoulliac, numa nota da página 145, sem aduzir a mínima prova, ele, com palavras nada amenas, acusa esse Prelado de não ter admitido Melânia à profissão dos votos religiosos, porque ela negou revelar-lhe o seu segredo. Ora, D. Ginoulliac, como vimos, em carta Pastoral, apresentou publicamente os motivos. Na página 144, Léon Bloy, narra claramente que "aceitando o convite dum Monsenhor inglês, Melânia partiu com alegria para a Inglaterra, com autorização de D. Ginoulliac" (189).

Tratando os Exmos. Srs. bispos de tão desrespeitoso modo, Léon Bloy não deixaria de virar-se contra os simples sacerdotes. Foi especialmente contra os Missionários de N. Sra. de La Salette e depois da saída deles, tangidos pela perseguição religiosa, contra os Capelães diocesanos, seus substitutos na santa Montanha, que, sempre com termos ásperos, ele investiu no capítulo XXV do mesmo livro, por causa das hospedarias construídas para abrigar os romeiros, com as indispensáveis refeições por preços módicos que ele próprio aliás aproveitou.

Léon Bloy chegou em romaria à Salette, pela primeira vez, a 29 de Agosto de 1879. Por essa ocasião, Léon Bloy não apresentou queixa nenhuma contra os Missionários (190), pelo contrário, travou correspondência com dois deles, escrevendo uma carta ao P. Archier, superior, para lhe pedir documentos para um livro projetado sobre La Salette, e ao P. Brissault, para obter informações sôbre o falecimento dum seu amigo, Pe. Luiz Moidrey, morto e sepultado naquele mês na Santa Montanha. As investidas de Léon Bloy remontam à sua segunda romaria de 17 de Setembro a 14 de outubro de 1880. Nessa ocasião, surgiu um incidente entre ele e os Missionários de La Salette. O R. P. Perrin apresentou-lhe, sete dias depois de ter ele saldado as suas contas, novamente as suas despesas, dizendo que já tinha terminado a época das romarias, dando-lhe a entender claramente que ele devia retirar-se da santa Montanha.

Irritado, Léon Bloy escreveu logo com data , de 13 de Outubro de 1880, uma carta ao Pe. Barthiér, onde dizia: "… êsse modo de proceder ofende, tanto, mais que no mesmo instante foram dizer a minha parenta Mme. Roulé que também ela devia imediatamente saldar a sua conta... A presença dessa parenta que me acompanha e suas frequentes relações (rapports) comigo, circunstâncias essas que só podem escandalizar as pessoas que têm o pecado no coração, tem, provocado as mais imundas e injuriosas insinuações". Aqui, Gaetan Bernoville na página 214, do livro acima citado, nota: ·"Os entusiasmos de Léon Bloy e de Ana-Maria não se produzem sem algumas intimidades (privautés) que causam preocupações aos missionários de N. Sra. de La Salette; o P. Perrin, manda dizer-lhes que chegara o momento de partirem. Ele partiu ferido e trovejante".

Essa Ana-Maria Roulé, que ele chama de sua parenta na sua carta, era uma criatura com quem ele, solteiro, convivia (191). Na mesma carta, Léon Bloy, atribuindo a motivo de lucro, a ordem do Pe. Perrin, escrevia no final: "Eu desejara não me ver exposto às espantosas sugestões ·que o espírito do mal sopra no coração dos escritores que a injustiça fez sofrer e que podem usar do seu poder para se vingarem". Não admira que Gaetan Bernoville tenha escrito: "Os Missionários tornaram-se, aos seus olhos, vulgares “estalajadeiros", sobre os quais o panfletário descarregou largamente o azedume desse dia" (192). Com efeito, na págína 88 de "Celle qui pleure" escreveu: “Expulsos da santa Montanha os antigos missionários, levaram consigo a caixa, os vasos sagrados cobertos de joias, até o próprio diadema da Virgem SSma."

A verdade, nós bem sabemos, pois, lá estávamos, é a seguinte: Expulsos pela lei contra as Ordens Religiosas, que os despojava dos seus bens, os Missionários, para que tão preciosos dons não caíssem nas mãos do fisco, conseguiram, apesar dos perigos, confiá-los à grande abadia de São Maurício na Suíça, que os conservaria como um depósito sagrado. Houve quem :"levasse o caso à Santa Sé. Imediatamente, apesar dos mesmos perigos, trouxeram os Missionários de volta esses objetos. A Santa Sé examinou o caso e a Sagrada Congregação dos Religiosos enviou um prescrito ao superior Geral declarando: "Nada fizestes no passado senão o que é reto e profundamente de acordo com o espírito religioso: nihil nisi spiritu religioso funditus informatum”. - 29 de junho de 1912 - Pe. Hostachy, à pág. 426 do seu livro "Historia secular de La Salette", divulgou o texto completo.

Léon Bloy, no mesmo livro, pág. 146, 147, após ter contado que vira chegar em 1880 "um pobre e muito idoso mendigo, exausto pelas horas de subida, e pela neve terrível'' contando, conforme o regulamento (193) que eu não vi, com dois dias de hospedagem; mas o que eu bem vi, e vi até demais, foi o desespero, o humilde desespero do velhinho, dizendo um quarto de hora depois: ''Eles me deram uma sopa fria e me disseram que é preciso partir. Para não ser cúmplice dum assassinato, paguei-lhe embora muito pobre, três dias de hospedagem..." (194).

“A partir desse dia, continua, eu compreendi o que se passava nessa Montanha. Para ser franco, eu vi o espantoso espírito de avareza, desses pretendidos religiosos que deveriam ser mendigos, servos de mendigos, pois La Salette é, por essência e por excelência, uma romaria de pés no chão". Prossegue: "Desde a base à montanha não se pode subir suavemente a não ser com o diabo às costas. Os primeiros romeiros não se enganaram nem poderiam enganar-se. A estrada de agora não existia, e o serviço das mulas não estava organizado como hoje em dia. A Srta. des Brulais, que foi uma das primeiras testemunhas de La Salette..."

Ora, essa Senhorita, como consta dos seus livros, sempre subiu a lombo de mula e Léon Bloy igualmente; pois ele escreve, na página 18: "Após dez horas de estertores (na carruagem) a gente ficava entregue aos almocreves... Em certos lugares apeava-se para aliviar os animais".

Quisera ele (página 150) "que a hospedaria de La Salette fosse transformada em casa de Deus aprovisionada com abundância, onde o romeiro sadio seria servo dos pobres ou enfermeiro, se os cristãos dessem a centésima parte do que dão por força ao cobrador de impostos".

Quem não compreende que isso seria heroísmo contínuo, coisa impossível para a fraqueza humana? Léon Bloy em suas romarias, não ficou ao relento, pelas encostas da montanha; preferiu por três vezes aproveitar a hospedaria, como aproveitaram, quando lá chegaram Maximino e Melânia (195) de quem ele fala na mesma página. acrescentando: ''Maximino, que definhava na miséria, a poucos passos de sórdidos religiosos, que só existiam devido a ele". É falso. Pe. J. Perrin, frequentemente pagou os fornecedores de Maximino (196). Com os recursos da Hospedaria foram saldadas as contas do médico, do farmacêutico e do sepultamento de Maximino (197).

Com relação a Melânia ela escrevia de Nápoles ao R. P. Giraud, superior dos Missionários de La Salette:“Eu agradeço a vossa bondade, R. Padre. Espero que nossa divina Mãe se incumbirá de vos pagar a minha dívida (198). Ao mesmo “apresso-me em acusar o recebimento dos vossos dois bilhetes de 20 francos" (199).

- Assim por diante.

Em "Celle qui pleure'" Léon Bloy divulga um extenso documento em que Melânia narra prolongadíssimas audiências com o Papa Leão XIII que lhe teria dado ordem formal de ir à Santa Montanha, levando as Regras que Ele aprovava, para que tanto os Missionários como as Irmãs Religiosas, as adotassem e observassem imediatamente. Entretanto, a isso se opuseram o· bispo D. Fava e o Pe. Berthier, Missionário de N. Sra. de La Salette.

Quem conhece, mesmo de modo rudimentar, os tramites indispensáveis para a aprovação das Regras para religiosos pela Santa Sé e não ignora que nunca o Santo Padre dá sua aprovação a tais regras, antes que sejam estudadas por vários anos e aprovadas pela Congregração dos Religiosos, e que nunca o Santo Padre concede. audiências semelhantes: quem conhece esses trâmites concluirá que o narrado nessas páginas é simplesmente absurda invencionice. Com efeito esse documento (200) termina assim: “Por cópia conforme, 18 de Maio de 1904" - H. Rigaux - Vigário de Argouves.

Não se trata: pois. 'de documento original, mas duma cópia, com data em que Melânia estava recolhida em Altamura, poucos meses antes do seu falecimento.

Desse Rigaux a própria Melânia (201) a própria Melânia escreveu: ''Parece-me que o novo profeta se engana um pouco, mas deixemos.... Quem viver há de ver que não é como ele diz''.

E com isso, cai por terra também o que Léon Bloy afirma dos Apóstolos dos últimos tempos (202). Para eles eram as tais regras.

(188) Celle qui pleure, pág, 16, 17.

(189) Suite de l'Echo de la Sainte Montaigne, em P. Carlier, p. 188.

(190) No "Symbolisme de l'Apparition”, Léon Bloy externa-se com simpatia a respeito dos missionários de La Salette", escreve Gaetan Beruoville, em La Salette", Pág. 214 - Paris, 1946 - Bibliografia 75.

(191) A respeito dessa convivência fala por extenso Joseph Bollery. admirador de Léon Bloy no seu livro "Léon Bloy". Paris. 1947, I vol., páginas 309 e seguintes; e da romaria, páginas 445 a 452. A carta lê-se na pág. 451 – Bibliografia 64.

(192) No livro citado, págs. 214-215.

(193) Esse regulamento existe; nós, com centeas de colegas nossos, temos visto cumprir o preceito da hospitalidade; inúmeras vezes temos até ajudado a cumpri-lo.

(194) Toda a gente sabe que um mendigo errante, encontrando quem se interesse por ele, conta qualquer coisa para obter um dinheirinho. Afinal, Léon Bloy não viu nem ouviu ouviu os tais "eles", nem diz quem eram; baseia-se exclusivamente nas palavras do desconhecido.

(195) A respeito de Melânia, nós pessoalmente, em 1901 e 1902 presenciamos com que bondade e carinho ela foi acolhida. Acrescentamos que na hospedaria os preços são 40% mais em conta que alhures, nós ouvimos dizer por alguns romeiros, mesmo em 1949, por ocasião duma nossa viagem.

(196) Jauen, "La Grace de La Salette", pág. 219, bibliografia 73.

(197) Carlier, pág. 213, Histoire de l'Apparition de La Salette, bibliog. 66.

(188) Carta de 11 de junho de 1881 e carta de 14 de Setembro 1868 - em Carlier, pág . 202-203.

(199) Carlier, pág. 159 -198.

(200) Que Léon Bloy pretende ser do próprio punho de Melânia, pág. 159 de "Celle qui pleure".

(201) Carta. ao Cônego Brandt, 21 de Dezembro de 1898, em P. Jauen, pág. 240, Bibliografia 73.

 

§ 3o Léon Bloy e o “segredo de La Salette”

Chegamos finalmente ao assunto dum "Segredo de La Salette'' que Léon Bloy divulga em "Celle qui pleure'' incluindo na própria narrativa da Aparição, páginas 211 a 222. Ora, os últimos tempos já próximos, no entender dele, com terrificantes cataclismas e interpretações extravagantes da Bíblia, constituíam quase que a exclusiva preocupação de Léon Bloy, em 1879, ano esse da primeira publicação do tal segredo.

Na biografia (203) de Léon Bloy, lê-se: “Ana e Léon Bloy estiveram de volta a 16 de Outubro... (204). O que houve para os dois expectadores de acontecimentos sobrenaturais, no fim do ano de 1880 e todo 1881?

Parece que viveram isolados na contemplação dos gestos de Deus."

Com efeito o autor desde a página 309 até a página 434, salvo raros acontecimentos, narra largamente que ele e ela tinham visões, mergulhavam-se no estudo da Bíblia: isso pretendiam, com peculiar assistência do Espírito Santo, cujo próximo reino haveria de se implantar por meio de prodígios, e "conforme Ana Maria, escrevia Léon Bloy, o acontecimento de La Salette se refere de modo imediato à vinda do Espírito Santo (205)".

A última frase, demonstra que Léon Bloy devia forçosamente preocupar-se com o segredo de Melânia, admitindo qualquer texto sem o menor estudo crítico. Devido ao Decreto do Sto. Oficio que aduzimos quando tratamos dos segredos, limitamo-nos a notar que o Livro "Celle qui pleure" veio a lume em Setembro de 1907. Ora, o texto do segredo que aí se acha reeditado é precisamente aquele cuja divulgação, em 1879, fora reprovada, no dia 14 de Agosto de 1880 pela Congregação do Santo Ofício: “A Santa Sé viu com desagrado essa publicação e sua vontade é que os exemplares já espalhados sejam, na medida do possível, retirados das mãos dos fiéis (206); isso apesar da autorização (imprimatur) do bispo de Lecce. A Congregação do Index inscreveu como sendo proibidos dois livros sobre o 1o segredo de Melânia": O primeiro em 7 de Junho de 1901, o segundo em 12 de Abril de 1907, ambos da autoria do Pe. Combe.

Portanto Léon Bloy não acatou as ordens da Santa Sé, divulgando dentro de poucos meses o mesmo segredo.

Finalmente, ele (207) se queixa de que tanto os Missionários como os Capelães em suas narrativas da Aparição, querem que o anúncio dos castigos já se tenham realizado, dessa maneira "qualquer outra profecia referente ao futuro é frivolidade. Eu os ouvi apresentando estatísticas da Irlanda, França, Espanha, Polônia."

Ora, ele próprio transcreve as mesmas estatísticas, a título de comentário da mesma narrativa (208). No capitulo XII, pág. 71 e 72, Léon Bloy pretende que o clero não quer aceitar e divulgar o suposto segredo de Melânia, porque censura a impiedade e o procedimento vergonhoso dos padres, dos religiosos e das religiosas, frizando: "Eles não querem fazer o seu exame de consciência" dizia Melânia (209). Não conhecemos a fonte dessa informação, de que Léon Bloy não fala.

Pois bem! Melânia, numa carta autêntica, escrita no convento das Carmelitas na Inglaterra e dirigida ao Pe. Mélin com data de 21 de Março de 1855, que o Pe. Jauen, missionário de N. Sra. de La Salette publicou com fotocópia (210), escrevia: “As coisas que eu posso dizer não me foram ditas na Montanha de La Salette.

Delas não falei a ninguém, pois receava maior mal e que se desprezassem palavras do céu porque faladas por grande pecadora como eu. Parte dessas coisas se referem ao clero, mormente ao clero francês; outra parte se refere de modo geral "a todas as ordens religiosas tanto de homem como de mulheres.. (211).

É claro, pois, que escritor talentoso e verdade histórica nem sempre vivem de acordo; constatação essa que especialmente no caso presente quiséramos que os leitores do tão categórico Léon Bloy conservassem fundo na memória.

(202) Celle qui pleure, 13.

(203) Joseph Bollery - Léon Bloy, I vol., pág. 454.

(204) Da romaria que acima tratamos.

(205) Joseph Bollery, pág. 433. Esse autor, nas páginas 462 e 483, narra que o resultado foi que Ana Maria ficou demente e faleceu num hospício, em 1907.

(206) Léon Bloy que cita esse documento na pág. 124, sustenta que foi falsificado. Para concluir a questão, a revista “Annales de Notre Dame de La Salette”, publicaram a fotocópia em 1915.

(207) Celle qui pleure, pág. 151.

(208) Celle qui pleure, pág. 209.

(209) Celle qui pleure, pág. 72.

(210) W. Grace de La Salette, pág. 260.

(211) A titulo documentário, relatamos o seguinte: "A vidente Soror Maria de São Pedro ouviu estas palavras em 13 de Fevereiro de 1848: "A Igreja está sendo ameaçada por horrível tempestade, orai, orai". E a Confidente de Jesus recebe ordem de rezar especialmente pelo Santo Padre e a certeza de que, graças à Confraria reparadora, o sangue dos padres não será derramado como em 1793, porque Nosso Senhor não tem motivo de queixa por parte do clero como da época da grande Revolução" - Revista "Vie Spirituelle", 1 Nov. de 1943, -citada pelo P. Jauen. pág. 260 em ''La Grace de La Salette".

 

CAPITULO SÉTIMO

ELUCIDANDO A CARACTERÍSTICA

INCONSTÂNCIA DE MELÂNIA

Tencionamos agora apresentar algumas ponderações que, ao nosso ver, explicam talvez não por completo, porém de modo satisfatório, o caráter tão evidentemente inconstante de Melânia e também esclarecem tão variados acontecimentos da sua vida.

Existem pessoas singelas que a malvadez do mundo olha com sentimento de compaixão e algum desprezo que absolutamente não as atinge.

Criaturas simples, de fé religiosa ingênua, corações sinceramente amantes a Deus, com horror ao pecado, cumpridoras do dever do próprio estado, respeitosas da vida alheia, devotadas ao culto divino, que, na igreja ou em sua casa levam fazendo orações, o tempo que os seus censores empregam nos divertimentos ou coisas piores, mas que do Pai do céu, receberam ·na expressão do Evangelho, um só talento, pois "ipse fecit nos et non ipsi nos" foi ele quem nos fez a nós e não nós a nós mesmos'".

Pois bem, para valorizar esse talento, elas necessitam dum guia bondoso, esclarecido e também enérgico, do contrário, embora evitem faltas graves, andam sem rumo; até cuidam, por vezes, ter visto, mesmo ouvido, do Sagrado Coração ou de Nossa Senhora, supostas visões, logo esquecidas de ordem do pai espiritual. Sendo bem orientadas, a sua vida lhes decorre calma, pura, isenta de maldade e de malícia, por caminho, no dizer popular, que vai direto ao céu.

Esse seria por natureza, o gênero de vida de Melânia. Infelizmente ,a ela não tão somente faltou o indispensável guia, mas pelo contrário teve diretores espirituais pouco esclarecidos, erradamente enérgicos, uns até atormentados de iluminismo, com agravante de irrefletida veneração. Daí provém as suas frequentes mudanças de ideias e de estado e a convicção de que tinha recebido revelações de Nossa Senhora posteriores à Aparição e referentes ao clero (212).

Que por natureza Melânla fosse ingênua, simples, despreocupada, pouco dotada intelectualmente, necessitando de contínua vigilância e orientação - já foi comprovado por ocasião do exame da realidade da Aparição de Maria SSma. O patrão de Melânia, Batista Prá, declarava ao Pe. Rousselot: '”É muito retraida e tão despreocupada que chegando à noite, da montanha, toda molhada pela chuva, nem sequer pedia para trocar a roupa. Por vezes fechava-se no estábulo e até, se a gente não notasse, passaria a noite ao relento" (213).

"Bem muito pouca coisa pensava a coitadinha, dizia um camponês (214). Tão pouco dotada, que a superiora do Colégio em Corps declarava aos Delegados. episcopais “que por um ano inteiro não conseguira que Melânia soubesse de cor os atos de fé, esperança e caridade, embora lhos fizesse repetir duas vezes por dia" (215).

O Pe. Giraud, superior dos Missionários de N. Sra. de La Salette, depois duma entrevista com Melânia, exclamava "Pobre filha, pobre filha, quanto é para lastimar! ... Cuidava que ela fosse uma exaltada, porém dotada de certa inteligência! No entanto é de mentalidade comum e acanhada". Em outra ocasião: "Comigo nunca faz profecias" (216), dando assim a entender que Melânia bem dirigida, desistia das suas supostas visões. Melânia sempre tinha em muita conta ao Pe. Calage em Marselha, embora ele se opusesse às suas mais queridas ilusões e disso ela tivesse certeza. Dom Ginoulliac ordenou-lhe que acabasse com suas predições, visões e outras singularidades. Ela obedeceu até sua ida para a Inglaterra" (217).

Melânia, portanto, sendo bem orientada por natureza, nunca cogitaria dessas coisas extraordinárias. Para atirá-la a essas cogitações, muito contribuíram os irrefletidos atos de verdadeira veneração para com ela e os seus extravagantes diretores espirituais.

A respeito do primeiro caso limitamo-nos ao seguinte (218): "Eu vi padres, declarava o Pe. Gerente (219) ao Pe. Bossan, que escreviam tudo o que Melânia dizia, como se fossem oráculos. Eu disse a um vigário do sul da França, que já tinha escrito três páginas da sua conversação com Melânia: Mas, meu bom vigário, o que estais fazendo? Escrevo tudo o que ela falava isso na presença de Melânia. Eu vi padres, damas, generais, oficiais, homens de alta sociedade manterem-se perante Melânia como se se tratasse duma alta personalidade, falar-lhe com muita humildade, pedir a sua assinatura. Enfim uma porção de coisas idiotas".

Lá na Inglaterra, nem Mons. Newsham, que a levou consigo, nem o Capelão das Carmelitas, demonstraram a menor prudência. Por ocasião da tomada de hábito de Melânia, o Jornal Tablet (220), assim descrevia a cerimônia: "Entre as pessoas mais apressadas, notavam-se Sir William e Lady Lawson com suas famílias, bem como Lady Dodsworth. Esta última e Lady Lawson estiveram bastante atarefadas em adornar com seus atavios, com suas esplêndidas joias, no valor, dizem, de 2.000 libras, a interessante Noiva que ia nesse dia consagrar-se ao Esposo Eterno".

Pobre pastorinha dos Alpes! Qual a imaginação capaz de resistir? Para completamente perturbar essa im