APELO AO AMOR - Mensagem do Coração de Jesus ao mundo

espiritualidade

Mensagem do Coração de Jesus ao Mundo, revelada a Josefa Menéndez a 100 anos atrás!

APELO AO AMOR

MENSAGEM DO CORAÇÃO DE JESUS AO MUNDO

E SUA MENSAGEIRA SOROR JOSEFA MENÉNDEZ

RELIGIOSA COADJUTORA DA SOCIEDADE DO "SACRÉ COEUR DE JÉSUS”

 

REIMPRIMATUR
Rio de Janeiro, 27-3-1963 Mons. José Silveira
Vigário Geral.

 

 1890 - 1923

 


Introdução do Pe. H. MONIER-VINARD, S.J.
- Conclusão do Pe. F. CHARMOT, S. J.

3a EDIÇÃO

EDITORA RIO-S. PAULO Rua Barão do Bom Retiro, 589
RIO DE JANEIRO — BRASIL

QUE VENHAM TODOS!
EU OS ESPERO COMO UM PAI,
COM OS BRAÇOS ABERTOS,
PARA DAR-LHES A PAZ
E A VERDADEIRA FELICIDADE!

A. M. D. G.
Versio Libri cui titulus - APÉLO AO AMOR",

A Mensagem do Coração de Jesus ao Mundo e Sua Mensageira Irmã Josefa Menéndez,

a me revisa est et iudico IN DOMINO nihil obstare quominus imprimatur.

Flumine Januari 7 Septembris 1952
Pe. Josephus Coelho de Souza Neto, S. J.

Visto
Pe. João Bosco Bocha, S. J.
Praep. Provínc. S. J.

Pode reimprimir-se
Rio, 8 de setembro de 1952
Mons. Caruso
Pro Vigário Geral

Sem prevenir em nada o pensamento da Igreja, único juiz nesta matéria, submetemo-nos inteiramente às suas decisões futuras.
As almas que lerem estas páginas terão a alegria filial de encontrar aqui — com o consentimento de Sua Santidade, dado pelo próprio punho — o autógrafo do Cardeal Pacelli, então Protetor da Sociedade do Sagrado Coração, abençoando a 1.o edição francesa do “Apelo ao Amor”, numa primeira sexta-feira do mês de abril de 1938,

Reprodução, com o consentimento de Sua Santidade, do autógrafo o Cardeal Pacelli se dignou abençoar a primeira edição de “Apelo ao Amor"

PRÓLOGO DA EDIÇÃO FRANCESA

Esta nora edição de “Un Appel à l’Amour” apresenta-se como amplo complemento do livro publicado em 1938. O acolhimento feito àquelas páginas desde seu aparecimento, a rapidez com que as edições se sucederam, o entusiasmo das almas em responderem aos desejos do Coração de Jesus, as numerosas cartas provindas de todos os meios a atestar a ação profunda desta Mensagem, e as graças notáveis que a acompanhavam, tudo parecia confirmar a promessa de Nosso Senhor: “Minhas Palavras serão Luz e Vida para um número incalculável de almas. Dar-lhes-ei graça especial a fim de que iluminem e transformem as almas.” (Nosso Senhor a Josefa, 13 de novembro de 1923).
Alguns meses haviam apenas decorrido que o trabalho, já editado em língua espanhola, era traduzido em português(1), italiano, inglês, chinês e húngaro...
Assim se realizava o Desejo divino, de que este Apelo fosse ouvido até os confins da terra.
A guerra não abafou essa chama que um desejo providenciai acendera antes da conflagração geral das nações. E, apesar de todos os obstáculos, o incêndio, destinado pelo Mestre de Amor a cobrir o mundo, alastrou de lar em lar. Ao mesmo tempo, também, afluíam ao centro da difusão pedidos exprimindo a esperança de que uma biografia mais completa permitisse conhecer melhor Soror Josefa Menéndez para melhor aprofundar a Mensagem de que era intermediária.
O presente trabalho pretende atender a esse desejo.
Aí foi colocada no seu próprio quadro a Mensagem do Coração de Jesus.

(1) Com o título. "Convite a uma vida de Amor" — Coimbra 1938.

 

PRÓLOGO DA EDIÇÃO FRANCESA

Incrusta-se na vida de Josefa da qual não se pode separar. Para isso basta apenas citar amplamente as notas escritas por obediência e preciosamente conservadas. Foram traduzidas do espanhol, e o fio condutor que as liga não é senão o testemunho das pessoas que seguiram, passo a passo a história dessa vida toda inteira em função dos Desígnios do Coração de Jesus.
Esta documentação direta será, sem dúvida, a forma mais viva e autêntica dessa biografia em que tudo é mensagem de Amor.
Já em 1926, depois de ter cuidadosamente examinado os cadernos! de Soror Josefa Menéndez um Consultor da Sagrada Congregação dos Ritos concluía seu parecer com as seguintes linhas: “Faço votos para que estas coisas sejam conhecidas para a Glória de Deus, para reconfortar tantas almas pusilâmines e desconfiadas como também para glorificar esta santa religiosa do Sagrado Coração.”

(Traduzido do italiano).

Sem antecipar em coisa alguma o pensamento da igreja, único juiz no assunto, e à qual nos submetemos inteiramente, parece-nos licito dar às almas que lerem estas páginas a alegria filial de encontrar novamente aqui o autógrafo do cardeal Pacelli, então protetor da Sociedade do Sagrado Coração, abençoando a primeira edição de “Un Appel à l’Amour” na primeira sexta-feira de abril de 1938.


INTRODUÇÃO

Em 29 de dezembro de 1923, morria santamente, aos trinta e três anos no convento dos “Feuillants" em Poitiers, a Irmã Josefa Menéndez.
Humilde Irmã coadjutora da Sociedade do Sagrado Coração, tendo vivido muito obscuramente apenas quatro anos na vida religiosa, era dessas cujo nome o mundo continuaria a ignorar e cuja lembrança, mesmo entre suas Irmãs de hábito, deveria apagar-se rapidamente.
E eis, ao contrário, que, vinte anos apenas depois de sua morte o mundo inteiro dela se ocupa.
Dos confins da América, da África, da Ásia, da Oceania, é invocada com fervor e se escuta respeitosa e recolhidamente a Mensagem que, pelo Coração de Jesus, foi encarregada de transmitir aos homens. Em 1938, sob o título “Un Appel à l’Amour" aparecia no Apostolado da Oração, em Toulouse, a substância dessa Mensagem.
O Cardeal Pacelli, hoje gloriosamente reinante sob o nome de Pio XII, dignou-se, numa Carta Prefácio recomendar a todos sua leitura.
Cinco anos depois, reclama-se insistentemente uma biografia completa.
Deseja-se conhecer em todos os seus pormenores essa vida tão rica e tão escondida, em que a própria pobreza do quadro humano vivamente põe em relevo o esplendor da Ação divina.
Esta segunda edição, completíssima, responde a tão justos desejos. Redigida segundo as próprias notas da Irmã Josefa, escritas dia a dia por obediência, e confirmadas pelas preciosíssimas recordações das testemunhas de sua vida, a Superiora e a Assistente da casa de Poitiers e o R. P. Boyer O. P., seu diretor, oferece ela a máxima garantia.
Abri-la-emos com ardente curiosidade; lê-la-emos com emoção e admiração, e fechá-la-emos com vontade enérgica de nos tornarmos melhores e de amarmos, afinal, esse Deus que tão grande amor manifesta à sua criatura.
Pois tudo aí fala da maravilhosa providência de amor que Deus exerce sobre o homem. A Sagrada Escritura no-lo representa, nos salmos, seguindo com vigilância sempre alerta os filhos dos homens perscrutando-lhes atentamente as ações e respondendo-lhes aos mínimos gestos de oração.
Inclinado com amor sobre seus filhos revoltados, fala-lhes desde o princípio, pela voz de seus prodígios e de seus profetas, até o dia em que, encarnando-se ele próprio, e humanando-se no seio da Virgem Maria, veio dizer aos homens, em linguagem humana, o grande amor que lhe enche o Coração.
E Jesus, o Verbo encarnado, transmitiu aos homens, na sua integridade, a Mensagem que Ele próprio recebera do Pai: “Omnia quaecunque audivi a Patre meo, nota feci vobis.” (1)
Nada há a acrescentar ao que disse Jesus Cristo e, com a morte de S. João, o último apóstolo, a revelação divina ficou encerrada e selada. No decurso dos séculos, apenas se tornará mais explícito seu conteúdo.
É, porém, insondável em riqueza. É tão rico e os homens, sob o ponto de vista religioso, tão desatentos e superficiais, que não sabem Ver a fundo esse Evangelho que precisa ser penetrado. Assim como outrora, na Antiga Lei, enviava Deus profetas para reavivar a fé e a esperança de seu povo, assim suscita Cristo, de tempos em tempos, almas às quais confia a missão de explicar aos homens suas Palavras autênticas e de revelar sua profundeza e sentido escondido. Outrora na manhã de Páscoa, foi a Maria Madalena que encarregou de levar aos apóstolos a notícia da sua Ressurreição gloriosa, e desde então, no correr dos tempos, é também, muitas vezes, através de humildes e pobres mulheres que há de transmitir ao mundo as suas mais importantes Vontades.

(1) S. João XIV-15


INTRODUÇÃO

Para não citar senão as principais, por meio de Santa Juliana de Montcornilion instituiu na Igreja a festa do Corpo de Deus e renovou a devoção ao Santíssimo Sacramento. Por meio de Santa Margarida Maria deu incremento à devoção ao Sagrado Coração, que tomou sentido novo e novo alcance. Por meio de Santa Teresinha do Menino Jesus repetiu ao mundo, que parecia tê-lo esquecido, o mérito e o valor do estado de infância espiritual.
Assim agiu com a Irmã Josefa.
As três primeiras receberam da Igreja, com a canonização, como que o reconhecimento oficial de sua missão. A Irmã Josefa ainda não teve essa honra, mas antes de lhes ser irmã na glória, já lhes é, certamente, irmã na graça, pois aprouve a Deus acreditar seu testemunho. O Criador que trata suas criaturas humanas com soberano respeito “cum magna reverentia disponis nos” (Sap. 12,18), deve pôr seu selo sobre aqueles que envia: é preciso que os possamos reconhecer como arautos do Senhor. Seus Caminhos não são os nossos caminhos, nem seus Pensamentos os nossos pensamentos.
Para melhor mostrar que tudo vem dele somente, escolhe instrumentos débeis que, humanamente, parecem inaptos à obra projetada. Faz brilhar sua Força na fraqueza deles. “Não buscou, diz São Paulo, para estabelecer a sua igreja, nem os sábios nem os grandes do mundo.'' Poder-se-ia atribuir a seu talento ou a seu prestígio a rápida difusão do cristianismo... Escolheu ignorantes. pobres, do meio do povo rude, e tornou-os vasos de eleição...
E para que a grandeza de sua missão não os ofuscasse e não os, induzisse em tentação de orgulho, aprouve-Lhe pô-los constantemente diante de seu próprio nada, de sua miséria inata, de sua fraqueza. Somente nas almas verdadeiramente humildes os Dons de Deus estão em segurança.
Tal é o caminho providencial: sobre o nada é que Deus coloca sua Glória.
"-Se Eu pudesse encontrar alguém mais miserável que tu, dizia à Santa Margarida Maria, tê-lo-ia escolhido ...”
A Irmã Josefa ouvirá frequentemente as mesmas palavras:
“Se Eu pudesse encontrar criatura mais miserável, sobre ela teria fitado o Olhar de meu Amor e, por ela, manifestaria os desejos de Meu Coração. Mas como não encontrei, foste tu escolhida.(1)
E pouco depois acrescentará:
“Escolhi-te, porque sendo inútil e desprovida de tudo, se veja que sou unicamente Eu quem fala, quem pede, quem age.(2)
A demora que havia protelado a realização de sua vocação e que poderia ter levado a duvidar “a priori de sua Força de alma, a humilde categoria que tinha em seu Instituto, sua situação de simples noviça, o lugar secundário em que a colocava seu amor à vida oculta, a dificuldade que sempre teve para exprimir-se em francês pareciam certamente obstáculos insuperáveis.(3)

(1) 7 de junho de 1923.
(2) 12 de junho de 1923.
(3) Entre as noviças de então, na maioria polonesas, se se quisesse adivinhar por alguma aparência mística a escolhida de Deus, não se teria pensado cm Josefa: no seu exterior nada que atraísse o olhar ou levasse a suspeitar a eleição divina.


Eis porém, justamente, o sinal divino: aquele humilde noviça a quem uma extrema sensibilidade de coração tornava tão frágil na luta, mostrar-se-á de Força invencível. No deslumbramento das revelações divinas se refugiará em seu nada.
Quanto mais Deus dela se aproximar, mais a veremos abaixar-se. Apesar da evidência da Ação de Deus, receará sempre enganar-se e enganar os outros.
Suas Superioras não terão filha mais maleável, mais dócil, mais respeitadora da autoridade, mais desejosa de sua vigilância, mate pronta a sacrificar-se.
Em sua piedade, como em sua maneira de ser e de proceder, nada é exagerado, tudo simples e sincero.

Seu temperamento é perfeitamente são. Tem o sentido da moderação e tia ordem. O divino que carrega em si e cujo peso sente fortemente, sobretudo em certas horas, os tormentos inexprimíveis que dele provêm, não lhe destroem o equilíbrio interior. E é todo esse conjunto, como também a energia sobre-humana com que suporta provas e sofrimentos, ultrapassando largamente os limites de suas pobres forças, que constituirão, para seus Superiores, a melhor garantia da Ação divina.
"O sinal dá-lo-ei em ti”, dissera Nosso Senhor a Josefa. Desconfiados e reservados, a princípio, seu Diretor e suas Superioras tiveram, afinal, que render-se à evidência e crer em sua missão.


A MISSÃO DE JOSEFA

Foi pouco a pouco que Nosso Senhor lha revelou. Já muitas vezes lhe dissera que queria servir-se dela para "realizar seus Desígnios”(1) e para salvar muitas almas que tão caro lhe haviam custado.(2)

(1) 9 de fevereiro de 1921.
(2) 15 dc outubro de 1920.

A 24 de fevereiro de 1921, à noite, na Hora Santa, o Apelo é renovado de modo mais explícito:
"O mundo não conhece a Misericórdia de meu Coração — diz Nosso Senhor a Josefa. — Quero servir-Me de ti para tomá-la conhecida... quero-te apóstolo de minha Bondade e minha Misericórdia. Eu te ensinarei; tu, esquece-te a ti mesma.”
E como Josefa Lhe exprimisse seus temores:
“Ama e nada receies. Quero o que não queres, mas posso o que não podes. Não te pertence escolher. Abandona-te.”
Alguns meses mais tarde, na segunda-feira, 11 de junho de 1921, poucos dias depois da festa do Sagrado Coração, em que recebera graças abundantes, Nosso Senhor citou-lhe:

“Recorda minhas Palavras e crê nelas. O único desejo de meu Coração é aprisionar-te e afogar-te em meu Amor, fazer de tua pequenez e de tua fragilidade um canal de misericórdia para muitas almas que se salvarão por teu intermédio. Mais tarde descobrir-te-ei os ardentes Segredos de meu Coração e servirão para o bem de almas numerosas. Desejo que escrevas e que guardes tudo que Eu te disser. Tudo se lerá quando estiveres no céu. Não são teus méritos que Me inclinam a servir-Me de ti; mas quero que as almas vejam como meu Poder se serve de instrumentos pobres e miseráveis.”
E como Josefa Lhe perguntasse se deveria dizer mesmo aquilo à sua Superiora, ele respondeu:
“Escreve e ler-se-á depois de tua morte."
Assim o Desígnio de Deus torna-se definido:
Escolheu Josefa ao mesmo tempo como vítima pelas almas e, em particular, pelas almas consagradas, e como anunciadora de uma Mensagem de Misericórdia e de Amor que ele dirige ao mundo.
É dupla sua missão; deve ser Vítima e Mensageira e essas duas missões estão em estreita relação, uma com outra. É por ser vítima que é mensageira e é por ser mensageira que precisa ser vítima.


A VÍTIMA

Uma vítima é essencialmente uma alma imolada e geralmente uma expiadora.
Embora, rigorosamente falando, qualquer um se possa oferecer como vítima para dar alegria e glória a Deus com seus sacrifícios voluntários, na maioria dos casos, Deus só atrai a esse caminho as almas a quem confia a missão de medianeiras: devem sofrer e expiar por outros a quem sua imolação aproveitará, seja atraindo sobre eles graças de misericórdia, seja cobrindo-lhes os pecados aos olhos da Justiça divina. Dai infere que ninguém se poderia meter por si mesmo em tal missão. Para se interpor entre Deus e a criatura é preciso o beneplácito divino. Que valor teria a intercessão de alguém que Deus recusasse escutar? Já no Antigo Testamento não se podiam oferecer a Deus vítimas quaisquer? Para serem aceitas pelo Altíssimo deviam ser de tal ou tal espécie claramente designada; deviam ser imaculadas e estar na força da primeira idade, deviam sobretudo, ser oferecidas por um sacerdote e segundo o rito prescrito; e esses mesmos ritos, rigorosamente exigidos e observados, significavam os sentimentos que deviam animar, tanto o sacerdote que imolava quanto aquele que dava a vitima. Em o Novo Testamento, tendo o novo sacrifício substituído os antigos, Jesus Cristo é a única Vítima e seu Sacrifício tem valor, não mais somente representativo, mas real e infinito. Se, pois, Nosso Senhor quer associar a Si outras vítimas elas deverão, para entrar no seu Sacrifício, fazer uma só coisa com ele, participar dos seus sentimentos e, por conseguinte, só poderão ser pessoas humanas, dotadas de inteligência e de vontade.
Essas pessoas, escolhe-as ele próprio, e por serem livres, pede-lhes sua aceitação voluntária. Dando-lha, elas se põem à sua mercê. E ele então delas usa de modo soberano.
Assimilada a Cristo e transformada nele, a alma vítima exprime diante do Pai Celeste os sentimentos de Cristo Jesus, e diante de Cristo, os sentimentos que deveriam ter os homens que ela representa; mantém-se em estado de humilhação, de penitência, de expiação.
Justamente por causa de sua identificação com Jesus Cristo, participará Intimamente da sua dolorosa Paixão, sofrer-lhe-á os tormentos e as agonias, em diversos graus e modos diferentes, mas, em geral, sobre-humanos.
Expiando por certos pecadores claramente designados sofrerá as justas penas de seus crimes: doenças, provas de todo o gênero, e mesmo perseguições do demônio, do qual se torna mero joguete.
Foi o caso da Irmã Josefa, em raro grau. É vítima, por desejo expresso de Nosso Senhor e sê-lo-á de maneira total, não somente quanto a todo o seu ser inteiramente votado à imolação, mas segundo todas as modalidades que comportam os diversos atributos de Deus, aos quais foi especialmente oferecida.
Santa Teresinha do Menino Jesus ofereceu-se como vítima ao Amor misericordioso; Maria des Vallées especializou-se como vítima oferecida à Justiça e à Misericórdia; o mesmo se dá com a Irmã Josefa e Nosso Senhor lho detalha expressamente, melhor do que o fizera com Santa Margarida Maria.
“Escolhi-te como vítima de meu Coração” (19 de dezembro de 1920).
“És a vítima de meu Amor" (2 de outubro de 1922 e 23 de novembro de 1920), “de meu Amor e de minha Misericórdia” (30 de junho de 1921).
“Quero que sejas a vítima da divina Justiça e o alívio de meu Coração” (9 de novembro de 1920).
Por todos esses títulos hás de sofrer:
“Sofres em tua alma e em teu corpo porque és vítima de minha Alma e de meu Corpo. Como não sofrerias em teu coração se te escolhi como vítima de meu Coração?" (9 de dezembro de 1920).
Como vítima do Coração de Jesus, ela sofre para consolar aquele Coração ferido pela ingratidão dos homens.
Como vítima de amor e misericórdia, ela sofre para que o Amor misericordioso de Jesus possa inundar de graças os pecadores tão amados por ele.
Como vítima da Justiça divina, carrega o peso das reprovações divinas e expia por tantas almas criminosas que lhe deverão a salvação.
Sua missão a requer em estado de perpétua imolação. Nosso Senhor não lho esconde:
“Ama sofre, obedece — diz Ele — assim poderei realizar em ti meus Desígnios” (9 de janeiro de 1921).
A 12 de junho de 1923, confirma todo o seu Plano sobre ela:
“Quanto a ti, viverás na mais completa obscuridade; mas, por seres vítima por Mim escolhida, sofrerás e, abismada no sofrimento, morrerás. Não procures repouso nem alívio; não os acharás, pois Eu assim determinei. Meu Amor te sustentará, nunca te hei de faltar.”
Para fazê-la sofrer assim, entretanto, Nosso Senhor lhe pedira prévio consentimento. Soberano embora, inclina-se diante do livre arbítrio que deixou à áua criatura. “Queres?” pergunta a Josefa, e como ela hesita, receosa, Nosso Senhor se vai, deixando-a desolada com sua partida.
E a Virgem Santíssima vem dizer-lhe: “Não esqueças que teu amor é livre”. (3 de março de 1922).
Muitas vezes ainda, Josefa se furtará, Jesus então se retira e será preciso chamá-lo repetidamente para que ele venha dar, afinal, o que havia apenas proposto.
Na maioria das vezes ela aceita e com que generosidade (1).

(1) Deus nada impõe: não força, mas para obter o consentimento desejado, procede com habilidade divina. Afasta-se depois de uma hesitação sem insistir e essa partida, que descoroçoa Josefa. inclina-a á aceitação mais total ainda: ou então não lhe mostra logo de inicio que se quer servir dela p.i-a falar ao mundo: o choque seria muito duro, diz simplesmente: 'Queres sofrer, queres ser vitima?"
Para ser Vítima, basta somente sofrer, não é preciso aparecer e Josefa aceita.

“Ofereci-me a seu serviço — dirá ela — para que disponha de mim como quiser.”
Deus sabe então que pode operar à vontade e repete:
“Sou teu Deus. Tu Me pertences; tu te entregaste; de agora em diante nada mais Me poderás recusar." (23 de julho de 1921).
“Se não te entregares à minha Vontade, que queres que Eu faça?” (21 de abril de 1922).
Ela se entrega. Como o Mestre será vítima voluntariamente oferecida.
“Oblatus est quia ipse voluit.” Como ele também será a vítima pura.
Não se pode expiar pelos outros quando se tem que expiar por si mesma.
E Deus, desde o nascimento de Josefa, cercou-a de pureza. Não se vê na sua vida falta alguma realmente consentida. Suas maiores infidelidades, segundo sua própria declaração, foram demoras em responder aos apelos da graça, hesitações diante da missão que a desconcertava, nada, portanto, que pudesse manchar, por pouco que fosse, seu coração e sua alma.
Nosso Senhor velava ciosamente por sua pureza de alma.
"Quero-te tão esquecida de ti mesma e tão abandonada à minha Vontade que não permitirei a menor imperfeição sem te prevenir (21 de fevereiro de 1921).
Frequentemente, quando lhe pede que se ponha em estado de vítima, começa conferindo-lhe graça de purificação total:
“Agora, sofre por Mim, Josefa, mas antes deixarei cair sobre tua alma a flecha de amor que a purificará, pois é preciso que sejas pura como devem ser minhas Vítimas.” (17 de junho de 1S23).
Não encontrando obra de expiação a realizar, o sofrimento que se lançar sobre essa pureza irá levar a outras almas seus frutos de salvação.
Como todas as vítimas autênticas, seus sofrimentos terão duplo caráter:
— Vítima escolhida pelo próprio Cristo, para continuar a perfazer a sua Obra redentora, Josefa deverá estar em união perfeita com o Cristo redentor e participar da sua Paixão, suportando os mesmos sofrimentos que Ele.
— Vítima expiadora dos pecados dos outros, seus sofrimentos estarão em relação com os pecados expiados.

A) Participação nos sofrimentos de Cristo
Somente a Paixão de Cristo é redentora. Para sermos purificados de nossos, pecados e salvos, é preciso necessariamente entrar em contato com o Sangue derramado do Cordeiro. O grande grito de Jesus agonizante é um instante apelo a todo o gênero humano.
Apressem-se todos em correr às fontes do Salvador de onde dimanam todas as graças!
Com as almas que correspondem a este apelo, o contato vivificador se estabelece imediatamente.
Outros, em grande número, desgraçadamente, ficam voluntariamente afastados. Para atingi-los, Cristo servir-se-á de outras almas que transformará em canais de suas Misericórdias. Ramos entre todos fecundos da Vinha mística, carregados de seiva por estreito contato com a Cepa divina, elas se solidarizam com os pecadores, constituindo-se responsáveis por suas faltas; assim, sendo uma só coisa com Cristo, nelas e por elas se faz o contato de graça: são as almas vítimas. Para bem preencher esse papel é preciso que estejam identificadas com Cristo crucificado, que seus corações batam plenamente em uníssono com o Seu. E Ele, para delas fazer suas imagens vivas, incrusta-lhes no mais profundo da alma, do coração e do corpo, sua dolorosa Paixão.
Nessas almas, renovará Ele todos os seus Mistérios: como Ele, serão contraditas, perseguidas, humilhadas, flageladas, crucificadas e o que não fizerem os homens, o próprio Deus completará por meio de dores misteriosas, agonias, estigmas, que as tomarão crucifixos vivos. Facilmente se adivinha o poder de intercessão e de mediação que têm junto a Deus almas tais, quando nelas e através delas, clama ao Pai aquele Sangue precioso de Cristo, infinitamente mais eloquente que o de Abel.
Em certos pontos, porém, como São Francisco de Assis, por exemplo, parece que a Paixão neles se detém e tem por fim torná-los cópias perfeitas do Crucificado. Deus lhes corresponde assim ao amor, fazendo-os partilhar, física e moralmente, as dores de seu Filho bem-amado.
Nas vítimas expiatórias, há mais ainda, são como que expropriadas em benefício de outrem; a Paixão de Cristo depois de as ter marcado com seu vinco, passa por elas para exercer em outras almas, pelas quais expiam, os frutos de salvação. São, pois, portadoras da graça do Calvário,
São as corredentoras no sentido mais estrito da palavra: o amor do próximo as urge, sua missão é diferente das outras. Naquelas Deus se compraz com o amor que pára na contemplação e se imobiiiza na Glória dada assim à sua infinita perfeição; quanto às corredentoras, Deus lhes descobre, na contemplação a imensidade de seu Amor pelas almas e sua Dor pela perda dos pecadores; essa vista lhes estraçalha o coração.
Seu desejo de consolar Jesus não se contenta em Lhe repetir seu amor, mas excita-lhes o zelo; precisam seja a que preço for, trazer as almas a Cristo e esse próprio Cristo acende-lhes, cada vez mais, o zelo. Comunica-lhes seu ardente amor pelas almas e desde então, elas amam com o Coração dele. Esse amor lhes dá uma força sobre-humana, bem descrita pela própria Josefa.
Há já quinze ou vinte dias minha alma tem atração pelo sofrimento. Outrora tudo me fazia medo.
Quando Jesus me dizia que me escolhera como vítima, todo meu ser estremecia; agora, ao contrário. Há dias em que sofro tanto que se Ele não me sustentasse eu não poderia viver assim, pois não tenho um só membro poupado!.. Apesar disso, minha alma, quereria suportar ainda mais por Ele, embora não sem resistência da parte sensível. Quando começo a sentir dores, tremo e recuo instintivamente, mas na vontade há uma força que aceita, que quer, que deseja sofrer ainda mais de modo que, se, nesse mesmo momento me oferecessem escolher, ou ir para o céu, ou continuar a sofrer, preferiria mil vezes ficar assim, para consolar seu Coração, embora me consuma no desejo de ir a Ele. Compreendo que foi Jesus que fez esta transformação.” (30 de junho de 1931).
Josefa tem razão, aquela força não vem dela, mas de Jesus, ou melhor, é a própria Força de Jesus que vem a ela, assim como Ele lhe comunica seus Sentimentos, seus Desejos, seus Sofrimentos.(1)


(1) Meu Coração repousa quando pode comunicar-se. Venho descansar em teu coração, quando uma alma me fere; e é meu de lhe fazer bem que passa para ti ... (23 de ? 1922).

“Já que estás pronta para sofrer, — diz — soframos juntos.” (19 de dezembro de 1920).
E dá-lhe sua Cruz:
“Jesus veio, com a Cruz ao Ombro e pô-la sobre a meu”. (18 de julho de 1920).
“Venho trazer-te minha Cruz, pois quero descarregar-Me sobre ti.” (26 de julho de 1921).
“Quero que sejas meu Cireneu, ajudar-Me-ás a carregar a cruz.'’ (23 de fevereiro de 1922)
“Que minha Cruz seja tua Cruz” (30 de março de 1923).
E aquela cruz que, inúmeras vezes, lhe põe aos ombros, Josefa a conserva durante horas, noites, dias inteiros.
Confia-lhe a Coroa de espinhos, que traz durante longos períodos, não sabendo, como Ele, onde repousar a cabeça dolorida.
“Deixar-te-ei minha Coroa... Não te queixes deste sofrimento... é uma participação do meu.” (26 de novembro de 1920).
“Minha Coroa... Eu mesmo com ela te cingirei a fronte.” (17 de junho de 1923).
Faz-lhe sentir a Ferida do seu Lado:
“Esta dor — diz-lhe a Santíssima Virgem a 20 de junho de 1921 — é uma centelha do Coração de meu Filho; quando doer mais fortemente é sinal de que essa hora uma alma o fere profundamente”.
Quer que ela sofra a dor dos cravos nas mãos e nos pés:
"Vou dar-te nova prova de amor, hoje partilharás a dor de meus Cravos.” (16 de março de 1923).
E na Sexta-Feira Santa, 30 de março de 1923. ela padece verdadeira crucificação:
“Põe tuas mãos sob minhas Mãos, teus pés sob os Meus, a fim de te unires intimamente à minha Dor. Sofram teus membros com os meus Membros."
Associa-a estreitamente aos sofrimentos de sua Alma e de seu Coração:
“Em todas as sextas-feiras, e principalmente nas primeiras de cada mês, hei de te dar parte da amargura de meu Coração e sofrerás de maneira especial os tormentos de minha Paixão.” (4 de fevereiro de 1921).
A 1.° de março de 1922, aparece-Lhe com o semblante ensanguentado:
“Aproxima-te, repousa neste Coração, participa de sua Amargura...”
"Aproximou-me de seu Coração e minha alma se encheu de angústia e de amargura tal que não posso explicar.”
E, como Jesus, é pelos outros que sofre assim:
-Quero que todo teu ser sofra para Me ganhar almas.” (21 de dezembro de 1920),
"Tenho uma alma que Me ofende...”
"Não temas se te sentires desamparada, pois dar-te-ei a participar da angústia de meu Coração” (13 de setembro de 1921).
“Guarda minha Cruz até que aquela alma conheça a verdade.” (24 de março de 1923).
“Toma a minha Cruz, meus Cravos, minha Coroa. Eu irei procurar as almas.” (17 de junho de 1923).
Bastam esses poucos exemplos, encontram-se em profusão no correr deste livro. Vítima expiatória Josefa participa de todas as dores de Jesus, traz incrustada em seus membros, como em seu coração, a inenarrável Paixão.
Torna-se uma só coisa com Jesus crucificado; suas Angústias a torturam, seus Desejos a consomem, a sede ardente da salvação das almas leva-a a oferecer-se para todas as reparações e expiações.

B) As perseguições diabólicas
E aceita Deus que de todos os lados sobre ela se lancem provações.
Faltou-lhe talvez a que provém da doença (mas, pode-se lá saber, ela nunca se queixava?) e a que vem dos homens (sua vida familiar tanto quanto sua vida religiosa poderiam parecer isentas das grandes contradições que assinalam a vida de uma Santa Margarida Maria); em compensação, mais que muitas outras foi entregue à fúria de Satanás. E não é de espantar.
Há poucas vidas de Santos em que ele não exerça seu maléfico rancor.
Inimigo pessoal de Cristo, não podendo atingi-lo na Glória do céu, emprega todos os recursos de sua poderosa atividade em estorvar a obra divina no mundo.
Quanto mais cara é uma alma a Cristo, tanto mais encarniçado é o inimigo na sua perda, sem dúvida com o orgulhoso desejo de aumentar o número de seus desgraçados súditos, mas também com o perverso intuito de arrebatar a Cristo almas amadas pagas com o preço de seu Sangue.
Ataca, pois, de preferência, os santos e os consagrados que quer corromper, seduzir, desonrar. Odeia mais que as outras, as almas redentoras. Josefa era-lhe, pois, especialmente abominável. Por amor a Jesus fizera alegremente os três sacrifícios que mais lhe custavam: mãe, irmão e pátria; oferecera-se pela salvação dos pecadores e era destinada a arrebatar grande número ao inferno; portanto veremos Satanás erguer-se-lhe no caminho e torná-la seu joguete. Deus deixa-lhe maior poder sobre as almas expiadoras. Não está na lógica de sua vocação? (1)

(1) Ver em particular as perseguições diabólicas sofridas por Santa Margarida de Cortona, Santa Verônica Giuliani, o santo Cura D'Ars, pela Carmelita libanesa, Soror Maria de Jesus Crucificado, cuja vida foi escrita pelo Rev. P. Buzy, Superior geral dos Padres de Belharram e tantos outros!

Tomando, por sua conta, os pecados de outros, essas almas aceitam por isso mesmo, arcar com as consequências. Ora, consentindo no pecado, o homem, queira ou não, tenha consciência ou não, dá ao demônio grande poder sobre si, poder de sedução e de dominação. Isto pouco se percebe, em geral, porque o demônio é hábil em dissimulá-lo para não inquietar a alma.
Ele reforça a natureza pervertida, atrás da qual se abriga e, de lá, multiplica ocasiões de pecado e entorpece a alma com mortal sonolência.
Mas quando alguma alma vítima se substitui ao pecador, o demônio esbarra em uma vontade que lhe resiste obstinadamente. Impotente em fazê-la pecar, vinga-se com furor, usando para isso do poder que lhe pertencia sobre o próprio culpado. E Deus o permite, primeiramente, para que se torne patente, a existência do demônio, que muitos põem em dúvida; pois ele existe tanto quanto o inferno que se quereria esquecer ou sepultar no silêncio.
É certamente um ser real, e em sua conduta para com os santos, aparece com toda a maldosa perversidade de sua natureza. E se já é tanta sua crueldade para com almas sobre as quais não tem, apesar de tudo, senão poder muito limitado, como não será a que exerce sobre os condenados que estão sob seu domínio? Quem ousará dizer que essa lição é inútil na hora atual, principalmente? Deus quer, em seguida, confundir o orgulho do príncipe das trevas. Apesar de todo o seu poder e do seu esforço encarniçado, nada adianta e só consegue derrotas. Daí grande glória se dá a Deus.
Assim se deu com a Irmã Josefa. Por todos os meios pretenderá ele enganá-la, disfarçando-se em “anjo de luz’’ e tomando mesmo as feições de Jesus Cristo:

mais frequentemente, porém, é martirizando-a que tentará desviá-la do caminho em que ela lhe rouba tantas almas.
Nessa luta corpo a corpo, que põe em jogo a fraqueza humana e o poder satânico, Deus intervém para aumentar a constância da alma, comunica-lhe energia indomável que a torna superior a qualquer sofrimento.
A força do demônio se despedaça contra a fragilidade de Josefa. Com a ajuda divina, ela, “o nada”, a miséria, como lhe chama Nosso Senhor, triunfa do “forte armado.”
Mas quanto não teve ela que suportar!
Desde o postulantado, são bordoadas, com as quais mão invisível a acabrunha dia e noite, sobretudo quando reza e declara sua vontade de se manter fiel. É violentamente arrebatada da capela, ou fica impossibilitada de lá entrar. Depois, sucedem-se aparições do demônio sob aspecto de cão repugnante, de serpente, ou mais terrível ainda, sob forma humana. Em breve multiplicam-se os raptos, apesar da vigilância ativa das Superioras. Ela lhes desaparece dos olhos subitamente, e só é encontrada longas horas depois, atirada num sótão, sob um móvel ou em algum lugar solitário. É queimada em presença delas e, sem que o demônio lhes seja visível, veem arder as roupas de Josefa, e em seu corpo profundos sinais de queimaduras.
Pensamentos de desespero, de blasfêmias, odiosas tentações que duram noites e dias, durante os quais Deus se esconde e ela não sabe mais onde está, vendo-se à mercê do ente perverso por excelência. (1)

(1) Muitos santos e santas tiveram a visão do inferno, raros são os que lá fizeram frequentes visitas expiadoras. Parece que foi o caso de Santa Verônica Giuliani, nascida em 1660 e morta em 1727, contemporânea de Santa Margarida Maria como ela e Soror Josefa, vítima expiadora.

Enfim, fato assaz raro na vida dos santos, Deus permite que o demônio a faça descer viva ao inferno.
Aí passa longas horas, às vezes uma noite inteira, em angústias inexprimíveis. Desce mais de cem vezes àquele abismo e sempre lhe parece lá estar mergulhada peia primeira vez e ter ficado séculos.
Exceto o ódio de Deus, sofre todas as torturas, e a menor delas não é ouvir as confissões estéreis dos condenados, seus gritos de rancor, de dor e desespero.
Quando volta, extenuada, magoada, todo o sofrimento lhe parece pequeno para salvar as almas, e quando retoma contato com a vida, seu coração não se contém mais, verificando que ainda pode amar.
É o seu grande amor que a sustenta. Às vezes, porém, a provação lhe pesa dolorosamente à natureza. Como Jesus, em Getsêmani. tem suas horas de abatimento e angústia. Testemunha da perdição de inúmeras almas, pergunta, a si mesma, para que servirão tantas descidas ao inferno e tão horríveis sofrimentos. Mas depressa reage e sua coragem não fraqueja. A Santíssima Virgem vem ajudá-la:
"Enquanto sofres, o poder do demônio é menos forte sobre aquela alma.” (22 de julho de 1921).
“Sofres para repousá-Lo, não basta isto para te dar coragem?” (12 de julho de 1921).
E Nosso Senhor lhe descobre os tesouros da reparação e de expiação escondidos sob aquela prova (6 de outubro e 5 de novembro de 1922).
Ao mesmo tempo permite Deus que, no inferno, ela assista às explosões de raiva quando escapam ao demônio almas que ele já cria possuir, exatamente aquelas por quem Josefa expiava.
Estes dois pensamentos, de um lado que ela consola e repousa Nosso Senhor, de outro, que lhe ganha almas excitam-lhe a coragem.
Embora tenha do demônio pavor instintivo, pois conhece bastante e pela própria experiência sua maldade e seu poder, nunca esse medo consegue desviá-la do menor dever a cumprir. Em certa época raptava-a quase diariamente, quando ela se dirigia à seu ofício; Josefa o prevê, treme, mas nunca recua diante dessa perspectiva e o dia seguinte a encontra decidida, com a mesma coragem, a não ceder ao medo. Entretanto através dessa heroica fidelidade, o mais admirável é que Josefa, sob a impressão de seus receios, e às vezes de suas repugnâncias, se julga, sinceramente, criatura ingrata e infiel, e crê sempre nada, ter feito por Deus.
Depois de noites de indizíveis tormentos exausta mas valente, pega, desde a aurora, seu trabalho ordinário sem querer ser dispensada de ponto algum da vida comum. É certamente o fogo do Sagrado Coração que a queima, pois tudo que sofreu no inferno, tudo que lhe foi dado como participação das dores de Cristo, longe de abatê-la ou desanimá-la, só faz atiçar e aumentar seu ardor para sofrer. Como outrora Santa Margarida Maria, ela se imola por almas religiosas, sacerdotes, pecadores de toda a espécie. Dócil ao bel-prazer daquele a quem se entrega, só quer consolá-Lo e se oferece a todos os martírios para Lhe ganhar almas, na maioria das vezes desconhecidas, mas que, através Dele, tanto ama. Era preciso, dizíamos no começo, que fosse ela vítima para ser mensageira, Não terá, com efeito, todos os títulos para ser escutada pelos homens, aquela que tanto sofreu por eles? E aquela que tão bem conhecia o amor do Coração de Jesus pelas almas, não estará, mais que qualquer outra, indicada e qualificada para transmitir ao mundo sua Mensagem de Amor e de Misericórdia?

 

A MENSAGEM

I — Sua substância
É de fato uma Mensagem de Amor e de Misericórdia. Em lugar nenhum é dada por inteiro, mas encontram-se fragmentos dela em quase todas as páginas do livro. Os pontos essenciais são frequentemente repetidos sob formas pouco diferentes. Eis o resumo sucinto:

A) Primeiramente, é o Coração de Jesus, e sua excessiva caridade pelos homens que estão postos em relevo de maneira notável, É como que nova revelação do Sagrado Coração, vindo confirmar e sobre alguns pontos, perfazer e aperfeiçoar, a que outrora recebeu Santa Margarida. Desde 1675 passaram mais de dois séculos e meio, surgiram novas correntes de devoção na Igreja.
Pareceria haver regresso na devoção ao Sagrado Coração, ou dela menos compreensão. (1)

(1) Na sua recente Encíclica sobre o Corpo Místico, de junho de 1943, o Papa Pio XII nos diz que a devoção ao Sagrado Coração preparou as almas que compreenderam a doutrina do Cristo místico. É incontestável que a ideia da reparação pelos outros que Nosso Senhor acrescentou á devoção ao Sagrado Coração e que tornou um dos elementos a ela essenciais, supõe solidariedade de todos os cristãos uns para com os outros, na unidade do Corpo místico. Mas, reciprocamente, a devoção ao Cristo místico, ao Cristo "total" com seus horizontes de tão sedutora amplidão, inclina as almas superficiais a acharem muita restrita a devoção que se detenha no Coração de Cristo.
É por não terem notado que a devoção ao Sagrado Coração é a devoção ao Cristo amante, ferido de amor, e unindo a Si e entre eles nesse amor, todos os membros de seu Corpo místico.

Muita gente parece considerá-la mutilação da devoção ao Cristo total, ou devoção feminina, onde o sentimento, ou melhor, a sentimentalidade tenha parte demasiadamente grande. Contra tais impressões tão falsas, reage fortemente Nosso Senhor. É seu próprio Coração de carne, traspassado pela lança, que apresenta aos homens, seu Coração tão amante e tão pouco amado, e cuja chaga tendo ficado aberta, clama imenso Amor. Esse Amor, como todo amor verdadeiro, anseia por receber resposta, principalmente porque essa resposta tão justa, tão natural que Ele exige, é para os homens o único meio de serem felizes cá na terra, e de alcançarem a eterna ventura. Se não a quiserem dar, meditem no terrível inferno que os espera!...
E o Coração de Jesus lança, por meio de Josefa, um grande Apelo ao amor do mundo.

B) Para melhor atrair os homens, o Sagrado Coração, por meio dela lhes manifesta e é o que constitui a novidade e a força da Mensagem sua infinita Misericórdia. Ama-os a todos, individualmente, a todos, tais como são mesmo os mais miseráveis, principalmente os mais pecadores.

O que lhes pede, não são nem suas qualidades, nem suas virtudes, mas suas misérias e seus pecados. Longe de serem obstáculo, as misérias e as faltas são encorajamento aos que dele se aproximem.
É este o presente que Deus espera de seus caros pecadores, com a única condição de que se arrependam verdadeiramente e estejam prontos a se converterem por seu amor.
Seu Coração espera, com todas as impaciências do amor, a volta dos pobres desgarrados. Promete-lhes perdão total.
“Não é o pecado que mais fere meu Coração — diz —; o que O dilacera é não virem as almas refugiar-se em Mim depois de o terem cometido."
(29 de agosto de 1922).
O que ele quer, o que ardentemente deseja é confiança em sua Bondade e sua Misericórdia infinitas.

C) À seus Consagrados que ama com especial amor Jesus dirige um apelo para que partilhem a sua Vida redentora.
Quer que Lhe sirvam de intermediários para salvar as almas e por isso pede a todos espírito de sacrifício no amor.
Não exige grandes sofrimentos, em geral, mas ensina a suas Almas escolhidas a importância das ações ordinárias, por mínimas que sejam, feitas em união com ele, em espírito de imolação e de amor (30 de novembro de 1922, 2 de dezembro de 1922).
Por outro lado, lembra o perigo dos pequenos relaxamentos: a ladeira fatal que pode arrastá-las a grandes infidelidades, e expô-las ao castigo do inferno, onde sofrerão incomparavelmente mais que as almas menos privilegiadas (3 de agosto de 1921, 12 de dezembro de 1922, 14, 15 20 e 24 de março de 1923, 4 de setembro de 1922).
Reanimem as almas consagradas a sua confiança no Coração de Jesus;
"Pouco Me importam as suas misérias, o que quero que saibam é que as amo com mais ternura ainda, se, depois de suas fraquezas e de suas quedas, se lançarem humildemente em meu Coração: então perdôo-as e sempre as amo.”
“Não sabes — acrescenta — que quanto mais são miseráveis as almas, tanto mais as amo?”
E insiste ainda:
“Não quero dizer que a alma seja libertada de seus defeitos e suas misérias pelo simples fato de eu a ter escolhido. Pode cair e cairá muitas vezes ainda. Mas se se humilhar, se reconhecer seu nada, se tentar reparar sua falta com pequenos atos de generosidade e amor. se confiar, entregando-se de novo a meu Coração, dá-Me mais glória e pode fazer mais bem às almas do que se não tivesse caído. Pouco Me importa a miséria, o que peço é amor.” (20 de outubro de 1922).
O que o Coração de Jesus quer dos seus é, pois, humildade, confiança e amor.

D) A todos, enfim, manifesta o clamor obstinado da Paixão, apresentada ao mesmo tempo como sinal de seu imenso Amor pelos homens, e como única Via de Salvação. É sempre o Coração de Jesus, doloroso e sofredor, que se revela. Exorta-nos e suplica-nos em nome de suas imensas Dores. Como é preciso que nos tenha amado, para ter aceito tanto sofrimento! Mas, ao mesmo tempo, quão terrível é a desgraça daqueles que, por própria culpa escapam a semelhante Redenção! O homem pôs o pecado entre Deus e si mesmo e, desde então, tornou-se intransponível o abismo. Então entre o homem e Deus, Jesus põe sua dolorosa Paixão. Para vir a nós, passa por cima de nosso pecado, cobre-o com seu Sangue; o caminho para Deus está de novo aberto, mas é preciso atravessar a Paixão para recuperar contato com Ele. Impossível é salvar-se sem fazer entrar em si, de qualquer modo, a Paixão de Jesus Cristo. O dilema é claro: Paixão ou inferno.
A missão e o papel dos consagrados é entrar plenamente na Paixão, dar-lhe entrada em si e, com seus sacrifícios pessoais, comunicar sua virtude às almas pelas quais rezam e se imolam.

II — Sua oportunidade
Esta mensagem, tão insistente, aparece com atualidade empolgante. Multiplica-se o pecado por todos os lados, de maneira assustadora. O orgulho do homem, que tenta passar sem Deus, pretende transformar a terra em paraíso. Não consegue senão, porém, torná-la vestíbulo do inferno, onde reinam imoralidade e impiedade, onde todas as más paixões têm circulação livre, onde se desencadeiam as mais tremendas guerras, e onde a imensa maioria dos homens sofre pobreza e servidão, sem o conforto que só a fé pode proporcionar.
O Coração de Deus se inclina sobre seus filhos na miséria: Indica-lhes o caminho da felicidade, da paz, da salvação.
Esta Mensagem não é apenas transmitida aos homens, é vivida, Jesus Cristo nos instrui, não somente pelo que diz a Josefa, mas pelo que opera nela: fatos comovem mais que palavras.
Queremos conhecer o Amor de Deus pelas almas?
Leiamos as páginas onde ela nota as palpitações ouvidas do Coração de Jesus.
“Cada uma dessas palpitações — diz Ele — é uma alma que chamo" (26 de outubro de 1920).
Poderemos duvidar da realidade desse Amor quando O vemos queimar com sua chama o coração de Josefa e torná-la tão intrépida e valente em sofrer para salvar almas do inferno? Poderemos duvidar da imensidade desse Amor, quando Josefa, que aceita sofrer pelas almas inexprimível martírio, nos diz, como quem experimentou, que seu pobre amor nada é ao lado do de Jesus, seu sofrimento apenas sombra, comparado ao da Paixão? (28 de outubro de 1920).
Poderemos duvidar da bondade desse Amor, quando se descobre na vida de Josefa a mágoa Imensa do Coração de Jesus diante da perda das almas e sua alegria na conversão dos pecadores? (25 de agosto de 1920, 26 de dezembro de 1920; 3, 4 de agosto de 1921; 29 de julho de 1921; 3, 12. 25 de setembro de 1922).
"Ajuda-Me — dizia — ajuda-Me a descobrir meu Coração aos homens, Eis que lhes venho dizer que em vão buscarão felicidade fora de Mim; não a encontrarão. Sofre e ama, pois temos almas a conquistar.” (13 de junho de 1923).
No seu amor tão verdadeiro pelas almas, como não reconhecer o grande Amor do Coração divino que, unicamente, o poderia ter inspirado?
Igualmente, manifesta Ele sua Misericórdia infinita através da própria vida de Josefa.
“Amar-te-ei — diz à 18 de julho de 1923, festa do Sagrado Coração — e as almas conhecerão meu Amor pelo amor que te tenho.”
“Perdoar-te-ei e as almas conhecerão minha Misericórdia pelo perdão com que te envolverei."
Chegava um dia a dizer;
“É loucura que tenho pelas almas” (27 de setembro de 1922).
Surpreende-nos essa palavra; mas não tem ela seu equivalente na infalível Escritura Sagrada?
“Se a mãe pode esquecer seu filho, Eu, jamais, te esquecerei — e eis que teu nome está inscrito em minha Mão.” (Is. XLIX, 15, 16).
“Teus pecados onde estão? Joguei-os no fundo do mar”. (Mich. VII, 19; Is. XXXVIII, 17).
“Ele me amou e se entregou, por mim.” (Gal. II. 20).
Não é loucura?
Quanto ao inferno e à sua realidade, que Mensagem vivida pela Irmã Josefa! Todos os sofrimentos da Paixão que continuam nela todas as perseguições do demônio e as descidas ao inferno, só têm por fim arrebatar as almas à perdição e trazê-las à salvação de que se afastam. £ o dogma da Redenção e da Comunhão dos Santos em ação.
Como não crer, de um lado, na existência do demônio, do inferno, do purgatório; de outro, na eficácia do sofrimento pelo próximo, quando lemos as páginas comovedoras em que essas grandes realidades sobrenaturais se inscrevem, na carne e na alma de Josefa?
O essencial da Mensagem nada de novo nos traz: descobre somente, de maneira mais empolgante e mais clara, o que já sabemos pela fé:
“Repito-o ainda: o que digo agora nada tem de novo. Mas assim como a chama precisa de alimento para não se apagar, assim as almas precisam de novo impulso, que as leve a progredir, e novo calor que as reanime”. (5 de dezembro de 1923)
E que força tem esse Apelo transmitido pela humilde Josefa!

III — Sua autenticidade
Portanto como pudemos averiguar, a Mensagem não consiste apenas nas palavras confiadas a Josefa, está na sua vida toda inteira.
E, de fato, por meio de sua vida principalmente, que nos fala a privilegiada do Coração de Jesus, toda a sua existência é uma garantia maravilhosa da Ação divina.
Só ela ouviu as palavras de Nosso Senhor. Só ela, por conseguinte, é testemunha. Mas sua vida é testemunha da verdade da Mensagem, sua vida que foi vista, seguida de perto, por testemunhas qualificadas. Estas podem dizer-nos tanto a Incontestável virtude da pequena e obscura Mensageira do Amor Infinito quanto a realidade de seus estados sobrenaturais de que tiveram prova palpável. Sua virtude foi sempre admitida sem contestação pelos que com eia conviveram, não que se impusesse por exterior brilhante, (Josefa foi sempre mais imitável do que admirável) mas porque sua influência penetrava, sem que o suspeitasse, em torno de si. Nunca procurava conveniências pessoais, mostrava exata mortificação em todas as coisas, obediência sem reserva, suave paciência, frutos da humildade sincera.
“Serás um eco da minha Voz” (10 de dezembro de 1922) dissera Nosso Senhor e tudo nela, com efeito, tem ressonância divina.
Essa virtude tão simples exige convicção na verdadeira e profunda ação de Deus em sua alma. Por si só já bastaria para autenticar, como provenientes de Deus, seus estados sobrenaturais. Suas Superioras e seu Diretor, entretanto, ficaram por certo tempo voluntariamente hesitantes e duvidosos. Devemos-lhes gratidão por essa reserva tão sábia, por essa desconfiança instintiva que exige provas. Cândida e leal como era jamais poderia ela querer enganá-los, mas, perguntar-se, não estaria eia própria iludida por sua imaginação, e seu coração?
Tal fato é frequente, mesmo em almas sinceramente piedosas. Mas — muito bom sinal — Josefa vivia nesse perpétuo temor, pronta, se os Superiores mandassem, a considerar como ilusão tudo que experimentava. E nada é mais característico que o fato seguinte:
Em Roma, aonde fora levar à Reverendíssima Madre Geral, da parte de Nosso Senhor, uma Mensagem que dizia respeito à Sociedade do Sagrado Coração, subitamente, sob mentirosa sugestão do demônio, crê ser alvo de algum sonho e não ter em realidade missão alguma de Deus. Sem hesitar, nem considerar o mal que faria à sua própria reputação no espírito das Superioras, conta-lhes a sua angústia, sua persuasão de estar enganada e pede-lhes que nada creiam de tudo que lhes havia dito. Esta tão humilde preocupação de verdade em momento semelhante atesta por si só a veracidade de Josefa.
Somente uma alma heroicamente humilde e esquecida de si poderia agir desse modo. O mesmo timbre de sinceridade ressoa em seus escritos. Por ordem de Nosso Senhor e da Santíssima Virgem põe os Superiores a par de tudo.
“Deves escrever” dissera o Mestre. Sem dúvida quer com isto que nada se perca de suas palavras. Mas, pretende também assegurar, por este meio, a vigilância sobre os mínimos feitos e gestos de Josefa e dar-lhes mais crédito aos olhos de todos. Ora, nesses escritos, nada de inútil, nada de falso, nem de simplesmente equívoco, nada que a ponha em relevo ou possa trair a menor sombra de vaidade: tudo aí é justo, moderado, comovedor, santo.
Seus estados sobrenaturais não escapam à mesma fiscalização. Quando ela desce ao inferno ou volta de seus êxtases, estão as Madres, uma de cada lado, velando atenta e maternalmente, até sua volta à existência e escrevendo as palavras ditas durante essas horas emocionantes. Quando entra em contato com o purgatório e toma conhecimento de nomes, lugares e datas da morte de almas que lhe reclamam o auxílio, essas indicações se revelam sempre exatas todas as vezes que é possível averiguá-las. Nem tampouco dúvida alguma pode subsistir quanto ao fato dos raptos de Josefa pelo demônio: efetuavam-se sob os olhos das Superioras impotentes para impedi-los nem quanto ao fato das queimaduras surpreendidas, em flagrante, em sua carne, e verificadas nos pedaços de roupa chamuscada que ainda hoje se conservam.
Mais convincente, porém, é que, todo esse sobrenatural diabólico capaz de desnortear a imaginação (visões do demônio, descidas ao inferno) não perturba nem sua calma, nem seu perfeito equilíbrio; é que o sobrenatural divino, com as privanças de amor recebidas da Santíssima Virgem e de Nosso Senhor(1) que deveriam comover profundamente sua viva sensibilidade, deixam-na pacífica, silenciosa, sem mesmo aquela necessidade tão natural à alma de comunicar a outras sua emoção. Suas Madres notaram-lhe a extrema discrição ao contar todos esses favores de que eram as únicas confidentes.

(1) Aparições encantadoras do Menino Jesus em Natal... de Nossa Senhora "tão bela e tão Mãe” como Josefa a descreve sempre...

É, finalmente, que todos esses sofrimentos que deveriam fazê-la gritar por piedade (noites no inferno ou sob o peso da cruz, dor pungente da coroa de espinhos, etc.) não conseguem senão dar-lhe novo ardor para sofrer ainda mais, por amor do Coração de Jesus e pela salvação das almas que Ele ama até a loucura. O conjunto dos escritos concorda com o conjunto da vida de Josefa para atestar nela a Ação divina. Mesmo os fatos mais estranhos têm um fim e uma significação. Não há pormenores inúteis, não há revelação, nem palavra que não sirva para salientar com mais força, alguma verdade dogmática ou que não leve a maior penetração no Coração de Jesus em seu Amor, no preço das almas, na felicidade do céu, na irreparável desgraça dos condenados.
Tudo é graça e apelo nessa vida, graça e apelo que não nos podem deixar insensíveis.
Os escritos dessa humilde irmã coadjutora, ignorante aos olhos do mundo, serão sem dúvida alguma, lidos e meditados por teólogos e mestres da vida espiritual, Como para Santa Teresa do Menino Jesus, numerosos trabalhos serão publicados para desenvolver-lhe a profunda doutrina e dar a conhecer os seus segredos de amor. Mas, o que ainda é melhor, inúmeras graças de conversão e de santidade seguir-se-lhe à leitura.
O mundo poderá assombrar-se que desse nada, que é a vida de Josefa, tenham saído tão grandes coisas, pois é justamente esse nada que constitui a grande prova.
Esta Mensagem, verdadeiramente, vem assinada pela Mão divina.
“Digitus Dei est hic.”

H. Monier-Vinard. S.J.

 

LIVRO PRIMEIRO

A MENSAGEIRA DO CORAÇÃO DE JESUS


I - ELEIÇÃO DIVINA

DESPERTAR DE UMA ALMA
1890—-1907

“Quero que sejas toda minha.”

Nosso Senhor a Josefa — 17 de março de 1901.

Foi em terras de Espanha que Nosso Senhor procurou, para transplantar à França, a alma privilegiada do seu Coração.
Nasceu Josefa Menéndez em Madri, a 4 de fevereiro de 1890 e foi batizada no dia 9, na Igreja de S. Lourenço, com os nomes caros à sua fé, de Maria Josefa.
Seu Pai, Leonardo Menéndez, era oriundo de Madri. Correra-lhe dolorosa a infância. A mãe, viúva desde o nascimento do menino, contraiu novo casamento; e não encontrando ele mais no lar a afeição de que necessitava fora confiado aos Padres das Escolas Pias.
Tinha dezessete anos quando lhe morreu essa mãe tão ternamente amada. Leonardo sentiu amargamente a perda e, para esquecer a solidão que sofria, alistou-se no exército. Foi querido pelos chefes que logo lhe descobriram e apreciaram as aptidões artísticas. Nomeado decorador no Museu de Artilharia, Leonardo adquiriu certo nome. Mais tarde gostava de contar aos filhos como não havia festa militar sem que presidisse às ornamentações fosse no Palácio Real, fosse na catedral de Sto. Isidoro.
No dia 11 de fevereiro de 1888, casava-se com Lúcia del Moral, nascida em Loeches, pequena cidade perto de Madri. Alma de fé e de dever. Lúcia entregou-se toda à nova vida e à educação dos filhos com que Deus não tardou a abençoar o jovem lar. Um pequeno, Francisco, chamado ao céu em tenra idade, deixou logo a Josefa o lugar de primogênita na família cristã sobre a qual descera com ela a predileção divina. Três irmãs, Mercedes, Carmen e Ângela vieram pouco a pouco completar o circulo da família, enquanto o segundo irmãozinho Leonardito, morria com alguns meses de idade.
Graças ao trabalho do pai, enérgico e inteligente, certo bem-estar cercou os primeiros anos de Josefa que se escoaram felizes e despreocupados. As crianças cresciam em atmosfera de fé. alegria, trabalho e caridade onde desabrochavam as almas sem esforço. Desde a idade de cinco anos recebeu a menina o sacramento da Confirmação e apoderou-se então o Espírito Santo do pequeno instrumento que iria tornar-se tão dócil à ação de Deus.
O Revmo. P. Rúbio(1) grande zelador da devoção ao Sagrado Coração e que mais tarde entraria na Companhia de Jesus, recebeu as primeiras confidências da alma privilegiada. Aos sete anos fez a primeira confissão. Era primeira sexta-feira do mês, data memorável na sua vida, sobre a qual escreveu:
"3 de outubro de 1897: minha primeira confissão.
Ah! se eu tivesse ainda a mesma contrição que nesse dia!"

(1) O Revmo. P. Rúbio, muito conhecido em Madri, fora encarregado do "Guarda de Honra do Sagrado Coração". Aí fundou a bela obra das "Marias de los Sagrarios" e morreu santamente em Aran-juez, província de Madri, e, 2 de maio do 1929.

Desde então, o confessor, impressionado com as aptidões sobrenaturais da menina, iniciou-a numa vida interior proporcionada à sua idade. Ensinou-lhe a ir semeando pelo dia afora, jaculatórias, cada vez mais numerosas; e Josefa habituou-se, pouco a pouco, a conversar incessantemente com o Hóspede escondido em sua alma. O Revmo. P. Rúbio quis também encaminhá-la à oração mental e pelos dez anos quando já sabia ler, deu lhe “El cuarto de hora de Santa Teresa”, pequeno livro de meditações simples e curtas que a encantavam. O Revmo. P, Diretor explicou-lhe como ler lentamente, refletir, falar com Nosso Senhor dizer-lhe seu amor e nunca terminar sem tomar uma pequena resolução prática para o dia. Josefa não faltou mais então ao encontro matinal com Aquele que já possuía todo seu coração.
"Achava minhas delícias nesse livrinho — dirá ela mais tarde — principalmente quando tratava do Menino Jesus e da Paixão. Nele descobria muita coisa que dizer a Jesus. Gostava também das passagens sobre o Reino... a eleição de vida... e dizia comigo mesma: hei de ser dele... mas não sabia como.”
Ajuizada e alegre, caráter vivo e brioso por natureza, bem fazia valer o título de “mais velha”. A mãe descansava nela e o pai tinha preferência pela sua “pequena Imperatriz” como lhe chamava. Dava-lhe muitas provas de confiança e lugar de destaque. Bem sabiam as irmãs que ele nada lhe recusava e aproveitavam para fazer passar por ela seus pedidos. Todos os domingos, esse bom pai gostava de levar a pequena família à missa cantada. Antes de sair, não deixava de distribuir a cada filha algumas moedinhas para ensinar-lhes a darem esmola, tornando-se assim conhecidas pelos pobres do bairro. “Se havia bom tempo, conta uma das irmãs de Josefa, as tardes de domingo passavam-se em passeios campestres. Se o tempo era mau, ficávamos em casa, onde meu pai organizava jogos e os partilhava conosco até a hora do terço, que recitávamos todos juntos”.
Leonardo mesmo quis ser o primeiro mestre de Josefa e, encantado com os rápidos progressos, pensava encaminhá-la para a carreira do ensino. Nosso Senhor tinha, porém, outros desígnios e preparava secretamente o caminho de sua escolha. O encontro eucarístico ia marcar a primeira etapa e selar a união precoce entre a criança e o Amigo dos corações puros.
Em fevereiro de 1901, aos onze anos de idade, foi admitida no grupo de meninos que; no convento das Reparadoras, se reunia, todas as tardes para a preparação da primeira comunhão. Inflamavam-se-lhe os desejos com a ideia da felicidade próxima. A cerimônia, marcada para o dia 19 de março devia ser precedida de um retiro. Obteve do pai licença para segui-lo. Josefa anotou, em estilo muito simples, algo do primeiro intercâmbio de amor que foi irrevogável de ambas as partes.

Como Jesus fez o primeiro chamado à minha alma.
"No primeiro dia, escreve, meditei essas palavras: “Jesus quer vir a mim a fim de que eu seja toda dele”. Fiquei cheia de alegria porque desejava tanto... mas não sabia o que era preciso fazer para isso. Uma religiosa a quem perguntei, disse-me que fosse muito boa e assim seria toda de Jesus.
No segundo dia o assunto da meditação foi: “Jesus é o Esposo das Virgens. ele se compraz nas almas puras e inocentes". Fez-se em mim grande luz e pensei que, sendo esposa de Jesus, seria toda dele, pois bem via que mamãe era toda de papai porque era sua esposa. Então pensei que se fosse virgem seria dele, e, sem saber o que era, durante o dia inteiro, prometi ser virgem. À tarde, depois da bênção do Santíssimo Sacramento, fiz uma pequena oferta ao Menino Jesus e pedi-lhe, com grande fervor, que me ensinasse a ser toda dele. O pensamento de que breve O receberia no meu coração enchia-me de alegria e quando eu estava assim, em silêncio, e nessa felicidade, ouvi uma voz que nunca mais esquecerei e que se fixou no íntimo de minha alma:
“Sim, minha filha, quero que sejas toda minha”.
"Não posso dizer o que se passou, mas sai da capela decidida a ser muito boa. Eu não sabia o que era vocação; pensava que as religiosas não eram pessoas da terra. Mas desde então senti em mim uma coisa especial que não mais me deixou. Compreendi depois que era vocação.
"No terceiro dia renovei minha resolução e no dia, iam as duas irmãs confessar-se na Igreja do S. Je-(ilegível) feliz da minha primeira Comunhão, fiz esta pequena consagração que me brotou do fundo da alma:

“Hoje, 19 de março de 1901, prometi a Jesus, diante do Céu e da terra, tomando como testemunhas minha Mãe, a Virgem Santíssima e meu Pai e Advogado S. José, guardar sempre a preciosa virtude da Virgindade, não tendo outro desejo senão o de agradar a Jesus e outro medo senão o de lhe desagradar.
Ensinai-me meu Deus! como Vós quereis que eu seja vossa da maneira mais perfeita, a fim de vos amar sempre e de nunca vos ofender. É o que desejo, hoje, dia da minha Primeira Comunhão, ó Virgem Santíssima.
Eu vo-lo peço hoje, que é festa de vosso Esposo S. José.
Vossa filha que vos ama,

"Josefa Menéndez.”

Escrevi isto e desde então cada vez que comungava repetia-o a Nosso Senhor. Quando disse a meu confessor o que tinha feito, ele me explicou que as meninas não devem prometer senão serem muito boas; e queria que rasgasse o papel. Mas eu não podia e repetia: "Senhor, é deste dia em diante que sou vossa e para sempre.
Josefa conservou preciosamente esse testemunho de seu primeiro oferecimento. O papel amarelado coberto pela desajeitada caligrafia infantil ficou sendo, até a morte, o tesouro de sua fidelidade.
O primeiro encontro com a Eucaristia entregava à Ação divina a alma em que ia ser tão poderosa e livre.
A santa comunhão tornou-se a alegria de Josefa ao mesmo tempo que enraizava nela os germes das sólidas virtudes cujo desenvolvimento já se percebia.
Depois da Primeira Comunhão escreve ainda sua irmã, pode-se dizer que deixou de ser criança. Desde então já não me lembro mais tê-la visto tomar parte nas pequenas distrações que ela mesma nos preparava com tanto carinho.

Sua caridade era grande também, fora de casa.
Se alguma menina, conhecida da igreja ou do convento das Reparadoras, caía doente, nunca deixava de visitá-la. Sua piedade, seu espírito de sacrifício, frutos precoces dos bons exemplos que nos davam nossos pais, juntos às qualidades naturais que já conhecemos, faziam dela a alma da família. Tínhamos em “Pepa" como lhe chamávamos, uma segunda mãe, e lhe confiávamos não somente nossos desejos, mas também nossas mágoas e temores infantis. Um dia era eu ainda pequenina, mandaram-me comprar uma coisa. Fí-lo, mas esqueci-me de pagar. Qual não foi meu pavor ao percebê-lo, já em meio caminho de volta. Não ousei retroceder, nem trazer de novo o dinheiro para casa. Embrulhei-o num papel e deixei-o na rua perto de uma porta. Depois corri a Pepa para contar-lhe em segredo o que acontecera. Abraçou-me com ternura tranquilizou-me e encarregou-se, ela mesma de ir pagar por mim. Era assim que recorríamos sempre a ela porque tudo arranjava sem que nos ralhassem.
Graças à ascendência que tinha sobre os pais obteve, para a mesma irmãzinha, a graça da Primeira Comunhão, dois anos antes da idade requerida naquele tempo. Assim passou a infância de Pepa, na simplicidade das famílias cristãs do nosso meio, mas, já aos olhos de Deus. prelúdio do que seria mais tarde nossa irmã maior.” Pouco depois da Primeira Comunhão de Josefa os pais matricularam-na no “Fomento de las Artes”(1).
Aprendeu corte, costura e confecções. Sua inteligência e suas aptidões logo despertaram a atenção das mestras. Os dedos ágeis e habilidosos realizavam pequenas maravilhas, e o trabalho, coroado de êxito, valia-lhe todos os anos diplomas de honra.
Pelos treze anos Josefa voltou a casa. Era tempo de pensar na educação das irmãzinhas. Nessa época um acidente sobrevindo ao chefe de família determinou- lhes a entrada para a escola das Religiosas do Sagrado Coração.(2).

(1) Instituto para desenvolvimento das Artes.
(2) Colégio e escola do Sagrado Coração de Leganitos, Madri, destruídos em 1936 pela guerra.

Era o ano em que a Santíssima Virgem, sob o título de Imaculada Conceição, acabava de ser escolhida pela tão católica Espanha como padroeira dos regimentos de infantaria. Celebrar-se-ia Missa Campal no parque do Palácio Real. Leonardo, sob os olhos interessados do jovem rei Afonso XIII, trabalhava na decoração do altar. Súbito, para reter uma ferramenta que poderia, tombando, ferir o príncipe, fez um movimento brusco e perdeu o equilíbrio; caiu dos andaimes e quebrou um braço. O rei, comovido com o gesto que o preservara, quis encarregar-se da educação das meninas. Ofereceu ao decorador colocá-las nas Damas Inglesas de instituição real. Mas Leonardo, embora sensibilizado pela bondade do monarca, não consentiu em separar-se de suas filhas. Preferiu pô-las na escola do Sagrado Coração, próxima da sua casa. As duas pequenas entraram cheias de alegria, enquanto Josefa experimentava o que havia de mais suave e forte na intimidade familiar. A capela de Leganitos tornou-se, desde então, sua atração quotidiana. No segredo do Tabernáculo, Jesus orientava já para seu Coração a criança tão simples que O encantara.
A felicidade iluminava ainda o interior pacífico da família. "A pequena Imperatriz” guardava lugar de escol na afeição dos seus, sendo a mais dedicada das filhas e a melhor das irmãs. Tudo era simples na união familiar e as mais suaves alegrias traziam o cunho da fé que as impregnava.
A grande recompensa das meninas era, nesse tempo, visitar a priora do Carmelo de Loeches, irmã da mãe. Eram recebidas como princesas no apartamento do capelão. Incursões na biblioteca puseram-nas de posse da Regra que liam com delícia. Sua grande alegria era brincar “de Carmelo”: salmodiava-se o ofício, imitavam-se de longe as penitências do claustro...
Josefa entusiasmava as irmãs, mas sua alma encontrava neste carmelo improvisado algo mais que brincadeira favorita.
Os pais que se orgulhavam de seu jeito e de seu gosto pela costura, fizeram questão que acabasse a formação numa oficina. Teve que sofrer nesse ambiente assaz leviano, mas o coração conservava-se firme e sua alma hauria, todas as manhãs, na comunhão corajosamente alcançada, a Força de permanecer pura.
“Atravessei muitos perigos — escreve ainda — mas Deus guardou-me sempre no meio das conversas tão más da oficina. Quantas vezes chorava ouvindo coisas que me perturbavam! Mas sempre achei Força e consolo no meu Deus. Nada, ninguém me fez jamais mudar nem duvidar que Jesus me quisesse só para Si."
No domingo, conta a irmã, ia muitas vezes a um patronato cuja presidente era a Srta. Maria X.... filha do proprietário da casa em que habitávamos. Era uma alma toda de Deus, que consagrava grande parte da fortuna às obras de caridade. As tardes de domingo passavam-se alegre e utilmente, e muitas meninas encontravam nesse abrigo a salvaguarda de suas almas.
Josefa trazia-lhe ardor, esquecimento de si, iniciativa inteligente; assim a benfeitora, que lhe conhecia e apreciava a virtude, dava-lhe sempre nas pequenas representações teatrais, os papéis que ninguém queria.
Ela os desempenhava com simplicidade que lhe realçava a graça madrilenha.
“Acompanhava frequentemente a Srta. X... nas visitas aos numerosos pobres, mas também ia até prestar os mais humildes serviços aos enfermos. Este exemplo excitava lhe a natureza generosa. Um dia Maria confiou a Josefa um segredo: descobrira uma pobre leprosa abandonada e procurava, entre as amigas, alguém que a ajudasse a cuidar dela, a fim de que à infeliz não faltasse nada e se sentisse amada. Chamava-se Trinidad e sofria muito. Tinha todo o lado direito paralisado, as mãos e o rosto carcomidos pela moléstia e, sozinha o dia inteiro, não podia fazer o menor movimento. Pepa ficou encantada com este convite cujo heroísmo escondido correspondia ao pendor de sua alma. Durante várias semanas foi levar a Trinidad a comida de cada dia. Uma vez pensou em tomar a irmã por companheira, contando com sua discrição.
“Mas a impressão que tive de ver a pobre leprosa foi tal, continua ela, que, voltando a casa, mamãe notou e perguntou a causa. Foi preciso contar-lhe tudo.
Minha mãe proibiu a Pepa voltar e ela ficou muito triste.”
O tempo passava assim para Josefa, dividido entre vida de família, trabalho na oficina e exercício de caridade. A austera lei do Amor divino ia breve imprimir-se nessa existência em flor. Era preciso que o vento da tribulação passasse sobre a frágil planta para prová-la e firmá-la.
"Não duvides nunca do amor de meu Coração — dirá mais tarde o Amigo divino. Pouco importa que o vento te sacuda, mais de uma vez: “Fixei, Eu mesmo, a raiz de tua pequenez na terra do meu Coração!”

 

A ESPERA
1907 —1920


“Deixa-te conduzir de olhos fechados, pois sou teu Pai e os tenho abertos para te conduzir e te guiar.”

Nosso Senhor a Josefa — 18 de setembro de 1923.

O sofrimento, que devia marcar com seu vinco a vida de Josefa, não tardou a vir instalar-se no lar que o ignorava até então. Foi recebido em paz pelos simples e amigos de Deus. Josefa aprendeu a sofrer como aprendera a amar e seu coração abriu-se à escola do sacrifício e da dor. Seu caráter ia assim abrandar-se, sua natureza dominar-se, sua alma robustecer-se em contato com a cruz adquirindo maturidade no amor sem nada perder do ardor juvenil. Em 1907 entrava a morte na casa feliz. Carmen, uma das irmãzinhas, de doze anos apenas voava ao Paraíso, e, poucos dias depois, a avó materna seguia a criança ao túmulo. O desaparecimento de Carmencita foi um golpe terrível para o coração dos pais. Lutaram contra a dor mas era-lhes superior às forças. Alguns meses depois a febre tifoide prostrava a mãe; e o pai era atacado de congestão pulmonar. Josefa, apoiada na fé e na vida profunda de sua alma, revelou o que era. Deixou o trabalho da oficina, fez-se enfermeira dos queridos doentes e calculou, sem esmorecer, a tarefa que lhe pesava aos ombros. Multiplicavam.se os tratamentos dispendiosos, era preciso atender às necessidades das irmãzinhas, e as reservas depressa se esgotaram. A pobreza instalava-se pois na casa desolada.
Josefa abraçou-a corajosamente. Durante quarenta dias experimentou todas as angústias, privações, inquietudes de coração, e o peso da responsabilidade com que arcava sozinha.
“Dormíamos todas três num colchão no chão — dizia — O nosso médico, muito bom, queria transportar nossos pais para um hospital mas eu jamais consentiria certa de que a Providência viria socorrer-nos. E veio, com efeito, através das Madres do Sagrado Coração. Como foram boas! Poderia eu deixar de lhes querer bem?”
Santa Madalena Sofia também se inclinou sobre a família em que crescia, na sombra, aquela que deveria ser um dia sua filha privilegiada. No curso de uma novena à Fundadora do Sagrado Coração, uma noite, a doente, cujo estado não permitia mais esperança, chamou as filhas; “Não chorem, — disse-lhes — a Bem-aventurada Madre veio assegurar-me que não morrerei, porque vocês ainda precisam de mim.”
“Nunca soubemos o que se tinha passado — dizia mais tarde Josefa — mas o certo é que no dia seguinte estava fora de perigo.
O Pai também se levantou, mas dali em diante não recobrou o antigo vigor e não voltou ao trabalho.
Desde então desapareceu o bem-estar da casa e Josefa entregou-se generosamente ao dever que a solicitava. Tratou de sustentar a família com o trabalho da costura, ficando ao mesmo tempo ao lado dos pais para cuidar-lhes da saúde. As Religiosas do Sagrado Coração velavam discretamente sobre aquela atraente família. Josefa não tinha máquina de costura porque seus magros recursos não lho permitiam. A Madre Superiora chamou-a e encarregou-a de comprar uma para ela. Pediu-lhe que a usasse durante algum tempo como experiência e deu-lhe milhares de escapulários do Sagrado Coração a fazer para os soldados de Melilla.
Quando Josefa quis devolver a máquina a Leganitos, a Reverenda Madre recusou aceitá-la dizendo que tantos escapulários a tinham pago de sobra, O delicado coração de Pepa ficou profundamente sensibilizado, e essa generosidade, que sentia haurida no Coração de Jesus, apegou-a de tal modo à Sociedade do Sagrado Coração que não tinha outro desejo senão o de para lá entrar.
Chegava-lhe, pouco a pouco, trabalho de todos os lados.
Espalhava-se-lhe a fama de costureira. Breve, apesar do auxílio da irmã, Mercedes, em dias laboriosos, serões prolongados já não conseguia atender a freguesia. Foi preciso organizar uma oficina onde reunia jovens operárias. De pé, as seis horas, iam as duas irmãs à missa no Sagrado Coração e punham se ao trabalho até meio dia. Depois da refeição, seguida de visita ao Santíssimo Sacramento, recebiam as aprendizes e toda a tarde passavam na labuta. Reinava grande animação no pequenino grupo pois o caráter jovial de Josefa alegrava o trabalho das suas auxiliares, enquanto que por meio de pequenas delicadezas procurava agradar-lhes. Mas tinha consciência da responsabilidade e, com suave firmeza, exigia ordem e perfeição. O terço em comum recitava se à tarde e terminava com várias orações, brotadas do fervor de Josefa. Aos sábados, acabado o dia, iam as duas irmãs confessar-se na Igreja dos Jesuítas e Josefa encontrava a direção segura e forte do Reverendo Padre Rúbio, que a seguia com interesse paternal.
"Aos domingos, conta a irmã, toda a família levantava-se cedo para assistir a várias missas. À tarde, Pepa e eu íamos ver as Madres do Sagrado Coração das três casas de Madri e depois nossos pais vinham conosco à Bênção do Santíssimo Sacramento em Leganitos.”
Quando tinham que sair, as duas irmãs acompanhavam-se uma à outra. Era o momento das conversas íntimas que não podiam fazer em casa. Vocação era o assunto predileto. Ambas haviam recebido o chamado divino. Mas a mãe não as podia ouvir sem lágrimas e decidiram que não se falaria mais disso em família.
"Certo dia, escreve Mercedes, Josefa disse-me que queria ser religiosa, mas longe da pátria, a fim de oferecer a Nosso Senhor um sacrifício mais completo.
Como eu não concordasse respondeu-me que para Deus tudo era pouco.”
Apesar do caráter tão grave, estava sempre alegre e enquanto que perto dela a tarefa se tornava menos austera, sua energia e abnegação davam conta da obrigação. Pouco a pouco voltou o riso ao lar. Mas não durou a estiada e, em 1910, o chefe sucumbia numa crise de coração. Durante a última doença a mulher não o deixava dia e noite, nada poupando que pudesse aliviá-lo. Um dia, indo comprar-lhe um remédio, viu numa loja, exposta no meio de velharias, uma bela imagem do Sagrado Coração. Comoveu-se e desejou comprá-la, pensando na alegria dos seus e no amor de que o Sagrado Coração seria cercado na sua família. Perguntou timidamente o preço. Infelizmente ultrapassava o conteúdo da bolsa destinado a pagar o remédio para o marido. Desconsolada, agradeceu e retirou-se. Mas já na rua ouviu o vendedor chamá-la: "Dê-me o que puder e leve a estátua.” Cheia de emoção Lúcia deu o preço do remédio e carregou o tesouro. Voltou depressa a Leonardo. "Em lugar de remédio — exclamou — trago-te o Sagrado Coração.” Foi uma verdadeira felicidade para o doente cuja fé iluminava o sofrimento. Mandou colocar a imagem ao pé da cama a fim de contemplá-la sem cessar. Foi sob o olhar do Coração de Jesus que exalou o último suspiro a 7 de abril de 1910, deixando aos seus, nessa estátua, duplamente cara, seguro penhor de proteção. O Reverendo Padre Rúbio, que o assistira até o fim, tornou-se conselheiro e amigo da casa enlutada; Josefa ia ser o único apoio da mãe, e seu oficio o ganha-pão da família. Sua alma vivia entretanto do mesmo amor, e o oferecimento de si mesma, repetido todos os dias, continuava a ser a Força e o horizonte de sua vida, através das sombras deste novo caminho. Já antes da morte do pai, descobrira-lhe seu segredo e solicitava-lhe permissão para entrar no “Sagrado Coração". Mas, pela primeira vez, ouviu-se em casa o pai. embora bom cristão, zangar-se com a filha Pepa. E ela, enxugando as lágrimas, fechara em sua alma o tesouro da vocação.
Mais tarde vieram-lhe propostas do Carmelo onde um religioso da Ordem oferecia obter-lhe admissão. Não era seu caminho, Josefa sabia. Recusou com gratidão e aproveitou a ocasião para repetir à Mãe o chamado de Deus. Sem se opor Lúcia suplicou à filha que não a abandonasse e, pela segunda vez, Josefa esperou. Mas grande foi sua pena quando a irmã obteve o consentimento materno e, precedendo a mais velha, partiu em 1911 para o Noviciado de Chamartin (Madri). Josefa que a tinha formado com a esperança de lhe passar o encargo da família sentiu amargamente a decepção.
Sustentou-a a fé na conduta divina e sua virtude já amadurecida ajudou-a a esquecer-se de si. A esse respeito escreve a mesma irmã:
“Até minha entrada para o Noviciado, fôramos inseparáveis. Minha partida foi para ela uma pena que minha pouca idade e o desejo de dar-me a Nosso Senhor não me permitiram calcular... mais tarde somente compreendi o sacrifício que eu impusera à minha querida irmã. Então só o pensamento de que os desígnios de Deus se tinham assim realizado podia consolar-me.”
Josefa prosseguiu, pois, a sua vida de trabalho, dando-lhe, sem medir tempo e fadigas. Tinha esperanças na irmã mais nova, que deveria também um dia ouvir o chamamento divino. Em 1926, três anos depois da morte de Josefa, Angela entrava no Carmelo de Loeches onde tomou o nome de “Soror Madalena Sofia do Sagrado Coração”. Partiria pouco depois para Portugal com um pequeno enxame que iria auxiliar a fundação do Carmelo de Coimbra. Deus, que conduzia Josefa por vias obscuras, mas seguras, ia mais de uma vez ainda desnortear-lhes os passos para ensinar-lhe a ciência do abandono e do sacrifício.
O R. Padre Rúbio a seguia, havia já doze anos, e não a abandonava. Em fevereiro de 1912 achou que viera o momento de auxiliá-la a realizar seu desejo. Tinha ela então vinte e dois anos. Inclinou-a a escolher as "Reparadoras”, que conhecia de perto Josefa, dócil e simples, seguiu a direção dada e renunciou ao atrativo que a solicitava no fundo da alma para o Coração de Jesus. Entrou, pois, nas Reparadoras e entregou-se toda inteira à vida de postulante. Foi feliz na família religiosa cujo espírito amou e apreciou: reparar pelo Coração de Maria correspondia bem à aspiração de sua alma. Nenhuma tentação perturbou a paz desses meses que deslizaram no meio de humildes trabalhos e onde sua vida interior desabrochava sem obstáculos.
Entretanto, mesmo através dessa paz, Josefa não cessava de ouvir outro Apelo. Dizia mais tarde que os sinos vizinhos, do "Sagrado Coração", despertavam nela, cada vez, outros desejos que se esforçava por sacrificar. A própria Santíssima Virgem também viria preveni-la; de que não encontrara ainda ali, lugar de repouso.
Encarregada da limpeza de uma sala, Josefa cuidava com amor de uma grande estátua de Nossa Senhora das Dores. Vestida segundo a moda espanhola, a Virgem trazia nas mãos uma coroa de espinhos. Qual não foi o espanto de Josefa ao ver um dia essa coroa toda iluminada por uma luz cujo foco não distinguia! Não ousou falar do ocorrido, mas, três os quatro dias seguidos, conservou a coroa a claridade. Criando coragem então, subiu até a imagem e viu um espinho todo incandescente de onde irradiava a luz. Ao mesmo tempo voz suavíssima dizia-lhe: "Leva este espinho, minha filha. Mais tarde Jesus te dará outros". Josefa destacou o espinho ainda brilhante e, apertando o ao coração, respondeu ao presente materno com um oferecimento de si mesma que não tardaria a realizar-se em nova experiência de sofrimento.
Seis meses haviam passado desde a sua entrada.
Aproximava se a época da tomada de hábito. Era, porém dura a ausência da irmã mais velha em casa, onde a pobreza continuava grande. A mãe recusou consentir; o próprio R. Padre Rúbio aconselhou a volta de Josefa ao lar e mais uma vez ela se imolou. Saiu dolorosamente do asilo onde apenas antegozara a vida religiosa que lhe consumia os desejos. Levava o espinho, cuja claridade se apagara, mas, que se enterrava cada vez mais em sua vida.
Josefa retomou, pois, a laboriosa subida à procura de Deus e pôs corajosamente, de novo, mãos à obra. De quinze em quinze dias ia visitar a irmã noviça em Chamartin e entretinha-se com ela do que lhe ia no coração. Gostava de falar da vida religiosa das “Irmãs Coadjutoras do Sagrado Coração", que sentia cada vez mais corresponder única e plenamente a todas as suas aspirações.
Ia também aos colégios do "Sagrado Coração”, de Madri, por ser encarregada dos uniformes. Mostrava-se como o tipo da operária simples, modesta e conscienciosa. A religiosa encarregada da rouparia das meninas nunca se esqueceu “daquela natureza ardente, indo diretamente ao dever”. Graças à sua dedicação, escreve, ao seu caráter feliz, que encontrava sempre o bom lado das coisas, nunca tive sombra de dificuldade com ela.
Mil pequenos serviços prestou-me sua discreta cortesia, sua habilidade, sua atividade silenciosa. Era uma alma de fé e sua devoção à Eucaristia extraordinária. Gostava muito do "Sagrado Coração” e dizia-me muitas vezes: "Quando entro nesta casa sinto-me no meu elemento” .
O mesmo não acontecia quando em contato com a clientela, assaz mundana. Mais de uma vez magoou-lhe a consciência tão delicada e a alma tão pura.
"Se soubesse, confiava a alguém, quanto sofro quando preciso ceder e vestir essas pessoas de maneira tão pouco modesta...”
A vista do mundo com as suas exigências confrangia-lhe o coração e fazia-lhe sentir mais dolorosamente o prolongamento do exílio.
"Ah! exclamava, — desde a infância peço todos os dias ao Sagrado Coração de Jesus para ser sua esposa e agora, que vejo o que é a vida, suplico-lhe que, se não puder conceder-me essa graça, me tire do mundo, porque minha alma já não pode mais nele viver.”
E de fato, já não vivia no mundo senão de desejos ardentes alimentados cada manhã na santa Eucaristia.
Era ao contato do Coração divino que hauria, não somente Força para si mesma, mas também bondade, afeição e até alegria, que derramava sobre o caminho do próximo, guardando em segredo sua cruz e seu espinho.
Tinha poucas amigas, mas arrastava com o exemplo, e mantinha, por meio de conselhos, o pequeno grupo de costureiras. Animava-as sua alegria comunicativa quando uma pequena folga no labor quotidiano permitia joviais reuniões. A peregrinação a Ávila ou ao "Cerro de los Angeles”, (1) que o fervor de Josefa e sua animação tornavam deliciosos, deixavam nas almas profundo vestígio.

(1) Colina situada no centro geográfico da Espanha e sobre a qual foi elevado o monumento da Consagração nacional ao Sagrado Coração de Jesus.

Passava o tempo, entretanto, e Josefa esperava o sinal divino. Pensou encontrá-lo em 1917 e decidiu-se a pedir admissão no "Sagrado Coração”. Foi aceita com bondade e a mãe consentiu na partida que se mareava para o dia 24 de setembro, festa de Nossa Senhora das Mercês. Surgiu o dia tão desejado mas, ai! as lágrimas maternas amoleceram o terno coração de Josefa. Hesitou e cedeu diante da dor de sua Mãe. Naquela tarde ficou vazio o seu lugar no Noviciado e ela chorou por muito tempo em segredo, o que chamava a grande fraqueza da sua vida. "Aquele, porém, que trabalha na obscuridade e que é a Luz” realizava, através dessas alternativas dolorosas, o plano do seu Amor.
Naquele tempo, via a França, depois da tormenta, reflorir a obra do “Sagrado Coração'’ e atear-se de novo a chama nos braseiros extintos. Em Poitiers, o velho mosteiro dos Feuillants, providencialmente conservado para as filhas de Santa Madalena Sofia, restituía-lhes seus claustros ainda embalsamados pelas recordações da fundadora.
Um pequeno Noviciado de Irmãs Coadjutoras esboçava-se em projeto. Era aí que o Coração de Jesus marcara desde toda a eternidade o lugar de Josefa; era para lá que ia conduzi-la pela mão, através das últimas tempestades.
Estava-se em 1919. Josefa. tinha 29 anos. Compreendeu, por secreto Apelo, que era chegada a hora de Deus e resolveu solicitar ainda uma vez a admissão que já não ousava mais esperar.
No dia 27 de julho fez humildemente a tentativa.
"Mas, escreve em suas notas., a resposta foi negativa. No fundo da alma, porém ouvia a voz de Jesus que dizia: “Insiste, confia em mim que sou teu Deus.’’
A insistência não venceu a decisão que suas hesitações precedentes pareciam ter tornado irrevogável.
No dia 16 de setembro, continua, atirei-me aos pés do meu crucifixo e supliquei lhe que me recebesse no seu Coração, isto é, na “Sociedade” ou me tirasse do mundo, pois parecia-me que já não podia mais sofrer.
Então creio que ele me mostrou seus Pés divinos, suas Mãos divinas e me disse: “Olha minhas chagas. Beija-as e dize-me se não podes sofrer mais ainda? Sou Eu que te quero para meu Coração.-’ O que se passou em mim não posso dizer! Prometi-lhe não viver senão para amá-Lo e sofrer... mas sou tão fraca, meu Jesus!”
Dois meses passaram-se ainda em ardentes súplicas, até o dia 19 de novembro.
“Nesse dia, na minha Comunhão — diz Josefa — supliquei-Lhe por seu Sangue e suas Chagas que me abrisse essa porta da “Sociedade” que eu mesma fechara: “Abri-a, meu Jesus, pois bem sabeis que não peço outra coisa senão ser esposa de vosso divino Coração!”
Soara a hora. Nesta manhã, como de costume, dirigiu se ao Sagrado Coração para buscar a costura. Esperavam-na: chegara carta de Poitiers. Pedia-se, para o noviciado apenas fundado, algumas vocações seguras.
Josefa teria coragem de solicitar na França a tão desejada admissão? Sem hesitar respondeu o mais generoso “sim” e no mesmo instante escreveu para oferecer-se.
“Atirei-me de novo, diz em suas memórias, aos Pés divinos, que tanta confiança me dão. Com lágrimas a transbordar dos olhos, mas com mais amor ainda, ofereci-me para tudo aceitar e, apesar de minha fraqueza, senti uma força que não conhecia!”
A mãe, desolada, não fez entretanto desta vez nenhuma oposição: Deus afastava os obstáculos. Para evitar a dor do adeus, Josefa deixou a casa sem nada dizer nem levar coisa alguma. A caridade das Madres do "Sagrado Coração” forneceu-lhe o necessário.
“Jesus me pegou — diz ela; não sei como isto se passou, mas cheguei a San Sebastian. Não tinha nem dinheiro, nem forças; amor e nada mais, creio, mas estava no “Sagrado Coração”!... eu sempre a mesma, tão fraca! Mas Ele sempre me sustentando.”
O convento do Sagrado Coração de San Sebastian, que a tinha acolhido com tanta caridade, ia ainda retê-la durante um mês.
Agradecida, procurava tornar-se útil e vimo-la ajudar por todos os lados no que podia. Entretanto a lembrança de sua mãe e irmã que lhe enviavam cartas pungentes, transpassava-lhe o coração. Começava também a medir qual seria a dificuldade de uma língua que ignorava. Mas sua vontade estava fixa no Coração que a esperava.
“Que fará sem saber a língua do país?” perguntou-lhe alguém — “Deus me conduz”, respondeu simplesmente. Era verdade.
Na quarta-feira, 4 de fevereiro de 1920, deixava para sempre a Pátria para seguir, além das fronteiras.
Aquele cujo Amor soberano tudo pode pedir.

 

II — À SOMBRA DO VELHO MOSTEIRO

O CORAÇÃO ABERTO DE JESUS
4 de fevereiro — 16 de julho de 1920

“Em troca de tudo que me dás dou-te meu Coração!”

Nosso Senhor a Josefa - 15 de julho de 1920.

Pela sua situação luminosa, no flanco das colinas de onde a cidade de Poitiers dominava o vale do Clain, o antigo mosteiro dos Feuillants. parece uma dessas terras privilegiadas, talhadas para o encontro dos fervores humanos com os favores divinos.
Em 1618 veio estabelecer-se ali uma colônia cisterciense de monges ''Bernardos", mas a Revolução Francesa a devastou.
Apenas amainou a tempestade Santa Madalena Sofia reacendeu nessas ruínas a chama do amor, fundando lá o primeiro Noviciado da Sociedade do Sagrado Coração.
Ali esteve por várias vezes, ali recebeu graças tão extraordinárias que a casa, os claustros o jardim, são para a sua família religiosa um como relicário e memorial da fundadora.
Era dentro dessas paredes benditas que o Coração de Jesus ia esconder a filha da sua predileção, cultivá-la como se cultiva uma flor escolhida, abrir-lhe o seu Coração, associá-la à sua sede de almas, e realizar depois, nela e por meio dela, a Obra do seu Amor.
Quando ela chegou a Poitiers no entanto ninguém pôde desconfiar do grande Desígnio que começava a efetivar-se. Qual foi vista no princípio do seu postulantado tal se manifestou durante os quatro anos da sua vida religiosa: simples, silenciosa, toda entregue ao seu trabalho, figura apagada no meio das outras. Nada no seu exterior atraía a atenção: às vezes sua fisionomia séria apresentava vestígios de sofrimento, mas iluminava-a um belo sorriso quando alguém se aproximava para falar-lhe ou para pedir-lhe um serviço. Os seus grandes olhos negros, muito expressivos sem esforço falavam por si sós. Na limpidez daquele olhar refletiam-se o ardor do seu amor e a profundeza do seu recolhimento.
Inteligente, ativa, adaptando-se a tudo, Josefa recebera verdadeiras prendas do céu. Um bom senso raro, um juízo reto e seguro constituíam nela aquele fundamento sério e equilibrado sobre o qual a graça divina pôde trabalhar à vontade. De coração terno e generoso, sabia defender-se quando se dava e, como, todos os que têm sofrido muito, era boa, com aquela bondade que só se aprende na escola da total renúncia e do esquecimento de si mesmo.
Levara para a vida religiosa uma alma amadurecida no espírito de sacrifício, a compreensão sobrenatural da sua vocação, uma vida interior já profunda e um amor ardente ao Coração de Jesus. Mas esses dons divinos ficaram escondidos dos que a cercavam e até aos próprios olhos dela, e por isso, desde que entrou até à morte, passou despercebida a sua vida apagada e obscura mas fidelíssima.
O Noviciado das Irmãs Coadjutoras apenas contava então algumas recrutas vindas de diferentes casas, Josefa foi a primeira postulante e dentro de pouco ficou sendo a noviça mais antiga.
Desde os primeiros dias, a vida humilde e laboriosa, modelada pela de Nazaré, arrebatou a sua alma.
Encontrava resposta a todos os atrativos da sua alma neste ideal concebido pela santa Fundadora da Sociedade do Sagrado Coração: muito trabalho obscuro para ajudar a Obra do Coração de Jesus nas almas das crianças. Mas trabalho realizado com amor, no silêncio e na oração, em perfeita união com esse Coração Sagrado, da qual lhe vem a riqueza divina e o valor apostólico. Josefa abraçou com todo o ardor da sua alma essa nova vida tão luminosa para a sua fé e tão cara ao seu amor.
Em poucas palavras poderia resumir-se o que foram, exteriormente, o seu postulantado, o seu noviciado e os últimos dezoito meses da sua carreira na terra: Não nos ensinou Jesus de Nazaré o sentido das apreciações divinas, inteiramente diferentes das do mundo? E não resume o Evangelho trinta anos da sua vida terrena nestas palavras tão simples: 'Era-lhes submisso?” Do mesmo modo, a santidade das Irmãs Coadjutoras na Sociedade do Sagrado Coração parece tanto mais autêntica quanto menos, ruído faz, tanto mais profunda quanto mais se esconde.
Soror Josefa Menénidez foi uma dessas almas ignoradas que pouco se veem, pouco se ouvem e cuja história se escreve em poucas palavras.
Mas sob o véu que lhe encobre a rápida vida religiosa, uma outra aurora não tarda a surgir, a aurora das graças de escol que aprouve ao Coração de Jesus nela depositar. sobre a trama de sua existência virão dia a dia imprimir-se os desígnios do Amor, embora nada exteriormente denuncie esse segredo resguardado pelo próprio Deus.
É justamente este um dos pontos maravilhosos da narrativa que se vai seguir.
O contraste entre as aparências exteriores e as realidades do interior, entre o visível e o invisível: Josefa em tudo igual às outras Irmãs na vida quotidiana, mas carregando em sua alma o peso da predileção divina, que ora a abandona aos assaltos do sofrimento, ora, a subjuga na presença avassaladora de Deus. Desde então estabelece-se uma dupla corrente de amor — aquele Amor divino que se precipita como a águia sobre a presa e cujo impulso não conhece obstáculos e o amor de Josefa, frágil mas ardente que não cessa de se oferecer e de se conservar à mercê de todas as exigências do plano divino.
Tencionam estas páginas mostrar alguma coisa do mistério dessa vida. Embora submetendo-se plenamente ao pensamento da Igreja, único juiz nesta matéria, parece a priori que o silêncio e a sombra onde se desenvolve a história de Josefa, já trazem o cunho do Espírito. de Deus: e não se nos afigura temerário descobrir a sua Mão na prudência divina que excedendo os limites de todas as possibilidades humanas conseguiu guardá-la oculta. Com efeito enquanto os Superiores de Josefa lhe seguem os passos nesse caminho tão imprevisto, a grande casa dos "Feuillants” ignora até o fim as maravilhas de que foram testemunhas as suas paredes.
Outro sinal da ação de Deus, e não o menor, foi também o cuidado ciumento com que Jesus quis que o seu instrumento fosse pequeno aos próprios olhos, como aos olhos de todos. "— Não foi pelo que tu és que te escolhi — não cessará de dizer-lhe — mas pelo que tu não és. Achei assim onde colocar meu Poder e meu Amor."
Não seria porém preciso que o Mestre de toda Sabedoria começasse cavando nela a capacidade onde se fossem derramar, por assim dizer, as predileções do seu Coração?
Josefa, que chegava ao porto da vida religiosa com tão grandes esperanças, ia em breve conhecer ventos e tempestades muito mais perigosos que os que a tinham até então sacudido em alto mar,
— Quinze dias de paz deliciosa — nota — seguiram-se a minha entrada no Postulantado.”
Depressa travou conhecimento com as Madres e Irmãs, com a casa e o jardim. Ainda hoje se lembram nos Feuillants da chegada da pequena espanhola de olhos negros, que não sabia como exprimir sua alegria e sua gratidão. Simples e complacente, achou logo, meio de se fundir na sua nova família. A Madre Assistente e muitas Irmãs antigas, que em longas estadas na Espanha se haviam familiarizado com a língua, deram à recém-vinda o prazer de ouvir e falar ainda seu caro castelhano. Bastaram-lhe alguns dias para descansar das emoções da partida e foi logo a postulante dada como ajudante à Irmã cozinheira. Trabalho novo para Josefa, mas entregou-se a ele de todo o coração e a felicidade que irradiava de sua fisionomia bem dizia que pouco lhe importava a forma do dom de si mesma, contanto que pertencesse aquele que unicamente possuía todo seu amor. Parecia que nada poderia perturbar essa felicidade. O inimigo de todo o bem, pressentindo o que seria essa alma, escondia entretanto na sombra os primeiros embustes. Aproximava-se a hora em que Deus lhe permitiria entrar em cena. Josefa foi subitamente mergulhada em noite escura.
“...Dentro em pouco, escreve ela, comecei a vacilar pensando em minha mãe e minha irmã... em minha Pátria e na língua que não compreendia."
“Durante os primeiros meses foi tão forte a tentação que cuidei ser-me impossível ficar. Minha irmã, principalmente, a quem eu tanto queria!... pensar que ela sofria por minha causa era-me intolerável. Entretanto decidi-me a abandoná-las ambas ao Coração divino, a fim de que delas cuidasse e cada vez que me lembrava eu dessas duas ternuras de meu coração, ou de minha Pátria, fazia como me haviam sugerido um ato de amor e de confiança.
Uma noite, foi no começo de abril, a tentação de partir foi mais forte ainda. Pelo dia afora eu não cessara de repetir: "Meu Deus, amo-vos”, porque antes de tudo queria ser-Lhe fiel. Ao deitar-me, como de costume, pus o crucifixo sob o travesseiro. Pela meia-noite acordei e beijando-o disse-lhe de todo o coração: — Meu Deus, de hoje em diante vos amarei mais que nunca." No mesmo instante fui agarrada por força invisível e uma chuva de pancadas, como se fossem murros caiu sobre mim. com tanta Força que pensei morrer. Durou a noite inteira este suplicio e continuou durante a oração e a missa. Sentia tanto medo que não largava o crucifixo. Estava esgotada e não ousava fazer o menor movimento. Na hora da elevação da santa Hóstia vi como um relâmpago passar por mim, com um ruído de sopro violento. Tudo cessou de repente mas a dor das pancadas durou muitos dias.”
Assim começa Josefa a luta que vai sustentar durante toda a vida contra o inimigo das almas. Entretanto continua sempre igual no seu trabalho, fiel à Regra. Crescem-lhe a confiança e a obediência para com a Mestra das Noviças (1) e junto a ela que vem buscar paz e Força para continuar a sofrer.
“Na sexta-feira, 7 de maio, escreve, não aguentando mais, supliquei que me deixassem partir. Mas a Madre Assistente mostrou-me o bilhete que eu mesma escrevera pedindo pelo amor de Deus, da Santíssima Virgem, do meu Pai São José e da Bem-aventurada Madre Fundadora que se mil vezes eu pedisse para partir, mil vezes me lembrassem que nas horas de luz eu estava convencida de que a Vontade de Deus era que ficasse.
Desde esse dia nunca mais tive um momento de paz e só Deus sabe quanto sofri...
Cinco semanas passaram-se nesses combates já excepcionais; Josefa repete sem cessar a palavra da obediência:
“Sim, meu Jesus, ficarei no vosso serviço, quero amar-Vos, obedecerei. Não vejo nada, mas apesar dessa escuridão, ser-Vos-ei fiel...”
Numa tarde de maio o esforço diabólico é ainda mais tangível.
“Estando na capela em adoração — escreverá depois — fui de repente cercada por uma turba desenfreada.
Eram figuras medonhas, gritos agudos, enquanto meu corpo era furiosamente espancado... não podia nem chamar por socorro! Achava-me tão mal que tive de me sentar e não podendo rezar, olhava para o Tabernáculo. De repente senti-me puxada fortemente pelo braço como se me quisessem fazer sair da capela. Tentei lutar mas fui agarrada por Força invisível. Não sabendo que fazer nem onde ir, subi à cela da nossa bem-aventurada Madre.(2)

(1) Na Sociedade do Sagrado Coração, é à Madre Assis- tente que são especialmente confiadas as Irmãs Coadjutoras e a direção do seu Noviciado.
(2) A cela de Santa Madalena Sofia, ao lado da capela de Santo Estanislau, foi conservada religiosamente e transformada em oratório. Numerosas placas de mármore, testemunhas das graças obtidas, revestem as paredes.

Quando a Madre Assistente me encontrou e me perguntou que acontecia não pude responder-lhe. Mas interiormente disse comigo: Mesmo que me matem irei dizer-lhe tudo. Sai então para ir a ela. Mas vi-me subitamente, cercada pela mesma multidão cujos gritos me horrorizavam. Depois tudo desapareceu à sua porta, como um relâmpago. Achei-me em tal paz que dela jamais desejaria sair...

— A mesma coisa acontecia-me frequentemente desde então — acrescenta Josefa. — Cada vez que me decidia a falar, tudo cessava assim que eu chegava à porta da Madre Assistente. Verifiquei sobretudo o furor do demônio quando ela me traçava uma cruz na testa: parecia bater com o pé de raiva e se alguma vez ela a esquecia, eu ouvia uma horrível gargalhada.”
No meio dessas provações termina o postulantado de Josefa. O dia 16 de julho estava marcado para a tomada de hábito mas tão inesperados sofrimentos deixam-na em dolorosa hesitação e a perspectiva de tantas tribulações levanta-se diante dela como obstáculo impossível de transpor. Ora, decide-se a abraçar a Vontade de Deus seja qual for o preço, ora, sente-se paralisada diante dessa aceitação que tão caro lhe custa.
“Foi assim. — escreve — até o dia em que Jesus quis dar-me a conhecer tão claramente a sua divina Presença e desde então concedeu-me tanta luz e tanto consolo.”
No sábado, 5 de junho de 1920, depois de um assalto mais formidável do inferno, Josefa, decidida a partir, entra na capela com as Irmãs. Era ali que Jesus a esperava. Sob a pressão do demônio que a domina:
“Não — diz consigo — não tomo o Hábito, volto para casa. Disse-o cinco vezes; não pude repetir mais — escreverá mais tarde. — Meu Jesus, como sois bom para mim!...
De repente, envolvida em sono suavíssimo, como diz ingenuamente, Josefa desperta dentro da Chaga do Coração divino.
“Não posso explicar o que se passou... Jesus!...
Não Vos peço outra coisa senão amar-Vos e ser fiel à minha vocação.”
A luz que a inunda, vê os pecados do mundo e oferece a sua vida para consolar o Coração ferido de Jesus. Consome-a desejo veemente de unir-se à ele e então sacrifício algum lhe parece grande demais paro ser fiel à sua vocação. Desapareceu a noite com essa claridade de Deus e a desolação diante dessa insondável felicidade.
“Foi meu Deus que fez isso — continuou ela nas notas escritas por obediência. — Sinto-me confundida com tanta Bondade! Queria amá-Lo até à loucura!...
Não Lhe peço senão duas coisas: amor e gratidão para com o Coração Sagrado... Mais que nunca eu conheço minha fraqueza, mas também mais que nunca espero dele Força e coragem... Nunca tinha repousado nessa Chaga divina!... mas sei agora um pouco onde refugiar-me nos momentos de tribulação: é um lugar de repouso e de muito amor!
“Sinto vivo pesar por tanta resistência à graça e tanta infidelidade, mas isto me dá ainda mais motivos de confiança para esperar que Jesus não me faltará nunca, mesmo quando eu me sentir só. Pois era justamente o que me dava tanto medo: ficar só e não ser fiel. Mas, vejo agora que ele me amparava então sem que eu suspeitasse. Enfim, não posso dizer quanto desejaria amá-Lo!”
Quando Josefa sai da capela ainda toda impregnada do contato divino, não é difícil medir, em poucos minutos de intervalo, a mudança total que se operou em sua alma.
“E agora não sei o que é — acrescenta dois dias depois — mas creio que ele quer descobrir-me novo segredo pois na oração de ontem, segunda-feira, 7 de junho, fez-me entrar de novo na divina Chaga: ó meu Jesus, como me amais!!... Nunca poderei corresponder a tanta bondade. Parece-me ver nessa Chaga uma pequena abertura e gostaria de saber como entrar...
mas ele me deu a entender que isto seria para mais tarde.
“... Doze dias se passaram — escreve a 17 de junho — desde que o Senhor me fez tão grande graça.
Durante esse tempo tive imensas consolações mas principalmente pude estudar tudo que me ensinava o Coração divino. Mostrava-me claramente que o mais lhe agrada são pequeninos atos feitos por obediência.
Compreendi que é nisso que devo por toda minha aplicação. Por esse meio aprenderei a me renunciar em tudo, e por mais pequeno que seja o ato agradará muitíssimo ao Coração Sagrado... Quero que o Amor me consuma. Oh! que Coração é o de Jesus!...”
Esmagada sob o peso de tantas graças, Josefa continua a atirar sobre o papel o transbordar de sua alma.
“Hoje, quarta-feira, 23 de junho, meditava sobre a Bondade do Coração de Jesus e me veio o pensamento que esse Coração, tão cheio de amor, que tanto ama as almas e a minha é Aquele que tomarei por Esposo se lhe for fiel. Não sabia que dizer e como agradecer, ó meu Deus, não Vos posso pagar, se não por Vós mesmo pois se sou vossa Vós sois meu. Abandono-me a Vós... É preciso que minha vida seja unicamente em Deus e de Deus... entregar-me a fim de que tudo em mim se consuma e se apague e que tudo o que faço e sou seja unicamente dele. Depois de O ter recebido na santa Comunhão disse-lhe, como sempre, quanto O amo e desejo amá-Lo. Então fez-me entrar no meu divino Refúgio. É a terceira vez que repouso nesse Coração! Não posso explicar o que se passa em mim...
senão que sou pequena demais para tantas graças...
Meus Deus! esse Coração inunda de amor aquele que O procura e O ama.
Neste momento do céu que passei dentro da sua Chaga, Jesus deu-me a conhecer como ele paga o pouco que fiz para ser fiel. Não quero buscar em nada meu interesse, mas em tudo a Glória do seu Coração. Procurarei ser muito obediente e muito generosa nas mais pequeninas coisas, pois creio que nisto consiste a perfeição e que é o meio de ir a ele diretamente.”
Diante do Coração de Jesus, que assim se abre para ela Josefa não sabe como exprimir os sentimentos qus a empolgam.
“Hoje, 24 de junho, quinta-feira, vi de maneira que não sei traduzir, o que é o Coração de Jesus... Pedi-lhe que me desse sede dele! Não posso explicar o que vi... mas era ele. Era o próprio céu... Oh! meu Deus! Não posso suportar tanta felicidade!... Queria oferecer alguma coisa... dar Àquele que tanto me dá!
Mas sou tão pequenina... Prometi-Lhe de nôvo ser fiel e principalmente deixar-me guiar em tudo, para ir mais seguramente ao seu divino Coração.”
Mas sem se deixar arrebatar pelos impulsos de sua alma, Josefa se contém. Tenta penetrar no fundo do Coração de Jesus para descobrir-Lhe os desejos, medir Lhe a bondade.
“A cada momento que passa, noto duas coisas: Primeiramente maior conhecimento da Bondade divina, pois embora sempre eu acreditasse que Deus ama as almas até à loucura, vejo agora de modo tão claro o que é esse Coração Sagrado! Sua maior dor é não achar correspondência a seu Amor e se uma alma se abandona a ele pode estar certa que a cumulará de graças e fará nela um céu para aí fixar Morada. Foi o que prometi de maneira especial: fidelidade e obediência, confiança e abandono.
A segunda coisa que observo é um conhecimento mais claro de mim mesma. Vejo-me (não sei se até o fundo, entretanto) como sou: Iria, distraída, pouco mortificada, pouco generosa... Oh! meu Deus, por que me amais tanto, Vós que sabeis o que sou? Mas não perderei a confiança, Senhor!... O que eu não puder Vós farei, e com vosso amor e vossa graça, irei para a frente.”
Jesus vai conduzi-la mais avante dentro do seu Coração. As graças com que a cumulava no mês de junho eram apenas um prelúdio. Josefa escreve à tarde da terça-feira, 29 de junho:
“A oração de hoje foi sobre as três negações de São Pedro e comparando minha fraqueza com a dele, tomei a resolução de chorar minhas faltas e de aprender a amar com ele. Tantas vezes prometi fidelidade eu também!... Mas hoje fi-lo com mais Força e mais decisão. Sim, Senhor, quero ser fiel. Prometo-Vos não somente, nada Vos negar, mas ir ao encontro do que me parecer agradar-Vos mais.
Estava assim em conversa com meu Deus quando ele me fez entrar na sua divina Chaga. Vi abrir-se a pequena passagem aonde eu não pudera entrar no outro dia e ele me deu a compreender a felicidade que me espera se for fiel a todas as graças que me preparou.
“Não posso dizer bem o que vi; era uma grande chama em que meu coração se consumia. Não podia ver o fim desse abismo porque é um espaço imenso e cheio de luz. Estava tão mergulhada no que via que não podia falar nem perguntar nada... A oração e parte da missa assim se passaram... Mas um pouco antes da elevação da santa Hóstia, meus olhos... estes pobres olhos!... viram a meu Bem Amado Jesus, o único desejo da minha alma, meu Senhor e meu Deus! Mantinha-me sobre seu Coração no meio de grande chama, sorria um pouco. Eu não sabia que fazer... ele mesmo aproximou-me da Chaga. Não posso dizer o que se passou, pois é impossível... Mas queria que o mundo inteiro conhecesse o segredo da felicidade. Não há outra coisa a fazer senão amar e abandonar-se, Jesus encarrega-se do resto.
“Estava eu assim abismada, em presença de tanta bondade, de tanta luz. quando ele me disse estas palavras com voz muito suave e ao mesmo tempo muito grave:
“Assim como Eu me imolo como Vítima de Amor, assim quero que sejas vítima: o amor não recusa nada.”
“Eis como se passou esse grande momento do céu.
pois não posso chamá-lo de outro modo. Não podia eu dizer outra coisa senão estas palavras: meu Deus, que quereis que eu faça?... Pedi e disponde, pois não mais me pertenço; sou vossa. Em seguida Ele desapareceu.”
A lembrança dessa inefável visita, Josefa não pôde conter o seu amor. Já é a chama do zelo consumidor, pois, aproximando-a de seu Coração, Nosso Senhor deixara transbordar sobre ela a sede que o devora.
Jesus — escreve ela — não desejo senão uma coisa: que o mundo inteiro Vos conheça, mas sobretudo as almas que escolhestes para esposas de vosso Coração adorável! Se elas Vos conhecerem, amar-Vos-ão, pois sois o único Bem. Abrasai-me com vosso Amor e isso me bastará... abrasai todas as almas e será suficiente, porque com o amor corremos a Vós pelo caminho mais reto. Quanto a mim, não quero outra coisa senão amar-Vos e amar-Vos cada vez mais, a Vós somente! todo o resto não será para mim senão meio para me dirigir a Vós. Se eu pudesse, mesmo pagando com a vida, traria todo o mundo a este divino Braseiro! Jesus deu-me sede de que todas as almas O amem. Eis por que oferecerei tudo, irei ao encontro do que me custa mais, para agradecer-Lhe e obter que algumas almas O conheçam e amem.
“Prometi-Lhe também nada fazer fora da santa obediência e compreendi quanto Lhe agradará que eu seja muito simples, muito franca para me deixar conduzir como criancinha.”
Alguns dias depois desse “grande momento do céu” Nosso Senhor mostra à Josefa o que vai exigir dela a sede de almas que já lhe começa a comunicar. Escreve ela no sábado, 3 de julho:
“Hoje, estava trabalhando no Noviciado e pensava na felicidade de viver sob o mesmo teto que ele e de tê-lo como Companheiro de todos os meus empregos.
Não sei mais o que Lhe dizia quando de repente, mostrou-me o Coração envolvido em chama ardente e cercado por uma coroa de espinhos... Meu Deus! Que espinhos!... Eram como pontas profundamente enterradas e, de cada uma escorria muito sangue... Eu queria tirá-las. Então meu coração foi como que arrancado com dor muito aguda e Ele colocou-o ao lado da divina Chaga sob os espinhos. Mas apenas seis enterraram-se no meu, pois é muito pequenino! Passou-se um momento. Eu nada podia dizer. ele sabe porém como eu queria que meu coração fosse maior para poder tirar-Lhe mais espinhos. Então sua voz tão suave mas ao mesmo tempo tão dolorosa disse:
— “Foi tudo isto e infinitamente mais, que meu Coração sofreu. Mas encontro almas que se unem a Mim e Me consolam por aquelas que se afastam.
Oh! como sofreu! Compreendi que há espinhos que O ferem mais que outros. Queria saber que fazer para consolá-Lo pois não tenho senão coisas pequeninas a oferecer Lhe e é pouco para tanto sofrimento! Mas ele não me disse.”
No domingo, 4 de julho, Josefa está na santa missa como de costume. Associa-se ao divino Mistério e, para dizer a verdade — escreve pouco depois — não sabendo que dizer nem que fazer, senão humilhar-me porque conheço cada dia melhor minha miséria e minha pequenez. Estava assim, quando, diante de mim, vi o adorável Coração. Estava transpassado por um grosso espinho que devia ser bem longo pois vertia muito sangue... ó meu Jesus! quem vos está ferindo assim?...
Serei eu?... Que sofrimento ver esse Sangue divino!
É uma dor que não sei exprimir. Meu Senhor e meu Deus tomai-me e fazei de mim o que quiserdes contanto que esse espinho não fique assim, cravado no vosso Coração! Então vi sair como que um prego muito grande, deixando uma ferida tão profunda que eu não podia ver o interior desse braseiro ardente, e Jesus me respondeu:
“— Este grande cravo é a frieza de minhas Esposas. Quero que o compreendas a fim de te abrasares de amor e de consolares meu Coração.” "Na sexta-feira, 6 de julho — continua Josefa — durante a meditação mostrou-me ainda o Coração, traspassado por seis espinhos. Tenho imensa pena, tanto do que ele sofre, quanto da minha pequenez que não pôde consolá-Lo nem aliviar-lhe a dor. Fez-me compreender que estes seis espinhos são almas que atual mente O ofendem de modo especial e disse-me:
"São estes espinhos que te peço tirar com teu amor e teus desejos.”
"Então deixou cair algumas gotas de seu Sangue sobre meu Coração... Meu Deus! meu coração é pequeno demais para tanto amor, mas é todo Vosso.”
No dia seguinte, 7 de julho, Jesus, introduzindo-a outra vez no meu coração chagado, deixa-lhe a seguinte ordem:
“Amas-Me na tua pequenez: é assim que me consolarás.”
“De todas as graças que recebo — concluiu Josefa nessa data — ficam duas coisas profundamente gravadas em minha alma:

1.°: Desejo muito grande de amar e sofrer para corresponder a seu Amor, e isso encontrarei na fidelidade à minha vocação;

2.°: Sede ardente de que muitas almas O conheçam e O amem, sobretudo aquelas que escolheu por Esposas. Creio que será meu caminho: nada poupar para este fim, procurar pequenas ocasiões para oferecer muitos atos a Jesus, àquele que amo até à loucura ou ao menos que desejo tanto amar!”

Com estas disposições aproxima-se Josefa da Tomada de Hábito. Na quarta-feira, 7 de julho de 1920, começa o retro que a encaminhará, não sem lutas, ao tão esperado dia.
“Desejo ardente de dar-me completamente sem nada omitir nem recusar do que conheço ser vontade de Deus. Ficar muito atenta à Voz divina, de modo que este retiro seja como que o fundamento de todo o meu Noviciado. Pedir especialmente grande amor à minha vocação que é para mim o caminho da união e da conformidade com o Coração de Jesus.”
Assim começam as notas de retiro no caderno de Josefa. Cada dia, fielmente inscreve o resultado de seus esforços e percebe-se através das linhas muito simples, escritas somente para si, a borrasca de tentações que surgiu de repente no céu de sua alma.
“Até o terceiro dia do retiro 10 de julho — escreve — estava em grande consolação. Mas na meditação do Juízo, achei-me de repente só, diante de Deus Juiz.
então. Elevou-se em mim tal temor e tal perturbação, que perdi a paz que não me havia deixado desde o dia 5 de junho. Vi diante de mim todas essas graças que me acusarão um dia, e senti-me em tão grande solidão e desolação que me perecia preferível não receber tantas graças para não ter que prestar contas.
Passaram-se assim, muitos dias e decidi partir. Meu Deus que noite, e que sofrimento! Minha mãe e minha irmã iam chegar: esse pensamento alimentava-me a tentação renovando minha ternura para com elas e para com minha pátria.
Desde o começo tinha dito tudo à Madre Assistente e não cessava de repetir, por obediência, a oração de oferecimento que ela me ensinara e que me fazia tanto bem em outras vezes pois, antes de tudo, eu queria ficar fiel e em certos momentos compreendia que era tentação. Mas nada me alivia; antes pelo contrário!
“Na véspera da “Tomada de Hábito”, 15 de julho, a luta foi tão forte que não encontrava outra coisa para oferecer senão a própria tentação; ó meu Deus, tudo que mais amo, minha liberdade, minha família, minha Pátria, numa palavra, tudo que é fonte de tentação, eu vô-Lo ofereço porque não quero outra coisa senão ser fiel ou morrer...
“Foi então que Jesus se dignou consolar-me como direi aqui.”
Mas antes de começar a narrativa dessas graças, Josefa sempre fiel ao Apelo de Nosso Senhor, especifica sua resposta de amor. — Escreve:
“Resultado prático das três primeiras semanas do Retiro.(1)

(1) A palavra "semana” designa cada uma das quatro etapas dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio.

Vi como Deus me chama à grande perfeição que consiste na conformidade total com seu coração.
Meios: minha vocação, minhas santas Regras.
Deus me chama à vida íntima com ele. Quer que eu viva imolada, como as vítimas.
Encarrega-se da minha cruz. Não a tenho que pedir nem escolher. ele ma dará a seu gosto. Quer que minha vida se passe no seu Coração e devo saber que os espinhos e a cruz lá estão fincados. Eis a minha vida, tem que ser assim é como cumprirei a Vontade de Deus."

“Na contemplação para obter Amor, não sei se poderei dizer o que se passou... Tinha tal desejo de Lhe dar tudo o que me pede que Lhe disse de todo o coração: Tomai, Senhor, recebei toda minha vontade, dou-vos tudo o que mais amo no mundo... Se quiserdes mais alguma coisa, Vô-la sacrificarei com alegria! Tomai minhas misérias e consumi-as, tomai meu coração e minha alma, tomai-me, Senhor!”
Nosso Senhor não esperava senão este oferecimento para cumulá-la com liberdade divina.
“Então — continua ela — Ele me aproximou do seu Coração e, deixando escapar de sua Chaga um jato de sangue no qual submergiu o meu:
“Por tudo que me dás — disse — Eu te dou meu Coração!”
“Pensei não estar mais sobre a terra!... Hoje, ele estava vestido com uma túnica alvíssima que faz sobressair seu Coração de modo inexprimível... O Rosto parecia um sol... Meu Deus... que beleza... Vós arrebatais o coração que Vos conhece!”
Ingenuamente, Josefa explica nas linhas seguintes que, para meditar sobre o céu, não precisava de livro:
“Pois o Céu verdadeiro estava no meu coração — escreve ela — Não desejo nada mais senão amor... e sempre amor!”
Nosso Senhor, ainda outra vez, antes da alvorada do grande dia, mostrar-lhe-á a trilha por onde o Amor quer encaminhá-la. À noite Josefa, que obteve licença para fazer a Hora Santa, começa por um ato de profunda humildade.
“Adorei a Majestade divina — nota — depois pensei nas graças que recebera de meu Deus com desejo cada vez maior de consolar seu Coração.
“Subitamente, vi-O diante de mim, com a túnica resplandecente de brancura e seu Coração que parecia escapar-Lhe do peito. Como estava só na tribuna, prostrei-me até o chão, humilhando-me o mais possível, sem nada poder dizer. “Depois de um momento de silêncio, aproximou-me do seu Coração e, mostrando-me os seis espinhos, disse com voz que traspassa a alma:
"Filha, tira-Mos... Sim, tira-Me estes espinhos!”
Na Sexta-feira, 16 de julho, dia da minha Tomada de Hábito, no momento em que recebia o véu branco e depois, até o fim da missa, Jesus apresentou-Se a mim e me fez entrar na sua Chaga. Não pude senão pronunciar estas palavras:
“Meu Deus sou vossa para sempre... E cheguei a dizer-Lhe até loucuras de amor!... Então respondeu- me:
“Eu também, Josefa, é loucura de amor que tenho por ti.”
“Não posso exprimir quanto me prodigalizou neste dia. A paz transborda de minha alma.”

 

VOCAÇÃO REPARADORA
17 de julho — 25 de agosto de 1920

“Se Me amas, Josefa, tira-Me este espinho.”

Nosso Senhor a Josefa — 17 de agosto de 1920.

O Coração chagado de Jesus não tarda a reaparecer no horizonte de Josefa. Fora eleita para uma participação de escol na redenção das almas e o Mestre divino bem cedo vem lembrar-lhe sua vocação de vítima.
Dois dias depois da Tomada de Hábito, no domingo 18 de julho de 1920, mostra-lhe o Coração sempre traspassado por seis espinhos e repete-lhe as mesmas palavras :
“Josefa, tira-Me estes espinhos!”
“No dia seguinte — escreve ela — tinha licença para fazer a Via Sacra e rezava em reparação pelas ofensas dos homens e principalmente pela frieza das almas escolhidas, Jesus veio com a cruz às costas. Pô-la sobre o meu ombro e aí a deixou durante o santo exercício.”
O dom da sua Cruz renova-se nos três dias seguintes.
Na quinta-feira, 22 de junho, fazendo Josefa a Hora Santa com as Irmãs, oferece-se a Nosso Senhor, como de costume.
“Lá estava Ele — diz ela — com o Coração ensanguentado pelos seis espinhos. Tirou-os e os enterrou no meu. Vi então naquele Coração o fogo ardente que O consome. Tentei consolá-Lo e amá-Lo pelos que não O amam. No fim da Hora Santa, no momento de partir, disse ele:
“Este Coração!... quero que repouses nele como criança, que O ames como esposa e que O consoles como vítima. ”
“Depois tomou-me os seis espinhos e deu-me a compreender que esse momento O consolara.
"Na manhã seguinte repetiu-me o que me havia dito no dia de minha tomada de hábito:
“Eu também; o que tenho por ti é loucura do amor.”
“Depois desapareceu, deixando-me só, como se nunca me tivesse dado consolação alguma.”
Desde então Josefa conhecerá as vicissitudes espirituais através das quais Jesus lhe forjará a alma; caminho de fé e amor, de humilhantes experiências de fraqueza e confiantes recursos ao Coração que nunca se cansa.
“Alguns dias depois — escreve ela simplesmente — pensei que seria impossível ver voltar minha mãe e minha irmã, tal era a Força da tentação. Descobri-a imediatamente à madre, para ser amparada, por que sozinha, que haveria de fazer?... Disse adeus às duas sem que de nada suspeitasse, mas a provação não acabara... Sou tão pobre e fraca!”
Explica então como as graças recebidas se lhe tornaram perpétuo tormento. O pensamento da correspondência de amor que exigirão dela tantos favores e das contas que deverá prestar enchem-na de pavor. Parece-lhe ouvir uma voz que a persegue e a persuade que está no caminho da perdição. Essa tentação não a deixa durante um mês inteiro.
Nosso Senhor, entretanto, não a abandona totalmente a si mesma.
“Na quinta-feira, 5 de agosto, fá-la de novo participar na dor dos seis espinhos que O ferem. Depois reconforta-a com estas palavras:
“— Se fores fiel, dar-te-ei a conhecer a riqueza do meu Coração. Levarás a minha Cruz, mas Eu te cumularei de dons como esposa bem-amada.” “Desta vez — diz Josefa — vi-O revestido de esplendor tal que não se podia fixar. Seu Coração divino, todo inflamado, parecia escapar-se-Lhe do peito.
“Quando Lhe pedi que não permitisse que eu fosse tentada contra a minha vocação, cobriu-me com a sua túnica e envolveu-me toda com sua paz.”
Alguns dias depois. Jesus Salvador comunica-lhe pela primeira vez a alegria de seu Coração quando as almas voltam a ele.
“Terça-feira, 10 de agosto, na meditação — escreve ela — sentia grande desejo de consolá-Lo. Ofereci-Lhe todas as ações do dia, dizendo-lhe que, se quisesse alguma coisa mais, me fizesse compreender... Prometi-Lhe não esquecê-Lo um só instante e não cessei de Lhe repetir meu desejo de amá-Lo.
“À tarde, antes de ir à adoração, entrei no oratório da Mater(1), para pedir à Santíssima Virgem que me ajudasse a consolar seu Filho e, chegando à capela, vi-me, de repente, em presença de Jesus... Aproximou me do seu Coração e fez-me ouvir uma harmonia que nada iguala neste mundo... Meus Deus! isto é para o céu... não para a terra!... Disse-me então:
“Não tenho outro desejo senão o de ser amado.
Olha meu Coração. Josefa! Somente Ele pode tornar-te feliz. Repousa nele.”

(1) Oratório situado à porta da capela dos “Feuillants” e dedicado a Mater Admirabilis. Venera-se sob esse título, no “Sagrado Coração”, a apresentação do afresco milagroso pintado na parede dos claustros da “Trinitá dei Monti”. em Roma.

“Depois continuou:
“— Eu tinha seis espinhos. Tu me tiraste cinco.
Só fica um e é o que mais fere meu Coração. Quero que nada poupes para arrancá-lo.”
“Senhor, respondi, que quereis que faça?
O que quero é que Me ames e Me sejas fiel. Lembra-te que só Eu te posso tornar feliz. Descobrir-te-ei a riqueza do meu Coração. Ama Me sem medida.”
“E, de novo, deixou-me só.”
Aproxima-se a festa da Assunção. Josefa, tão ternamente apegada à sua Mãe do Céu passa o dia em oração, unida com Ela. E, como a lembrança do espinho enterrado no Coração de Jesus não pode deixá-la um só instante:
“Supliquei-Lhe — escreve — que se encarregasse dessa alma e arrancasse o espinho que Jesus tanto pede que Lhe tirem.
“No dia seguinte, segunda-feira, 16 de agosto, pelas três horas da tarde, enquanto eu costurava, oferecia a Nosso Senhor meu desejo de fazer de cada ponto um ato de amor que pudesse consolá-Lo; não tinha acabado a frase quando me vi em presença dEle. Tirou meu coração para aproximá-lo do Seu.”
Josefa conta fatos tais como este, e que não são raros em sua vida, como se se tratasse de coisa muito natural. Sua fé pô-la simplesmente ao nível dessas graças, embora pareçam excepcionais.
— Não venho para te consolar Josefa — disse ele — mas para te unir a meu sofrimento. Arranca-Me este espinho, vê como Me traspassa o Coração. Esta alma está prestes a provocar minha Justiça.”
Será com muito sofrimento que Josefa há de cooperar na salvação dessa alma. Nosso Senhor a inicia, pouco a pouco, nesta Obra de redenção que lhe tomará tão grande lugar na vida.
— As ofensas dos homens Me ferem profundamente, mas nada Me aflige tanto quanto as de minhas Esposas. Dos cinco espinhos que Me tiraste, os dois primeiros eram almas religiosas que Eu cumulara de favores, porém elas detinham o coração nas criaturas sem se lembrarem de Mim; chamava as para que voltassem à vida de amor, mas não Me ouviam e Eu estava prestes a abandoná-las... Agora estão no meu Coração.
“Os três outros eram almas escolhidas, mas tão frias que a medida de minha Justiça ia transbordar.
Eis porque procuro amor... Espero o amor das almas que resgatei com meu Sangue; mas principalmente o de minhas Esposas.”
“Perguntou-me ainda:
“— Tu Me amas?”
"É uma flecha que me lança pois ele pede como um pobre a mendigar."
Ontem, terça-feira, 17 de agosto, na meditação foi a primeira coisa que me tornou a dizer:
“— Amas-Me? Se Me amas, Josefa, tira-Me este espinho!”
“Respondi-lhe: Senhor, bem sabeis que Vos amo.
Mas, como sou pobre, é com vosso próprio Amor e com o de minha Mãe, a Virgem Santíssima, que Vos quero amar.
“Essas palavras: “Amas-Me?” repetiu-mas ao menos trinta vezes, ao longo do dia, e com aquela voz que traspassa a alma. Durante a missa disse:
“— Este espinho é uma alma religiosa... Cumulei-a de talentos, ela os atribui a si; o orgulho está a perdê-la.”
À tarde mostrou-me o Coração todo abrasado, a Chaga aberta e, sempre, o espinho.”
— Tenho para cada alma duas medidas — disse — uma de Misericórdia, e essa transbordou...
outra de Justiça que está quase no auge. Nada Me ofende tanto quanto a obstinação e a resistência dessa alma. Vou tocar-lhe o coração; se ela não responder deixá-la-ei entregue a si mesma.”
“Então não sei o que me deu a compreender, mas... eu daria a vida para salvar aquela alma! À noite fiz a Hora Santa, pois tinha permissão, e me ofereci em união com ele na sua Paixão. Não olheis, ó meu Deus para os pecados dessa alma... Olhai para o Sangue que derramastes por ela... esse Sangue que basta para cobrir todos os pecados do mundo.
“Em seguida recitei as ladainhas de Nossa Senhora, repetindo muitas vezes “Refúgio dos pecadores, rogai por nós.” Chegando às palavras: Cordeiro de Deus que tirais os pecados do mundo...” meu coração estava cheio de angústia. Jesus nada dizia, como se não escutasse. Parecia surdo. No fim da Hora Santa, veio com o Coração sempre traspassado pelo espinho. Pedi-lhe que mo desse para que descansasse um pouco. Fê-lo.
Supliquei-Lhe que tivesse compaixão dessa alma e como nada respondia, eu disse: mas, Senhor; não a perdoareis?
“— Tocarei ainda o coração dela. Se Me escutar, será minha Esposa bem-amada. Se resistir, minha Justiça agirá.”
Muitos dias assim se passaram. Josefa multiplica oferendas generosas, mas, confessa ela — sua alma está mergulhada “em sofrimento indizível”. Creio que nunca tinha compreendido como hoje o que é resistir à graça.
Parece-me experimentar algo da dor do Coração de Jesus quando uma Lhe resiste.
“— Se estás disposta a sofrer — torna Nosso Senhor na quarta-feira, 18 de agosto — esperarei essa alma. Mas não posso perdoá-la enquanto ela própria não quiser. Eu a criei sem ela mas tem a liberdade de se salvar ou de se perder.”
Alguns dias depois acrescenta:
"— Quando encontro uma alma que Me ama e Me deseja consolar, estou pronto a dar tudo que Me pede. Esperarei, pois, baterei ainda à porta desse coração, porque, se quiser o meu estará disposto a perdoá-lo. ”
“Dizia Ele isto com lágrimas na voz e deixou-me a alma como em agonia. Ensinou-me a repetir frequentemente estas palavras: “Meu Deus sofrerei por vosso Amor e para consolar vosso Coração.”
Este sofrimento oprime a alma de Josefa, parece-lhe que a cólera divina caiu sobre ela.
“Ao mesmo tempo — escreve — sinto no meu coração o que sofrerá o dele quando uma alma consagrada chega a se condenar.”
Numa hora de maior angústia, Josefa O encontra, ainda extenuado e coberto de suor. É sexta-feira, 20 de agosto e ela nota assim:
Meu Deus! Quem Vos pôs em tal estado?...”
“— Estou cansado de chamar aquela alma, mas seu coração é insensível e cheio de orgulho. Espero de ti atos de humildade para desagravar meu Coração. 'Pede perdão a meu Pai e humilha-te. É assim que Me consolarás.”
Os chamados reiterados de Nosso Senhor perseguem-na assim sem deixar-lhe repouso, noite e dia. Carrega continuamente o peso dessa alma sobre a sua, acumulam-se dores em todo o seu ser à medida que se escoam os dias, mas não esmorece seu desejo de reparar.
Na quarta-feira, 25 de agosto, depois de uma noite de angústias e súplicas Josefa sempre fiel ao encontro matinal; começa a oração no meio das Irmãs.
“De repente — escreve — vi-O... a Ele... tão formoso que não posso explicar. Estava de pé, vestido de branco segurando nas Mãos o Coração envolvido num braseiro de fogo. Toda sua adorável Pessoa resplendia em luz radiosa. Os Cabelos eram como ouro, os Olhos como dois brilhantes... o Rosto... não posso dizer... não acho comparação... o Coração, encimado pela cruz não trazia mais espinho. A Chaga aberta deixava escapar chamas... Dir-se-ia o próprio sol. Das Chagas das Mãos e dos Pés jorrava também uma chama muito clara. De tempos em tempos abria os Braços e os estendia. Não pude senão dizer: Meu Jesus como sois belo!... Capaz de arrebatar todos os corações! e o espinho? ele sorriu, o Coração parecia querer escapar-se-Lhe das mãos e respondeu:
“— Espinho!... Não tenho mais pois nada há de mais forte que o amor e Eu o encontro em minhas Esposas.”
“O Coração abrasava-se-Lhe cada vez mais. Rendi-lhe graças por me ter chamado a esta Sociedade e supliquei-Lhe que tivesse compaixão de mim que sou cada dia mais miserável e mais indigna de aqui estar: Meu Deus, não permitais que seja eu que ponha nódoa neste grupo de Esposas do vosso Coração! Não permitais que essas graças sejam minha condenação, pois sou capaz de tudo. Quero ser fiel ou morrer.”
Foi nesta alegria que Josefa assistiu à missa, instantes depois, associando-se à Ação de graças da Santíssima Virgem, quando Jesus lhe apareceu de novo:
"Aproximou-me do seu Coração, segurando-me de tal modo que não podia fazer um só movimento. Depois de um momento de silêncio disse:
“—Vês, Josefa, como te seguro a fim de que não te possas mover sem Mim: é assim que quero segurar minhas Esposas.”
"E continuou:
“— Aquele espinho Me foi tirado aqui, aquela alma se salvou pelos sacrifícios e preces de minhas Esposas, neste jardim onde meu Coração encontra suas delícias... Dize-o à tua Madre.”
“Depois da comunhão, pedi-Lhe que me fizesse sua Esposa por meio de uma verdadeira fidelidade mas que me deixasse num caminho comum, pois nunca serei capaz de corresponder a todas essas graças.”
“— Abandona-te em minhas Mãos, Josefa. Eu me servirei de ti como entender. Lançarei mão de ti quando precisar porque és minha. Pouco importam tua pequenez e tua fraqueza; o que peço antes de mais nada, é que Me ames e Me consoles. Quero que saibas quanto te ama o meu Coração, que riqueza encerra; e que sejas como cêra mole que Eu possa manejar a meu gosto.”
“Depois acrescentou:
“— Repete-o à tua Madre; foi por causa de minhas Esposas que aquela alma se salvou. Ela não é daqui, mas de tua pátria, eis por que te escolhi e salvei-a com o sacrifício que fizeste de tua terra.
Dize-me, Josefa, se amas tua pátria...”
“Amo, sim, Senhor, mas a Vós muito mais.”
"— Escuta. Desde que estás aqui servi-Me de teus sofrimentos para salvar aquela alma e as outras cinco que estavam longe de Mim. Quero que Me ofereças tudo, até as mais pequeninas coisas, a fim de consolar meu Coração do que sofrer, principalmente da parte das almas consagradas. Quero que repouses sem temor no meu Coração. Olha-O e verás até que ponto este fogo é capaz de consumir em ti tudo o que houver de imperfeito. Quero que digas à tua Madre, com simplicidade tudo que te peço e que te abandones ao que fizerem de ti. Enfim, repito-te, quero-te como cêra mole à qual possa dar a forma que me aprouver... Lembra-te de que sou teu Pai, teu Esposo e teu Deus.”
“Um pouco antes do fim da missa tornou:
“— Amas-Me?”
“Depois desapareceu. Nunca O tinha visto tão belo!
“Durante todo este tempo — nota Josefa — eu podia falar-Lhe e escutá-Lo porque tinha licença. Mas de hoje em diante, ordenaram-me que não fizesse mais caso dessas coisas e não respondesse a nada.”


A PROVA DA DÚVIDA
26 de agosto — 8 de outubro de 1920

“O sinal, dá-lo-ei em ti.”

Nosso Senhor a Josefa — 20 de setembro de 1920.

Pelos fins de agosto de 1920, para provar o espírito que conduz Josefa, proíbe-se qualquer comunicação com a aparição que tantas vezes arrebatara sua alma. Recomenda-se-lhe expressamente afastar-se, sem dar importância alguma ao que por acaso vir ou ouvir.
A dúvida paira pois em torno dela. Descoroçoada, começa a indagar de si mesma se não será objeto de ilusão como parecem crer. Aliás, o demônio frequentemente lhe sugerira esse pensamento, porém, ela o repelira sempre, como tentação, para ficar fiel ao que pensava ser Vontade de Deus. Onde estará então a verdade?...
Ao mesmo tempo tortura-a a ideia de tal caminho que ela não procurara nem desejara, possa ser considerado obstáculo à vocação.
Aumentam-lhe a confusão seu horror instintivo pelas coisas extraordinárias e seu desejo de uma vida religiosa, humilde e escondida. Mas, habituada já ao mais íntimo sacrifício de si mesma e, amadurecida pelo espírito de fé e de obediência, não vacila. Sem se deter em discussões interiores, nem em acomodações, entra nessa trilha obscura onde tanto iria sofrer seu amor, como revelam as notas escritas então.
“Na segunda-feira, 2 de setembro — diz — vi, durante a meditação a mesma pessoa tão bela, com o Coração como antes. Perguntou-me duas vezes se a amava.
Não respondi por obediência, embora isso me custasse enorme esforço; porque, sem querer, minha alma se sente impelida para ela".
Três dias depois — 5 de setembro — Josefa está na sala do noviciado, quando, de repente — diz ela — comecei a ver grande claridade no meio da qual apareceu a pessoa de sempre, com o Coração todo ardente.
Tive tanto medo que fugi para a cela de nossa Bem aventurada Madre. Esfreguei os olhos com água benta e me aspergi toda, mas a visão não desaparecia”...
“— Porque temes? disse a sua voz — Não sabes que aqui é o lugar de teu repouso?”
“Escoaram-se alguns minutos e acrescentou:
-Não te esqueças de que te quero vítima do meu Amor. ”
“E tudo desapareceu.”
A prova continua, dia após dia, Josefa resiste e não responde. Mas às vezes não pode escapar à atração que a domina, à alegria celeste e a paz que a invadem.
“— Vem — diz a voz — entra aqui... perde-te neste abismo.”
Na quarta-feira, 8 de setembro, à tardinha está em oração na cela de Sta. Madalena Sofia e, como um relâmpago, aquele Coração inflamado passa diante dela, dizendo:
Que preferes, tua vontade, ou a Minha?” “Compreendi — escreve Josefa — que era a resposta ao que pedia a Jesus do fundo de minha alma: ser uma boa religiosa, toda entregue ao amor do seu divino Coração, mas na vida comum, no caminho ordinário, pois tenho medo que todas essas coisas sejam obstáculo à minha vocação”.
No dia seguinte, 9 de setembro, na santa missa ela revê Aquele de quem durante muito tempo não duvidara. Segurava o Coração em uma das mãos e apresentava-lhe com a outra uma taça:
“— Ouvi teus gemidos — diz-lhe — Conheço teus desejes mas não posso atendê-los. Preciso de ti para repousar meu Amor. Toma este Sangue saído do meu Coração que é a fonte do Amor. Nada temas e não me abandones. Apraz-me permanecer em ti, pois tantas almas fogem para longe de Mim.” Josefa fica em silêncio.
“Entretanto — observa — não pude deixar de pensar: "Meu Deus, se eu tivesse sabido, não teria vindo para aqui. Esta ideia me atormenta, porque creio que, se tivesse ficado no mundo, nada disto me teria acontecido e cada dia cresce minha angústia. Certamente voltaria atrás se Deus não me tivesse amarrado a Si Mas sinto-me atada de maneira incompreensível e aumenta todos os dias o amor da minha vocação. É o que me obriga a suplicar incessantemente ao Coração de Jesus que me deixe na vida comum, isto é, sem nada de extraordinário, mesmo sem nenhum consolo, se Ele quiser, contanto que eu seja fiel nas pequenas coisas e que ame sem medida o seu Coração Sagrado.
Esse Coração apareceu-lhe ainda na quinta-feira, 16 de setembro e tornou a dizer:
É preciso, para satisfazer a tanto amor. que me obtenhas almas. Tu as encontrarás à custa de sofrimento e amor. Terás muitas humilhações que suportar. Nada temas porém: estás no meu Coração."
Diante dessas incertezas, Josefa experimenta fechar os olhos, mas não pode distrair-se da necessidade de amar a Deus, que lhe cresce dia a dia na alma.
“Repetir-lhe meu amor — escreve ela — é a única coisa que me repousa e me desapega da terra. Outrora sentia viva ternura para com minha família e muitas pessoas... amo-as sempre, mas de outro modo. Creio que agora nada me pode encher o coração e, às vezes, repito, sem saber como, essas palavras: meu Deus eu vos amo Isto me basta e me ajuda a fazer muita coisa que me seria impossível.
“Às vezes, estou distraída trabalhando e, de repente, como um relâmpago aquele Coração passa diante de mim e me deixa muito tempo abrasada de amor.”
Enquanto se acentua a ação crucificadora da prova e aumentam as pressões de Josefa, a obediência conserva-a fiel e, pouco a pouco, o Espírito que nela opera, se descobre: Jesus, desprendendo-a da criatura, apega-a unicamente a Si.
Na sexta-feira, 17 de setembro, na missa, Nosso Senhor mostra-se, com o semblante triste, as mãos atadas, a coroa de espinhos na cabeça e o Coração abrasado como sempre. Apresenta-lhe uma cruz que ela não vira a princípio:
Eis a cruz que te dou — diz ele — recusa-la-ás?'’ “Estou com grande angústia por não ter licença de responder — escreve ela — porque minha alma se sente impelida para ele sem eu querer. Ardo em desejos de amá-Lo e o não ter certeza de que é Ele mesmo me enche de tristeza. Então o que peço é que tudo isso desapareça para sempre.”
Mas Ele volta ainda:
Na meditação de domingo, 19, procurava eu que fazer para amá-Lo cada vez mais, pois não posso pensar em outra coisa. De repente vi-O, seu Coração era como um incêndio, aquele Coração — diz ela algures — que me dá paz e me torna capaz de tudo sofrer.” “— Se Me amares — disse — ficarei sempre perto de ti. Se Me seguires constantemente serei tua vitória contra o inimigo, manifestar-Me-ei a ti e te ensinarei a amar. ”
No dia seguinte, 20 de setembro, perseguida pela mesma ansiedade, suplica a Nosso Senhor que dê um sinal a seus Superiores, a fim de que saibam se essas coisas vêm dele ou não.
“— O sinal... dá-lo-ei em ti. O que quero é que te abandones a Mim” (1).

(1) “La senal, la daré en ti. Lo que quiero es que te abandones a Mi.”

E este sinal, com efeito, já Deus o está imprimindo na alma dócil e generosa de Josefa, através da luta que a deixe invariável na obediência. Apesar dos convites divinos continua a guardar silêncio. Um dia chegou, entretanto, “em que — escreve ela — não sei o que se passou em mim Vi-me como que obrigada a me render e me entregar ao que Deus queria de mim e não pude senão dizer-lhe: sim, Senhor, sou Vossa. O que quiserdes, também quero. No mesmo instante vi Jesus formosíssimo que me disse:
“Nada temas, sou Eu.”
Na sexta-feira, 29 de setembro, diante de nova pergunta :
“— Estás disposta a fazer a minha Vontade?” “Meu Deus — escreve ela — se sois Vós, ponho-me em vossas Mãos para que façais de mim o que quiserdes. O que Vos peço é não se enganada e que não haja obstáculo à minha vida religiosa. Então respondeu Ele;
Se estás nas minhas Mãos, que poderás temer? Não duvides da Bondade de meu Coração nem do Amor que tenho por ti.”
“Brotou-Lhe do Coração uma chama que me envolveu:
“— O que te peço — continuou — é que estejas sempre pronta para consolar meu Coração cada vez que precisar de ti. A consolação que Me dá uma alma fiel compensa a amargura de que Me cumulam tantas almas frias e indiferentes. Sentirás às vezes em teu coração a angústia do Meu. É assim que Me hás de consolar. Nada temas, estou contigo. ”Estas palavras, no entanto, não a tranquilizam e quando se encontra de novo sozinha, apodera-se-lhe da alma angústia sem igual. Debate-se entre o atrativo às vezes irresistível, o medo e a obediência que a obriga ao silêncio; suplica a Nosso Senhor que a deixe na vida comum, ambicionada pelo seu amor, ou então dê a luz que acabe com tanta dúvida e tanto sofrimento.
Soou afinal a hora em que aquela que jamais se invocou em vão viria inclinar-se sobre sua filha.
A noite de domingo, 3 de outubro, a Madre Assistente adivinhando grande sofrimento no rosto da noviça, manda-a antecipar a hora do descanso. No pequeno dormitório solitário, Josefa, sem poder conciliar o sono, implora a Mãe do céu.
“Recitei as ladainhas da Santíssima Virgem — escreve — depois repeti-Lhe de todo o coração o que não cesso de pedir-Lhe há muitos dias:
Minha Mãe! suplico-Vos, por amor de Deus. não permitais que eu seja enganada e dai a conhecer se tudo isso é verdade ou não.
No mesmo instante, ouvi como que o passo leve de alguém que se aproxima e, de repente, vi, perto da cama, uma pessoa vestida de branco envolvida com um longo véu. O rosto era muito fino, as mãos estavam cruzadas. Fitou-me com muita doçura e disse:
Filha, não estás enganada. Tua Madre o saberá dentro em pouco. Mas precisas sofrer para dar almas a meu Filho”.
"E desapareceu, deixando-me em paz inexprimível.” Foi a passagem da Rainha do Céu. Sua filha não pôde duvidar, mas Maria dissera: “Deves sofrer” e a este Apelo ao sofrimento redentor, Josefa terá que consentir livremente.
No dia seguinte, 4 de outubro, Nosso Senhor mostrando-lhe o Coração chagado diz-lhe:
“— Vê em que estado as almas infiéis puseram meu Coração. Elas abandonam. Tu, ao menos, não quererás fazer minha Vontade?”
Uma onda de apreensões sacode-lhe a alma.
“Calei-me — escreve lealmente — Mas em mim tudo recusava. Então ele desapareceu. Desagradei-lhe certamente, pois partiu como um relâmpago.”
No dia seguinte, terça-feira, 5 de outubro, enquanto recitava as ladainhas, a Santíssima Virgem veio, como da primeira vez. Lá ficou um bom momento. Depois disse:
“— Se recusas a Vontade de meu Filho, serás tu que Lhe ferirás o Coração. Aceita tudo que te pedir. Mas não atribuas nada a ti mesma. Sim, filha, sê muito humilde.”
“Olhou-me ainda com grande compaixão e se foi.
A Mãe de Amor e de Misericórdia tinha intercedido.
Entra, desde então, no caminho que o divino Mestre abre a Josefa. Aí permanecerá até o fim. Ao lado do Divino Filho, guardará o lugar que lhe compete para desempenhar o papel, discreto e reservado, tão especialmente seu, de terna compaixão e firme bondade.
Deixará, no primeiro plano, o Coração de Jesus, não intervindo senão para tranquilizar Josefa nas hesitações, fortificá-la nos temores ou trazê-la á Vontade de Deus.
Admoestando-a ou reanimando-a há de iniciá-la nos caminhos de seu Filho e prepará-la à sua visita. Ensiná-la a se precaver contra as ciladas do inimigo e a reparar suas fraquezas. Estará perto, enfim, nos combates perigosos do demônio e defendê-la sempre, “poderosa como um exército em ordem de batalha. Essa intervenção da Santíssima Virgem confirma a luz que se fez, pouco a pouco, em torno de Josefa: a obediência simples e corajosa, a indiferença e o abandono, ao mesmo tempo a humilde desconfiança de si, o medo dos caminhos extraordinários e, sobretudo, o amor da sua vocação que ela não põe em paralelo com coisa alguma, — aí está o sinal de Deus. Será licito opor-se mais tempo à liberdade dos Desígnios divinos? Parece pois aos seus guias que chegou a hora de abrir passagem a Ação divina, cercando entretanto Josefa da mais vigilante observação. Então, apesar de suas vivas repugnâncias, Josefa recebe licença para "se oferecer”.
Na sexta-feira, 8 de outubro, — escreve — durante a meditação fiz um ato de entrega à Vontade divina. Durante a missa, um pouco antes do Evangelho, vi a Santíssima Virgem. Supliquei-Lhe que intercedesse por mim junto de Deus, expliquei-lhe por que tenho tanta oponância em receber essas graças, mas estou decidida a aceitar tudo para glorificar o Coração de Jesus, consola-Lo e ganhar-Lhe almas. Creio que Ela teve pena de mim e disse:
Filha, repete a meu Filho estas palavras às quais seu Coração não resistirá: “ó meu Pai, tornai-me digna de cumprir vossa Santíssima Vontade pois sou toda vossa.”
“— Nas Mãos de tão bom Pai, que te poderá faltar?”
"Supliquei-Lhe que recebesse meu ato de oferecimento e que o repetisse, Ela própria, a Jesus.”
À tarde desse mesmo dia, entrando na capela para a adoração, Josefa viu-se, de repente, em presença de Nosso Senhor.
“Com o rosto tão belo — escreve ela — o Coração no meio das chamas e nesse Coração, diante da cruz, um livro aberto. Não compreendia o que era... Ofereci-me de novo, prometendo não mais voltar atrás. ele pôs a Mão sobre minha cabeça e disse:
“— Se não Me abandonares, Eu também não te deixarei. De hoje em diante, Josefa, não me chames de outra maneira senão Pai e Esposo. Se Me fores fiel faremos uma aliança divina: És minha Esposa, sou teu Esposo.
“Agora escreve o que lês no meu Coração; é o resumo do que quero de ti. ”
“Então eu li no livro:
"Serei o único amor de teu coração, o doce suplício de tua alma, o agradável martírio de teu corpo.
“Tu serás vítima de meu Coração, com um amargo desgosto de tudo que não sou Eu; vítima de minha Alma, com todas as angústias de que a tua é capaz; vítima de meu Corpo, com o afastamento de tudo que pode satisfazer o teu, e com ódio à carne criminosa e maldita."(1)
“Quando acabei a leitura Jesus me deu a beijar o livro e desapareceu.”

(1) Estas palavras que Nosso Senhor não pronunciou, mas que mostrou a Josefa escritas num livro, no meio das chamas do seu Coração, encontram-se textualmente nas obras de Santa Margarida Maria. Podem-se ler no pequeno breviário do Sagrado Coração, em “Sexta*' do ofício de terça-feira. A santa exprime aí maravilhosamente sua missão de vítima e parece que, reproduzindo-as aqui como suas, Nosso Senhor tenha querido manifestar sua Vontade de associar-lhe a humilde Soror Josefa.
Será preciso acrescentar que esta não tinha então conhecimento algum da vida nem escritos de Sta. Margarida Maria?

 

III — NA ESCOLA DO CORAÇÃO DE JESUS

PRIMEIROS PASSOS

9 — 28 de outubro de 1920

“Tua miséria Me atrai!"

Nosso Senhor a Josefa — 20 de setembro de 1920.

Parece que o caminho tão luminosamente aberto diante de Josefa não deveria conhecer sombras nem obstáculos. Seria esquecer os caminhos de Deus na conduta das almas escolhidas: chama-as e se esconde; atrai as e as desnorteia; cumula-as de riquezas e as abandona à própria miséria; carrega-as nos braços e dá-lhes a sentir os limites da própria fraqueza. No meio de tais alternativas vai cavando nelas abismos de desapego, de abandono e de humildade, que põem em evidência o nada da criatura e colocam o instrumento à mercê da Mão divina.
Comovedora é a simplicidade com que as notas de Josefa nos descobrem essas vicissitudes e o som tão puro e verdadeiro que delas se desprende torna-as documento de primeira importância. Desde o princípio, exigira a obediência que ela escrevesse o que via e ouvia.
Pôs-lhe isso então um desafogo para o transbordar de graças que a inundavam. Josefa ia lançando sobre o papel, com expansão ingênua e ardente, os sentimentos que lhe brotavam do coração. Mas logo percebeu que aquelas páginas que pensava escrever só para si seriam para seus diretores o meio indispensável de controle.
Então a habitual reserva, a desconfiança de si mesma, o pudor virginal que sempre lhe envolveram as relações com Nosso Senhor, reclamaram seus direitos. Sacrificou todas as repugnâncias, mas com lutas e desfalecimentos, como provam todas as notas.
Desde esse momento seu estilo muda, escreve sobriamente a t"ama dos intercâmbios divinos entre ela e o Mestre. Raramente encontramos as efusões dos primeiros dias. Mas, sinal bem característico, não omite nenhuma de sues fraquezas,nenhuma das suas resistências contra esse caminho que lhe foi sempre tão árduo.
Sem dúvida através da história, tão leal dessa alma, Nosso Senhor quer dar o testemunho mais vivo de sua Compaixão e de seu incansável Perdão.
Antes de folhear a documentação dos cadernos de Josefa, será conveniente responder a um legítimo ponto de interrogação que naturalmente se nos depara. Como foram escritas essas notas?
Desde os primeiros contatos com o além, recomendara-se a Josefa que pedisse licença antes de comunicar com os celestes interlocutores e desse contas imediatamente após. Por mais custoso que lhe fosse, submeteu-se sempre a tal controle. Isso permitia às Superioras escrever, sem tardar, hora e lugar dos divinos encontros e cada palavra que ela repetia, ainda como que sob a ação da Presença inevitável.
Assim, com a mais rigorosa exatidão foram escritas as palavras das quais nenhuma se devia perder segundo diria o próprio Nosso Senhor. (1)

(1) É preciso notar, uma vez por todas, que Josefa nunca teve que traduzir em linguagem humana “vistas, palavras ou moções interiores”.

Nosso Senhor manifestou-lhe sempre seu Pensamento e seus Desejos sob a forma direta da palavra humana que ela percebia sensivelmente e que só tinha que transcrever nos mesmos termos.
Pode-se acrescentar que, sempre sobrecarregada de trabalho e obrigada a pedir permissão para cada encontro e a prestar contas depois, Josefa não tinha materialmente tempo, nem para preparar, nem para compor seus relatórios que, escapando forçosamente a qualquer premeditação, trazem em si um sinal a mais de veracidade.

Durante os dias laboriosos que não lhe deixavam lazer, Josefa abandonava, em lugar seguro, suas notas.
À tarde, se tinha alguma trégua, ou nas horas livres do domingo, transcrevia-as para satisfazer a obediência.
Deixando a agulha, a máquina de costura ou a vassoura subia à cela para aquele trabalho mais penoso do que qualquer outro. Ali, de joelhos quase sempre, diante da mesinha, recopiava com a sua letrinha, irregular mas rápida, as notas que havia confiado às suas Superioras. Acrescentava somente à narrativa dos fatos, onde se tinham incrustado as Palavras divinas, uma ou outra exclamação brotada do coração ao relembrá-las e a confissão pormenorizada de suas próprias misérias e desfalecimentos.
Foram esses preciosos autógrafos conservados religiosamente.
Já em 1938 o livro “Un Appel à l’Amour” (2) entregava ao mundo algumas das principais passagens, despertando nas almas o desejo de melhor conhecerem aquilo que apenas pressagiavam as páginas dessa discreta biografia. Parece chegada a hora de retomar os cadernos de Josefa e de segui-los passo a passo. Será, sem dúvida, o melhor meio de responder aos desejos do Coração de Jesus: Ele anseia por descobrir ao mundo as riquezas do seu amor e da sua Misericórdia; quer dar a entender às almas até onde vai sua condescenda. em levar com elas a vida ordinária a fim de transformá-la em "dias de vida divina”. Tem sede dessa união que nossas fragilidades humanas não devem interromper. Tem sede, mais ainda, de ensinar às almas a segurança do perdão oferecido incessantemente à sua fraqueza. Se, porém, deseja tão vivamente o amor e a confiança das almas, é para associá-las ao dom total e continuar com elas a sua obra de Amor e Redenção.

(2) Traduzido em português sob o título “Convite a uma vida de Amor”. Edição do Carmelo de Coimbra — 1938.

Tudo isso se imprimiu, dia a dia, na vida de Josefa.
E não foi para ela mesma que Nosso Senhor a obrigou a escrever com todos os pormenores. — essa exigência claramente manifestada só lhe trazia sacrifício — mas queria que muitas almas recolhessem naquelas páginas as Lições e os Apelos de seu Coração.

Desde 8 de outubro, dia de seu oferecimento, Josefa encontrou de novo paz e luz. Em nada, aliás, fora modificado seu trabalho quotidiano durante esse difícil período, e cada vez que Jesus a procurava, achava-a sempre onde a fixava o dever.
Hoje, sexta-feira, 15 de outubro, na meditação — escreve ela — pedia-lhe um amor forte e corajoso como o de Santa Teresa. De repente apresentou-se a mim com os braços abertos e eu não pude resistir ao atrativo daqueles braços. Perguntei-Lhe por que me amava tanto... e entreguei-me a S!e a fim de que faça ou desfaça em mim segundo a sua Vontade. Disse-me:
"Tua miséria Me atrai... sem Mim, que serias?...
Quanto menor fôres mais perto de ti ficarei; não te esqueças e deixa-Me fazer o que Me agradar."
Nessa manhã ainda, antes da comunhão, Josefa para preparar-se renova o ato da entrega total de si mesma à Vontade de Deus. Mal acabara Jesus aparece e diz:
"Perdoo-te tudo. És o preço do meu Sangue e quero servir-Me de ti para salvar muitas almas que tão caro Me custaram.”
"Dizendo essas palavras, cobriu-me com a chama de seu Coração e me deu muita coragem, pois agora não tenho mais medo de sofrer. Meu único detejo é fazer sua Vontade.”
A Santíssima Virgem vem fortificá-la instantes após.
"Filha, não é verdade que nunca abandonarás meu Filho?”
"Não, minha Mãe, nunca!”
"Não tenhas medo de sofrer, pois a Força suficiente não te faltará.
-Pensa: hoje somente para sofrer e amar... a eternidade para gozar!”
“Supliquei-lhe que não me abandonasse e me obtivesse de Jesus a fidelidade. Enfim pedi-lhe perdão e Ela me respondeu:
“Não temas minha filha Josefa, entrega-te nas Mãos de meu Filho e repete-Lhe sem cessar; ‘ ó Pai, bom e misericordioso, olhai para vossa filha e fazei-a tão vossa que ela, se perca em vosso Coração, ó meu Pai, que meu único desejo seja cumprir sempre vossa Santíssima Vontade.
"Esta oração Lhe agradará pois nada deseja tanto como que nos abandonemos a ele. Assim consolarás seu Coração. Nada temas, abandona-te, Eu te ajudarei.”
"Parece-me — continua Josefa — que tudo isso me tornou mais corajosa e, como me entreguei inteiramente a Nosso Senhor, creio que nada mais me importa.
À tarde do sábado, 18 de outubro, perguntei-Lhe por que me dá tantas graças sem ter eu nada que as mereça, ao que me respondeu durante a adoração, quando O vi coroado de espinhos:
"Não te peço que mereças as graças que te faço, o que quero é que as recebas." "Mostrar-te-ei a Escola onde aprenderás esta ciência."
“Deixa-Me agir em ti.”
Essa Escola ia abrir-se para Josefa.
Depois desde o dia seguinte, 17 de outubro, — escreve ela — vi-O, como ontem, com o Coração todo abrasado e a Chaga cada vez maior. Adorei-O com respeito e pedi-Lhe que me inflamasse em seu Amor. Então encostou minha cabeça ao seu Coração, cujo pulsar eu podia ouvir, e disse:
"Eis a Escola onde aprenderás a ciência do abandono. É assim que poderei fazer de ti o que desejo.”
Josefa ensaiava os primeiros passos nessa ciência.
Ê preciso que aprenda a inteira disponibilidade que, pouco a pouco, deixará ao Mestre toda a liberdade.
Dois dias se passam em grande solidão de alma.
Começa a indagar se não Lhe terá desagradado de qualquer modo... Chama-O,.. Jesus não resiste à ansiedade desse amor.
“Por que Me chamas, Josefa?”
"Não posso viver sem Vós, Senhor, e principalmente porque tenho medo de Vos ter contristado."
"Não, Josefa, gosto que Me chames, tenho tão grande sede de ser amado!"
Dizendo essas palavras, encheu-me desse ardente desejo que me dá a compreender que ainda não comecei a amá-Lo. Pedi-lhe que mo ensinasse ele próprio.
Fez-me escutar as pulsações do seu Coração... Depois disse:
“Se estás disposta a Me ser fiel, derramarei em tua alma a torrente de minha Misericórdia e conhecerás o Amor que tenho por ti. Mas não esqueças que se te amo é por causa de tua pequenez e não pelos teus méritos.”
Essa lição de humildade repetir-se-á frequentemente.
Enquanto acende no coração de Josefa o ardente desejo de amá-Lo, Jesus não cessará de colocá-la em face de sua pequenez e ao mesmo tempo em vista dás almas de que tem sede.
“Hoje, quinta-feira, 21 de outubro, na meditação — escreve ela — pedi-Lhe almas para amá-Lo; se quereis Amor Senhor atrai muitas almas para esta Sociedade pois aqui, aprenderão a amar vosso Coração.
“Durante a ação de graças vi primeiro aquele Coração coroado de espinhos, envolvido por uma chama, que creio, não é outra coisa senão o Amor.
Um momento depois vi-O a ele, estendendo os Braços (1). Disse:
“Sim, Josefa, só quero o amor das almas mas respondem com ingratidão. Quereria cumulá-las de graças, elas traspassam-Me o Coração. Chamo-as: fogem para longe de Mim. Se aceitares, tornar-te-ei encarregada das almas, que me darás por teus sacrifícios e por teu amor. ”

(1) “Estendendo os braços”: este gesto divino, já assinalado por Josefa e que se reproduzirá muitas vezes. parece significativo nas aparições de Nosso Senhor a sua Mensageira. E o sinal de seu Apelo às almas do mundo inteiro. Eis por que a atitude do Sagrado Coração de Montmartre, com os Braços abertos e o Coração abrasado, foi escolhida e aceita com pequenas modificações, como a que melhor traduz esta mensagem do Coração de Jesus.

“Dizendo estas palavras, de novo aproximou-me de seu Coração. Ouvi-Lhe as pulsações que mergulham minha alma como em agonia. Depois continuou:
“Bem sabes que te quero vítima de meu Amor.
mas não te deixarei só. Abandona-te a meu Coração."
Desde então Josefa ouve distintamente as misteriosas palpitações do Coração do Mestre. São apelos de amor que despedaçam o seu.
"Entre uma e outra — escreve — passa-se um momento e minha alma fica em tal agonia que parece ser arrancada. É dor viva e ao mesmo tempo desejo de sofrer ainda mais... pois não desejo senão consolar seu Coração e ganhar-Lhe almas."
Jesus lembra-lhe seus planos no sábado, 23 de outubro. Repete-lhe:
"Não te esqueças do que leste em Meu Coração.
Medita-o e não temas.”
No mesmo dia e de modo tão especialmente seu, ensina-lhe que toda a sua vida deve mover-se no Amor como em atmosfera própria: Josefa trabalha na rouparia quando, de repente, apresenta-se Jesus. Mas ta tarefa urge. ela pede licença para ficar no seu posto, desculpando-se dessa liberdade... pois não queria magoar-Vos, meu Jesus... mas Ele desapareceu imediatamente. Fiquei com um pouco de pena de Lhe ter dito aquilo — continua ela — e então para consolá-Lo repetia-Lhe sem parar minha ternura.”
À tarde, quando subia ao terceiro andar para fechar as janelas de que era encarregada continuava, andando, a dizer seu amor àquele cujo pensamento nunca a deixa.
"De repente, chegando ao corredor de cima — escreve — vi-O, lá no fundo, vir ao meu encontro.” Jesus está rodeado de uma claridade radiosa que ilumina o escuro e longo corredor, caminha depressa como que ansioso de se aproximar dela.
“De onde vens, diz Ele.”
Fechava as janelas, Senhor!”
“E para onde vais?”
"Vou acabar, meu Jesus.”
Não sabes responder, Josefa.”
Eu não compreendia o que queria dizer. Ele tornou:
“Eu venho do Amor e vou para o Amor. Pois, que subas ou que desças, estás sempre no meu Coração que é o abismo do Amor! Estou contigo.”
"E desapareceu, mas deixou-me alegria tal que não posso dizer."
Essa encantadora história consagrou o corredor do encontro que, nos "Feuillants”, ficou chamando-se: "Corredor do Amor.”
Mas nessa época, raras são as horas de consolação.
Josefa tem que aprender por experiência própria o que é abandono e o que valem as almas.
Na terça-feira, 26 de outubro, nota assim a vinda de Nosso Senhor no começo da meditação:
"Estava ele como um desamparado no sofrimento. A coroa de espinhos cercava-Lhe a cabeça e fios de sangue escorriam-lhe da Face. O Coração também ferido e dilacerado. Nada dizia. Ofereci-me a ele e ofereci o amor de todas as almas para consolá-lo. Disse-Lhe que desejava esgotar-me de amor por Ele e acabei pedindo o fogo do seu Coração para amá-Lo. file me disse então:
"Sim, só quero Amor! Contempla-Me... e participa no meu sofrimento.”
Depois desapareceu deixando minha alma em grande solidão.”
"Quero que consoles meu Coração, Josefa — repete na mesma tarde — Estou tão só!”
"Não, meu Jesus — responde ela — eu estou aqui.
muito pequena, mas, da cabeça aos pés, toda vossa!
E, além disso tendes muitas almas prontas para tudo, a fim de consolar vosso Coração.”
"Sim, mas tantas me abandonam... e tantas se perdem!
Vem, aproxima-te de meu Coração e partilha da minha dor.”
“Então ouvi uma palpitação daquele Coração. Passou-se um momento, depois outra se fez ouvir... e assim contei sete... Jesus disse:
“Cada pulsação é uma alma que chamo.”
No dia seguinte, quarta-feira 27 de outubro, durante a adoração da tarde, veio ele e tornou a dizer:
“Quero que salves estas almas...
“Olha o fogo do meu Coração: é o desejo que te consumirá de sofrer por elas.”
“Mostrou-me no fundo do Coração as sete almas que está chamando.”
“Tu as ganharás com teus sacrifícios. Repousa em Mim e nada temas.”
Lerá Nosso Senhor, na alma de Josefa, o medo, sempre presente, de que os que a rodeiam percebam qualquer coisa?...
Enquanto no dia seguinte, quinta-feira, 28 de outubro, durante a ação de graças, ela expõe seus temores, Jesus vem logo como se tivesse pressa em responder:
"Que te importa, Josefa? Já não te preveni de que serás humilhada?”
Esta lição de humildade e abandono, fundamento de tudo que nela quer realizar, Jesus não se cansará de repetir, porém ela só aprenderá à custa de sofrer e amar.
À tarde aparece-Lhe ainda no mesmo doloroso estado que a leva a escrever:
“Causava compaixão!... Olhou-me de tal maneira que não me pude mais queixar, pois compreendi que meu sofrimento é uma sombra do dele. Ao mesmo tempo vi atrás dele uma fila interminável de almas e, enquanto seu Olhar me fitava, disse:
“todas estas almas te esperam...
“Fiz-te escolher, Josefa. Mas se Me amares em verdade nada temerás."
“Confiei-Lhe de novo o medo que todas essas coisas se descubram” — continua ela.
“Que te importa... é assim que glorificarás meu Coração, ”
“Senhor! É que sou apenas noviça.”
“Bem sei, mas se Me fores fiel nada disso te prejudicará. Nada temas.”
"Então ofereci-me para seu serviço, a fim de que disponha de mim como quiser.”
“Sim — Farei de ti uma vítima, pois se és minha Esposa, Josefa deves ser parecida comigo e não vês como estou?”
“Desde então não mais O vi.”

 

LIÇÕES E PERDÃO DE TODOS OS DIAS
29 de outubro — 18 de dezembro de 1920

“Buscar-te-ei no teu nada para te unir a Mim.”

Nosso Senhor a Josefa — 8 de novembro de 1920.

O oferecimento de Josefa vai conduzi-la mais adiante no caminho traçado pelo Mestre.
Mais que nunca, nos dias seguintes, experimenta toda a coragem e confiança que lhe pedirá a Vontade divina.
“Estou em tal tentação de frieza e confusão — escreve no fim de outubro — parece-me não ter mais nem vocação, nem fé, tão insensível me encontro e em tão grande obscuridade. Ofereço meu sofrimento para consolar o Coração Sagrado e ganhar-Lhe almas mas até esse pensamento me põe debaixo dos olhos toda a minha vida de infidelidade. Ver-me como sou e atrever-me a rezar por outras almas, deixa-me desalentada.”
Parece assim que Nosso Senhor se compraz em abandoná-la; abandono aparente que nada tem de anormal numa vida espiritual, mas que, sucedendo-se de repente às familiaridades de amor que sua alma experimentara a deixam no desamparo a que não está ainda acostumada. Reage entretanto e não cessa de afirmar o amor que se quer manter fiel apesar de tudo.
“ó meu Deus — escreve — quero consolar vosso Coração... Sem ver, sem sentir; creio em Vós e Vos amo!... E além disso, seria preciso acrescentar?... recorro constantemente à Santíssima Virgem.”
Oito dias se passam... mas com o tempo aumenta a tentação.
No sábado, 6 de novembro de 1920, Josefa acorda convencida de que tudo é inútil e sua vocação está perdida. Tenta multiplicar atos de fé e confiança.
“No meio desse tormento — escreveu — só podia repetir as palavras: “Jesus, Jesus, não me abandoneis.
Horríveis pensamentos apoderavam-se de minha alma e eu suplicava à Santíssima Virgem que me detivesse a tempo se eu não estivesse em estado de comungar...
Assim passei a meditação, depois a Missa; comunguei, mas só podia chamar Jesus em meu socorro e repetir: creio que estais aqui em minha alma, ó meu Deus.
sim, creio!
Sua voz respondeu de súbito:
“Aqui estou!”
“No mesmo instante aquietou-se minha alma e logo O vi. Trazia a coroa de espinhos na Cabeça e escorriam-Lhe da Fronte alguns fios de sangue. A Chaga estava aberta e as Mãos mostravam-me o Coração, ó meu Jesus! Como me deixais só... e tanto tempo... tão tentada! Não ousava aproximar-me. Então pegou minha mão na sua e pouco a pouco, não sei como, achei-me perto do seu Coração.”
“Quando te deixo fria — disse — é porque tomo teu ardor para aquecer outras almas.
“Quando te abandono à angústia, teu sofrimento desvia a Cólera divina prestes a castigar os pecadores. Quando te parece que não Me amas e que me repetes assim mesmo teu amor, é quando mais consolas meu Coração. Eis o que quero: que estejas pronta para consolar meu Coração cada vez que precisar de ti.”
“Respondi-Lhe que o que mais me atormenta é o medo de ofendê-Lo, pois bem sabe que sofrer pouco me importa.”
“— Vem, Josefa, não temas, não estás só. Não posso abandonar-te.
“Bem sabes que é loucura de amor que tenho por ti. Quanto mais pequena e humilde fores mais precisas ser preservada e mais perto de Mim te guardo.”
Diante dessa divina garantia ela não pôde senão repetir sinda suas fraquezas, seu amor, seu abandono...
“Supliquei-Lhe que me desse as virtudes de que tanto preciso, principalmente a humildade. Interrompeu-me:
“Tenho humildade para teu orgulho.”
“Sou tão mole, tão fraca para sofrer!...”
“Eu sou a própria Força."
“Afinal, ofereci-me sem nada guardar para mim.”
“Dizes bem, Josefa: nada para ti."
“Tu, toda para Mim... E Eu para ti."
“Quando Eu te deixar só, em angústia, abraça minha Vontade, abandona-te a meu Amor.”
O Mestre do amor insiste ainda no dia seguinte, 7 de novembro, quando mostrando-se a ela durante a meditação, repete:
“Dize-me que Me amas, é o que mais Me consola.”
“Respondi que não quero outra coisa senão amá-Lo, a ele somente — escreve — Para tudo mais só tenho uma sombrazinha de amor.” Acrescentou:
“Sim, reserva-Me esse coração que te dei e não procures em tudo senão amor. É o que desejo.
Meu Coração abrasado quer consumir as almas no ardor deste amor.”
Ao mesmo tempo, porém, Jesus dá-lhe a conhecer as exigências de tal amor, que deve, pouco a pouco, consumir nela tudo que a natureza tem de vivo e imperfeito. As mínimas faltas parecem-lhe verdadeiras infidelidades que lamenta e das quais não cessa de pedir perdão.
À tarde de 8 de novembro (segunda-feira) — enquanto varria a escada dizia-Lhe que pena me causava um movimento de vivacidade que tivera pela manhã e que me dava muito remorso. Quase em baixo da escada vi-O de repente diante de mim. Seu olhar me dizia que queria alguma coisa. Acabei de varrer. Depois segui-O até o Noviciado. Lá disse-me ele:
— “Não te aflijas exageradamente de tuas quedas, pois de nada preciso para fazer de ti uma santa, Quero que não resistas nunca ao que te peço.
Deixa-Me agir, humilha-te. Não procuro senão teu nada para te unir a Mim.”
Tais palavras iluminam bem o caminho por onde aprouve ao Senhor dirigi-la. A humildade a levará a andar sempre por ele com segurança, a obediência traçar-lhe-á a linha.
Logo no dia seguinte, terça-feira, 9 de novembro, insiste ainda:
— "Se te faço estas graças é somente contando com tua fidelidade e obediência a Mim e à tua Madre que Me representa.
”Abandona-te a meu Amor, repito-te. Quero que sejas a vítima da divina Justiça e o alívio do meu Amor. Imolar-te-ei, mas com flechas de Amor Não temas nada, estás no fundo de meu Coração.
Abandona-te e deixa-Me agir.”
A ação divina continua através de provações, nas quais Josefa só discerne a própria fraqueza. Dez dias passam-se depois, deixando-a a braços com o esforço laborioso, longo, obscuro, difícil de sustentar, contra tentações de fora e de dentro.
"Entretanto — escreve na sexta-feira 19 de novembro — parece-me não O ter ofendido no meio de tantos assaltos."
Mas depara-se de novo esse ponto de interrogação à sua alma delicada, quando na mesma tarde, estando em adoração diante do tabernáculo, Jesus lhe aparece com o Coração ferido e rasgado de chagas.
"Ó meu Jesus! sou eu que vos firo assim o Coração?” ele não me deixou acabar;
“— Não és tu, Josefa. Ê a frieza das almas que não correspondem a meu Amor. Se soubesses minha dor de amar e não ser amado!...”
“Então seu Coração tornou-se como um incêndio!”
— Eis o que fez de meu Coração teu amor; pois embora te sintas fria e penses não amar, é então que reténs minha Justiça prestes a castigar as almas. Um único ato de amor feito na solidão em que te deixo repara, em grande número, as ingratidões de que sou alvo. Meu coração conta esses atos de teu amor e os recolhe como bálsamo precioso.” toda sua angústia desaparece na chama que brota da divina chaga e a cobre por um momento.
"— Rezei por todas as almas, suplicando-Lhe que muitas O amem e conheçam a bondade do seu Coração."
— Agrada-Me que estejas assim esfomeada do meu Amor e consumida em desejos de Me ver amado. É só o que consola meu Coração. Sim, reza pelas almas, pelas sete que te confiei. Ainda alguns sacrifícios e breve voltarão.”
No sábado, 20 de novembro, depois da comunhão, é como um pobre que ele vem mendigar-lhe o amor.
"Muitas pequenas chagas rasgavam-lhe o Coração — escreve ela.
“Dize-Lhe Josefa, que não farias para Me consolar?... Partilha um pouco da amargura de meu Coração.
“Então minha alma ficou como que desamparada.
Ele estava sempre ali. E pouco a pouco seu Coração se abrasou e todas as Chagas desapareceram.”
“— Escuta — disse — quero que me dês almas.
Para isso não te peço outra coisa senão Amor em todas as tuas ações. Faze tudo por amor, sofre por amor, trabalha por amor e sobretudo abandona-te ao Amor. Quando te faço sentir a angústia e a solidão, aceita-as e sofre no amor. Quero ser- vir-Me de ti como do bordão sobre o qual se apoia uma pessoa cansada... Quero possuir-te, envolver-te, consumir-te toda inteira, mas tudo isso com grande suavidade, de modo que, sofrendo um martírio de amor, desejes sempre sofrer mais.”
Essas visitas efetivamente deixam Josefa diante de sofrimentos que a desnorteiam às vezes, mas não lhe esgotam a generosidade.
“De alguns dias para cá — escreve ela — minha alma está imersa em uma espécie de temor de Deus e sob o peso da sua Justiça... Parece que nunca mais sairei deste abismo.
Jesus, entretanto, a sustenta e no domingo, 21 de novembro, durante a missa, aparece-lhe de repente.
Venho repousar em ti, pois sou tão pouco amado! Procuro amor e não encontro senão ingratidão. Raras são as almas que Me amam de verdade.’'
"Perguntei-Lhe se não recebia algum consolo neste Noviciado. Depois ofereci-Lhe para O consolar o amor da Santíssima Virgem, o aos santos, o de todas as almas fiéis e também o meu.”
"— Sim, ama-Me, Josefa e não te canses de mo repetir.”
Ela responde com todo o coração à ordem do Mestre e apesar da obscuridade em que a mergulha a Vontade divina, “tentei — escreve no dia seguinte — repetir-Lhe de toda minha alma: Eu vos amo, ó meu Jesus!”
"— Eu também — respondeu Ele de repente, na meditação".
Estava sem luz em torno de Si, e como um pobre.
Fiquei em silêncio. Mas como Ele me olhava com tristeza atrevi-me a falar e disse sobretudo meu desejo ardente de consolá-Lo.”
"— Sim, hoje deves consolar-Me e, para que não me esqueças um só instante, ficarei a teu lado.” No fim da meditação, como Ele não se ia eu disse: agora, Senhor, tenho que ir varrer. Mas bem sabeis que tudo que faço é unicamente por vosso amor. Duas vezes ainda durante o trabalho perguntou se O amava.”
— Repete-Me, a miúdo, para suprir o esquecimento de tantas almas!”
Aquela segunda-feira, 22 de novembro, passou-se toda inteira na divina companhia.
"Ele sempre ali — escreve Josefa — sem nos separarmos um só instante.”
De tempos a tempos Jesus a detém no meio da tarefa: Enquanto ela varre o antigo claustro do velho mosteiro forrado de ladrilhos primitivos:
“— Por que estás fazendo isso? — pergunta.
E parece alegrar-se com a resposta que já sabe de antemão, mas que espera que se Lhe repita:
“Senhor, porque Vos amo. Vêdes todos os ladrilhos desse corredor?... tantos são, tantas vezes Vos digo que Vos amo! ”
Mais tarde, quando vai buscar carvão no jardim:
“— Que estás fazendo?"
“Senhor, esforço-me por provar meu amor nessas pequeninas coisas.
ele continuou:
“— Há muitas almas que julgam que o amor consiste somente em dizer “Eu Vos amo, ó meu Deus! Não, o amor é suave, age porque ama e faz tudo amando. Quero que Me ames deste modo, no trabalho como no repouso, na oração e no consolo como na mágoa e na humilhação, provando-Me sem cessar esse amor com tuas obras pois é isso o amor.
Se as almas compreendessem como se adiantariam na perfeição, e como Me consolariam o Coração!
O jugo dessa Presença divina inquieta Josefa, principalmente quando está entre as Irmãs. Parece-lhe às vezes não poder mais manter a necessária atenção ao trabalho em face da Majestade de Deus que a empolga.
“Ó meu Deus — escreve — que irá acontecer? Tenho medo de esquecer tudo!... Um pouco antes de meio-dia, pedi-Lhe que se fosse, pois precisava servir as meninas no refeitório. Mas Senhor, não Vos esquecerei, mesmo assim! Jesus respondeu:
“— Vai dizer à Madre que estou contigo e pergunta que deves fazer... Vamos juntos.” Docilmente parte Josefa à procura da Madre Assistente e lhe expõe seu embaraço. Mas é impossível libertá-la daquela tarefa. Ela se desculpa junto ao Mestre pela inutilidade da tentativa.
“— É verdade Josefa, mas fizeste assim um ato de humildade e de obediência.”
toda a tarde prossegue ela nesta vida de intimidade. Se agora Jesus a torna visível para Josefa, não será para reanimar mais tarde em muitas almas a fé na realidade invisível — quanto mais autêntica e mais segura! — de sua Presença pela graça?
Ela, entretanto, na simplicidade de sua fé, não se compraz nesses favores, mas os teme e receia não poder escondê-los em torno de si.
“Como terminará tudo isso?... Senhor! — diz ela — Bem vedes como custa prestar atenção a qualquer coisa fora de Vós e, dentro em pouco, percebê-lo-ão...”
“— Escuta, Josefa, se uma criancinha se encontra diante de uma íngreme ladeira para subir, mas está com seu pai, deixa-la-á cair?...”
“Estas palavras me deram muita confiança e me abandonei de novo à sua Vontade.”
À tarde, Jesus, que não a deixara um só instante, acaba as lições do dia, aparecendo-lhe durante a adoração na capela:
“—O que hoje me consolou — diz Ele foi que não me deixaste só. E o que Me agrada em ti é tua pequenez. Assim deves ter-Me sempre presente.
E quanto mais pequena, e miserável te vires, tanto mais podes ficar certa de que estou contente contigo.”
“Então pondo a Mão sobre minha cabeça — continua Josefa — acrescentou:
“— Não esqueças que serei o divino Tormento de teu ser e que és a vítima de meu Amor. Mas sou teu amparo e enquanto fores fiel, não te abandonarei. ”
“Depois desapareceu. ”
Entretanto Nosso Senhor não lhe permite deter-se em si mesma. A presença habitual com que a favorece não tem outro fim, nos planos divinos, senão o de malear o instrumento e adaptá-lo à Mão que o quer utilizar para a salvação do mundo. Oada vez mais deverá ela ocupar-se das almas.
“No dia seguinte — escreve, na terça-feira, 23 de novembro — pedi-Lhe que desse a todas as Irmãs, assim como me dá, a alegria de estar a seu serviço.
No mesmo instante veio e me disse:
“— Estás satisfeita, mesmo sofrendo?"
"Sim. Senhor, porque é por Vós.”
“— Queres carregar o fardo de outras almas?” "Sim, Senhor, contanto que Vos amem!”
“— Pois bem, tu sofrerás porque és vítima de meu Amor. mas no amor, na paz e na alegria, sempre e em tudo.”
Foi por esse tempo que Nosso Senhor lhe disse:
“— Unirei à tua a fidelidade de muitas almas.” E pela primeira vez, sempre tendo em vista as almas, vai dar-lhe parte nas dores da sua Coroa de Espinhos.
"Eu estava na capelinha de Santo Estanislau (1) — escreve na sexta-feira, 26 de novembro. — Pedia-me ele que O Consolasse e eu procurava o que fazer para isso.”
“— Deixar-te-ei um momento minha Coroa, Josefa, e verás o que é meu Sofrimento!”
"Nesse instante senti minha cabeça como que cercada de espinhos que se enterravam profundamente.”

(1) Cela onde Santa Madalena Sofia reunia em 1806 suas primeiras noviças. Foi transformada em oratório onde se conserva o Santíssima Sacramento durante parte do ano.

Muitas vezes repete-se aquela dor, tão grande que ia quase a queixar-me, mas ele disse:
“— Não te queixes desse sofrimento, pois nada te aliviará. É uma participação no meu.”
Desde então a coroa de espinhos entra na vida reparadora de Josefa. Ora será o testemunho de sua união com Jesus crucificado, ora a parte de sofrimento confiada a seu amor, ora o sinal do perdão longamente desejado. Em outras épocas, não lhe deixará a fronte. Sofrimento misterioso, aliás, do qual não trará marca visível. Medir-se-lhe-á a intensidade pela palidez extrema do rosto e pela dolorosa expressão dos olhos. A cabeça inclinada para a frente não encontrará repouso dia e noite, e ninguém poderá aliviá-la do peso daquela dor.
É assim que ela continua o aprendizado da Obra de Redenção para a qual fôra escolhida. Jesus revela-lhe pouco a pouco a solicitude do seu Coração à procura das ovelhas desgarradas com aquela bondade que nunca se enfada. Pelos fins de novembro, confia-lhe uma alma a propósito da qual ela escreve no domingo, 28 de novembro:
"Ontem, veio Ele à rouparia onde eu trabalhava, com o Coração ferido e o Rosto como o do “Ecce Homo".
“— Até que aquela alma torne a mim, disse — virei pana te pedir o amor que ela Me recusa."
"Por volta de uma e meia, acompanhei-o ao dormitório, ao lugar onde está minha cama e O adorei com muito respeito. ”
Para que melhor compreendas minha dor, far-te-ei participar nela.”
"Então minha alma foi tomada de angústia: Jesus ficava ali, com o Coração dilacerado e o Rosto triste.
Nada dizia. Consolei-O como pude... Quando partia:
“— Tu me repousaste — disse — porque me deste amor.”
Na segunda-feira, 29 — escreve ela — Ele me disse durante a oração:
"— Deixo-te minha Coroa de Espinhos e oferecer-me-ás a dor por aquela alma. Se ela tardar a vir nós dois uniremos nosso ardente desejo de sua volta. Assim meu Coração será consolado.”
Mas ao mesmo tempo que Nosso Senhor lhe transmite o ardor com que espera as almas, dá-lhe; a experimentar, em si mesma., a longanimidade do Coração Sagrado. Ela conhece a própria fraqueza e quão facilmente é vulnerável às menores sugestões da tentação se o Mestre a abandona às próprias forças.
"Não posso exprimir o que sofro — continua ela no dia 29 de novembro — Minha alma parece longe dele... meu corpo esgotado e sem coragem..."
Pergunta ao Mestre o que quer fazer dela nesse estado de impotência e aflição.
"O que quero — responde — é que vivas tão unida a meu Coração que nada seja capaz de te afastar dele.”
E solicitando-lhe sempre mais generosidade:
“— Quero repousar em ti — diz — Não Me recuses o que Me pertence. ”
"Eu que tenho tanto medo de não ter mais tempo de trabalhar, confessa Josefa, disse: mas Senhor, vou ficar atrasada no meu serviço!”
“Não sanes que sou o Dono do teu coração e de todo teu ser?”
Sabê-lo-á suficientemente?... Ela se furta ao Apelo e Jesus desaparece. Muitas resistências contra esse caminho extraordinário exigirão múltiplas renovações de perdão. Somente através de incessante luta aprenderá pouco a pouco “a ciência do abandono". Seu apego à vida comum permanecerá até o fim, como fonte de repugnâncias e tentações. O Mestre deixa-lhe matéria de combate para ter, ao que parece, a alegria de lhe descobrir cada vez mais sua incansável Misericórdia.
“Não O vi mais!... Mas não posso viver sem ele... e desde que partiu não cesso de pedir perdão — escreve ela — Ontem, 3 de dezembro, depois do trabalho estive um instante na tribuna diante do Santíssimo Sacramento exposto: ó meu Jesus! não mereço ver-Vos, mas dai-me alguma prova de vosso perdão.
Fiquei sem dizer nada. De repente todas as tentações destes últimos dias desapareceram e senti em torno da cabeça a coroa de espinhos.”
A este sinal, prenúncio do Perdão divino, ia seguir-se uma das incomparáveis provas de bondade e confiança de que foi semeada a vida de Josefa e que por si só revelam o Coração de Jesus.
“No dia seguinte, sábado, 4 de dezembro, depois da santa comunhão, apresentou-se a mim, como um Pai que espera a filha:
“— Vem, dize-Me todos os teus receios”
E mostrando-me o Coração:
"— Se não sabes sofrer, vem cá!..."
“Se temes ser humilhada, vem cá!..."
"Se tens medo, aproxima-te mais ainda de Mim!...”
Disse-Lhe como essas graças me amedrontam porque não as mereço.
— Eu sei que não as mereces. Mas o que quero é que as recebas.”
Josefa explica a tristeza de sua alma, pois quanto mais conheço sua Bondade — continua ela — tanto mais pena tenho de ver o que sou para com Ele. Aproximando-me do Coração ele disse:
"— Quando uma criancinha vira as costas ao pai, este não se ofende... Vem, pois; repousa no meu Coração.”
E ela lhe lembra a alma que ele lhe confiara havia alguns dias e que ela não podia esquecer:
“— Sofre ainda por ela — disse ele — já se está aproximando de Mim.”
Enche-a de admiração e de desejo tanta bondade compassiva. Quisera corresponder e lastima amargamente sua impotência e o que chama sua ingratidão.
Mas a Santíssima Virgem está perto para reconfortá-la: -Veio — escreve na segunda-feira, 6 de dezembro — enquanto eu estava na meditação, pedindo a Nosso Senhor seu Perdão e seu Amor.”
“— Filha — diz Ela — não te entristeças assim!
Não sabes o que é Jesus para ti?... É bom que sofras no silêncio, mas sem angústia; que ames muito, mas sem olhares se amas e sem saberes que amas. Se caíres não te aflijas demais. Nós dois estamos aqui para te levantar e Eu nunca te abandono. ”
“Expliquei-Lhe que meu maior sofrimento é não poder seguir em tudo a vida comum. Tenho medo principalmente de ser notada em alguma coisa.”
“— Não esqueças que é para as almas. Se o inimigo está tão encarniçado em te fazer voltar atrás é porque vê em ti como um rio que no seu curso arrastará as almas a Jesus.”
Pedi-Lhe que me abençoasse e não me deixasse só, pois bem vê como sou fraca!”
"—Sim, abençôo-te e te amo!”
No dia seguinte, terça-feira, 7 de dezembro, aquela Mãe boníssima voltou ainda:
“— Se queres consolar Jesus, vou dizer-te o que Lhe agrada: oferecerás tudo pelas almas sem nenhum interesse pessoal mas unicamente pela glória do seu Coração.”
E acrescenta especificando o esforço a fazer:
— Até que Eu te diga que basta, recitarás todos os dias nove Ave Marias com os braços em cruz.
Pá-lo-ás humilhando-te, reconhecendo teu nada, mas ao mesmo tempo adorarás a Vontade divina e deixarás toda a liberdade a teu Criador, a fim de que faça de ti o que quiser. Confia em seu Coração e em Mim que sou tua Mãe.”
Nosso Senhor alguns instantes depois afirma ainda outra vez os direitos que sua Mãe acaba de citar e relembra a Josefa seus Desígnios sobre ela.
Durante a Ação de Graças, cobriu-me com a chama de seu Coração, dizendo:
“— Desejo que Me deixes toda a liberdade para estabelecer uma corrente entre meu Coração e o teu, de tal modo que fiques em Mim sem viveres em nada para ti mesmo.”
“Ficou um momento em silêncio consumindo minha alma no ardor daquela chama. Depois acrescentou:
“— Quero que Me ajudes com tua pequenez e tua miséria a arrebatar as almas que o inimigo quer devorar.”
“Pelo meio dia apareceu com a Face radiante:
“— Vem, repousa e saboreia a alegria de meu Coração. Mais! uma alma voltou a Mim!”
E assim, através dessa sucessão de lutas, obscuridade, humildes esforços, Nosso Senhor a reanima mostrando-lhe que o Amor sabe tirar partido de nossos combates.
A Festa da Imaculada Conceição está próxima.
Esse dia não pode surgir sem que a Santíssima Virgem o ilumine com sua presença. Parece que ela tem pressa, pois, desde a aurora, aparece à filha:
"— Filha, não temas nunca nem os sofrimentos, nem os sacrifícios — diz Ela; os caminhos de Deus são assim. Se quiseres sair vitoriosa dos assaltos do inimigo, recomendo-te duas coisas: primeiramente humilha-te, pois nada és e nada mereces...
tudo é graça de teu Deus; segundo, quando te sentires abandonada, cercada de tentações, quando tua alma estiver fria e sem Forças para combater, não deixes nunca a prece. Reza cem humildade e confiança e vai logo abrir teu coração àquela que meu Filho te deu por Mãe na terra. Crê, minha filha, assim não te enganarás. Recebe minha bênção.
Bem sabes que sou tua Mãe!”
Estes conselhos maternos bem pressagiam a proximidade de maior provação e da trama do demônio contra os planos de Deus. Mas é preciso que Josefa se fortaleça na luta quotidiana e será ainda a Santíssima Virgem que virá ajudá-la.
Na sexta-feira, 10 de dezembro, depois da comunhão traz-lhe a coroa de espinhos, penhor das predileções de seu Filho.
“— Olha — diz Ela — sou Eu que ta trago para que te seja mais suave.”
“Ela própria ma enfiou na cabeça” — escreve Josefa, que lhe diz quanto receia estas graças.
“— Se recusares, filha, expor-te-ás à perdição.
Se aceitares, sofrerás, mas nunca te faltará força.
Eu não te abandonarei, pois sou tua Mãe e nós dois te ajudaremos.”
Logo no dia seguinte, 11 de dezembro, Nosso Senhor pede-lhe nova prova de amor.
“— Hoje — diz Ele durante a ação de graças — quero aprisionar-te no meu Coração.”
E alcançando-a pouco depois quando varre o dormitório das meninas:
“— Quando Eu te chamar — disse Ele — deixa tudo. ”
“Segui-O perto do Noviciado.”
“— Quero ser teu tormento, Josefa, tu serás meu repouso. Sou como um viajante que caminha e procura de tempos em tempos, um abrigo para descansar. Es tu o abrigo.”
Ela mal ousa formular o receio habitual:
“Mas, Senhor, que acontecerá se não me deixardes trabalhar?...”
Jesus responde com a grande lição de abandono:
“— Que te importa se estás no meu Coração!” Depois penetrando com Olhar no mais íntimo da alma que vê acabrunhada pela dor:
“— Lembra-te do que sofri na minha paixão e tudo por ti...”
“A única coisa necessária é que Me sejas fiel."
Ele a mantém assim prostrada a seus pés até que tenha consentido na sua Vontade.
“— Levanta-te e trabalha — diz então — ficarei perto de ti. ”
Depois acrescenta:
“— Olha o fogo do meu Coração... Há, entretanto, almas tão geladas que esta chama não basta para aquecê-las!...”
“Perguntei como pode ser que elas não se abrasem ao contacto com seu Coração?”
E que não se aproximam — respondeu.” Então com solenidade que imprime no fundo da alma cada palavra sua, Jesus descobre o segredo da generosidade total:
“— O Amor não é amado: pensa nisso e nada Me recusarás!”
A noite cai depressa sobre aquelas horas luminosas e, na mesma tarde, Josefa sente levantar-se nova onda de repugnância e temor diante dessas coisas.
Parece-lhe que tudo é engano e tal Força toma esta ideia que sua alma em breve fica reduzida à mais extrema aflição.
“Passei assim do dia 11 ao dia 17 deste mês de dezembro — escreve ela depois de ter pormenorizado o período sombrio. — Nesse dia, pela tardinha, fui à capela e de toda minha alma disse a Jesus: Senhor!
não permitais que eu seja infiel e ponde-me no fundo do vosso Coração para que eu morra sem nunca me separar de Vós.”
Nesse mesmo instante Nosso Senhor lhe aparece.
Seu Coração está aberto e todo abrasado:
“— Como queres que te ponha mais no fundo, Josefa?... Quando pensas que te afastas de Mim — acrescenta — é então que te enfio mais fundo no Coração, para te guardar em segurança.”
E, como se essa garantia não bastasse a seu Amor, logo no dia seguinte, sábado, 18 de dezembro, revela-lhe o trabalho profundo executado durante o sofrimento.”
Depois da comunhão aparece. sobre o Coração repousam três almas.
"Via-as como crianças pequeninas que ele agasalhava com o braço direito.”
“— Que te importa sofrer diante disto!... — disse.”
“Não compreendi bem e então continuou:
“— Sirvo-me de tua miséria para salvar as almas, Josefa. Vê o preço de teus sofrimentos!”
“E mostrou as três almas reclinadas sobre seu Coração.”
“— Quero que sejas vitima deste Coração — continuou Ele. — Nada Me recuses, consola-Me cada vez que precisar e lembra-te de que nada tenho poupado para te provar meu Amor."
Depois de tais palavras, só faltava a Josefa a mão de sua Mãe do Céu para orientá-la definitivamente naquela generosidade que nada recusa e a nada se poupa pelas almas.
“— Filha de meu Coração — disse Ela aparecendo instantes após — nada recuses a meu Filho, suplico-te. Não somente tua felicidade, mas a de muitas almas, depende de tua generosidade. Se fores fiel e se te abandonares muitas almas aproveitarão dos teus sofrimentos. Se soubesses o que vale uma alma!... Repito-te: és indigna de tantas graças, é verdade, mas se Deus quer servir-se de tua pequenez, tens direito de hesitar?...”
“Pedi-Lhe a bênção; Ela pôs a mão sobre minha cabeça e partiu.”

 

O APELO DAS ALMAS
19 de dezembro 1925 — 26 de janeiro 1921

“Quero servir-Me de teu sofrimento para a salvação de muitas almas.”

(Nosso Senhor a Josefa — 25 de janeiro de 1921).

Há já cinco meses que revestiu Josefa o santo hábito. Nosso Senhor lhe trabalhou a alma incessantemente para torná-la maleável sob sua ação.
Mostrou-lhe o eco redentor de seus sofrimentos e combates e também a repercussão de sua fidelidade sobre a salvação das almas.
~De ora em diante caminhará ela sob essa dupla luz e entrará mais além nos interesses do Coração de Jesus.
No domingo, 19 de dezembro, pela manhã ouve a tão conhecida voz do Mestre:
“Josefa.”
Olha em volta e, não O vendo, continua a tarefa.
Chegando porém ao pé da escada próxima à capela, “senti-me atraída — diz —" e subi ao Noviciado. Lá estava Ele... Do Coração jorrava uma torrente de água.”
"É a correnteza do Amor, Josefa, pois teu martírio será de amor.”
Ela que não tem outra ambição senão amá-Lo e torná-Lo amado, exclama:
“ó meu Deus! para Vos ganhar almas, não recusarei mais. Sofrerei quanto for preciso, contanto que não me deixeis nunca sair do vosso divino Coração.”
"É assim que Me consolas — respondeu Ele com ardor — Não espero de ti outra coisa. Se és pobre, sou rico. Se és fraca, sou a própria Força. O que te peço é que nada Me recuses. Eu te defenderei, te levantarei. Nunca te deixarei só. Abandona-te e farei tudo.”
Depois, atraindo-me ao Coração:
“Já que estás pronta para sofrer, soframos juntos. Pouco importa tua pequenez, sou Eu que te sustentarei."
"Então todo o seu ser fica mergulhado em dor.
Mas Jesus, fiel à promessa, fortalece-a, reanima-lhe a coragem e lembra que ela está unida à divina Oblação.
"Estás sofrendo na alma e no corpo — diz Ele — porque és vítima, tanto de minha Alma quanto de meu Corpo. Como não sofrerás em teu coração se te escolhi para vitima de meu Coração?”
E colocando-a diante das almas:
"Escuta as pulsações deste Coração... é pelas almas que estou chamando... Espero-as... Chamo-as de novo e enquanto não responderem esperá-las-ei contigo. Sofreremos, porém elas voltarão, voltarão breve!”
Prolonga-se durante todo o dia a participação na oblação e na espera do Coração de Jesus. À tarde Jesus traz a Coroa, penhor da divina fidelidade que a amparará sempre, e, pondo-lha na cabeça:
"Quando dois esposos se amam de verdade — diz — um não pode sofrer sem o outro. Mas não te esqueças de que sou tua Força.”
Assim a união vai-se estreitando nessa comunidade de sofrimento.
Nosso Senhor não fica muito tempo sem reiterar seus Desejos e frequentemente, no meio do trabalho, vem surpreender Josefa.
“Estava eu no dormitório, fazendo as camas das meninas e repetindo-Lhe que O amo — escreve em 21 de dezembro, terça-feira — De repente, Ele veio buscar-me com o rosto todo ensanguentado.
“Vem, preciso de ti.”
Ela subiu à pequena mansarda onde se acha sua cama. Jesus a esperava. Como na véspera, uma torrente escapava-se-Lhe da Chaga. Ele a conserva em silêncio, algum tempo perto de Si, depois aproxima-a do Coração e lhe comunica um pouco de sua Angústia e de sua Dor.
"Chamarei ainda aquelas almas — diz afinal — e não nos cansaremos de esperá-las. Meu Coração está tão dolorosamente ferido pela perda das almas! principalmente quando são minhas escolhidas!”
Josefa reza e sofre por longo tempo com Jesus, depois recolhe essas graves palavras que são uma ordem do Amor:
“Quero que hoje te ofereças como vítima e que todo teu ser sofra para Me ganhar aquelas almas.
Humilha-te e pede perdão. Estou contigo.”
Então, envolvendo-a no fogo do seu Coração, acrescenta:
“Coragem! Sofrer é o melhor dom que te posso fazer pois é o caminho que escolhi para Mim.” Parece que ela compreendera o valor desse dom e aqui já se calcula o progresso efetuado desde o dia em que Nosso Senhor lhe perguntava: Amas-Me?"
Já agora pode dizer:
“Queres sofrer?”
No dia seguinte, quarta-feira, 22 de dezembro escreve ela:
“Depois da comunhão, vi-O com as Mãos atadas e a cabeça coroada de espinhos. Gotas, de sangue caíam-Lhe do Coração por uma pequena ferida, outras escorriam-Lhe da Chaga.
“Olha em que estado Me encontro Josefa. Queres sofrer?”
“Sim, quero. Senhor!”
Toma a Coroa e se queres desatar minhas Mãos procura hoje o que te custar e mortificar e multiplica por Mim atos de Amor.
“Se as almas conhecessem esse segredo, como se tornariam outras!... Como estariam mortas a si mesmas e como consolariam meu Coração!”
“À tarde voltou — continua ela — as Mãos estavam desatadas e não havia mais traços de sangue em seu Rosto. Aproximou-me do Coração e disse:
"O que sofres não é nada se aquelas almas vierem a Mim."
Durante noites e dias consecutivos Josefa não cessa de se oferecer.
“A única coisa que peço — escreve ela — é fidelidade e coragem, pois não quero gozar sobre a terra.” Jesus responde à sua prece:
"Nem eu te peço senão uma coisa: amor e abandono.”
E, explicando o que entende por esse desejo.
"Quero que sejas como um recipiente vazio que Eu me encarregarei de encher. Deixa teu Criador encarregar-se da sua criatura. Quanto a ti, não guardes medida.”
Na mesma tarde, estamos em 24 de dezembro — ele lhe lembra a razão desse “amor sem medida” com o qual quer contar.
"Estava eu na rouparia e ouvi a voz:
“Josefa! Minha Esposa!”
"Eu não o via mas disse: Que quereis. Senhor?” Ele não respondeu. Pouco depois, na capela, durante a adoração chamou-me outra vez:
“Josefa! Minha Esposa!”
“Senhor, por que me chamais “esposa” se não sou mais que noviça?”
“Não te lembras do dia em que te escolhi e que Me escolheste?... Naquele dia tive compaixão da tua pequenez. Não quis deixar-te sozinha e fizemos aliança para sempre. Eis porque não terás outro amor senão o de meu Coração.
"Eu te pedirei e darei o que me aprouver. Tu, porém, não Me resistas nunca!”
Essa divina escolha vai confirmar-se na noite de Natal, onde, pela primeira vez, Josefa ouve o Apelo que em hora semelhante conduziu os pastores ao presépio. Como eles, é nos braços de sua Mãe que contempla aquele Pequenino.
Durante a missa de meia-noite — escreve, no sábado, 25 de dezembro, — estava no meio da capela para ir à santa mesa quando vi a Santíssima Virgem vindo ao meu encontro. Trazia nos braços o Menino Jesus recoberto por um véu branco que ela retirou logo que comunguei. Estava vestido com uma camisinha branca e tinha as Mãozinhas cruzadas sobre o Peito.
Depois não O vi mais. Quando cheguei ao meu lugar a Santíssima Virgem de novo se aproximou bem perto.
Levantou um pouquinho o Menino que trazia deitado nos braços. O Menino Jesus abriu os seus e acariciou a Mãe. Depois com a Mãozinha direita parecia pedir a minha e eu lha dei.
Agarrou meu dedo e o apertou na Mão. Um delicioso perfume, não sei de que, os envolvia ambos. A Santíssima Virgem sorria e disse:
"Filha, beija os Pés daquele que é teu Deus e que será teu Companheiro inseparável se não o repelires. Nada temas. Aproxima-te, Ele é todo Amor.”
“Beijei-Lhe os Pezinhos. Ele me olhou. Depois cruzou os Bracinhos sobre o Peito. Então a Santíssima Virgem O cobriu com o véu, olhou-me e pedi-Lhe a bênção. Deu-ma com a mão sobre minha cabeça e desapareceu.
“Desta vez — explica Josefa que nunca perde o instinto de costureira — a Santíssima Virgem estava vestida de uma túnica branca e de um manto rosa pálido, o véu também rosa mas de pano mais fino. A camisinha do Menino Jesus era de um tecido que não conheço. Era leve como espuma. ele tinha em volta da Cabecinha uma auréola de luz e a Santíssima Virgem também.”
A irradiação da festa do Natal estende-se sobre os dias seguintes e, depois de tê-la associado às suas dores redentoras, Jesus fá-la participar na sua alegria de Salvador. Logo na manhã seguinte aparece-lhe radiante de beleza, tendo apoiadas sobre o Coração as duas almas que tão longa e ardentemente esperara e chamara.
“Olha, minha Esposa — disse: Salvamo-las!
Teus sofrimentos consolaram-Me o Coração."’
Espera-a ainda outra prova das predileções daquele Coração Sagrado. A data de 27 de dezembro duas vezes lhe marcará a curta vida religiosa de cunho particular. É um parentesco de graça com São João, o discípulo predileto, cujas celestes visitas não tardarão.
Varia pouco a forma de seus relatórios. Ela nota naquele dia — segunda-feira, 27 de dezembro de 1920 — a prece que repete sem cessar: “Depois da comunhão pedia amor!” — prece à qual Jesus responde sempre, mesmo na obscuridade da fé. Mas hoje apraz ao Mestre do Amor dar-lhe disso uma prova, cumulando-a extraordinariamente.
“Jesus veio — narra ela simplesmente — Eu não sabia como olhar para ele porque não ouso fitar-Lhe o Rosto. ele me atraiu a Si e ouvi bater seu Coração.
Então entrei como que num sono que não sei bem explicar. Vi primeiro uma luz muito viva, mas que não cansa a vista e um espaço imenso cuja entrada era pequenina. Alí, parece que todos os sentidos encontram delícias enquanto a alma se acha envolvida por Deus.
Creio que fico perdida nele... embriagada por ele. ..
Encontrava-me como da primeira vez, no dia 5 de junho na Chaga do seu Coração! Nada me disse ele. Minha alma, entretanto, nunca foi mais inundada de felicidade. Depois tudo desapareceu.”
Sem transição ecrescenta. “Na mesma tarde Jesus me deixou só.”
Será ainda preciso pôr em evidência o método divino pelo qual Nosso Senhor a desapega bruscamente desses gozos sobrenaturais e puros? São apenas, aqui na terra, como um relâmpago destinado a iluminar, por um instante, o caminho abrupto que leva aos cumes.
“No dia seguinte — continua ela — minha alma se achava tão fria e árida que precisava de grande esforço para dizer algumas palavras a Nosso Senhor.
Tentava, além disso, multiplicar atos de amor e de confiança. Mas em breve não pude mais dominar as tentações que oprimiam minha alma.”
E relata humildemente, com todos os pormenores, os combates no meio dos quais parece que sua coragem vai sucumbir. E com efeito, embora os assaltos do demônio não variem quanto ao objeto, pois todos se dirigem contra sua vocação, tomam entretanto proporções tais que Josefa fica abalada.
"Passei assim do dia 27 de dezembro ao dia 9 de janeiro — continua ela — sofrendo mais do que posso dizer. Quando acordei nessa manhã meu primeiro pensamento foi que não podia continuar semelhante luta.
A meditação se passou em angústia inexprimível.”
Entretanto, apesar de sua aflição, procura sempre Força na obediência, única coisa que a pode defender, e, com fidelidade comovente, tenta seguir os conselhos que a desejariam aliviar, guardando-a para Deus.
“Prometi a Nosso Senhor — escreve ela — fazer hoje muitos atos de humildade para atrair sobre mim, sua Misericórdia, e na missa, no momento da Consagração repeti meu ato de oferecimento com todo fervor que pude.
De repente, antes da Elevação do Cálice, vi Jesus com a Face cheia de bondade, o Coração muito ardente. Prostrei-me para pedir seu Perdão e humilhar-me diante dele.” ' .
“O Amor não se cansa de perdoar." — disse.
E com inigualável compaixão continuou:
“Mas tu não Me ofendeste, Josefa. Como dizes, os cegos tropeçam... Vem, aproxima-te de meu Coração e descansa nele. Se pudesses compreender quanto Me consolaste nestes dias!... Eu te trazia tão perto do Coração que não poderias cair senão nele!”
E perguntando-Lhe ela por que permitia tal noite e tais tentações:
“Parece-me que nada vês e que estás caindo no precipício — respondeu — mas, que necessidade tens de ver, se és guiada? O que é preciso é que te esqueças a ti mesma, que te abandones e não resistas a meus Planos. Graças aos atos que fizeste através do teu sofrimento, muitas daquelas almas, que verás mais tarde, se aproximaram de meu Coração(1). Estavam longe, muito longe mesmo; aproximaram-se e em breve virão a Mim!” “Expliquei-Lhe que quando estou assim tentada e isolada, procuro-O por todos os lados e não O encontro em lugar nenhum.

(1) Nosso Senhor fala das almas pelas quais lhe fizera ouvir as pulsações do seu Coração no dia 19 precedente.

“Quando não me encontrares em lugar nenhum, procura-Me perto da tua Madre. Abandona-te a ela, pois é quem te conduz a Mim. Para isso foi que ta dei e fica sabendo que, se fizeres o que te mandar, me agradarás tanto quanto se obedeceres a Mim diretamente. Ama. sofre e obedece. Assim poderei realizar em ti meus Desígnios.” Naquela mesma tarde, em deliciosa lição de coisas, como Lhe apraz dar às almas simples. Nosso Senhor renova-lhe as recomendações mais caras a seu Coração.
Enquanto ela reza diante do sacrário aparece-lhe “trazendo na Mão direita — escreve ela — uma correntinha de brilhantes que reunia três chaves pequeninas, douradas e muito bonitas.”
“Olha — diz ele — uma... duas... três... são de ouro. Sabes o que representam estas chaves?
Cada uma guarda um tesouro dos quais quero que te apoderes. O primeiro dos tesouros é um grande abandono a tudo que Eu te pedir, direta ou indiretamente, confiando, sem cessar, na Bondade de meu Coração que toma sempre cuidado de ti.
Assim repararás o orgulho de tantas almas que duvidam do meu Amor.
“O segundo destes tesouros é uma humildade profunda que consistirá em reconheceres que não és nada, em te abaixares diante de todas as irmãs e, quando Eu te disser, em pedires também à tua Madre que te humilhe.
Repararás assim o orgulho de muitas almas.
O terceiro é o tesouro de uma grande mortificação em tuas palavras e ações.
“Quero que te mortifiques corporalmente tanto quanto a obediência te permitir e que recebas com verdadeiro desejo os sofrimentos que Eu mesmo te enviar. Assim repararás a imortificação de grande número de almas e Me consolarás de algum modo pelas ofensas que Me causam tantos pecados da sensualidade e tantos prazeres maus.
“Enfim, a correntinha que prende as três chaves é amor ardente e generoso que te ajudará a viver abandonada e entregue, humilde e mortificada.”
Que lembrança imperecível guardou sempre Josefa das chavezinhas simbólicas! Nosso Senhor mais de uma vez ainda empregará com ela essas comparações muito simples que se encontram em profusão no seu Evangelho e sob as quais se escondem os mais profundos ensinamentos.
As horas de repouso espaçam-se, porém, de mais a mais. Desde essa época já aparecem raras e breves.
Jesus não cessa de relembrar a Josefa as almas que lhe confiara havia um mês: estão esperando seus esforços para se desapegarem de si mesmas e se entregarem definitivamente a Ele. Esse grande trabalho na vida de Josefa deverá ultrapassar todos os outros.
“Não te canses de sofrer — repete — Se soubesses quanto o sofrimento aproveita às almas!”
E não demorará, com efeito, a exigir dela o sofrimento dos sofrimentos, que ela já conhece e cuja experiência se renovará tão frequentemente. De novo levanta-se em sua alma violenta tempestade de dúvidas e obsessões.
“Não Lhe peço que me tire esta dor, — escreve ela — mas que me dê Força.”
Seus relatórios então tornam-se mais longos e circunstanciados, como se encontrasse alivio em nada esconder de seus desfalecimentos e suas fraquezas.
A sexta-feira, 21 de janeiro de 1921, foi um daqueles dias tremendos como muitos outros de sua vida.
Testemunharam-no suas notas:
“Não podia mais rezar... e se alguns gritos escapavam ainda do meu coração ao de Jesus era para dizer: Senhor! para que me chamastes aqui se não poderei permanecer fiel?
No dia seguinte, quando a Madre me levou à sua cela — escreve ela dirigindo-se à Madre Assistente — perguntou-me onde estava meu amor. Pareceu-me a estas palavras que me arrancavam a alma, porque, mesmo nos momentos mais violentos, a única coisa que temo é deixar de amá-Lo!
...Então resolvi obedecer à Madre, custasse o que custasse e embora a tentação continuasse igualmente forte, eu tinha entretanto alguma luz.
Dois dias se escoaram ainda, no meio dos quais, era difícil, mesmo para quem a seguia de perto medir a aflição daquela alma. Mas como a tempestade surge de repente tudo devastando à sua passagem, e desaparece no horizonte tão rápida como veio, com o mesmo imprevisto as tentações precipitam-se em borrasca, passam e fogem, no céu de Josefa.
“Na segunda-feira, 24 de janeiro — escreve — durante o dia todo supliquei à Santíssima Virgem que me libertasse... De repente, durante a adoração da tarde achei-me em grande paz.”
Esta paz súbita é, sempre, na sua vida militante, o prenúncio de Maria. A Santíssima Virgem alí está, sorrindo com maternal bondade e trazendo nas mãos a coroa do seu Filho.
“Eis-me aqui, filha — disse ela. Não te canses de sofrer. Toma a coroa, é uma joia de teu Esposo, recebe-a com grande alegria.”
“Oh, Mãe — exclama Josefa — por que estas tentações são tão fortes?... Não vedes como sofro?”
“Convém que sofras, Josefa. Jesus assim quer.
Dize à tua Madre que uma das almas que te confiara, entregou-se inteiramente a Ele, teus sofrimentos a obtiveram. Agora deverás sofrer ainda pelas outras que muito caro te custarão. Mas o amor e o sofrimento tudo podem obter. Não te deixes esmorecer, é para as almas!”
A Santíssima Virgem desaparece, mas, sua vinda é uma aurora sobre a qual não tardará a surgir a luminosa presença de Jesus. Ele reservava a Si o cuidado de trazer a Josefa, não já a coroa, mas a certeza, mais preciosa ainda, de que nada mudara entre ela e Ele.
“Veio Nosso Senhor no começo da missa — escreve na terça-feira 25 de janeiro. Perguntei-Lhe se eu Lhe magoava o Coração. Ele bem sabe que é o que mais me pesa.
“Não — respondeu com bondade — é como se tivesses posto areia nestes Olhos que tenho fitos em ti. Amo-te com predileção e nesses dias passados não te podia olhar a gosto. Mas perdoei-te.” Depois acrescenta:
"Escuta esta palavra: "O ouro se purifica no fogo, assim tua alma se purifica e fortalece na tribulação e o tempo da tentação é grande proveito para ti e para as almas.”
Encorajada por tanta compaixão, confia ela ao Mestre a sua maior ansiedade, o mais doloroso tormento desses dias de prova — “o medo — diz ela — que tais lutas acabem pondo em perigo minha vocação."
“Quem poderá duvidar de tua vocação, Josefa, se pudeste resistir a essas tribulações? ...”
E prevenindo a interrogação que lhe lê na alma:
“Permito-as para dois fins — diz — primeiro para te convencer de que sozinha não és capaz de nada e que minhas graças não têm outra causa senão minha Bondade e o grande Amor que te tenho.”
“Segundo, porque quero servir-me de teus sofrimentos para a salvação de muitas almas,”
Depois, de novo afirma:
“Sofrerás para ganhar almas porque és vítima escolhida por meu Coração, mas nada te prejudicará pois jamais consentirei”...
Àquela promessa da qual não duvida, Josefa responde pelo oferecimento total de si mesma. No dia seguinte. quarta-feira, 26 de janeiro, insiste Ele ainda sobre a necessidade do sofrimento.
Durante a adoração, Veio e aproximou-se de mim — escreve ela — não me disse nada mas me fez ouvir o palpitar do seu Coração. Pedi-Lhe que me conservasse fiel, me ensinasse a amá-Lo e não permitisse que eu jamais magoasse seu Coração. Pareceu regozijar-se com essa prece e disse:
“A alma que ama deseja sofrer. O sofrimento aumenta o amor. O amor e o sofrimento unem estreitamente a alma a seu Deus e fazem dela uma só coisa com Ele.”
E insistindo ela sobre sua fraqueza:
“Nada temas. Eu sou a própria Força.
“Quando o peso da cruz parecer maior que tuas forças pede socorro a meu Coração.
Depois — lembra onde buscar seu Coração:
“Não sabes onde estou, Josefa e com toda a segurança? Deixa-te guiar. Eu tenho os olhos fitos em ti, fita os teus em Mim e abandona-te.”

 

VIDA ARDENTE E ESCONDIDA
21 de janeiro — 21 de fevereiro de 1921.

“Dize-me: que tens a oferecer pelas almas?”

Nosso Senhor a Josefa — 20 de fevereiro de 1921.

Aproxima-se a Quaresma e as Quarenta horas convidam a casa cos reumants a redoorar de amor e de reparação. É pois o horizonte que se alarga cada. vez mais diante da alma de Josefa. Jesus até então não cessara de lhe repetir:
“És vítima do meu Coração". E vai provar-Lho.”
Na primeira sexta-feira do més, 4 de fevereiro, aniversário de sua chegada aos “Feuillants”, narra que grande sofrimento se me apoderara da alma desde a manhã, enquanto o corpo estava acabrunhado pelas dores agudas há muito conhecidas.
“Depois de ter lavado a cozinha, — relata, — não podendo mais, subi ao dormitório. Pus-me de joelhos perto do leito e ofereci-me a Nosso Senhor para O consolar.”
Mal começa a rezar, eis que Jesus me aparece e, Mostrando o Coração abrasado:
“todas as sextas-feiras — disse — e principalmente na primeira de cada mês, far-te-ei participar da amargura de meu Coração e sentirás de maneira especial os tormentos de minha Paixão.”
Josefa fica muito tempo aniquilada na sua presença e sob o peso da dor que a oprime de todos os lados.
“Farei de ti, primeiro uma vítima — continua o Mestre — mais tarde uma santa!”
Depois acrescenta:
"Nestes dias em que o interno se abre para arrastar tantas almas, quero que te ofereças a meu Pai como vítima para salvar o maior número possível delas. ”
Ficou em silêncio um instante ainda e desapareceu.
No domingo das Quarenta horas, 6 de fevereiro, renova o mesmo Apelo. Logo de manhã Josefa se oferecera para reparar as ofensas dos pecadores. Pelas três horas da tarde estava na capela quando Jesus se aproximou
“Fazia dó — escreve ela: — com a Face, os Braços, o Peito, cobertos de golpes e de poeira; o sangue escorria-Lhe da Cabeça, mas o Coração estava resplandecente de luz e de beleza.”
“fia falta de amor que assim Me fere — disse — é o desprezo dos homens que correm como loucos à perdição.”
“Por que então, Senhor, apesar dos pecados do mundo, vosso Coração está hoje tão belo e ardente?” Respondeu:
“Meu Coração nunca é ferido senão por minhas Almas escolhidas!”
Esta palavra se imprime profundamente na alma de Josefa. descobrindo-lhe a dor mais intima que deverá compartilhar e consolar. Durante aqueles dias, porem, era pelo mundo leviano e culpado que devia responder diante da justiça de Deus.
Passa diante do SSmo. Sacramento exposto todas as tréguas que o trabalho lhe dá e absorve-a o pensamento de tantas ofensas feitas à Majestade divina..
Jesus, que a encarregara desse fardo, vem, entretanto, reanimar-lhe a coragem e na terça-feira. 8 de fevereiro, às oito horas da noite, aparece-lhe como que acabrunhado sob pesada carga.
“Os pecados que se estão cometendo são tão numerosos e tão graves que a cólera divina transbordaria se não estivesse detida pela reparação e pelo amor de minhas almas escolhidas. Quantas almas se perdem!”
Apavorada com esse pensamento:
“Então é assim tão grande o número dos pecadores, Senhor?” exclama.
“É — respondeu ele dolorosamente — mas uma alma liei pode reparar e obter misericórdia por muitas almas ingratas."
E uma nova recomendação da missão redentora a qual a convidara o Amor, desde os primeiros encontros.
Mas, pouco a pouco, outro desígnio se vai descobrindo e na quarta-feira de Cinzas, 9 de fevereiro, recebe disso a primeira revelação. Naquela manhã, durante a missa em que o Mestre a associara a angústia da sua Agonia aparece-lhe de repente e, abrindo o Coração:
Vem — disse — entra aqui e repousa um pouco, pois estás esgotada.”
Corno exprimir o que é para sua. alma esta misteriosa entrada no Coração de Jesus?”
“Desapareceu todo o sofrimento — conta — e fui mergulhada em Deus!”
Foi então que, pela primeira vez, Jesus lhe confiou seus Projetos:
“O amor que tenho às almas, e especialmente à tua, é tão grande — disse — que não pude conter as chamas ae minha ardente caridade.
Apesar de tua indignidade e miséria, servir-Me-ei de ti para realizar meus Desígnios.”
Esse Apelo pouco a pouco, tornar-se-á mais claro, deixando entrever o alcance do dom e do abandono que lhe deverão corresponder. Mas, desde já quer o Mestre o seu consentimento e um sinal palpável que o sele.
“Queres dar-Me teu coração?” — pergunta.
“Quero, Senhor,... e mais que meu coração... Jesus mo arrancou — diz ela — tomou-o e o aproximou do Seu. Como era pequenino ao lado daquele Coração!
Depois deu-me como que tuna chama ardente. Desde aquele momento sinto em mim um fogo vivíssimo e tenho que fazer muitos esforços para me conter a um de que ninguém perceba.”
Josefa decide guardar em segredo essa graça insigne que tão simplesmente cela ta  Mas Jesus não quer segredo e na quinta-feira, 10 de fevereiro, escreve:
“Tinha algum remorso de não vos ter contado tudo, Madre — escreve ela à Madre Assistente — e estava a dizê-lo a Nosso Senhor quando ele veio e me perguntou:
“Dize-Me o que é que mais te custa?” “Senhor! dizer esta* coisas e ter que escrevê-las como são.”
“Escuta Josefa — Não quero que escondas nada à tua Madre. Ela tem razão, deves escrever.” Dois dias depois, 12 de fevereiro, insiste ele ainda sobre a importância da sua dependência total.
“Dize sempre tudo à Madre” — repete.
E temendo ela, por menor que fosse, uma sombra de secreta complacência em falar dessas coisas — Jesus interrompeu com energia:
“Escuta, Josefa, teu silêncio, sim, seria orgulho. Tua confiança. tua simplicidade, eis a humildade.”
Depois acrescenta:
"Fica sabendo que se Eu te pedir uma coisa e tua Madre outra, quero que obedeças a ela mais que a Mim.”
Encontramos com essa data, 12 de fevereiro, escrita por sua mão, e em longo parêntesis, a ingênua explicação de sua’ atitude em cada visita de Nosso Senhor.
"Para vos obedecer, Madre, vou escrever o que sinto cada vez que Jesus vem. Primeiro, grande necessidade de me humilhar começo sempre por Lhe pedir perdão de todos os meus pecados, pois vejo minha alma repleta de nódoas... e se não fosse um movimento irresistível que me impele para Ele, não ousaria aproximar-me nem falar quando estou na divina Presença.
Mas não sei que me atrai... minha alma repousa... quanto mais me humilho, tanto mais ele se compraz, a eio eu. Às vezes nada posso dizer, fico como que aniquilada em adoração. Outras vezes é uma torrente de consolações, ainda quando me faz sofrer com Ele.
Parece que meu coração se dilata e se perde em Deus.
Outras vezes é como se dentro de mim houvesse um grande braseiro.
Jesus me queima ao Fogo do seu Coração. Faz-me, ao mesmo tempo, ver a tal ponto minha pequenez que não posso compreender como Deus pode amar-me desta maneira! É o que aumenta meu desejo de amá-Lo e de Lhe ganhar almas. Dá-me também tal horror de mim mesma que não sei o que quereria fazer para desarraigar minhas más inclinações e reparar meus pecados e ingratidões. Minha alma é como que arrancada da terra e depois meu maior esforço é ter que me ocupar das coisas desta terra.
Se a Madre visse que pena sinto achando-me de novo no meu pobre corpo porque em geral quando estou com Jesus penso que é para sempre”.
Mais adiante e sempre por obediência, explica como se acostumou a fazer tudo com Nosso Senhor e a tudo lhe confiar.
“Ao meio-dia — escreve — na segunda-feira, 14 de fevereiro, eu estava servindo no refeitório como todos os dias. Faltou do primeiro prato. Fui à cozinha.
Não havia mais. Eu não sabia que fazer... e como tenho o hábito de Lhe falar de tudo, disse logo: meu Jesus, não há mais nada que comer! quando saí outra vez do refeitório, vi-O de repente... tão formoso! Estava diante da pia, perto da cozinha, com os Braços abertos e me disse sorrindo:
“É culpa minha Josefa, que não haja mais nada?”
"Ele desapareceu logo e eu não sei como pude acabar de servir pois era tão bom, tão belo, que se diria do céu.”
“É assim que Lhe digo tudo que me acontece. Se estou varrendo e deixo cair qualquer coisa: ó meu Jesus!... acordei-Vos com este barulho!
Sé perco minhas coisas, pergunto: Onde deixei aquilo, Senhor?
Vamos procurar juntos. Quando estou cansada, confio a Me. Se fico atrasada na minha tarefa como tantas vezes me acontece, pois tenho muitas caminhadas a fazer com tudo que esqueço, digo-Lhe: vamos.
Senhor, temos que nos apressar hoje porque já é tarde e temos muito que fazer, principalmente no sábado com as Filhas de roupa e os sapatos a distribuir nos dormitórios das meninas. Enfim, conto-Lhe todas as minhas preocupações. Nem sempre O vejo mas falo-Lhe certa de que está comigo. Há dias em que lhe digo tudo que me passa pela cabeça. Às vezes pergunto-me a mim mesma se não será falta de respeito, mas creio que não, porque minha alma fica tão feliz que torno a começar minhas pequenas histórias.”
esses entretenimentos espontâneos não impedem Josefa de levar no meio das Irmãs a vida mais simples e laboriosa. Depois do postulantado, passado como ajudante de cozinha, deu toda a atividade à rouparia das alunas. Lá se dedica, da manhã à noite, numa instalação bastante rudimentar, pois saía-se da guerra e o local dos “Feuillants”. ocupado durante muito tempo por uma ambulância, fora apenas em parte restaurado.
Muitos outros trabalhos enchem-lhe ainda o tempo sem que nada denote o domínio de Deus sobre a vida real que a sua dedicação e o esquecimento de si mesma também escondem. É na obscuridade da vida comum e do labor quotidiano que devemos continuar a seguí-la. Um pequeno fato, que se relaciona com essa data e que tem seu valor, não poderia passar sob silêncio. Josefa narra-o assim:
“Estava diante do tabernáculo e rezava por minha mãe e minha irmã, Estava triste por causa delas, queria poder consolá-las e pensava no que faria se estivesse perto delas e nesse momento não contava bastante com Jesus_ ele veio de repente com o Coração em chamas e, com voz grave e cheia de majestade,
"Tu, sozinha, que poderias por elas?”
E, mostrando-me o Coração.
"Fita aqui teu olhar!”
E desapareceu.
no dia 20 de fevereiro, segundo domingo da quaresma. escreve:
“Durante a santa missa, depois da consagração, Jesus veio formosíssimo, superlativo que gosta de empregar para falar da beleza que a arrebata e que não pode definir.
“Dize-me, Josefa, o que tens a Me oferecer pelas almas que te confiei. Põe tudo na Chaga de meu Coração a fim de dares à tua oferenda valor infinito.”
"Disse-Lhe que pode tomar tudo, pois tudo é pelas almas ”
“Dize-Mo por miúdo.”
“Então enumerei tudo: a Hora Santa, minhas peque nas penitências e mortificações, a dor da coroa de espinhos .minhas respirações, meu trabalho, meus receios, minha fraqueza e minhas misérias, tudo o que penso.
Tudo por vosso amor e por aquelas almas, Senhor, embora seja muito pouco! Enquanto eu falava, Jesus trançava entre os dedos um fio de ouro bem grosso. Fez uma espécie de meada. Depois desapareceu.”
“Na Missa das nove horas, voltou, com o Coração todo inflamado — continua ela —. Aproximou-me de sua Chaga e no fundo vi duas almas.
“Olha — disse — estas almas são as que Eu estava esperando. Elas estão agora no fundo do meu Coração."
“Eu não ousava olhar nem dizer coisa alguma.
Ele continuou:
“Nada temas. 'Há almas que chamo a uma grande união comigo e quando elas não respondem ao meu Apelo e se afastam é que ferem me Coração. Eis por que Me sirvo das mais pequenas e miseráveis como tu para atraí-las ao grau de perfeição em que as quero.”
No dia seguinte, 21 de fevereiro depois da comunhão, Jesus aparece e, olhando-a “com imensa bondade” — diz ela — repete-Lhe suas exigências.
"Quero-te em tal esquecimento de ti mesma e tão abandonada, à minha Vontade que não te permitirei a menor imperfeição sem te admoestar. Deves ter sempre presente, teu naaa ae um íaao, e minha Misericórdia de outro. Não te esqueças que é do teu nada que brotarão meus Tesouros.”
Pela manhã daquela segunda-feira, enquanto põe ordem nos uniformes de domingo aas meninas, no dormitório mostra-se-lhe Nosso Senhor com as Mãos atadas e a Coroa de espinhos ensanguentando a sagrada cabeça.
"Amas-Me V” — perguntou com ardor.
"Mão sei que Lhe respondi — mu coisas, pois bem sabe Ele que O amo.”
“Escuta, Josefa, quero que cresça tua sede, que me salves muitas almas_e que este desejo te consuma!”

 

0S DESÍGNIOS DO AMOR
22 de fevereiro — 26 de março de 1621

“O mundo não conhece a Misericórdia do meu Coração! Quero servir-Me de ti para torná-la conhecida.”

Nosso Senhor a Josefa — 24 de fevereiro de 1921.

Chegou a hora do Apelo mais solene que soará pela segunda vez a Josefa. Na quinta-feira, 24 de fevereiro, 1921, nota a vinda do Mestre durante a adoração da tarde. Já lhe exprimira o desejo que cada sexta-feira fosse para ela um dia de oferecimento mais especialmente unido ao seu Coração. Vem lembrar-lho.
“Amanhã oferecerás a meu Pai todas as tuas ações unidas ao sangue derramado na minha Paixão. Tratarás de não perder de vista um só instante a Presença divina e te regozijarás tanto quanto possível de tudo que tiveres que sofrer. Não deixes de pensar nas almas... nos pecadores...
Sim, tenho sêde das almas!”
“Ofereci-me para consolá-Lo e dar-Lhe almas. Senhor não vos esqueçais de que sou a mais ingrata e a mais miserável de todas!
“Bem sei j mas trabalharei na tua alma.” “Partiu.... entreguei-me de novo para tudo que file quisesse fazer e compreendi que me tomava ao pé da letra: ó meu Jesus; sei que tereis pena de mim e me dareis forças...
“A noite, na Hora Santa, pensava nos pecadores tão numerosos... Mas é ainda maior a sua Misericórdia.' Ele veio de repente, e, com voz majestosa como a de um rei, disse:
“O mundo não conhece a Misericórdia de meu Coração! Quero servir-Me de ti para torná-la conhecida. ”
Apavorada, Josefa exclama: "Mas senhor! esqueceis que sou tão fraca e que caio ao menor obstáculo?”
Como se não escutasse, Jesus prossegue solenemente: “Que o que sejas apóstolo de minha Bondade e de minha Misericórdia. Ensinar-te-ei o que isso significa. Esquece-te de ti mesma”.
“Supliquei-Lhe, — escreve ela, — que tivesse compaixão de mim, que me deixasse sem essas graças às quais não sei corresponder e que escolhesse outras almas mais generosas do que eu”.
Jesus respondeu só estas palavras:
"Esqueces, Joseía, que sou teu Deus?”
E desapareceu.
Seu Coração, entretanto, não fica ofendido. Sabe muito bem que eia nne pertence peio mais profundo de sua vontade e que seus receios não são senão prova da desconfiança de si mesma,, que sempre agrada ao Amor divino. Logo no dia seguinte, sexta-feira, 25 de fevereiro, durante a missa, volta cheio de bondade.
"Dignou-me — relata ela — e roguei me que me deixasse como todas as irmãs, cem nada de extraordinário, pois não posso viver assim”.
“Se tu não podes, Joseía posso Eu!”
“É que eu não quero — prossegue timidamente — queria ser como tódas as outras.”
“Mas quero Eu, não te basta?”
depois acrescenta com firmeza:
"onde esta teu amor?”
É uma daquelas provocações às quais Josefa não pode resistir — volta-me toua a coragem:
"Sim, senhor! amo-vos!... Mas, suplico-vos — insiste — deixai-me sem essas graças — Eu vos trairei, perdê-las-ei... e tantas outras aproveitariam.
“Ama e nada temas. Eu quero o que não queres Mas posso o que não puderes. Não te pertence escolher mas abandonar-te.”
Quantas lutas vai custar à alma de Josefa a aceitação dos desígnios do Amor! Permite-o Deus, sem dúvida, para atestar com mais evidente garantia a autenticidade de sua ação e isolá-la aos olhos de todos daquilo que se pudesse prestar a dúvida, ou simplesmente a equívocos. j^oae-_e dizer, em verdade, que josefa nunca cessará de temer tal missão e os três anos que se vão seguir marcarão continuamente as dolorosas alternativas entre o abandono que ela quer praticar e as apreensões que a apavoram. Dois dias depois dessa memorável data de 25 de fevereiro de 1921, Jesus aparece-me na capeia e me pede que transmita uma recomendação à Madre Assistente. Trêmula, ela recua diante do custoso ato e logo a tentação se lhe apodera da alma, mais forte que nunca.
“Voltou Jesus no dia seguinte, 28 de fevereiro — disse ela com rosto severo.
“Amo-te com predileção — disse e fitei sobre ti meu Olhar mais terno. Quero confiar a tua miséria e a tua pequenez um tesouro para ti e para as irmãs e tu feres meu Coração!”
“Então desapareceu”.
Fácil seria medir depois de tal partida, a dor de Josefa. Tenta dissimulá-la. Mas o demônio explora o silencio da sua alma.
Fecha-lhe o coração e os lábios e a convence de que, de agora em diante, tudo será inútil, pois tudo está perdido para ela. A palavra “martírio”, que ela emprega, não parece exagerada para exprimir a opressão diabólica que Deus deixa em tão grande liberdade naquelas horas de trevas.
“Oh! Madre, que martírio! — escreve ela alguns dias depois — eu não podia mais... Não sei que teria sido oapaz de fazer se a fé não me tivesse preservado.
Então narra minuciosamente a humilhante luta e prossegue:
“Na tarde de 3 de março, quando ia pedir à Madre o perdão que já pedira a Jesus, comecei a ver tudo diferentemente.., Bem sei que me perdoará sempre, pois conheço seu coração.
Durante a Hora Santa (era quinta-feira da 3, a semana da Quaresma) atirei-me a seus Pés... não sei que disse mas fiquei aliviada embora minha alma continuasse fria como pedra e de vez em quando me sentisse repelida por Ele.”
No dia seguinte, 1.a sexta-feira, 4 de março, diante da paz e da luz que voltam o demônio tenta, um esforço que desejaria fosse definitivo.
Josefa está no jardim, colhendo flores para a capelinha de que é sacristã. De repente sente-se violentamente empurrada e cai sobre um caixilho de vidro que se quebra sob seu peso. Jorra um fluxo de sangue do braço direito profundamente ferido. Cuidados imediatos estancam a hemorragia mas o braço fica imobilizado por muitos dias.
Durante esse tempo, fiel à obediência, dita as notas que não pode escrever. Lê-se aí na data de quarta-feira, 9 de março (4. a semana da Quaresma): “No meio da adoração veio a Santíssima Virgem tão boa e compassiva, com os braços abertos como verdadeira Mãe, Pedi-Lhe perdão e manifestei-lhe meu desejo de saber se posso ainda consolar jesus e ganhar-lhe almas?”
É certamente sua primeira preocupação.
“pois — acrescenta — conhecendo seu Coração não posso duvidar do perdão”.
“Sim, filha estás perdoada — responde-lhe a divina Mãe. O ’ódio infernal prepara-te ainda outro embuste. Mas coragem. Não sucumbirás.” “Deu-me a bênção e desapareceu.”
Aquela celeste visita renovou-se dois dias depois, sexta-feira, 11 de março.
“Estava dizendo à Santíssima Virgem quanto desejava que Jesus se dignasse esquecer tudo. Quando, de repente, veio Ela, tão bondosa, com as mãos cruzadas sobre o peito. Ajoelhei-me e disse logo Ela:
"Sim. tuna, Jesus ama-te como antes e quer que Lhe dês almas.”
Depois, aludindo ao braço ferido:
“Se o demônio pudesse ter-te-ia matado. Mas ele não tem poder”.
Jesus não tardará a vir, em pessoa, mostrar à filha que nada pode mudar seu Amor nem sua Escolha. A grande quinzena da Paixão e da Semana Santa vem a propósito para oferecer a Josefa a ocasião de reparar e de participar aos sofrimentos redentores ao Mestre.
“No ia 14 de março, segunda-feira da Paixão, depois da comunhão, veio ele — disse. — Seu Olhar estava penetrante e compassivo como nunca — esse Olhar me fez grande impressão e me disse tanta coisa! Aproximou-me do Coração que estava tão belo e inflamado!
deixou-me ouvir suas palpitações.
“Não posso resistir por mais tempo a tua miséria! disse.
Depois de um momento de silêncio continuou:
“Não te esqueças de que tua pequenez e teu nada são o imã que atrai meu Olhar sobre ti”.
“Estava eu naquela mesma tarde na capela e sempre sob a impressão que me causara aquele Olhar de Jesus."
E a primeira vez que nota de maneira explícita a Força do divino Olhar. “Nunca me tinha fitado assim — continua ela — creio que seus olhos me deram a ver num instante, tudo o que ele fez em mim... tudo que fiz per Ele (que tristeza!) respondendo ao seu Amor com mil ingratidões!
Mas aquele Olhar também me dizia, que nada Lhe importa se eu estiver decidida a Lhe ser fiel pois Ele está sempre pronto para me provar seu Amor e me conceder novas graças. Tudo aquilo estava presente à minha alma e eu não cessava de Lhe pedir perdão, repetindo-Lhe meu desejo de nunca mais resistir às suas Bondades.
“Subitamente, veio ele com o Rosto triste e o Coração opresso.”
-uma Josefa! Estou sempre intercedendo peias almas e perdoando-as.”
“Olhou para mim em silêncio como pela manhã.
Mas dizia tanta coisa, sem falar! eu também nada dizia. Depois de um momento tomou a palavra.
"Sabes o que fiz por ti?”
“Então vi de novo todas as suas graças e todas as minhas ingratidões. Disse-Lhe, no fundo da alma, a vontade que tinha de fazer, não somente o que me pedir, mas tudo que eu souber que Lhe agrada e enquanto eu falava, seu Coração mudou inteiramente, dilatou-se, brotaram chamas da sua Chaga o rosto ficou resplandecente. Aproximou-se de mim e me encostou sobre o coração. Depois disse:
"Nestes dias far-te-ei saborear a amargura de minha Paixão e sofrerás de certo modo os ultrajes que recebeu meu Coração.
Oferecer-te-ás a meu Pai para obter o perdão para muitas almas”.
“Fitou-me ainda com grande amor como para me dar confiança e partiu. Depois daqueles desfalecimentos Josefa não cessava de implorar perdão. É uma necessidade de sua alma, mas é também o pendor de seu coração delicado e Jesus nunca resiste àquele Apelo.
“No dia 15 de março, festa das Cinco Chagas, e terça-feira da Paixão, depois da comunhão pedi-Lhe ainda perdão — escreve ela —. Como um relâmpago passou diante de mim, parou um instante e disse apenas:
“O Amor apaga tudo.”
Essa lição penetra cada vez mais a sua alma. Dela vive du ante o trabalho. Estava no sótão..
“Preparando a roupa para a lavanderia — diz — e como não tenho outro desejo senão o de reparar, pedi simplesmente a Nosso Senhor que salvasse tantas almas quantos lenços houvesse para contar. Ofereci todo o meu dia nessa intenção, unindo meus sofrimentos ao seu Coração e a seus Méritos”.
Pela tarde, antecipando de alguns instantes a hoia de adoração geral, entrava na capela onde o Santíssimo Sacramento estava exposto, nosso senhor me aparece:
“Se te ocupares de minha Glória — disse — Eu me ocuparei de ti. Firmarei em ti meu Reino de Paz e nada te poderá perturbar. Estabelecerei em tua os desígnios do amor alma meu Reino de Amor e ninguém poderá roubar tua alegria.”
"Aproximou-se de mim... a Chaga se me abriu e me tez entrar.
Vi então uma fila de almas prostradas em adoração.. fez-me compreender que aquelas almas todas eram as que eu lhe pedra pela manhã. Quando saí da divina Chaga encostou-me de novo sobre o Coração e me fitou. Depois deixou-me em grande paz.
Quinta-feira da Paixão 17 de março, é o vigésimo aniversário do seu retiro de primeira comunhão — data que nunca passa despercebida à alma de Josefa.
“Vinte anos na — escreve em suas notas — que Jesus me escolheu para Si e nunca fui tão indigna do seu amor!"
Humilha-se pois à ideia de tantas graças às quais parece corresponder tão mal. Mas acrescenta logo:
Decidi-me a mudar completamente e enquanto formava esse firme propósito Jesus apareceu diante de mim com os braços abertos. Com voz cheia de amor disse:
"Sim, Josefa. Chamei-te naquele dia e desde então nunca mais te abandonei, guardei-te sem nunca Me separar de ti. Quantas vezes terias caído se eu não te houvesse amparado! Repito-‘e uma vez mais. Quero que sejas toda Minha... que Me sejas fiel, que respondas a meu Amor. Em troca Eu me dou a ti como Esposo e te amo como esposa privilegiada de meu Coração. Farei todo o trabalho tu não tens que fazer outra coisa senão amar e te abandonar. Pouco importa teu nada mesmo tuas quedas, Meu Sangue apaga tudo, basta-te saber que te amo. Abandona-te.”
É, porém, sempre com a vista nas almas que a divina, Predileção estimula Josefa. Na segunda-feira Santa, 21 de março, depois da Comunhão, ela. revê Nosso Senhor sob aquele aspecto doloroso que a incitava à compaixão e que não cessará de contemplar durante a Semana santa: a coroa de espinhos profundamente enterrada na cabeça, a Face manchada de sangue, poeira e contusões, as Mãos atadas e feridas, o Coração largamente aberto e ensanguentado.
“Olhou para mim — escreve ela — mas eu nada podia dizer, pois naquele estado Ele tinha sempre a majestade de um Deus. Não pude então fazer outra coisa senão humilhar-me diante dele. Seu Olhar parecia perguntar-me o que eu pensava vendo-O astim. Então roguei-lhe que dissesse o que eu poderia fazer para aliviá-Lo. principalmente nas Mãos, cravadas de muitos espinhos pequenos, finos como agulhas e que deviam magoar tanto... Ficou em silêncio. Ora me fitava; ora levantava Olhos ao céu. Depois disse:
“Agora vamos trabalhar; vou contigo.”
“Saí da capela e Ele me seguiu até o terceiro andar onde eu ia varrer o dormitório. Estava confundida por vê-Lo ali e supliquei-Lhe com muito respeito que se fosse um instante embora”.
“Por que queres que Me vá, Josefa? Crês que não me agradas assim?”
“Continuei então até o fim. De tempos a tempos punha-me de joelhos para adorá-Lo e a toda hora Lhe pedia perdão pelos pecados do mundo. Em troca de uma pequena mortificação supliquei-Lhe que desatasse as Mãos e ele anuiu. Depois, à medida em que Lhe oferecia todos os movimentos como atos de amor, os espinhos caiam-Lhe das Mãos até que não ficasse mais nenhum. Conduziu-me então ao oratório do Noviciado e lá O vi resplandecente de beleza e cercado de luz.
Desaparecera a Coroa de espinhos assim como o sangue que Lhe cobria a Face. Seu Olhar parecia dizer que meus pequeninos atos Lhe haviam agradado; pôs com suas mãos a Coroa sobre minha cabeça e disse:
“Ama e abandona-te.”
No dia seguinte, terça-feira santa, 22 de março, depois da comunhão Jesus aparece com os Braços abertos. Animada pelo que chama a imensa bondade do Mestre, “queria pedir muitas coisas, Senhor!” diz ela “Não sabes, Josefa. o que está escrito no Evangelho? Pedi e recebereis!”
Então ela lhe fala da mãe e das irmãs que estão sempre no primeiro plano de suas intenções. Pede a graça de ser fiel, confia-Lhe a Sociedade tão cara a seu amor, enumera todos os seus desejos para com as Madres e Irmãs, suas famílias, etc.
“Pedi-Lhe — continua ela — que pudéssemos em breve reabrir em França as escolas para os pobres.
Ele sorria como um Pai cheio de ternura. Minha confiança crescia cada vez mais.
“Supliquei-Lhe que tivesse compaixão do mundo inteiro e que o abrasasse no fogo do seu divino Coração.
“Ah! se conhecessem meu Coração! Os homens não conhecem sua Misericórdia e sua Bondade, eis a minha mais grave dor!”
“Supliquei-Lhe então que inflamasse as almas com o zelo de sua Glória, e que multiplicasse os sacerdotes que suscitasse muitas vocações religiosas... Afinal, parei... mas em silêncio ainda Lhe falava. Quantas coisas me diziam seus Olhos! e como me davam confiança!
Em seguida mostrou-Me as Mãos e me deu a beijar suas Chagas. Depois desapareceu.”
Linhas como estas não bastam para provar que o zelo ardente do Coração de Jesus já consome o de Josefa? As almas tornaram-se o grande horizonte de sua vida e é sempre delas que trata em cada um dos divinos Encontros.
Durante a oração, de Quarta-feira Santa, 23 de março, enquanto ela Lhe pede explicações sobre o que entende Ele por “salvar almas.”
“ele veio — disse — e me fitou com muito amor Depois respondeu:
“Escuta, Josefa. Há almas cristãs e mesmo piedosas a quem um apego basta, às vezes, para retardar no caminho da perfeição. O oferecimento, porém, que outra Me faz de ações unidas a meus Méritos infinitos obtém-Lhes sair daquele estado e retomar a carreira de antes. Muitas outras também vivem na indiferença e mesmo no pecado Auxiliadas do mesmo medo, recobrarão a graça e se salvarão um dia.
"Outras ainda, e bem numerosas, ficam obstinadas no mal e cegas pelo erro. Perder-se-iam se as súplicas de uma alma fiel não obtivessem que a graça lhes tocasse afinal os corações. Mas tão grande é sua fraqueza que se arriscariam a cair na vida de pecado; aquelas levo sem tardar para a eternidade e assim as salvo.”
Perguntei como poderia eu salvar-lhe muitas almas.
"Une todas as tuas ações às Minhas, quer trabalhes, quer descanses. Une a meu Coração tuas respirações e mesmo as palpitações do teu. Quantas almas ganharás assim!”
O dia se passa naquela união à qual Josefa ajunta o oferecimento de tudo que se faz na casa: o trabalho, as orações, as ações de cada uma das Irmãs. “Recolhei-os, Senhor — diz, — pois são para vós”.
À tarde, aproveitando um momento de liberdade, dirige-se à Capela.
Ele me estava esperando — escreve —, tão belo!
Seu Coração parecia mergulhado em chamas.”
“Como minhas almas Me consolam!” — disse.
“Creio que falava da nossa casa. Continuou:
"Durante a tarde de hoje, com seus pequenos atos, tuas Irmãs aproximaram de Mim muitas almas... Quanto amor recebi aqui!”
“E desapareceu.”
Os últimos dias da Quaresma ainda mais intimamente associarão Josefa aos sofrimentos do Calvário.
Pela primeira vez ela acompanha o Mestre passo a passo na sua Paixão e o dia de Sexta-feira Santa, 25 de março, a mantém sem cessar na dolorosa Presença.
“Depois de ter acabado de varrer — escreve — subi para visitar a Santíssima Virgem do Noviciado.
Apenas entrara quando veio Nosso Senhor.
Tinha as Mãos atadas, a Cabeça Coroada de espinhos, a Face manchada de Sangue e de contusões. Fitou apenas os Olhos sobre mim com grande tristeza.
Depois desapareceu.”
Pouco depois, encontra-O no mesmo estado, no porão onde a chama o trabalho. Ao longo do dia dá-lhe a participar nas dores de sua Alma e dos tormentos do seu Corpo.
“Pelas 3 horas da tarde, vi-O ainda uma vez — escreve — mostrou-me a Chaga do Lado e me disse:
"Olha o que fêz o Amor!”
Abriu-se-Lhe a Chaga e continuou:
“Foi pelos homens que se abriu... por ti!...
Vem, aproxima-te e entra! ”
“Fêz-me entrar e experimentar, creio, algo da dor dos Cravos, das Chagas, da sua Angústia.”
A Mãe das Dores confirma as graças daquele dia com uma palavra que bem revela seu Coração. Pelas duas horas da tarde Josefa está no oratório do Noviciado :
“Ali, sem nada dizer, sentada aos pés da Santíssima Virgem repassava tudo que vira e compreendera hoje. De repente veio Ela: Sua túnica era de um roxo bem escuro, assim como o longo véu. Trazia nas Mãos a coroa de espinhos ensanguentada; mostrou-ma dizendo :
"Sobre o Calvário, Jesus me deu todos os homens por filhos.
Vem, pois és minha filha. Não sabes quanto sou tua Mãe”?
"Pedi-lhe permissão para beijar a coroa; deu-ma.
Ao mesmo tempo, pondo a mão sobre meu ombro, me dizia:
"Que lembrança de Si me deixou ele, dando-me as almas!”
A madrugada de Sábado Santo, 26 de março de 1821, completa aquela etapa com um favor celeste que deixa na alma de Josefa lembrança indelével
“Sabes meu intento, dando-te minhas graças com tanta abundância?”
pergunta Nosso Senhor, aparecendo-lhe durante a oração, com as Chagas resplendentes de claridade. E repete-lhe o que dissera outrora, e quase nos mesmos termos, à santa Margarida Maria:
“Quero fazer de teu coração um altar sobre o qual arda continuamente o fogo do meu Amor. Por isso quero que se purifique e que não o toque ninguém que o possa manchar.
“Desapareceu — prossegue Josefa — e eu desci à capela para ouvir missa. Depois da comunhão, gozei a felicidade do céu! Vi num trono resplandecente três Pessoas vestidas de branco. todas três iguais e tão belas! Seguravam nas mãos uma grande cruz entrelaçada de espinhos sobre a qual espalhavam rosas. Minha alma estava em fogo tal que, sem queimar, abrasa de felicidade. Depois tudo desapareceu.”
Aquela graça toda interior se renovará no dia 5 de abril próximo. Diante das três Pessoas, Josefa é inundada de uma paz indizível Tenta explicar de algum modo o que nela se passa, com simplicidade que ignora o alcance de tão insigne favor.
Ordinariamente — diz ela — a Presença divina me envolve e mesmo quando entro no Coração de Jesus, fico mergulhada nele. Mas nestas duas últimas vezes, o momento da comunhão era como grande festa que se celebrava no interior de minha alma. Jesus entrou em mim como em seu Palácio.
Não sei explicar... e como eu estava bem decidida a me entregar inteiramente a ele para que fizesse de mim tudo que quisesse, foi verdadeiramente o céu. ”
Compreende-se, depois de semelhantes contatos com o Hóspede divino, que violência Josefa tem que empregar sobre si mesma para voltar ao trabalho que a espera.
Aquele esforço, difícil de calcular, é frequentemente a porta por onde o inimigo não tarda a entrar.

 

OPOSIÇÃO DE SATANÁS
27 de março — 31 de maio de 1921

“O demônio trabalhará com ardor para te derrubar, porém minha graça é mais poderosa que toda a malícia infernal.”

Nosso Senhor a Josefa — 6 de abril de 1921.

Os meses que se seguem à Quaresma de 1921 são assinalados, cem efeito, pela recrudescência de esforços do demônio. Nada é extraordinário, a princípio, lhe descobre a presença. Tentação violenta explora habilmente os atrativos e as repugnâncias de Josefa diante do caminho por onde o Mestre a vai levando pouco a pouco.
Continuam a intervir a fidelidade daquele incomparável Mestre e o poder de sua Mãe para preservá-la, perdoá-la e encaminhá-la novamente, pois atraiçoou-a mais de uma vez sua fragilidade. Vai aprofundando entretanto a lição para no-la transmitir um dia: o Amor tem o segredo de se servir até de nossos desfalecimentos para a salvação das almas. À de Josefa muito custa o peso das graças divinas através da vida laboriosa de que tanto gosta e, quando o domingo de Páscoa, 27 de março, se levanta radioso, escrevia ela:
“Hoje de manhã, na meditação, queixei-me um pouco a Nosso Senhor, pois, se continuar a me prender assim atenta a Ele, como me hei de aplicar ao trabalho? e há tanto que fazer! Não estaria eu mais em meu lugar em outra parte?” Nem teve tempo de acabar a frase, Jesus ali estava e, com um reflexo de tristeza na Face:
“Por que te queixas, Joseía, já que te atraí para esta parte querida do meu Coração? Se soubesses o que é esta Sociedade para meu Coração!”
“Disse-me isso com ardor e desapareceu."
Ela o esperará muitos dias guardando no fundo da alma a lembrança da tristeza que Lhe lera no Rosto.
“No dia 6 de abril, quarta-feira de Quasímodo, depois da comunhão, veio de Braços estendidos, enquanto Lhe exprimia meu desejo de amá-Lo verdadeiramente. Escutou-me em silêncio como se quisesse que eu Lho repetisse. Pedi perdão dizendo: Senhor, entrego-me a Vós! Olhou-me com grande bondade e disse: “A alma que se entrega verdadeiramente a Mim me agrada tanto que, apesar das misérias e imperfeições, faço dela um céu onde gosto de permanecer Dir-te-ei Eu mesmo — continuou — o que Me impede de trabalhar em tua alma para realizar meus Desígnios.”
Depois, respondendo à inquietação que lê nela: "Sim, o demônio trabalhava com ardor para te derrubar, mas minha Graça é mais poderosa que toda a malícia infernal. Confia-te a minha Mãe, abandona-te a Mim, sê sempre muito humilde e simples com tua Madre.”
Josefa compreende a oportunidade daquela recomendação, pois pressente a proximidade do demônio, reza e renova seu oferecimento:
“Supliquei-lhe principalmente — escreve na quinta- feira, 7 de abril, — que me ensinasse a me humilhar e a me abandonar como Lhe agrada. Penso que gosta dessa oração porque veio de repente:
“Podes humilhar-te de muitos modos — disse-me — primeiro adorando a Vontade divina, que, apesar de tua indignidade, quer servir-Se de ti para espalhar sua Misericórdia. Depois, rendendo graças por Eu te haver colocado na Sociedade do meu Coração sem que o tivesses merecido. Nunca te queixes disso.”
Gravou de tal modo essas palavras na minha alma que Lhe supliquei que nunca mais se lembrasse daquela ingratidão e repeti o desejo de reparar a mágoa que pudesse ter causado a seu divino Coração.”
“Consolar-me-ás, Josefa, repetindo frequentemente esta oração: ó Coração divino! Coração de meu Esposo! o mais terno e delicado dos corações, rendo-Vos graças por me terdes escolhido apesar de minha indignidade para derramar sobre as almas vossa divina Misericórdia! ”
“Olhou para mim ainda e desapareceu.”
À tarde, na cela de Santa Madalena Sofia, onde lhe fôra suplicar cem toda a alma que não duvidasse do seu desejo de ser sua verdadeira filha, Jesus veio inesperadamente e, abrindo o Coração, introduziu-a dizendo-lhe mais uma vez:
“Aqui encontrarás perdão.”
A solicitude da Santíssima Virgem fica alerta vigiando sobre a inexperiência daquela filha.
“O que receio principalmente — vem dizer-lhe no sábado, 9 de abril, antes da comunhão — é que não sejas bem expansiva com tua Madre e que os laços do inimigo passem despercebidos. Não te deixes apanhar, Josefa. Vela sobre teus pensamentos para não dares presa à tentação. E se sentires alguma complacência em ti mesma, dize-o imediatamente e humilha-te.
"Recomendo-te outra vez muita simplicidade para com tua Madre. É a única maneira de te preservares das astúcias do demônio.”
Alguns dias depois Jesus acentua a lição. Na segunda-feira, 11 de abril, durante a oração, ela Lhe repete a prece aprendida no dia anterior.
“Veio imediatamente. Seu Olhar parecia dizer que se agradava em ouví-la e tornei a repetí-la.
“Cada vez que me dizes essas palavras, coloco-as no meu Coração de modo que rejam para ti e para as almas nova fonte de graças e misericórdia. ”
“Pedi-lhe, ou antes, roguei-lhe que tivesse compaixão de mim pois sou a primeira a precisar dessa misericórdia .”
“Se é per meio de ti que quero espalhar os tesouros da minha Bondade, Josefa, como não os derramarei primeiro em ti?”
Lembra depois a necessidade de nada esconder à Madre a quem fora confiada.
“Deves aprender a dizer o que mais te humilha e da maneira que mais te custar — disse ele — Se eu não te quisesse sujeitar à obediência — acrescenta com firmeza — ter-te-ia deixado no mundo. Mas conduzi-te a meu Coração a fim de que não respires senão pera obedecer.”

Dois dias depois ia experimentar a graça sempre escondida na obediência.
“Na quarta-feira, 13 de abril, — escreve — recebi carta de minha irmã e a idéia de que entrará no Carmelo deixando minha mãe só, me desorientou.
Entretanto não cesso de dizer a Jesus que quero ficar-Lhe fiel.
Mas, no dia seguinte, a tentação foi grande, pois sei que sois Vós, Madre, que me dais luz. Vós me dissestes uma palavra que se gravou profundamente na minha alma: “O Coração divino ama infinitamente mais minha mãe do que poderei jamais fazer.” Meditei-a e resolvi entregar tudo a Deus.
“No dia seguinte, durante a ação de graças, Aquele que conhece minha fraqueza, veio cheio da bondade e disse:
“Se abandonares tudo por Mim, tudo acharás no meu Coração.”
Com esse Apelo a esperar tudo dele, Nosso Senhor a prepara para os dias sombrios que pouco a pouco se vão abrir diante dela. Nota na sexta-feira, 22 de abril os esforços do demônio que procura tirar-lhe a paz.
“Minha alma está atormentada com as coisas medonhas que põe na minha imaginação. Subi ao oratório da Santíssima Virgem do Noviciado, para suplicar-Lhe que não me deixasse sucumbir. Ela veio de repente com maternal bondade e disse:
Filha, quero dar-te uma lição de grande importância: O demônio é como um cão, furioso, mas acorrentado, isto é, só tem certa liberdade. Só pode enganar e devorar a prêsa se ela se aproximar; e para dela se apoderar, sua habitual tática é transformar-se em cordeiro. A alma que não percebe isso se aproxima pouco a pouco e não lhe descobre a malícia senão quando já lhe está ao alcance. Quando ele parece longe não deixes de vigiar sobre ti mesma.
Seus passos são silenciosos e escondidos, para passarem despercebidos.” Deu-me a bênção e partiu.
A tentação está próxima com efeito, e, desta vez, Josefa aprenderá qual é a força infernal mesmo quando Deus não lhe deixa senão “certa Liberdade.” “Dois ou três dias depois — relata — achava-me só e na desolação. Todo o furor do demônio pareceu cair sobre mim para me cegar e me arrancar a vocação. Sofri muito até o sábado, 7 de maio, sem deixar entretanto de pedir socorro a Jesus e a Maria Santíssima.
“A tarde do mesmo dia, ia fazer adoração com todas as Irmãs, e, para me auxiliar, pus-me a ler algumas das palavras de Nosso Senhor no caderno em que as escrevo. Mas, em vez de me tranquilizar, aquela leitura aumentou-me a perturbação com a ideia de que tais graças seriam minha perdição.
Esforcei-me, como pude, por repetir meu primeiro oferecimento mas no mesmo instante caiu sobre mim uma chuva de pancadas.
Apavorada, saí da capela para ir guardar o caderno e ver se a Madre Assistente estava na cela a fim de tudo lhe dizer. Mas quando cheguei ao fundo do claustro de S. Bernardo, fui violentamente agarrada pelo braço e levada à cozinha com a ideia de queimar o caderno. Ia fazê-lo mas não pude levantar a panela. Uma religiosa que me viu ali disse que o jogasse no caixote da lenha de onde o poriam no fogo sem tardar.”
Josefa amarrota-o nas mãos, atira-o ao caixote e parte aliviada sem perceber o que havia feito. Vai pegar o ferro de engomar. Mas pouco a pouco apareceu-lhe a gravidade do ato que lhe fora como que arrancado. Que acontecerá, com efeito, se o caderno, caído em mãos estranhes, revelar o segredo de que Nosso Senhor quer tão expressamente cercar sua Obra?
“Em outras circunstâncias — continua — teria ficado desesperada. Daquela vez não, rezava com todo o fervor para ser libertada e principalmente para obter perdão. Voltei à cozinha esperando que ainda não tivessem queimado o caderno, mas já era tarde! Não o encontrei mais, e supliquei a Nossa Senhora que se encarregasse ela própria.”
O dia seguinte, domingo, parece longo a Josefa.
Não ousa descobrir a fara à Madre Assistente e procura, sem encontrar, o meio de nada dizer. Mas, chegada a tarde, não podendo aguentar sozinha aquele desassossego, vai confessai tudo à Madre.
“Quando vi seu receio — escreve — supliquei à Santíssima Virgem que a tranquilizasse e que lhe pusesse o caderno nas mãos. Esperei com grande confiança; não por mim; mas por ela”.
Poderá Maria ficar surda àquela prece filial?
“Na segunda-feira, 9 de maio, varria o corredor das celas, pensando sempre no caderno... Mas perdera a esperança de o achar! ”
De repente ouço a voz bem conhecida da Santíssima Virgem:
“Vai à cozinha que o acharás."
“Entretanto — disse — não quis prestar atenção e continuei a varrer, pensando que perdia a cabeça.
Ouvi porém outra vez as mesmas palavras. Subi então ao oratório do Noviciado e pela terceira vez a voz repetiu:
“Vai à cozinha que o acharás!”
Depressa desceu a escada, chegou à cozinha e no caixote da lenha avistou o caderno!... Estava embrulhado num papel muito branco e posto de lado, rente à parede do caixote. Com que emoção o apanha e leva consigo!
Passam-se dois dias em agradecimento misturado de confusão diante de tanta bondade!
Na sexta-feira, 13 de maio, na adoração, Jesus de Braços abertos, lhe aparece:
“Pedi-Lhe imediatamente perdão — escreve ela.
“Deixa isso — diz — meu Coração apagou tudo.”
Depois acrescenta:
“Não desanimes, pois é na tua fragilidade que melhor resplandece minha grande Misericórdia. ”
Então ela suplica que não se enfade com suas fraquezas... nem com suas quedas!...
“Meu Coração nunca recusa perdão à alma que se humilha — responde Ele, acercando-se, principalmente daquele que o pede com verdadeira confiança.
Compreende bem, Josefa. Levantarei um grande edifício sobre o nada, isto é, sobre tua humildade, teu abandono, teu amor.”
Pertenceria à Santíssima Virgem a última palavra Testa prova.
No dia seguinte, sábado, 14 de maio, aparece à filha que acaba a Via Sacra. Está mais bela que nunca: reflexos prateados cintilam sobre a túnica, o rosto está radiante. Anuncia a entrada na Pátria bem-aventurada de uma alma pela qual lhe pedira, durante muitos nas a fio, orações e sofrimentos.
"Depois, como ia partindo, escreve Josefa, rendi-lhe graças pelo caderno.'’
“Que ias fazer com ele?” — perguntou a Santíssima Virgem.
“Com muita pena confessei a verdade: infelizmente. ia queimá-lo.”
“Fui eu que te impedi, filha minha; quando Jesus pronuncia uma palavra, todo o Céu escuta com admiração!”
Josefa, que compreende cada vez mais o preço das palavras saídas dos lábios do Mestre, não sabe como exprimir sua mágoa.
“Pedi-Lhe perdão e agradeci-Lhe ter permitido que o caderno não se perdesse.”
“Quando o atiraste ao caixote fui eu que o apanhei. As palavras de meu Filho — acrescentaria Ela alguns dias depois — só as deixo aqui na terra para o bem das almas; senão torno a levá-las para o céu.”
Josefa não se cansa de agradecer repetidamente à Mãe tão compassiva que nunca a abandona.
“Estava pensando — nota ela na terça-feira de Pentecostes, 17 de maio — até que ponto Ela me ama e que ternura me dedica.
"Air! filha — responde Nossa Senhora — como poderei eu não te amar? Meu Filho derramou o Sangue por todos os homens — todos são meus filhos.
Mas quando Jesus fita o Olhar sobre uma alma eu nela repouso o meu Coração.”
Unidade de predileção entre o Filho e a Mãe que Nosso Senhor virá confirmar.
No dia seguinte, quarta-feira, 18 de mailo, escreve Josefa:
“Depois da comunhão, minha alma gozou de tal paz que não pude deixar de dizer: ó Jesus!...sei que estais aqui. Tenho certeza — Antes de acabar vi-O perto de mim. As Mãos estavam abertas, o Rosto transbordava ternura, o Coração escapava se-Lhe do Peito, toda a sua Pessoa irradiava resplendente luz. Dir-se-ia que um braseiro ardia dentro dele.
“Sim, aqui estou, Josefa!”
“Eu estava fora de mim... mas dominei-me para pedir perdão e repetir minhas misérias, meus pecados, meuia receios.”
“Se és um abismo de miséria, Eu sou um abismo de Bondade e Misericórdia!”
Depois, estendendo os Braços para ela, acrescentou:
“Meu Coração é teu Refúgio.”
Assim terminou, em efusão de Misericórdia, a história do caderno de Josefa. O demônio tentará outros meios para suprimir aqueles manuscritos aos quais Nosso Senhor dá tanta importância, mas nunca o conseguirá.
A quarta-feira, 25 de maio, traz a festa de Santa Madalena Sofia que, em 1921, não era senão bem-aventurada. Pela primeira vez, Josefa vê intervir em sua vida a Madre Fundadora a quem ama de coração tão filial.
Relata muito simplesmente este novo favor que lhe encanta e fortalece a alma.
“Hoje, festa de nossa Bem-aventurada Madre, passa muitas vezes pela sua cela para lhe dizer uma palavrinha e, uma das vezes em que entrava, de pé, em avental de trabalho, disse somente:
“Ohl Mãe, de novo vo-lo peço, fazei-me tão humilde que eu seja realmente vossa filha. Não nav:'a ninguém na cela e esta prece escapava em voz alta do meu coração, quando, de repente, vi diante de mim uma Madre desconhecida. Segurou-me a cabeça entre as mãos e apertando-ma com fervor disse:
“Filha, atira todas as tuas misérias no Coração de Jesus, ama o Coração de Jesus, repousa no Coração de Jesus; sê fiel ao Coração de Jesus.”
“Tomei-Lhe a mão para beijá-la. Depois com dois dedos traçou o sinal da bênção sobre minha testa e logo desapareceu.”
Este primeiro encontro seria seguido de muitos outros. Através dos claustros dos “Feuiliants”, tantas vezes por ela percorridos, na sua cela, à sombra do tabernáculo, diante do qual rezara Santa Madalena fttilia aparecerá à sua filha com a fisionomia viva e ridente que lhe conheceram outrora, mas iluminada pelas claridades celestes. Josefa falar-lhe-á como às Madres da terra, com toda a simplicidade e confiança.
Escutar-lhe-á as recomendações, acolherá seus conselhos e confiar-lhe-á suas dificuldades. Sob a projeção materna Josefa se sentiu garantida na graça da sua vocação.
Jesus, entretanto, querendo ensinar-lhe a humildade com a experiência da própria miséria, não a liberta das fraquezas de seu temperamento.
Parece antes comprazer-se em vê-la confundida e humilhada a seus Pés, para lembrar-lhe constantemente a bondade de seu Coração. As mais simples comparações servem ao Mestre divino para inculcar lhe suas lições prediletas.
“Supliquei-Lhe — escreve ela no dia da festa do Santíssimo Sacramento, quinta-feira, 26 de maio, que me desse Força para me vencer pois ainda não sei humilhar-me como ele quer.”
Eia durante a Meditação da manhã e Nosso Senhor lhe aparece logo:
“Não te inquietes, Josefa — diz lhe com bondade. — Se atirardes um grão de areia num vaso cheio até à beira, sairá um pouco d'água. Se jogares outro sairão mais umas gotas e à medida que o vaso se encher de areia se esvaziará da água. Igualmente à medida em que Eu entrar em tua alma te esvaziarás de ti. Mas isso só se fará pouco a pouco.”
Três dias depois no domingo, 29 de maio, ampliando seu pensamento fortifica-a no longo e penoso trabalho.
“Por que temes? Bem sei o que és, mas repito-te mais uma vez... pouco Me importa tua miséria!” Quando uma criancinha dá os primeiros passos, a mãe a segura pela mão; larga-a depois para animá-la a andar, mas estende lhe os braços a fim de que não caia. Dize à Madre que quanto mais fraca é uma alma, tanto mais precisa de amparo. Que haverá de mais fraco que tu? ~
“Então fez-me descansar sobre o Coração — prossegue ela — dizendo com voz mais paternal que nunca:
“Meu Coração acha consolo em perdoar. Não tenho maior desejo nem maior alegria que a de perdoai 1 . Quando uma alma volta a Mim depois de uma queda, o consolo que Me dá é um grande lucro, pois olho para ela com grande amor”.
E acrescentou:
“Não tenhas receio. Porque és só miséria, servir-me-ei de ti. Suprirei ao que te falta. Deixa-te amoldar... deixa-Me agir em ti.”
esse contínuo intercâmbio, de Misericórdia, de um lado, de humilde e generoso amor, de outro, se repete em cada página dessa vida e se destaca em relevo como a lição essencial. Mas aquele que a dá com tanta bondade e perseverança não quer que Josefa se absorva em sua própria fraqueza: tudo terá que servir para as almas.

 

IV - EMPRESAS DO AMOR

TRÊS ALMAS SACERDOTAIS — UM PECADOR — DUAS ALMAS ESCOLHIDAS
1.° de junho — julho de 1921

“Queres consolar-Me?”

Nosso Senhor a Josefa — 14 de nho de 1921.

“Algum tempo antes da festa do Sagrado Coração, não me lembro mais a data — escreve Josefa — velo Nosso Senhor. Trazia no Coração três novas feridas e de cada uma escorria muito sangue.”
“Olha o que quero para minha Festa!”
E quando ela exprimiu a dor que lhe causava a dor do Mestre:
“São três sacerdotes que ferem meu Coração.
Oferece per Eles tudo que fizeres.”
“Disse-Lhe quão pobre sou a fim de que supra ao que me falta. Respondeu com muito amor e bondade:
“Quanto maior tua miséria, tanto mais te sustentará meu Poder. Tornar-te ei rica de Deus. Se Me fores fiel darei morada em tua alma e aí me refugiarei quando os pecadores Me repelirem. Repousarei em ti e terás vida em Mim. Tudo de que precisares, vem buscar em meu Coração, mesmo aquilo que Eu próprio te pedir. Confiança e amor!"
Desde então múltiplos sofrimentos de alma e de corpo não deixam trégua a Josefa até a sexta-feira, 3 de junho, aquela festa do Coração de Jesus que vai revelar o poder da oração e a misericórdia que a ela responde. “Na oração — escreve ela — abriu-me o Coração.”
“Entra aqui — disse-me — e continua a me confiar tudo que te pedi.”
“Fez-me descansar de todas as angústias dos dias precedentes. Depois ficou a meu lado, tão formoso e como se transbordasse de júbilo. Falei dos três sacerdotes.”
“Pede-os ao meu Coração. Ainda não voltaram, mas já se estão aproximando.”
Encantada com aquela radiante beleza, Josefa fala daquela festa que, como pensa, Lhe deve dar tanta glória.
“O Coração se Lhe abrasou a tais palavras, nunca o tinha visto assim.”
“Sim, hoje é o dia de meu Amor. As almas, as almas que tanto amo!... arrebata-me o Coração, vindo buscar Forças e remédio neste Coração que tão ardentemente deseja enriquecê-las. Eis o que Me glorifica, eis o que mais Me consola!
“Ficou até o fim da oração e me acompanhou à Missa. ”
Nesse dia, na Sociedade do Sagrado Coração, todas as religiosas renovam solenemente os Votos diante da Hóstia, no momento da santa comunhão. Josefa não sabe como conter a emoção, ouvindo a renovação repetida com ardor por todas as Madres e Irmãs.
“Oh! como sou feliz na minha cara Sociedade!” — escreve.
Depois prossegue: “De repente, vi Seu Coração!
primeiro só. mergulhado num braseiro ardente; depois como se algumas leves nuvens se afastassem, apareceu Jesus! Estava encantador — Não sei que Lhe disse...
Como agradecer tudo que faz por mim?”
“Vou dizer-te, Josefa. Tema este Coração e oferece-O a teu Deus. Por meio dele poderás pagar todas as tuas dívidas. Sabes agora o que quis fazer atraindo-te aqui. Desejo que correspondas a meu plano com tua docilidade em te deixares amoldar, em te abandonares a meu Amor, que não procura outra coisa senão possuir-te e não te deixará pensar senão em minha Glória e no bem das almas.”
Então, com insistência cheia de ardor, acrescenta:
“Agora, implora-Me, dize Me o que queres, pede Me!-’
“Roguei por tudo que desejo — escreve ela — primeiro pela Sociedade, como é natural, ao mesmo tempo que lhe oferecia todos os atos de renovação pelos três sacerdotes. Pelo dia afora não cessei de rezar por eles. Não sei quantas vezes repeti: Senhor, dissestes- me que hoje as almas vos arrebatam o Coração e as graças... não vos poderíamos ganhar aquelas três almas? Deixai-Vos enternecer!"
Pelas três horas da tarde, subiu ao Noviciado Passando diante da tribuna do órgão, entrou outra vez, “para bater — disse ela — à porta daquele Coração a fim de que não mais resista às nossas súplicas. ” Veio logo e perguntou como se não me tivesse ouvido:
“Que queres? Dize-Mo.”
“Mas, meu Jesus, não sabeis? E vossos três Sacerdotes? Suplico-Vos, já que é Vosso desejo... Só Vós podeis fazê-lO.”
Então com majestosa solenidade e ao mesmo tempo alegria divina, Jesus, mostrando-me o Coração, disse;
“Josefa! Voltaram a meu Coração!”
Depois, como que empolgado por grande emoção, prosseguiu:
“Se tivessem repelido minha Graça, teriam sido responsáveis pela perda de muitas almas!”
E, enquanto prostrada diante do Mestre, não sabe que dizer, tal a sua felicidade, acrescenta Ele;
“Repetirás todos os dias estas palavras: “ó meu Jesus, por vosso Coração amantíssimo, suplico-Vos que inflameis com o zelo do vosso, Amor e de vossa Glória todos os sacerdotes do mundo, todos os missionários, todos aqueles que são encarregados de anunciar vossa divina Palavra, a fim de que, abrasados de santo zelo arranquem as almas ao demônio e as conduzam ao asilo do vosso Coração, onde possam glorificar-Vos sem interrupção.”
“Vi então no lugar dos espinhos uma coroa de rosas rubras cercar-lhe o Coração que estava como um incêndio. Toda a sua Pessoa resplandecia e o Rosto transbordava de bondade."
A lembrança dessa festa do Sagrado Coração nunca mais se lhe apagará da memória. Tinha aí experimentado a alegria infinita do Coração de Jesus quando os sacerdotes lhe dão a totalidade de amor que deles espera. Desde então a prece aprendida dos próprios lábios do Mestre ficará sendo sua prece quotidiana e as almas sacerdotais a primeira e maior intenção de sua vida.
Uma notinha secreta até sua morto, prova que já nessa época Nosso Senhor a mantém constantemente diante dessa missão.
“Era o dia 11 de junho, e eu sempre com medo que em volta de mim se percebesse alguma coisa, quando veio Nosso Senhor de repente. Exprimi-Lhe meus receios e com indizível ternura respondeu:
“Lembra-te de minhas Palavras e crê nelas. O único desejo de meu Coração é aprisionar-te dentro dele, possuir-te em meu Amor e depois fazer de tua pequenez e de tua fragilidade um canal de Misericórdia para muitas almas que se salvarão por meio de ti. Mais tarde te descobrirei os ardentes Segredos cie meu Coração e hão de servir ao bem de muitas almas. Desejo que escrevas e guardes tudo que te disser. Tudo se lerá quando estiveres no céu. Não é por causa de teus méritos que Me quero servir de ti, mas a fim de que as almas vejam como meu Poder se serve de instrumentos débeis e miseráveis.
“Perguntei-Lhe se tinha que dizer mesmo aquilo — nota ela ingenuamente: — Jesus respondeu:
“Escreve e ler-se-á depois de tua morte”.
Assim vai descobrindo, pouco a pouco, o grande Plano de Amor que se prepara no silêncio e na labuta de seus dias. Não podem faltar sofrimentos a Josefa, que caminha corajosamente para a humildade, não passa sem encontrar frequentes tentações.. O demônio procura transformar em obstáculos certos atos que seu amor praticaria tão simplesmente em outros tempos.
Mas a Santíssima Virgem ali está sempre para iluminá-la, guiá-la e defendê-la.
“Estava a contar-lhe tudo que aconteceu — escreve ela na segunda-feira, 13 de junho, mas não a esperava quando, de repente, veio como verdadeira Mãe, 'áu boa!”
“Escuta, filha, não faças caso do que sentes. Crê em Mim: quanto maior for tua repugnância, tanto mais mereces aos Olhos de meu Filho — Vela sobre estes pontos que são aqueles por onde o inimigo das almas procura fazê-las crer: Primeiro, não te deixes nunca dominar pelos escrúpulos que te sugerir com o intuito de te afastar da comunhão.
“Em segundo lugar, quando meu Filho te pedir algum ato de humildade ou out o. faze-o com todo o amor, repetindo sem parar: Senhor, vede como isto me custa... mas Vós antes de mim. Em terceiro lugar não faças o menor caso da astúcia diabólica pois tenta persuadir-te que a confiança em tua Madre diminui a Jesus alguma coisa de tua ternura.
“Se o demônio te pegar por esse lado terá ganho tudo. Abre tua alma com confiança e ama tua Madre sem medo, dize-lhe com simplicidade tudo que pensas que te inquieta, que te perturba. Jesus assim quis amar na terra aqueles que representavam seu Pai e se compraz em te ver espontânea e simples.
Mas não te esqueças, ainda outra vez te recomendo, nunca percas uma comunhão”.
Quem não admirará a prudência e a delicadeza de tais conselhos?
Seguindo-os é que Josefa se tornará, entre as mãos do Mestre, o instrumento maleável e dócil de que se servirá para muitas empresas redentoras.
“Na terça-feira, 14 de junho, na adoração, Jesus veio muito belo — escreve ela. Trazia na Mão a coroa de e:pinhos e, com expressão de grande bondade, perguntou;
“Queres consolar-Me?”
“Naturalmente eu disse que sim! e ele continuou;
“Quero que trabalhes para aproximar de meu Coração uma alma muito amada. Orienta tua intenção a fim de ofereceres tudo por ela. Apresenta a toda a hora a meu Pai o Sangue de meu Coração.
Beija o chão para adorar o Sangue ultrajado e pisado por aquele pecador que tanto amo! Se a Madre permitir, dir-te-ei o que poderás fazer hoje. Não tocarei na observância da Regra.”
Eva atenção do Mestre para com a observância fiel guarda-!a-á sempre em caminho seguro.
“Tens licença da Madre? — torna a perguntar no dia seguinte, depois da comunhão.
“Vos bem sabeis, Senhor, responde Josefa, que ela só quer agradar-Vos”.
“Sei. Mas tu te deves primeiro sujeitar à vontade de tua Superiora antes de fazeres o que Eu mesmo te peço. ”
Então traça-lhe o plano de seus -dias de oferecimento.
“Quando acordares, entra logo no meu Coração e uma vez bem dentro oferece a meu Pai todas as tuas ações unidas às pulsações do meu Coração. Une também todos os teus movimentos ao Meus, a fim de que não sejas mas tu, mas Eu que opere em ti.
Durante a Missa, apresenta a meu Pai aquela alma que quero salvar a fim de derramares sobre ela o Sangue da Vítima que se imola. Quando comungares oferece-Lhe a Riqueza divina de que dispões para pagar a dívida daquela alma. Durante a oração, coloca-te a meu lado no Getsêmani. Participa da minha angústia e oferece-te a meu Pai como vítima pronta para sofrer tudo de que tua alma for capaz.
Quando tomares alimento, pensa que é a Mim que dás esse alívio e, igualmente, cada vez que encontrares satisfação, seja onde for”.
“Não te separes um só instante de Mim.
“Beija frequentemente o chão.
“Não faltes um só dia à Via Sacra.
“Se eu precisar de ti, dirte-ei.
“Não olhes senão para minha Vontade em tudo que fizeres e cumpre a com grande submissão.
“Humilha-te profundamente, juntando sempre à humildade a confiança e o Amor.
“Faze tudo por amor, sem perder de vista o que sofri pelas almas. Durante a noite repousarás no meu Coração. ele recolherá as palpitações do teu como outros tantos atos de desejo e amor.
“É assim que me trarás aquela alma que tanto me ofende.”
“Pedi-Lhe que me perdoe se uma outra coisa não fôr bem como ele deseja, pois tenho boa intenção, mas minha fraqueza é grande.”
“A tarde, durante a adoração, veio ele, com as Mãos e os pés ensanguentados, e olhando o céu disse-me:
“Oferece ao Pai, por aquela alma, a divina Vítima, oferece o Sangue de meu Coração.”
“Repetiu três vezes as mesmas palavras. Eu repeti meu desejo de O consolar e de tudo fazer como me explicara.”
“Não te inquietes: para tudo isso tens meu Coração.”
Josefa vai aprender o preço necessário ao resgate de uma alma. Durante várias semanas será associada à Oblação e aos Sofrimentos redentores e seguirá, passo a passo, o caminho da conversão daquela alma desgarrada,
Na sexta-feira, 17 de junho, pergunta a Nossa Senhor se ele não seria consolado com um pequeno ato que Lhe confia em segredo. E como ele lhe exprimisse sua alegria:
“Por que não mo dissestes mais cedo, Senhor?”
“— Escuta, Josefa. Quando teu pai tem sede e te pede de beber, se lhe deres um copo d'água., ficará agradecido. Mas se ele nada pedir e tu mesma te lembrares de lho oferecer para aliviar sua sede, como ficará contente ao ver que a filha procura por si mesma, consolá-lo!
“Já te disse, tudo que fizeres por meu Amor, por pouco que seja, Me dará muito consolo e será de grande valor para ti e para as almas... Agora dá-Me teu coração, pois quero nele repousar. Quando eu precisar de qualquer outra coisa to pedirei. Repete-Me que Me amas pelas almas que Me ofendem.”
Esse amor Josefa terá que afirmar, principalmente com sua coragem no sofrimento. Desde muitos dias, com efeito, violenta dor do lado esquerdo do peito se ajuntara às outras que constantemente a acabrunham.
Há momentos em que mal pode respirar. Em vão tentou se aliviá-la e a visita médica nada descobriu de anormal. Mas fica lhe no coração o receio de que aquelas dores se tornem obstáculo à vida religiosa. Recorre então à Mãe do céu para lhe confiar seu sofrimento e ansiedade.
Na segunda-feira, 20 de junho, reza no oratório do Noviciado, “quando — diz ela — a Santíssima Virgem veio de repente. E com ternura respondeu:
“Não te apoquentes, filha, e dize à tua Madre que nada receie. Essa dor é uma centelha do Coração de meu Filho. Quando se tomar mais aguda, oferece-a bem é sinal que a essa hora uma alma O fere profundamente. Não receies sofrer, é um tesouro para ti e para as almas.”
“Deu-me a bênção e desapareceu.”
Naquela mesma tarde, no refeitório, fiel à direção do Mestre, oferecia meu alimento a Nossa Senhor, como me ensinou a fazer” — escreve ela — “Veio de repente e me disse com voz triste.”
“Dá-Me de comer, pois tenho fome... dá-Me de beber, pois tenho sede!"
“Ficou assim todo o tempo da refeição — continua Josefa —. Depois disse:
“— Vem comigo... não Me deixes Só.”
É a uma via de dores sempre maiores que a chama o Mestre, manifestando-se a ela durante a ação de graças do dia seguinte, 21 de junho.
“Oferece tudo a meu Pai em união com meus Sofrimentos — disse-Lhe — Todos os dias far-te-ei passar três horas na agonia e no desamparo de minha Cruz, e será de grande proveito para aquela alma.”
Josefa não hesita nessa via dolorosa. Tanto teme os favores cuja responsabilidade avalia, quanto se acha sempre pronta a participar na cruz que salvará as almas. Nosso Senhor sabe disso e multiplica os pedidos.
Na quinta-feira, 23 de junho, na santa Missa aparece-lhe ainda:
“Quero que peças licença para fazer a Hora Santa. Apresentarás aquele pecador a meu Pai Eterno, lembrando-Lhe que foi por essa alma que sofri a Agonia do Getsemani. Oferecerás meu Coração e teus sofrimentos unidos aos meus... Dize à tua Madre que esses sofrimentos nada são em comparação com a alegria que me dará aquela alma quando vier a Mim.”
“A noite — continua Josefa — acordei sob a Violência da dor e pouco depois veio Jesus coroado de espinhos. ”
“Venho para que soframos juntos.”
“Juntou as mãos e ficou longamente em oração.
Se vísseis, Madre, como estava belo! Os olhos voltados para o alto, o semblante impregnado de uma tristeza tão bela... caía-Lhe sobre a Face uma claridade que parecia reflexo do céu.”
Dias e noites se seguem... Josefa nota as visitas do Mestre, que lhe manifesta sem cessar sua Sêde e sua Expectativa. Pode-se dizer que ela assiste à amorosa perseguição que corre ao encalço daquela alma em perigo. Tomando Josefa responsável por ela diante de Deus, Jesus quer colaboração inteiramente desinteressada. Quando ela Lhe pergunta se o pecador já se está deixando locar, responde na terça-feira, 28 de junho, acercando-se dela durante o trabalho:
“Escuta o que te vou dizer: queres agradar-me verdadeiramente? Não te ocupes de outra coisa senão sofrer e de Me dares tudo que peço sem procurares saber “como” e “quando”.
“À noite — continua ela — na quarta-feira, 29 de junho — no momento de me deitar disse a Nosso Senhor que estava sempre a seu dispor. Eram 11 horas, creio, quando acordei como nas noites precedentes. Estava mergulhada num fogo que não sei explicar, sem encontrar alívio algum à dor que com qualquer movimento aumentava. Pelas duas horas da manhã veio de repente Nossa Senhora. Trazia nas mãos um véu branco que estendeu sobre minha cama e a dor desapareceu. Ela estava de pé e me fitava com expressão de grande tristeza. Como nada dizia falei-lhe eu mesma daquela alma suplicando-Lhe que pedisse Ela própria a Jesus que afastasse dele a ocasião de pecar e Lhe desse Força para voltar ao bom caminho. Os olhos encheram-se-Lhe de lágrimas e disse:
“Como caiu baixo! Deixou-se enganar como um cordeiro! Mas, coragem! Faze tudo que te disse meu Filho e pede-Lhe que descarregue sobre ti o que o pecador merece. Assim a Justiça divina o poupará.
Não tenhas mêdo de sofrer. Não te faltará a Força necessária e quando não puderes mais, eu te darei coragem e te aliviarei. Sou o Refúgio dos pecadores; aquela alma não se há de perder”.
No dia seguinte, quinta-feira, 30 de junho, depois da comunhão, Jesus apareceu a Josefa mostrando-Lhe as Chagas das Mãos e dos Pés e ensinando Lhe a descobrir a Chaga invisível do seu Amor.
“Olha minhas Chagas — diz —; adora-as, beija-as. Não foram as almas que Mas fizeram, foi o Amor.”
E como Josefa não sabe o que dizer, ele repete:
“Sim, é o Amor que tenho às almas, o Amor de compaixão que tenho aos pecadores... Ah! se soubessem!”
Então, no silêncio de sua alma, Josefa deixa o Mestre imprimir nela aquela Chaga invisível que ela tem que partilhar e aliviar.
“A maior recompensa que possa dar a uma alma — prossegue ele — é fazê-la vítima de meu Amor e de minha Misericórdia, tornando-a semelhante a Mim que sou a Vitima divina pelos pecadores.”
“Estava triste como nas últimas vezes — escreve — mas com uma tristeza que Lhe dá nova formosura como não posso explicar... pois tudo nele cativa! Pi a os Olhos no céu e quando os baixa para me olhar estão molhados de lágrimas. Creio que as lágrimas não são de pena, mas de amor.
Suas Mãos estão traspassadas e os Pés também, é Ele mesmo que os estende quando quer que os beije e creio que isso O consola.
“Desde que me falou daquele pecador, nem Ele nem a Santíssima Virgem se aproximam de mim. É um sofrimento!... Mas desde quinze ou vinte dias, minha alma tem atração pelo sofrimento. Antigamente tudo me fazia, medo e quando Jesus me dizia que me escolhera como vítima,, todo meu ser estremecia. Agora, é o contrário. Há dias, porém, em que sofro tanto que se ele não me amparasse não poderia viver assim, pois não tenho um só membro poupado... Apesar disso, minha alma quereria suportar muito mais por ele, em bora não sem resistência da parte sensível. Quando começo a sentir as dores, tremo e receio instintivamente. Mas na vontade há uma Força que aceita, que quer, que deseja mesmo sofrer ainda mais, de modo que se naquele momento me mandassem escolher, ou ir para o céu, ou continuar a sofrer, preferiria mil vezes ficar para consolar seu Coração, embora me consuma em desejos de ir para ele. Sinto que foi Jesus que fez esta transformação e que ele cuida de mim com desvelo. Isso me faz transbordar de amor e de gratidão.”
No dia l.° de julho, festa do Precioso Sangue, a primeira sexta-feira do mês, Nossa Senhora veio ainda lembrar à filha o valor redentor do Sangue que ela deverá utilizar pelo pecador.
“Adora o Sangue divino de Jesus, filha, e suplica-Lhe que o derrame sobre aquela alma, a fim de comovê-la e perdoá-la ou purificá-la... E além disco — acrescenta — hoje à tarde, às 6 e meia, confia a a seu Anjo da Guarda e reza por ela.”
No dia seguinte, sábado, 2 de julho, pela tarde, Jesus, aparece como nos últimos dias, com as Mãos e os Pés dilaceradas:
“Seu Rosto estava maravilhosamente belo — neta Josefa, — e principalmente o Coração! Como sofro por não me poder aproximar dele! Mas hoje, ele não me permitiu nem que lhe beijasse as Chagas. Disse somente:
“Estás pronta, para Me consolar?”
Olhava para mim de maneira inexprimível. Seus Olhos me fazem compreender tanta coisa!
Depois acrescentou:
“Tu me sacias a sede, Josefa... tu Me dás de beber. À noite, durante três horas, unir-te-ei à minha Agonia. Agora oferece-te a meu Pai a fim de que descarregue sobre ti sua justa Cólera.”
“Quando acabou de falar, olhou para o céu, de mãos postas e depois de um momento de silêncio partiu.”
É assim que, dia a dia, lhe vai desvendando sua missão.
“Não cesses de unir teus atos aos Meus e de ofereceres ao Pai meu Sangue precioso — repete Nosso Senhor. Não te esqueças de que és a vítima de meu Coração.”
Não se limita somente àquele pecador o horizonte dá Josefa.
Na sexta-feira, 8 de julho, confia-lhe duas outras almas das quais diz:
“Vê como Me traspassam o Coração... como Me dilaceram as Mãos!...
Durante a meditação voltou” — escreve ainda.
“Olha para meu Coração. É todo amor e ternura, mas há almas que O não conhecem!”
"Depois, antes de partir, acrescentou:
“Voltarei muitas vezes até que aquelas duas almas se convertam. Quando sofres Eu descanso e meu Coração folga em se comunicar a (d. Nada temas; minhas Visitas em nada te prejudicarão, pois estás nas minhas Mãos e te guardarei contanto que nada Me recuses.”
Pode-se calcular a soma de energia e generosidade escondida no esforço que Josefa tem de sustentar para arcar com o movimento duplo de sua vida; de um lado dias e noites em contato com o invisível e tudo que ele exige de oblação; de outro, a fidelidade que a mantém sempre apegada ao trabalho e à Regra. Eis por que, com bondade incomparável, o Senhor vem reconfortar-la, fazendo-a partilhar da sua Alegria de Salvador:
“Veio durante a adoração, formosíssimo — escreve no sábado, 9 de julho, e me disse:
“Vês, Josefa, uma das duas almas Me deu enfim o que me recusava, mas a outra está bem próxima da perdição se não reconhecer seu nadai. ”
Então Josefa perguntou-Lhe se se referia ao pecador que tanto Lhe preocupava o Coração:
“Não — torna o Mestre — esse está próximo da vitória e breve repelirá o perigo para longe. É assim que tiro o bem, mesmo das maiores quedas.”
Desde 0 dia seguinte, domingo, 10 de julho, Jesus vem excitar-lhe de novo a generosidade. Aparece-lhe depois da comunhão e lembra aquela das duas almas que resiste ainda, ao seu Amor e a quem o orgulho está pondo em grave perigo.
“Sim; oferece-te para lhe obter Perdão.
Se uma alma se humilhar, mesmo depois de se ter deixado levar pelos maiores pecados, retirará lucro. O orgulho, porém, irrita a Cólera de meu Pai, pola é coisa que Ele odeia com ódio infinito. Busco almas que saibam humilhar-se para reparar o orgulho — repete na tarde seguinte, 11 de julho — Procura fazer muitos atos de humildade sem olhar para o que te custam. Se soubesses quanto me agradam!”
“Depois partiu acrescentando:
“Não te esqueças que eu quero que te entregues a meu Coração.”
Escreve ainda na terça-feira, 13 de julho:
“Pelas quatro horas da tarde voltou, com o Rosto tão triste e tão belo, com o Coração ferido por uma graaxde Chaga.
“Dá-Me teu coração, Josefa, a fim de que o encha com a amargura dia Meu e oferece-te incessantemente para reparar o orgulho daquela alma. Nada Me recuses, sou tua Força.”
"Pareola pedir esmola e eu não sei que faria para O consolar. Disse-Lhe mil coisas, ofereci-Lhe principalmente meus desejos e pedi-Lhe a graça de nunca mais Lhe resistir. Que se digne não olhar para o que sou... Só miséria.”
“Pouco importa! Tua miséria Me consolará. O que peço é liberdade para dispor de ti. Não preciso de nada mais em minhas almas senão dio abandono e do amor... sim, amor ao Coração que se consome ide Amor!”
“Disse então olhando para o céu:
“É o orgulho que a cega! Esquece que sou Deus e que sem Mim ela é nada! que importa subir aqui nesta terral Quero que te prostres a toda hora diante de meu Pai: oferece-Lhe a humildade de meu Coração. Não te esqueças de que, sem Mim, a alma é um abismo de miséria. Exaltarei os humildes...
suas fraquezas, mesmo suas quedas, pouco me importam... o que quero é humildade e amor!”
Passam-se semanas sem que Josefa possa experimentar um só momento de repouso, a dor do lado, a craroa, todos os membros doloridos, a alma sob o peso da Cólera divina, tudo lhe lembra a carga, com que a presenteou o Amor. Mas a Santíssima Virgem a reanima “pois, escreve ela — não posso mais de tanta dor!
“Filha. — diz-lhe aquela boa Mãe, respondendo. a seu chamado durante a noite de 12 a 13 de julho; — estás sofrendo para repousar o Bem Amado não basta para te dar coragem? Se soubesses como te sustém para nunca te deixar só!
Não receies sofrer ainda ...”
Depois quando a noite terminou:
“Agora são quatro horas. Dorme no Coração de Jesus e nos braços de sua Mãe. Não te abandonarei. Não temas.”
Josefa tinha pois ainda mais que sofrer. Com efeito, nos dias seguintes, recrudescência de dores...
A impotência a que se vê reduzida acrescenta-lhe, a tanto sofrimento, a pena de não poder dar conta do trabalho habitual... Explora-lhe o demônio ainda o receio de ser notada e procura persuadi-la de que tudo que sofre é inútil pois as almas não se hão de salvar...
Sucedem-se assim os dias de obsessão às noites dolorosas, humilhando-a e diminuindo-a sempre a seus próprios olhos.
Então, como sempre, vem-lhe Maria em socorro.
“Eram três horas da manhã, creio — escreve na sexta-feira, 22 de julho. Ela veio de repente e, pondo¬me as Mãos sobre os ombros, disse:
“‘Filha de meu Coração! Venho-te amparar pois sou tua Mãe. Nada do que estás sofrendo é inútil. Terás ainda uma grande prova que atravessar para salvar aquela alma orgulhosa. Desde que sentires a proximidade da tentação, descobre-a logo. Depois, obedece, obedece, obedece!”
“Disse-Lhe que é justamente o que mais me custa agora: dizer e obedecer.”
“Escuta, Josefa, é o momento propício para submeteres teu juízo à obediência e será com atos assim de humildade, no mais forte da tentação, que expiarás o orgulho daquela alma. Enquanto lutas, a coação do demônio é menos poderosa sobre ela...” E, insistindo mais fortemente ainda: "Deves sofrer pelas almas, deves ser tentada, pois, compreende bem, o demônio teme a fidelidade. ...
mas coragem.”
Deu-me a bênção e partiu.
Confirmando as palavras da Mãe Jesus vem logo pela madrugada daquela noite dolorosa e se mostra a Josefa depois de uma comunhão obtida por duros com batete.
“Estava tão belo; — escreve — embora trouxesse a coroa de espinhos na Cabeça e as Chagas ensanguentadas!
“Olha minhas Chagas e beija-as. Sabes quem mas fez? o Amor! Sabes quem Me enterrou esta coroa? O Amor. Sabes quem Me abriu o coração?
O Amor. Se Eu te amo a tal ponto que nada recusei por ti, dize-Me Josefa. não poderás sofrer sem nada me recusares. Abandona-te!”
E com tais palavras que Jesus prende a Si, mais fortemente que nunca, a vontade de Josefa.
Logo' no dia seguinte, Sábado, 23 de julho, manifesta-se ainda a ela depois da santa comunhão.
“Se soubesses quantas almas Me ofendem e Me magoam. Eis porque procuro vítimas que Me consolem e que sofram por meu Amor. Pui Eu que te escolhi! Sou teu Deus e me pertences.
“Tu te abandonaste e desde então nada Me poderás recusar...”
“Pouco depois da meia-noite — escreve ela ainda no mesmo dia — quando a angústia e a dor desapareceram, pus-me de joelhos e beijei meu Crucifixo para Lhe manifestar minha alegria de ter sofrido por ele e meu reconhecimento, pois mais uma vez me amparara.
De repense vi-O perto da cama, belíssimo.
“Quanto mais generosa fores para comigo, tanto mais sê-lo-ei para contigo.
Aquela generosidade divina não cessa, com efeito, de ampará-la e de afastar os temores que surgem ainda na sua alma quando ela se vê na impossibilidade de dar conta de todo seu trabalho.
“Quando sofres, és meu consolo e meu repouso.
Quando repousas, sou Eu que te guardo. Não permitirei que nada disso te prejudique, pois estás em meu Coração."
O fruto de tanto sofrimento amadureceu em longas semanas de oblação e combate. Josefa não tarda a sabê-lo.
Na terça-feira, 25 de julho, o Amor do Mestre, faz-lhe a mesma pergunta:
“Estás pronta para Me consolar... Estás pronta para sofrer?”
lembra o mútuo compromisso do dia 5 de agosto de 1920.
“Se Me fores fiel, dar-te-ei a conhecer a Riqueza de meu Coração. Saborearás a Cruz mas te consolarei como Esposa caríssima”.
Depois acrescenta:
“Nunca falto à minha Palavra”.
Naquela mesma tarde, notícias cheias de esperança chegavam indiretamente ao convento.
“Não sabia como render graças — escreve ela, no dia seguinte, terça-feira, 26 de julho, — tanto mais quando eu estava sob a impressão do que me dissera.
“Nunca falto à minha Palavra.”
“ele veio — continua — e me disse:
“A obra não está terminada; manifestarei ainda minha Bondade para com aquela alma. A única coisa que te peço é que Me sejas fiel.”
Na quarta-feira, 3 de agosto, pelas sete e meia da tarde, Jesus apareceu radiante e disse afinal:
“O pecador que tanto Me fez sofrer, Josefa, está agora no meu Coração.” no dia seguinte, lembra-lhe a alma cujo orgulho continua a feri~Lo tão profundamente:
"Quero que aquela alma volte, dentro em breve, a Mim. Queres sofrer por ela? Oferece hoje tudo que fizeres por esta intenção. Voltarei breve”.
“A tarde, pelas 4 horas, Jesus deu-me a pressentir a Sua vinda — escreve ela — e eu fui à tribuna do Noviciado. Logo ali se mostrou O Coração não tinha mais a chaga que trazia desde que me falara da alma orgulhosa .
“Vem — disse — aproxima-te e descansa. Aquela alma está no meu Coração!... Mas, — acrescenta — só viverá o tempo necessário para se purificar das faltas, pois é tão fraca que tornaria logo a cair. ”
“Como eu sou mais fraca que ninguém, supliquei-Lhe que me fizesse a mesma graça, pois, se não puder ficar fiel, prefira mil vezes morrer. Enquanto eu Lhe dizia isso, ele me apertava encostada ao seu Coração.
Perguntei-Lhe por que tanto desejava a salvação daquela alma?
“S que ela própria salvara muitas outras que Me estão agora glorificando.”
Foi quarta-feira, 14 de agosto, que Nosso Senhor confirmou definitivamente a salvação daquelas almas compradas a tão alto preço.
“A tarde Jesus veio, belíssimo, e me disse:
“Aquela alma, que ficava aqui na terra só para acabar de se purificar, está agora no céu. Quanto ao pecador, meu Coração obteve nele vitória definitiva. Consolar-me-á de ora em diante e corres, ponderá a meu Amor.
“E tu — continua o Mestre — tu Me amas?
Tenho meus desígnios sobre ti e são Desígnios de Amor... Nada Me recuses”.

 

UMA COMUNIDADE RELIGIOSA

“Quero servir-Me de ti para uma grande Obra!”

Nosso Senhor a Josefa — 25 de julho de 1921.

Naquela mesma data, agosto de 1921, terminava também uma empresa de reparação à qual o Senhor convidara Josefa. É preciso para segui-la, dia a dia, voltar atrás, à terça-feira, 26 de julho, quando, depois da comunhão, Jesus perguntava à esposa:
“Estás disposta a Me ser fiel?”
“Disse-Lhe tudo o que receio da minha fraqueza — escreve ela — mas bem conhece ele meus desejos.”
“Quero servir Me de ti para uma grande Obra.
Deverás trazer a meu Coração uma Comunidade que se afastou. Quero que minhas Esposas voltem para aqui!”
“E mostrava o Coração. Perguntei-Lhe que esperava de mim."
“Continua a fazer tudo que te ensinei para aquele pecador. Oferece meu Sangue divino, cujo preço é infinito.”
“Voltou pelo meio-dia, carregando enorme cruz — prossegue ela.
“Venho trazer-te minha Cruz — disse — pois quero descarregá-la sobre ti.”
Então ele ficou sem cruz e eu me senti acabrunhada de tal sofrimento que não poderia aguentar se Jesus não me desse Força especial.
“Para essa empresa, — continuou o Senhor — escolhi nove almas. Estou contigo agora. Deixar- te-ei e irei a outra, assim será sempre uma de minhas Esposas que Me consola. ”
Ficou um momento em silêncio; depois, como se falasse a Si mesmo:
“Sim, é verdade, muitas almas Me ferem com ingratidões. Mas são ainda mais numerosas aquelas, em que repouso e que são minhas delícias”.
Sob o peso da cruz, Josefa recomeçou o trabalho em presença do Mestre que lhe diz:
“Trabalha em minha companhia.”
Ela está só e, de vez em quando, ajoelha-se para adorá-Lo e se oferecer a ele.
“Quero, não somente, que aproximeis de Mim aquelas almas — explica Nosso Senhor — mas que pagueis por elas, a fim de que não tenham mais nenhuma dívida diante de meu Pai”.
Eram quatro horas — acrescenta ela — quando me disse:
“Agora vou-Me embora. Voltarei quando for de novo tua vez”.
“Tomou a Cruz e desapareceu... e fiquei sem sofrer."
Desde então as longas horas de expiação voltarão exatamente no momento fixado por Nosso Senhor, que vai de uma alma escolhida à outra para lhe confiar a Cruz”.
Depois da comunhão, na quarta-feira, 27 de julho mostra se a Josefa.
“Venho descansar em ti — diz-lhe — “Quero que te esqueças de ti mesma, que Me consoles, que penses tanto em Mim, que Me ames com tal ardor, que só Eu ocupe teus pensamentos e teus desejos.
Não temas sofrer. Sou bastante poderoso para cuidar de ti.” 1
Ela Lhe fala logo da empresa de amor começada na véspera.
“E como Lhe 1 tivesse eu lembrado uma grande dor — escreve ela — respondeu:
“É uma. comunidade tíbia e relaxada...” “Então ficou em silêncio e um momento depois continuou:
“Mas serão minhas... voltarão a. meu Coração! Foi para convertê-las que escolhi nove vítimas. Nada tem mais valor do que o sofrimento unido a meu Coração. Hoje á noite hei de trazer-te minha Cruz. Lá estarei à meia-noite, que é a hora correspondente à tua vez”.
Na mesma tarde veio também a Santíssima Virgem confiar à Josefa uma alma em perigo.
“Até amanhã — disse — queria que pusesses todo o ardor para salvar uma filha que amo. Jesus a queria para Si e tinha-lhe dado o tesouro da vocação. Ela o perdeu por infidelidade. Vai morrer amanhã e o que Me dá mais pena é que rejeitou meu escapulário. Que consolação para meu Coração de Mãe se aquela filha se salvar! Deu-me a bênção e desapareceu”.
“Não pude dormir à noite, pois estava angustiada, pensando naquela alma tão próxima da morte, sem falar da dor do lado, da coroa de espinhos e de todos os sofrimentos de cada noite.
“Pela meia-noite, Jesus veio com a Cruz. Picou a meu lado, mas sem a cruz que senti pesar sobre meu corpo corno uma carga que o esmaga enquanto minha alma fica oprimida de dor inexplicável.”
De fato, o peso daquela cruz invisível que carrega sobre o ombro direito dobra-a pelo meio e parece esmagá-la. A respiração, Já penosa, por causa da dor que tem no peito, toma-se ainda mais difícil, e é inútil tentar aliviá-la.
“Sofre com coragem — diz Nosso Senhor — a fim de que minhas Esposas se deixem penetrar por esfa flecha de Amor!”
E do seu Coração sai uma centelha de fogo.
“Beija minhas Mãos, beija também meus Pés.
Repete comigo: Pai! O Sangue de vosso Filho não terá bastante valor? Que mais desejais? Seu Coração, suas Chagas, seu Sangue... Ofereço-Vos tudo pela salvação das almas. ”
“Eu repetia aquelas palavras” — escreve Josefa no dia seguinte — “Ele ficava em silêncio longos momentos. Creio que rezava pois tinha as Mãos postas e olhava para o céu... Eram quatro horas da manhã quando disse:
“Agora deixo-te, pois uma outra das minhas Esposas Me está esperando. Sabes que são nove...
as escolhidas de meu Coração! Voltarei amanhã à uma hora e te darei de novo a Cruz... Adeus! Tinha sede e Me deste de beber. Serei tua recompensa!
Na sexta-feira, 29 de junho, à uma hora da tarde, como dissera, veio Jesus com a Cruz.
“Aqui estou — disse — a fim de te dar a participar do sofrimento de meu Coração oprimido e amargurado.”
Entrega-lhe a Cruz e mergulha-a no sofrimento que experimentara nos dois dias precedentes.
“Escorria-lhe muito sangue da Chaga do Coração” — escreve ela.
“Repete comigo — disse: — Pai Eterno, olhai estas almas banhadas no Sangue de vosso Filho Jesus Cristo, da Vítima que se oferece a Vós incessantemente. Este Sangue que purifica, abrasa, consome, não será bastante poderoso para comover aquelas almas?"
“Ficou em silêncio alguns minutos. Eu repetia multas vezes suas palavras Depois disse com Força:
Sim quero que voltem a Mim. Quero que se abrasem de amor ardente, enquanto Eu me consu mio por elas de Amor doloroso!”
“E acrescentou com tristeza:
“Ah! se as almas compreendessem quão ardentemente desejo comunicar-Me a elas!... Mas quão poucas compreendem! e como meu Coração fica magoado! ”
“Consolei-O como pude; disse-Lhe que esquecesse um pouco as almas que O ofendem e que pensasse antes nas que O consolam e O amam. Seu Coração pareceu dilatar-se a essas palavras e disse:
“Sou a única felicidade das almas. Por que se afastam de Mim?"
“Senhor, nem todas se afastam e se nós caímos é porque somos fracas, bem sabeis!”
“Pouco Me importam as quedas... Conheço a miséria das almas. O que quero é que não fiquem surdas a meu chamado e que não recusem meus Braços quando os estendo para as levantar.” “Assim passei da uma hora às quatro da tarde, oferecendo ao Pai seu Sangue e todos os seus Méritos e repetindo a oração que me tinha ensinado. ” No silêncio que a envolve Josefa continua o trabalho desde que Jesus retoma a Cruz. Mas sua alma não abandona a dolorosa intenção da qual traz o segredo.
Na tarde de sábado, 30 de julho, chega sua hora de guarda.
“Ia subir a escada do internato, quando O encontrei com a Cruz. Disse:
“Estou à tua espera.”
Depois de Lhe ter pedido licença de guardar o trabalho que trazia na mão:
“Fui — continua ela — ao lugar da minha cama e O encontrei: estava esperando-me. Então ela fala da alma infiel à vocação que a Santíssima Virgem lhe confiara.
Desde a véspera, quando o furor do demônio se abatera sobre ela, já sabia por sua Mãe do céu que aquela filha muito amada por Maria saíra vitoriosa dos assaltos do inferno. Mas na noite anterior, aquela alma lhe aparecera mergulhada nas penas do purgatório, suplicando-lhe que intercedesse a fim de que seu sofrimento fosse abreviado. Muito impressionada com aquele primeiro encontro do purgatório, Josefa confia ao Mestre seu temor: “Senhor, se é tanto o tormento de uma alma do mundo, qual não será o de uma alma religiosa, que não aproveita as graças de que é cumulada?
“Ê verdade” — responde ele.
E reconfortando-a com bondade:
“Quando uma de minhas almas cai, estou sempre perto para levantá-la desde que se humilhe com amor. Pouco Me importa a miséria da alma cujo único desejo é o de Me glorificar e Me consolar. Na sua pequenez, ela obtém graça para muitas outras.” Gosto de humildade... e quantas se afastam de mim por orgulho! Quero que teus sacrifícios e teu zelo atraiam as almas a meu Coração e especialmente aquelas que Me são consagradas; que o desejo de Me dar almas e de Me ver amado te consuma e que teu amor Me console.” Ficou depois muito tempo em silêncio — prossegue ela — eu Lhe disse mil coisas para O consolar e Lhe falei de uma alma que precisa de socorro."
“Se ela não procura Força no meu Coração — respondeu — onde a encontrará?... O amor dá Força, mas é preciso o esquecimento de si.”
“Então, eu Lhe disse: Senhor, perdoai-nos, pois somos tão fracas!”
“Quando uma alma deseja com ardor ser fiel, Josefa, Eu lhe amparo a fraqueza e suas próprias quedas clamam com mais Força por minha Bondade e minha Misericórdia. Só peço que, esquecendo-se a si mesma, ela se humilhe e faça esforços, não para sua própria satisfação, mas para minha Glória.”
Essa promessa de Misericórdia, sempre oferecida à fraqueza, Jesus a deixa na hora em que Josefa vai experimentá-la uma vez mais.
Aquelas longas horas sob a cruz pesam, não à sua coragem, mas ao desejo de trabalho e dedicação que traz sempre consigo. Queixa-se ao Mestre, infelizmente, e Ele desaparece sem voltar à hora anunciada.
Fica desolada, pois não calculara as consequências do primeiro movimento. Deixando-a porém no desconsolo, Jesus, que a conhece, não a perde de vista e lhe envia sem tardar sua Mãe Santíssima.
“Na tarde da segunda-feira, 2 de agosto, pelas sete horas — escreve — subi ao oratório da Santíssima Virgem, no Noviciado e pedi-Lhe que se dignasse, Ela própria suplicar a Jesus que me perdoasse... pois um dia sem Ele me parece um século, Ela veio de repente, com ternura de Mãe:
“É verdade, filha, que não queres mais a Cruz de Jesus?”
“Oh Mãe! Bem sabeis que não posso viver sem ele!”
“Então, desce, pois ele está à tua espera.” “Desci logo. Já lá estava Jesus com a Cruz. Não sei como ousei pedlr-Lha. “Olhou para mim e disse:
“É livremente que queres minha Cruz?” “Supliquei-Lhe que tivesse piedade de mim e me desse aquele tesouro que é minha única felicidade...
Senhor, não façais caso do que digo quando estou em tentação e dignai-Vos não me deixar sozinha.”
“Deixo-te só, Josefa, para que vejas o pouco que podes sem Mim! Agora não penses mais nisso. Pega minha Cruz e vamos trabalhar para as almas”.
“Deu-me então a Cruz e a Coroa e ficou em oração até o fim das quatro horas”.
Era aquela quarta-feira, 3 de agosto, em que Jesus, terminando a conquista do pecador, que tanto custara a Josefa, Lhe aparecera dizendo:
“O pecador?... Está agora no meu Coração”.
Na mesma tarde, entrando ela no dormitório, e levantando a cortina de sua alcova, aí encontra o Mestre que a espera com a Cruz.
“Pega minha Cruz — diz — venho repousar em ti Se as almas religiosas soubessem quanto as amo e quanto me ferem com sua frieza ou tibieza! essas almas não compreendem o perigo que correm fazendo pouco caso de suas misérias. Começam com uma pequenina infidelidade e terminam no relaxamento. Hoje concedem a si mesmas um pequeno prazer; amanhã deixarão passar uma inspiração da graça e, pouco a pouco, sem perceberem, irão esfriando no amor”.
E para lhe mostrar onde se encontra a única salvaguarda de toda fidelidade, dá-lhe Jesus aquela lição de grande valor;
“Ensinar-te-ei, Josefa, como deves abrir tua alma à Madre com simplicidade e humildade.” Então, depois de ter entrado nos pormenores da confidência que ele exigia:
“Quero-te santa, muito santa, e não o serás senão pelo caminho da humildade e da obediência.
Mostrar-te-ei tudo. pouco a pouco.”
Depois, antes de deixá-la, acrescenta:
Recomendo-te que tenhas sempre diante dos olhos, arraigadas no coração, duas convicções — Primeiro: se Deus fitou o Olhar em ti, é somente para manifestar melhor seu Poder, elevando um grande edifício sobre um abismo de miséria.
“Segundo, se Me te quer conduzir para a direita e tu quiseres ir para a esquerda, tua perda é certa. Enfim, Josefa, a consequência de tudo deve ser, em ti, conhecimento mais real de tua miséria e abandono completo nas Mãos de teu Deus.”
Essa lição de confiança e humildade é tão cara ao Coração de Nosso Senhor, que Me insistirá frequentemente no mesmo sentido.
Encontram-se nas notas de Josefa os seguintes conselhos guardados preciosamente:
“Quero dar-te a conhecer os atrativos mais delicados de meu coração. Já te disse com que simplicidade deves confiar-te à Madre e abrir-lhe tua alma sem guardar a mais pequena dobra em que ela não penetre.
“Quero recomendar-te hoje que tu te esforces por não perder nem sequer uma ocasião de te humilhares , Quando tiveres liberdade de fazer ou não um daqueles pequenos atos custosos, vai e faze-o. Quero que, de quinze em quinze dias, prestes contas fielmente à tua Madre dos esforços que tiveres feito, das ocasiões que tiveres utilizado ou perdido. Quanto mais conheceres o que és. melhor saberás o que sou. Nunca tomes o repouso da noite com alguma sombra em tua alma; recomendo-te isto insistentemente. Quando cometeres alguma falta, repara-a imediatamente.
“Desejo que tua alma seja pura como o cristal.
“Não te perturbes se caíres ainda, mais de uma vez. São a perturbação e a inquietação que afastam a alma do seu Deus. Pede perdão e repito, não esperes, dize-o logo à Madre."
“Quero. te pequenina e humilde e sempre sorridente. Sim, quero que vivas alegre mas sempre procurando ser de algum modo algoz para ti mesma.
Escolhe frequentemente o que te custa, mas conservando-te alegre e jovial, pois é servindo-Me com paz e alegria que mais glorificarás meu Coração.”
Essa direção tão clara mantém Josefa no caminho seguro e lhe ensina que esse é também o único caminho por onde devem seguir após o Mestre os operários da Redenção.
E assim prossegue a grande “empresa" como lhe chamara Nosso Senhor. Josefa continua a carregar a cruz que Jesus vai passando sucessiva mente às suas nove escolhidas, pelas almas religiosas que quer reconduzir a seu Coração. Essa obra está entretanto, a findar.
“Durante a Missa — escreve ela no da 5 de agosto, sexta-feira, veio resplandecente de beleza.
“Quero, disse-me ele — que te consumas no meu Amor; jã te mostrei que só encontrarás felicidade em meu Coração. Quero que Me ames, pois tenho fome de amor... mas que ardas no desejo de Me veres amado e que teu coração não tenha outro alimento senão este desejo.”
“Eu lhe disse mil coisas e Jesus continuou:
“Todos os dias, depois da comunhão, repete com o máximo ardor possível: Coração de Jesus que o mundo inteiro se abrase no vosso Amor!”
É certamente neste ardor que ela passa aquele dia “abrasada em desejos” como escreveu.
Pelas sete horas, sobe ao dormitório: Jesus a esperava.
“Pega minha Cruz — disse e vamos sofrer pelas almas.”
Depois de uro momento de silêncio acrescentou:
“Se minhas Esposas meditaram bem que sou todo Amor e que meu maior desejo é ser amado, por que me tratam assim?”
E, explicando o preço que o amor dá ao mais pequenino esforço:
“Quando a alma faz um ato ainda mesmo custoso mas por interesse ou prazer não por amor, pouco mérito alcança. Uma coisa pequena, ao contrário, oferecida com grande amor. consola meu Coração a tal ponto que ele se inclina para ela e esquece-lhe todas as misérias.”
“Sim — repete — meu Desejo ardente é ser amado. Se as almas soubessem o excesso de meu Amor poderiam deixar de corresponder... Eis por que corro à procura delas e nada poupo para que voltem a Mim.”
“Dizia tudo isso de modo comovedor; era um grito fe Amor! Ficou muito tempo em silêncio e ccmo que em oração. Pelas onze horas da noite partiu dizendo:
“Sofre com muito amor. oferece constantemente meu Sangue pelas almas... E agora dá-me minha Cruz. ”
Três dias passam.se ainda, durante os quais, às dores misteriosas que a associam à Cruz do Mestre, vem ajuntar-se o sacrifício pedido a toda a casa dos “Feiulliants”: as mudanças habituais às famílias religiosas pedem então à do Sagrado Coração a troca da superiora.
Josefa, como todas as Madres e Irmãs, participa naquela meritória oblação de que Nosso Senhor se vai servir para terminar sua Obra.
A segunda-feira, 8 de agosto, será para o Convento dos “Feuillants” um desses dias preciosos para o Coração de Jesus em que. Mãe e Filhas, unidas num mesmo e profundo sacrifício, oferecem a separação.
Depois da comunhão, Jesus aparece a Josefa.
“Quero que as almas venham a mim sem tardança. Reza sem cessar a fim de que se deixem penetrar pela graça. Mesmo que não possas fazer outra coisa senão desejar que Eu seja amado, é já muito. Meu Coração fica aliviado, pois esse desejo é Amor. Brevemente aquelas almas religiosas vão entrar em retiro. Oferece-te a fim de que se deixem traspassar pelo Amor.”
À tarde pelas sete horas, no esplendor radiante de seu coração e de suas Chagas, Jesus volta, mas sem Cruz, Josefa não ousa crer na felicidade que adivinha no semblante radioso do Mestre. Pergunta-Lhe pela Cruz.
‘•Não — responde — aquelas almas já não Me ferem o Coração. E além disto — acrescenta — hoje aceitei por elas o sacrifício desta casa e encontrei aqui muito amor! Amanhã aquela comunidade religiosa começará o retiro e brevemente será, para meu Coração, um refúgio de grande consolo. ”
Assim acaba aquela história das Misericórdias divinas.
Josefa também ia entrar em nova etapa de sua
vida.

 

V - A GRANDE PROVA


PRIMEIROS ASSALTOS
26 de agosto — outubro de 1921.

“Não tenhas medo de sofrer. Se visses quantas almas se aproximaram do Coração de Jesus durante o tempo da tentação!”

A Santíssima Virgem a Josefa — 24 de outubro de 1921.

Entram agora em nova fase os admiráveis Desígnios de Deus sobre a vida de Josefa.
Desde o fim do mês de agosto de 1921, suas notas revelam a dependência mais estreita que lhe é imposta.
Não poderá mais, fora dos tempo® ordinários de oração, responder ao Chamado do Mestre sem prévia permissão.
Significará essa determinação alguma dúvida em torno dela?...
A nova Superiora dos “Feuillants”, posta a par de tudo, desde sua chegada, por Indicação expressa de Nosso Senhor, deve à prudência as reservas de uma sábia lentidão e de uma circunspecção que tudo examinará antes de dar crédito à misteriosa conduta divina.
Josefa se submete com toda a sua alma à direção da obediência. Conhecera de muito perto o Coração de Jesus para que a menor sombra lhe atingisse a confiança.
E, melhor ainda, sabe a que exigências de fidelidade a obrigam os planos do Mestre Nenhuma hesitação perturba a facilidade, a simplicidade, a confiança sobrenatural com que abraça qualquer decisão das Superioras,
Mas. quanto custará ao pudor matura! de sua índole, tão reservada nesses assuntos, ter que falar, explicar, responder às perguntas, pôr tudo sob a dupla vigilância das duas Madres e se sentir alvo de observação ainda mais estreita!
Tudo porém se encadeia divinamente nessa vida. É hora em que a Ação de Deus vai aparecer com evidência tal que dúvida nenhuma possa já subsistir em torno dela: e Jesus dará o sinal autêntico na fidelidade daquela obediência e daquele desprendimento sempre inalteráveis.
É a hora em que o demônio vai receber o terrível poder de joeirar o trigo das predileções divinas; mas Jesus cercará sua Obra de baluartes que possam enfrentar todos os assaltos do inimigo.
É assim que se abre diante de Josefa aquela nova e surpreendente etapa que a conduzirá aos Votos.
Na grande casa dos “Feuillants”, aonde afluem as meninas, no meio de numerosa comunidade, a Irmã mais antiga do pequeno Noviciado, que aumenta pouco a pouco, ficará sempre apagada, laboriosa e dedicada. Somente a Superiora e a Assistente guardarão o segredo da Obra que se desenvolve às suas vistas. E o apoio do Reverendo Padre Boyer, prior dos Dominicanos designado nessa época por Nosso Senhor, cooperará em seus Desígnios, tranquilizará as ansiedades e descobrirá os embustes do demônio.
Então, quando todas as garantias e todas as seguranças cercarem Josefa, o Senhor a encaminhará para a noite da grande prova que só iria terminar no dia da sua Consagração religiosa (julho de 1922).
É o batismo de dor que a dedica à Obra redentora da qual terá que ser testemunha e colaboradora antes de ser mensageira.
Chegou pois a hora do príncipe das trevas e Josefa vai defrontar-se com ele. Desde então o encontra a cada passo do caminho.
Mas Jesus, que combate nela, prepara ao inimigo a mais humilhante derrota. Faz-lhe sentir o limite de seus esforços, a inutilidade de seus meios e a impotência de seus artifícios. Se ele deixa ao demônio a aparência de fáceis triunfos, se abandona Josefa a esse adversário que parece sobrepujá-la, se consente que ela desça aos abismos onde não se pode mais amar, permanece porém no fundo daquela alma que escolheu como vítima e a ampara com a fidelidade de seu Amor. Nunca lhe terá ficado mais intimamente presente do que nas horas de verdadeiro martírio onde só a Ação divina poderia compensar provas e humilhações que escapam às experiências humanas. Através da fragilidade do instrumento, é verdadeiramente a luta entre Deus e Satanás, entre o Amor e o ódio, entre a misericordiosa Bondade que se quer mostrar uma vez mais ao mundo e o inimigo das almas que adivinha o lado divino e levanta contra ele a fúria satânica. Todo o esforço do demônio durante esse longo período de nove meses se concentra, com efeito, contra a vocação de Josefa, enquanto ainda é tempo. Nada omite para lhe quebrar a vontade: tentações violentas, temor da responsabilidade, que o demônio torna esmagadora, palavras mentirosas que lhe alarmam a consciência, obsessões que desdobram, por assim dizer, a sua alma e a fazem pensar no que não crê, dizer e fazer o que não quer, sem que possa no momento discernir a Força diabólica que a domina; aparições ameaçadoras ou enganosas, espancamentos, raptos, queimaduras... tudo se precipita sobre a frágil criatura como borrasca no meio da qual parece que vai sossobrar. Ela resiste, entretanto, com energia incrível. É o fruto da sua simplicidade habitual no cumprimento do dever e, mais ainda, o de sua fidelidade em se deixar guiar. É sobretudo a Força divina que a sustenta, sempre presente, embora escondida em certas horas, a Força da Eucaristia de que nada jamais a separará.
Os últimos dias do mês de agosto trazem ainda algumas visitas celestes que lhe fortalecem a alma para as lutas vindouras.
Na sexta-feira, 26 de agosto, pelas nove horas da manhã, fiel à ordem recebida, Josefa entra na cela da Superiora.
Está envolta em recolhimento que faz adivinhar uma presença invisível. Em poucas palavras, pede licença para seguir um instante a Nosso Senhor, “pois — diz ela — ele está aí.”
Diziam-no ainda melhor seus olhos baixos, a fisionomia, a atitude de oração, o esforço que faz para falar.
“Quando saí, Madre — escreve ela — disse a Nosso Senhor: tenho licença.
“ele andava a meu lado e me levou à tribuna, comecei por dizer o que a Madre me recomendou: se Vós sois de verdade Aquele que penso, Senhor. dignai-Vos não Vos ofender se me obrigam a pedir licença todas as vezes, para Vos ouvir e Vos seguir — Ele respondeu:
“Não me sinto em nada ofendido; pelo contrário. Quero que obedeças sempre e eu também obedecerei.”
“ele parecia um pobre, dizendo isso. Depois acrescentou:
“Tuas Madres Me consolam certificando-se com tanto ardor de que sou mesmo Eu. Hoje tfica unida a meu Coração e repara por muitas almas.”
Incomparável a delicadeza com que Nosso Senhor consente em submeter-se às exigências; que desde então cercarão suas visitas. A fidelidade de seu Coração apoiando a da sua filha é o selo divino que lhe atesta a presença. Naqueles meses de agosto e setembro, muda seus entretenimentos com Josefa e continua a pedir, como antes, o auxilio de suas oferendas para as almas.
Na quinta-feira, 1.? de setembro, depois da comunhão, veio, belíssimo — escreve ela —: quando começou a falar, sua Voz estava triste.
“Desejo que Me consoles — disse. — A frieza das almas é grande e quantas se precipitam na perdição! Se eu te pudesse deixar minha Cruz como antes!”
“Depois, quando pedi licença, levou.me ao oratório de Santo Estanislau e me disse:
“Se Eu não encontrasse almas para Me consolar e atrair minha. Misericórdia, a Justiça não poderia ser contida.”
“Um pouco depois, continuou:
“Meu Amor às almas é tão grande que me consumo no desejo de sua salvação. Mas quantas se perdem! Quantias esperam também que sacrifícios e oblações obtenham a graça de sair do estado em que se encontram... Tenho entretanto ainda muitas almas que são minhas e Me amam. Uma só destas obtém perdão por muitas outras, ingratas e frias.
“Quero que te abrases no desejo de Me salvar almas, que te atires no meu Coração e que só te ocupes de minha Glória. Voltarei à tarde a fim de acalmares esta sede que me devora e repousarei em ti”. “No começo da Hora Santa, voltou, de fato, e disse:
“Vamos oferecer-nos como vítimas a meu Pai Eterno.”
"Prostremo-nos com profundo respeito em sua Presença... Adoremo-Lo, apresentemos-lhe nossa sede da sua Glória... Oferece e repara em união com a divina Vítima.”
“Dizia isso muito lentamente. Foi-se, um pouco antes do fim da Hora Santa”. Alguns dias depois, a Santíssima Virgem aparece a Josefa. Vem ampará-la pois as lutas intimas não faltam àquela filha.
“Não te posso dizer quanto Eu, que sou tua Mãe, desejo que sejas fiel — diz Ela — mas não te aflijas. A única coisa que Jesus pede é que te abandones à sua Vontade. O resto Ele fará.” “Expliquei-Lhe quanto me custa ter que dizer essas coisas não somente à Madre Assistente mas agora também à Madre Superiora.”
“Quanto mais Jesus te pede mais te deve regozijar, filha.”
Responde a Santíssimo Virgem: e como que para arraigar nela a humilde desconfiança de si mesma:
“Diante de uma obra-prima — continua Ela — não é o pincel, mas a mão do artista que se admira... Também, Josefa, se acontecer que grandes coisas se façam por teu intermédio não atribuas nada a ti mesma, pois é Jesus que age. É Ele que vive em ti- e quem se serve de ti. Dá-Lhe graças por tanta Bondade!... Sê muito fiel nas coisas pequenas como nas grandes, sem olhar para o que te custam. Obedece a Jesus, obedece às tuas Madres e conserva-te bem humilde, bem abandonada. Jesus se encarrega da tua pequenez e Eu sou tua Mãe!”
Na quinta-feira, 8 de setembro, Nosso Senhor tranquiliza-a dando o segredo da coragem:
"Não te ocupes senão em amar-Me: o Amor te dará força.”
Mas o Amor deve conservá-la constantemente ocupada com as almas.
“Tenho uma alma que Me ofende — diz-lhe, aparecendo na terça-feira, 13 de setembro, e venho consolar-Me contigo. Vai pedir licença para ficares um pouquinho comigo; não te ocuparei por muito tempo. Não temas se te sentires desamparada, pois far-te-ei participar da angústia de meu Coração.
Pobre alma... como se vai precipitando no abismo!
“Durante três horas, em a noite de 14 para 15 de setembro, deixou me a Cruz e a Corda — acrescenta Josefa — A. mesma coisa nas noites seguintes e durante muitos dias coopera assim para o regresso da ovelha desgarrada. ”
“Ainda tens que sofrer — repete Nosso Senhor na quinta-feira, 22 de setembro — Oferece todas as tuas ações banhadas no meu Sangue e nada te poupes pois tudo servirá para aquela alma .”
As noites se sucedem sob a cruz e logo de manhã recomeça o trabalho sem que nada lhe atraiçoe o esgotamento.
A Santa Madre Fundadora vem também animá-la: No sábado, 24 de setembro, aparece “com um sorriso celeste” — escreve Josefa — e depois de lhe ter confiado algumas recomendações:
“Quanto a ti, filha, muita humildade, muita obediência e muito amor, — diz Ela ponde-lhe a mão sobre a cabeça. Depois acrescenta: Guardo com predileção esta casa de Poitiers.”
No fim da noite de 24 para 25, noite terrível de angústia e de dores:
"De repente — escreve ainda Josefa — desapareceu todo o sofrimento. Invadiu. me a alma imersa paz. Ali estava Jesus, belíssimo, resplandescente de luz, a Túnica parecia de ouro e o Coração estava como um incêndio.”
“Aquela alma — disse — ganhamo-la!” “Dei-Lhe graças e O adorei com muito respeito, pois a Majestade de Deus estava nele. Pedi-Lhe perdão de meus pecados e supliquei-Lhe que me conservasse fiel, pois me vejo tão fraca. Entretanto, ele bem sabe que não desejo outra coisa senão consolá-Lo e amá-Lo.”
“Não te aflijas com tua miséria"... Meu Coração é o trono da Misericórdia onde os mais miseráveis pecadores são os mais bem recebidos, contanto que se venham perder neste abismo de Amor.
Fitei os Olhos em ti porque és pequena e miserável.
Eu sou tua Força!
“E agora, vamos ganhar outras almas!
“Mas antes repousa um pouco em meu Coração.”
Aquele repouso seria de curta duração e, “para ganhar outras almas”, Josefa ia dar mais que nunca.
No mesmo dia, domingo, 25 de setembro, começa a etapa das terríveis tentações que ficarão primeiro no domínio silencioso da alma, mas que logo se lhe apoderarão do espírito com estranha Força. Continuando a escrever as notas, não sabe como exprimir sua dor:
“Tenho na imaginação vistas tão medonhas que não sei que fazer nem pensar. E o que mais me faz sofrer é que nunca tive esta espécie de tentação, nem nunca desejei outra coisa no mundo senão ser toda de Jesus.
“Passei assim muitas semanas e perdi a paz de tal modo que não ousava mais receber Nosso Senhor. Entretanto a obediência me ajudou e é verdade que no fundo da alma não me posso resignar a ficar sem comunhão.”
Dias e noites se seguem assim em angústia inexprimível para aquela alma tão pura, às voltas com a vista do pecado. O maior tormento é o medo de ofender a Deus e o desaparecimento da corôa de espinhos, que sentia ainda em torno da cabeça, aumenta-lhe a perturbação.
“Durante a adoração — escreve no domingo, 2 de outubro, não ousava falar com Nosso Senhor e me virei para sua Mãe para que Ela Lhe pedisse aquela coroa que me tranquilizaria um pouco.
"Veio de repente, tão boa! e disse:
“Filha, que te importa não teres a coroa na cabeça se a tens no coração? Confia bem às Madres as ciladas do demônio, pois ele não te deixará em paz e ainda tens muito que combater.”
E, de fato, é a hora das batalhas encarniçadas. Às voltas com a ação violenta do demônio, Josefa não cessa de repetir na sua vontade: “Ser fiel ou morrer.”
Mas pouco depois pensa estar abandonada e repelida por Deus.
Duas ou três vezes volta a paz instantaneamente à lembrança das Palavras do Mestre. Naqueles raros minutos toda a sua alma se reanima de amor tão ardente que não encontra expressões. Então pode-se averiguar a que ponto aquela alma é sincera e que martírio sofre, como está apegada à vocação que tão caro lhe custa e que ama acimo de tudo!
Outras vezes é uma tal desolação que nenhum meio humano pode aliviá-la ou arrancá-la à pressão diabólica. Fica muda e abismada na dor. As comunhões são para ela preço de esforço e coragem que só obtêm a vitória no último instante, pois o demônio sem o conseguir, teima em privá-la da Eucaristia, cujo desejo a consome. Assim passa um mês sem que nada exterior, mente denote a violência da luta. Apesar da continuidade de tanto sofrimento, ela vai invariavelmente cumprindo seu dever e sua vida religiosa, e se conserva sempre silenciosa e corajosa no seu posto de dedicação.
Redobram entretanto os assaltos dr demônio.
“Eu estava como que desesperada — escreve na segunda-feira, 17 de outubro -Era festa de Santa Margarida Maria e, depois da comunhão, supliquei.Lhe que me obtivesse do Coração de Jesus a graça de ser fiel e de morrer sem nunca me separar dele. Todo o dia fiquei naquela horrível tentação. De noite, como não podia dormir, rogava a Nossa Senhora que me desse luz e força mas uma espécie de furor se apoderou de mim e me decidiu a deixar tudo e partir.”
No dia seguinte ela se levanta sob a pressão daquela força diabólica cuja intensidade só as testemunhas podem avaliar.
"Na hora da missa, fui varrer o corredor das celas — escreve ela — quando, de repente, como um relâmpago, fui invadida pela paz ao mesmo tempo que se imprimia em minha alma o pensamento: “poderia eu passar sem Ele?”
“No mesmo instante tudo desapareceu como se nunca tivesse sofrido, como se nunca tivesse tido todas aquelas tentações... corri à capela e ainda pude comungar!”
Quantas vezes, através dos assaltos do inferno, Josefa reconhecerá essa libertação súbita e total que só pode vir de Deus!
O demônio não larga a presa senão por pouco tempo. Ronda em volta dela procurando descobrir qualquer circunstância em que sua vontade possa fraquejar. Por outro lado, Nosso Senhor, sabendo os grandes combates que se prepara e que ela não pode sustentar sozinha, pede-lhe, cada vez mais, a confiança simples e total que redobrará suas forças conservando-a na humildade. Mas, ao mesmo tempo, não lhe esconde as tribulações próximas.
Na quinta-feira, 20 de outubro. aparece-Lhe com o Coração abrasado; mostra-Lhe a taça que tem nas mãos? diz-lhe:
“Só bebeste uma parte, Josefa. Mas Eu estou aqui para te defender.”
Alarmada diante da perspectiva de tantas provações. Josefa não sabe como se resolver e parece que a coragem se lhe abate por um momento.
É apenas um desfalecimento, mas quão doloroso para seu amor!
Quatro dias passam-se naquela angústia e é a Santíssima Virgem, como sempre, que traz a paz com a sua presença. Aparece-lhe cheia de ternura, nota Josefa, na tarde de segunda-feira, 24 de outubro.
“Pobre filha! diz Ela — Como sofres! Por que não chamas por Jesus? Não tenhas medo de sofrer — acrescenta Ela — Se visses quantas almas se aproximaram do seu Coração durante o tempo da tentação!”
E o Mestre, cheio de bondade e sempre próximo daqueles que sofrem, responde na segunda-feira, 25 de outubro, a seu chamado:
“Venho porque Me chamaste.”
Na desorientação em que a deixa o demônio. Josefa, que teme sempre ter fraquejado, pergunta que poderia fazer para reparar?
“Sabes o que deves fazer: amar, amar!”
O amor fica sendo então a primeira como a última palavra do combate que se vai travar.

 

PERSEGUIÇÃO ABERTA
Novembro de 1921 — 14 de fevereiro 1922

Dar-te-ei coragem para todo o sofrimento que te pedir.”

Nosso Senhor a Josefa — 29 de novembro de 1921.

Durante algumas semanas ainda, continua Josefa íielmente a escrever suas notas; esforço de obediência tanto mais meritório quanto mais sincero. A tentação toma, desde então, Força tal sobre sua alma que não sabe mais distinguir que parte de responsabilidade lhe cabe nos desfalecimentos da vontade.
“De sexta-feira, 11 de novembro, em diante — nota ela — não tive mais um só momento de paz e passei dias e noites em sofrimento intenso.”
Salientam-se então as perseguições sensíveis do demônio.
É espancada enquanto reza ou trabalha; arrancada da capela por Força invisível que a detém no momento de seguir as noviças.
Três vezes tenta ir adiante, três vezes é violentamente repelida e só a intervenção da obediência consegue libertá-la.
Ao mesmo tempo redobram as tentações importunas contra a pureza, a perseverança e mesmo a fé, deixando-a exausta e como que desamparada.
Seu amor protesta entretanto e repete corajosamente: “Senhor mesmo que me matem ser-Vos-ei fiel.”
"Fui aliviada — escreve na segunda-feira, 21 de novembro, pelo contrato que me mandaram fazer com Nosso Senhor, pedindo-Lhe que todas as minhas respirações e todas as palpitações de meu coração fossem atos de amor e lhe repetissem meu desejo de ser fiel até à morte. Isso me deu muita paz.”
Na terça-feira. 22 de novembro, pela manhã, Josefa, como de costume, varria as salas de que era encarregada.
“De repente — escreve ela — duas mãos se puseram suavemente sobre meus ombros. Voltei.me e vi Nossa Senhora, tão bela, tão maternal que meu Coração foi impelido para ela. Disse-me com ternura:
"Minha filha! Coitadinha! ”
“Pedi-Lhe perdão e supliquei-Lhe que intercedesse por mim junto a Jesus." É sempre o primeiro movimento de sua alma delicada, pois nada há que receie com mais temor no meio de suas atribulações do que magoar o Coração do Mestre, mesmo involuntariamente.
“Nada temas. Josefa — responde a Santíssima Virgem — Jesus fez contigo uma aliança de amor e de Misericórdia. Estás de todo perdoada e Eu sou tua Mãe.”
“Não sei que Lhe respondi pois transbordava de alegria. Ela é Mãe, cada vez mais! Agradeci-lhe e pedi que me alcançasse de Jesus, de novo a coroa.”
“Sim filha. ele ta dará! Se não fôr ele mesmo, serei Eu que a trarei.”
“À tarde, durante a adoração, Jesus veio belíssimo — narra ela — Trazia na Mão a coroa de espinhos.
Assim que O vi pedi-Lhe perdão e disse tudo que me lembrei de mais terno a fim de que tivesse compaixão de mim.
“Aproximou-se com bondade e, colocando a Coroa sobre minha cabeça disse:
“Quero que aprofundes bem as palavras de minha Mãe: Fiz contigo uma aliança de Amor e de Misericórdia. O Amor não cansa e a Misericórdia não se esgota nunca!”
Logo no dia seguinte, quarta-feira, 23 de novembro, lembra-lhe o Senhor que não há repouso possível diante da indigência das almas.”
“Quero que arranques da goela do lobo uma alma que Me é muito cara.”
E perguntando-lhe Josefa que era preciso fazer:
“Amar-Me, humilhar-te e deixar que te humilhem. Olha meu Coração — prossegue ele — só aqui poderão as almas encontrar felicidade, e quantas dele se afastam!”
Dois dias mais tarde, depois da comunhão, Jesus aparece “com a majestade de um Deus”, escreve ela na sexta-feira, 25 de novembro.” Mostrou-me o Coração todo abrasado, abriu-se-Lhe a Chaga e ele disse:
"Vê como se consome o meu Coração de Amor pelas Almas. Tu também te deves abrasar com o desejo de sua salvação. Quero hoje que entres bem no fundo deste Coração e repares a união com ele.
Sim, temos que reparar — repete ele — Eu sou a grande Vítima, tu és uma vítima pequenina. Mas, unida a Mim, podes ser atendida pelo Pai.”
“Ficou ali um momento e desapareceu.”
No sábado, 26 de novembro, pelas três horas da tarde, Josefa trabalhava com o ardor habitual nos uniformes das meninas, na oficina do Noviciado. Jesus dela se acerca, de repente.
“Estava tão formoso!... escreve ela — mas parecia um pouco triste.”
“Quero — disse — que peças à Madre licença para Eu ficar um momento contigo.”(1)

(1) Fica-se com razão um pouco surpreendido com esse texto que se repete duas outras vezes. Nosso Senhor é Mestre e Soberano, não tem que pedir permissão a ninguém para faiar com quem Lhe aprouver. Mas se Lhe aprouve mostrar tanta deferência para com aquelas que tinham autoridade sobre Josefa, não será para ensinar a humilde submissão que ela deveria ter sempre para com as Superioras? E não fazia ele senão confirmar o que dissera antes (ver página 198.) “Eu também obedecerei.” A lição devia penetrar profundamente e dar frutos.
Josefa a recebia para transmiti-la às almas religiosas.

Corri a pedi-la depois fui à Capela das Obras aonde ele pedia fazer de mim tudo que quisesse, pois é meu Deus e não quero outra coisa senão consolá-Lo e amá-Lo. Jesus, cheio de bondade, me disse com uma voz que gravou no mais profundo de minha alma.”
“Tenho tantas almas que Me abandonam e tantas que se perdem! O que Me é mais doloroso é que são minhas almas, as almas sobre as quais fitei os Olhos e que cumulei de Dons! Em troca não têm por mim senão frieza e ingratidão. Ah! quão poucas almas encontro que correspondam ao meu Amor!...
Confia-lhe sua Cruz e desaparece sem nada acrescentar. Mas no dia seguinte, domingo, 27 de novembro, no fim da missa, voltou subitamente para dizer com vivo ardor.
“Eis o que desejo: envolver-te, consumir-te, aniquilar. te a fim de ser Eu quem vive em ti.” Então, apoiando-me sobre seu Coração:
“Onde, fora de Mim, poderás encontrar a paz que te dou a saborear? Entretanto, não conheces ainda a verdadeira doçura. Hás de saboreá-la quando.
“Aí — escreve Josefa — tocou o sino e Jesus partiu sem acabar.”
Na segunda-feira, 28 de novembro, nota lacônica, mente a provação que não a deixará mais em sossego: novo poder é dado ao demônio. Pela primeira vez ouve a voz diabólica que a persegue através dos corredores, no Noviciado, na oficina, no dormitório... Serás nossa...
sim cansar-te-emos! Vencer-te-emos!...” Aquela voz a apavora mas não lhe tira a coragem.
À tarde daquele dia escreve:
“Durante a adoração Jesus veio com a Cruz. Pedi-lha e respondeu:
“Sim, foi para dar-ta que vim. Quero que Me descanses e que repares o que minhas almas recusam a meu Coração. Quantas não são o que deveriam!” "Deixou-me a Cruz durante uma hora e quando veio buscá-la disse somente:
“Voltarei breve.”
À noite, creio que seriam 24 horas, acordei de repente. Ali estava ele.
“Trago. te minha Cruz e ambos vamos reparar.” Ela confessa humildemente que se sentia fraca sob o grande peso que a acabrunhava.
“Supliquei que me ajudasse — escreve — pois bem sabe como sou pequena!”
“Não olhes para tua pequenez. Josefa! Vê o poder de meu Coração que te ampara. Sou tua Força e o Reparador de tua miséria. Dar-te-ei coragem para todo o sofrimento que te pedir.”
“Então deixou-me só e pelas três horas voltou.”
“Dá-me de novo minha Cruz. Em breve tornarei a trazê-la.”
Logo na madrugada de terça-feira, 29 de novembro, durante a oração trouxe-lha de fato. Pesa ainda sobre o ombro de Josefa enquanto ele a segue ao trabalho e  acompanha à missa. Depois da comunhão, lembra-lhe Jesus o segredo de toda generosidade:
“Tens agora a vida em Mim. Sou tua Força.
Coragem! Leva minha Cruz!”
Fui fazer minha tarefa com sua Cruz — diz ela simplesmente.
Mas logo as bordoadas e os gritos do demônio a atormentam de novo. Parece-lhe que as Forças a abandonam de repente e que vai cair.
“Aquilo me encheu de susto — escreve ela — e supliquei a Nosso Senhor que viesse em meu socorro.
“Estava passando roupa quando, de repente, ele veio áo belo”.
Então recobrando a confiança perto dele, desabafa no Coração Sagrado as angústias do seu Jesus lhe responde com bondade.
“Quando o inimigo quer derrubar-te, dize-lhe que tens por ti Aquele que te sustenta com Força divina. ”
“Desde aquele dia — acrescenta ela — o demônio muito me atormentou.”
Até então Josefa só conhecera a saraivada de pancadas que lhe sacudia todo o corpo. Nenhum vestígio será visível; ela porém fica extenuada depois de noites e dias de suplício, enquanto a voz diabólica, ora insinuante, ora ameaçadora, lhe perturba e atormenta a alma.
Em a noite de domingo, 4 de dezembro, experimenta nova tortura.
Violentamente arrancada do leito é atirada ao chão, privada de Força sob os golpes do inimigo invisível que a acabrunha com injúrias e vomita contra Nosso Senhor e a Santíssima Virgem as mais abomináveis blasfêmias.
Assim passa longas horas. O tormento se renova com mais violência nas duas noites seguintes:
“No fim de uma dessas noites tremendas — escreve ela — na manhã de 6 de dezembro, — não sabendo mais que fazer, fiquei de joelhos ao pé da cama.
tentando esquecer os horrores que aquela voz infernal rugia contra Jesus e sua Mãe;
"De repente ouvi um ranger de dentes e um bramido de raiva. Depois tudo desapareceu e vi diante de mim a Santíssima Virgem formosíssima!”
“Não temas, filha, aqui estou!
“Disse-Lhe que medo tenho do demônio, que tanto me faz sofrer!”
“ele te pode atormentar, mas não te fará mal. Sua fúria é grande por causa das almas que lhe escapam...
as almas valem tanto!... Se soubesses o valor de uma alma!...”
“Então Ela me deu a bênção, acrescentando:
“Não temas coisa alguma.”
“Beijei-Lhe a mão e Eia se foi.”
Depois daquela maternal recapitulação sobre o preço necessário à salvação das almas, a Mãe e o Filho desaparecem, por algum tempo, do caminho doloroso de Josefa, enquanto fica em cena, apenas, o demônio.
Nada mais escreverá ela sobre essas lutas quotidianas através das quais, de sofrimento em sofrimento, a generosidade de seu amor vai fortalecer-se e amadurecer. O relatório dessa etapa foi, porém, escrito, dia a dia, à medida em que se desenrolavam os fatos. E o que permite mergulhar nela o olhar para lhe avaliar, em parte ao menos, a pungente realidade.
Naquela sexta-feira, 6 de dezembro, saindo da capela onde acabava de se confessar. Josefa se encontra subitamente, e pela primeira vez, diante da visão infernal: enorme cão negro, lançando chamas pelos olhos e pela goela escancarada, estorva-lhe a passagem e tenta atirar-se sobre ela. Ela não recua e, dominando o medo que a sufoca, pega o terço e estendendo-o diante de si prossegue o caminho.
Desde então aparece-lhe o demônio sensivelmente.
Depois do cão ameaçador que a persegue nos corredores, uma cobra se lhe ergue no meio do chão. Toma, em breve, a mais terrível de todas as formas a humana.
É assim que se apresenta no sábado, 18 de dezembro, envolto em luz embaciada com fumaça. Apavorada, inicia ela a luta heroica nesse dia. A medonha criatura não poupará esforços para vencer a pureza da frágil moça fortalecida por Aquele que prometeu sustentá.la.
Encontro tais se hão de multiplicar através dos dias de Josefa sem lhe modificarem, nem a fidelidade, nem a dedicação, mas a preço de que coragem! Chega entretanto a hora em que provação, ainda maior, vai exigir abandono mais completo.
Na quarta-feira, 28 de dezembro, pelas sete horas da noite, voltando do trabalho com as Irmãs, vê-se Josefa subitamente em presença do inimigo. Com a rapidez do relâmpago carrega-a e a coloca num sótão de difícil acesso na outra extremidade da casa. Desde aquele dia Josefa não conhecerá mais um instante de paz. O demônio a agarra quando e onde quer, zombando de todas as precauções e iludindo qualquer vigilância fora a de Deus.
Raptos tais se multiplicaram. Mesmo sob os olhos maternais das Superioras, que procuram não perdê-la de vista, ela desaparece de repente sem que se possa dizer de que maneira, pois é sempre no espaço de um relâmpago. Depois de longa procura é encontrada em algum lugar escondido da casa, onde o demônio a lançara e a está maltratando. Muitas vezes é rolada, apertada, quase esmagada nalgum desvão, ou sob camas em lugar onde não se poderia ter metido sozinha, às vezes não se consegue encontrá-la na vastíssima casa dos “Feuillants”. Passam-se noites em que é preciso deixá-la entregue a Deus. ele, porém, mais que todos a ama e vela sobre ela. Quer mostrar que é o Dono e que reserva para Si a vigilância divina. Intervém sempre na hora escolhida para afirmar seus direitos.
O demônio tem que largar a presa e, com uma blasfêmia, se aniquila na presença de Deus... Então Josefa libertada levanta-se. Exausta, mas consciente de tudo, cria coragem reza e põe-se a trabalhar. O inimigo, com efeito, não conseguirá dominar a indomável energia, daquela frágil criatura que Jesus reveste com a sua própria Força e defende com seu Amor. Parece que a furia do demônio centuplica diante de resistência tão imprevista. Procura desvendar a todos os olhos o segredo que envolve a sua vítima, mas apesar de seus esforços ninguém percebe os desaparecimentos de Josefa, ninguém, afora as duas Madres, descobre onde ela jaz, às vezes longas horas, sob a perseguição diabólica.
Algumas estiadas vêm de tempos em tempos projetar alguma luz sobre o caminho tenebroso. Josefa, para obedecer, recomeça a escrever suas notas:
“No dia 1.° de janeiro de 1922, — escreve — durante a missa das nove horas, pouco depois da elevação, ouvi a voz de uma criancinha que me encheu de alegria:
‘•Josefa, minha pequenina... Tu me reconheces?”
“Vi logo diante de mim Jesus! Estava como uma criança de um ano, talvez um pouco mais, vestido com a túnica branca, mais curta que habitualmente. Os pezinhos estavam nus, a cabeleira de um louro ardente...
Estava lindo!... Reconheci-o logo e disse: De certo Vos reconheço! Vós sois meu Jesus! Mas como estais pequenino. Senhor!.., Ele sorriu e respondeu:
“Sim. Sou pequeno! Mas meu Coração é grande!”
“Quando dizia estas palavras pôs a mãozinha sobre o peito e vi seu Coração. Não posso exprimir o que encheu o meu ao ver aquilo!... Oh! Senhor. Se Vós não tivésseis esse Coração, eu não Vos poderia amar tanto, mas vosso Coração me encanta!”... Com ternura que não se pode explicar, disse:
“Eis porque quis que O conhecesses, Josefa, eis porque te pus no mais profundo deste Coração.” “Perguntei-Lhe se todos os sofrimentos estavam acabados.”
“Não, ainda tens que sofrer!”
Depois acrescentou:
“Preciso de corações que amem, de almas que reparem, de vítimas que se imolem, mas sobretudo de almas que se abandonem!”
Então ela lhe confia sua maior pena: o receio de que sua alma tenha perdido alguma coisa de sua pureza, ao menos da inocência de outrora, “pois antes eu nada sabia de todas aquelas coisas com que o demônio me atormenta...” Jesus respondeu:
“Nada temas, tua alma está coberta com meu Sangue e nada de tudo isto te poderá manchar. ” Depois, aludindo à palavra que, mais de uma vez, nos dias precedentes a fortificara:
“Tuas Madres têm razão — disse — O demônio não tem outro poder senão o que Lhe vem do alto. Dize-lhe que Eu estou acima de tudo.”
Ultima recomendação de humildade termina as lições da Divina Criança.
“Vês como me quis tornar pequeno, Josefa. É para te ajudar a ficares tu também assim bem pequenina. Se Me quis humilhar a este ponto é para te ensinar a te humilhares por tua vez.” "Deu-me a bênção com a sua mãozinha e desapareceu.”
As notas de Josefa interrompem-se ainda. Na mesma tarde recomeça a prova, mais violenta do que nunca.

Onze dias de perseguições crescentes, de raptos, espancamentos e ultrajes, enchem-lhe a alma de dores, angústias, quase desespero, sem aliás lhe diminuirem a coragem.
Na quarta-feira, 11 de janeiro., o Padre Diretor é chamado para ouvi-la e reconfortá-la. Mas o demônio no momento, apodera-se dela e já triunfa da sua vitória. Depois de longa luta, Josefa consegue escapar àquela pressão e volta a si, sob a bênção sacerdotal. O Padre que tudo acompanha naquelas horas trágicas, propõe-lhe fazer imediatamente o voto de virgindade até o dia de sua consagração religiosa. De joelhos, em celeste alegria, ela promete a Jesus fidelidade até à morte. Oferece aquela consagração em reparação das blasfêmias com que o demônio ultraja a pureza da Virgem Imaculada.
Aquele ato, feito com tanta espontaneidade, a enche de paz. Na mesma tarde, revestida de nova Força, afronta os assaltos do demônio que parece querer vingar-se furiosamente. Mas não tem “outro poder senão o que lhe vem do Alto” e mais uma vez o pé virginal de Maria o detém dizendo:
“Não irás adiante.”
“Na manhã de quinta-feira, 12 de janeiro, — continuam as notas — no momento em que o demônio me maltratava horrivelmente, de repente a Santíssima Virgem apareceu e tomando-me pela mão, levantou-me e disse:
“Filha, basta por esta vez! Jesus te defende e Eu também. Crês que Ele possa abandonar sua Esposa? Nada temas, Josefa.”
“Deu-me a bênção e desapareceu.”
Alguns instantes depois, durante a Ação de Graças o próprio Jesus se mostrou e aludindo ao voto de virgindade da véspera:
Josefa, minha Esposa — diz — sabes o que teus Superiores te alcançaram com esse voto? Obrigaram meu Coração a tomar conta de ti de maneira especial. Dize-lhes que aquele ato Me deu muita glória”,
“Perguntei-Lhe se a provação tinha acabado.”
Quero que te abandones para sofrer ou gozar e que estejas sempre pronta para suportares os tormentos do demônio tanto quanto para receberes minhas consolações.”
É pois sempre no mesmo caminho de abandono que Nosso Senhor a mantém através de tudo. Deve ela caminhar com os olhos fechados, apoiada nele, sem nenhuma outra garantia. O Reverendo Padre Boyer, que i segue de perto, a sustenta naquele mesmo caminho de r e humildade.
“Recomendou-me — escreva ela — que me torne bem pequena, que me ponha abaixo de todo o mundo e me considere a mais indigna das criaturas.” Jesus insiste ainda sobre essa recomendação que corresponde ao desejo do seu próprio Coração.
“Josefa, compreendeste bem os conselhos que te deu o Padre? Sim. Desejo que sejas bem pequena. Quero — continuou com Força — que sejas humilhada e triturada. Deixa operarem em ti segundo os planos de meu Coração.”
Na mesma tarde, pela primeira vez, a Santíssima Virgem lhe faz entrever que sua passagem será curta aqui na terra.
Josefa lhe exprime o desejo de nunca mais revogar o sacrifício da pátria.
“Sim — responde sua Mãe Imaculada — morrerás aqui na França, nesta casa de Poitiers; antes de 10 anos estarás já no céu (1).

(1) No dia 21 de julho do mesmo ano, animando Josefa em face da missão cujas horas difíceis lhe faz prever: “Antes de três anos, — repete — estarás já no Céu. Digo-te para te dar coragem.”

Creio — escreve alguns dias depois — que foi no dia 13 ou 14 de janeiro que o demônio recomeçou a atormentar-me. Procura com fúria, cada vez maior, levar, me a abandonar a vocação. Tentou mesmo enganar-me sob a figura de Nosso Senhor.”
Aqui param outra vez as notas de Josefa. Desde a sexta-feira, 13 de janeiro, o demônio investe novamente sem conseguir abalá-la e ouve-se a resposta que dá às ameaças do inimigo.
“Pois bem, mata-me.”
Então como diz ela mesma, o demônio se transforma em anjo de luz e para melhor seduzi-la apresenta-se-lhe sob os traços de Nosso Senhor...
Primeiro ela fica desnorteada mas logo discerne a impostura.
As palavras que ouve não trazem o cunho humilde e grande, forte e suave das do Mestre. Sua alma recua invencivelmente diante da visão que não traz nem paz nem confiança. Inúmeras vezes a mesma prova se apresentará. A humilde desconfiança de Josefa em si mesma, a confiança em seus guias, sua obediência à direção que lhe é dada, salvá-la-ão de novo perigo. Segunda ordem do Padre Espiritual, desde então, a cada aparição, seja qual for, renovará o Voto de virgindade esperando os Votes religiosos. A astúcia do demônio nunca suportará aquele ato de fé e de amor feito em sua presença. Muda de aspecto e de atitude, agita-se, trai-se a si mesmo e desaparece de repente com uma blasfêmia como impostor apanhado em flagrante delito. Mais tarde, à renovação dos votos, Josefa acrescentará, por obediência, os Louvores divinos, pedindo às aparições que repitam com ela. O próprio Jesus, sua Mãe Imaculada, a Santa Madre Fundadora, os parafrasearão com incomparável ardor. O príncipe das trevas nunca, poderá pronunciar, com seus lábios malditos, palavras de louvor e bênção, pois ele não pode mais amar.
Então, descoberto, redobra de furor e violência. Ora, a acabrunha de ultrajes por ela não ceder às suas ameaças, por não consentir no pecado a que a provoca nem querer partir. Ora, apodera-se.lhe do espírito obsessões mais perigosas ainda parecem conduzi-la às bordas do desespero. No meio daquela vida de sofrimentos, humilhações, provas, entretanto — e é justa- mente nisso que se revela o Espirito que a guia, é o Amor que a conduz — Josefa não se afasta da Regra da vida comum e do seu trabalho cotidiano.
Apenas acabadas a Medicação e a Missa, vai varrer as salas de que é encarregada, e, fiel a seu ofício, podemos vê-la engomando ou limpando a capela das obras; todo o resto do tempo é dado à costura e aos remendos. Os pequenos serviços imprevistos, que não faltam em casa, parecem caber-lhe por direito. Torna-se preciosa, sempre ativa e inteligente no trabalho e principalmente, dedicada e esquecida de seus próprios interesses.
Através desses dois meses — dezembro de 1921 e Janeiro de 1922 — como em todos os que se vão seguir, coisa alguma em suas tarefas é alterada. Desde que o demônio a larga, embora no limite de suas forças, põe-se a trabalhar heroicamente corajosa, como se nada tivesse havido de anormal,. Vendo-a assim, sempre a mesma quem poderia desconfiar do que acabava de sofrer e do que a espera a cada passo?... Grande mistério continua a pairar sobre ela e, apesar dos esforços do demônio, nada desvenda a via dolorosa pela qual Nosso Senhor decidiu fazê-la passar. Aquela vigilância de Deus não ó o menor sinal a atestar sua Presença e sua Ação.
Como sempre, é à Santíssima Virgem que cabe lançar de quando em quando um raio de paz sobre aquela noite.
No dia 3 de fevereiro, primeira sexta-feira do mês, o Reverendo Padre Boyer, acedendo-lhe ao desejo, permite a Josefa, para fortificá-la na sua vocação, ajuntar ao voto de Virgindade o de ficar para sempre na Sociedade do Sagrado Coração enquanto as Superioras a queiram conservar.
Nesse segundo compromisso encontra ela nova intrepidez que a decide ao sofrimento e à luta tanto tempo quanto aprouver a Nosso Senhor.
No domingo, 12 de fevereiro, depois daquela manhã em que o demônio tudo pusera em obra para vencê-la pela tarde, está com todas as Irmãs na capela das Obras, onde se dá a bênção do Santíssimo Sacramento.
De repente, envolta em claridade e bem junto dela aparece Nossa Senhora. Josefa estremece... havia tanto que a Mãe celestial não a visitara! Receia... hesita.
Mas a paz que não engana, acompanha a voz tão suave e tão conhecida.
“Não temas filha! Sou a Virgem Imaculada, a Mãe de Jesus Cristo, teu Redentor e teu Deus.”
toda a alma de Josefa sente-se impelida para Ela.
Mas fiel à obediência e para frustrar os ardis possíveis do inimigo:
“Se Vós sois a Mãe de Jesus — diz — permiti-me renovar diante de Vós o voto de virgindade que fiz até o dia em que tiver a felicidade de pronunciar Votos na Sociedade do Sagrado Coração. Renovo assim entre vossas mãos o Voto que fiz de ficar nesta Sociedade querida até à morte e de morrer antes que ser infiel à minha vocação. ”
Enquanto fala não desvia os olhos da meiga visão que a fita com ternura. A Virgem estende a mão direita sobre a cabeça da filha e prossegue:
“Nada temas, filha, Jesus está aqui para te defender e tua Mãe também”.
Depois traça-lhe sobre a fronte o sinal da cruz, dá-lhe a mão a beijar e desaparece.
Aquele instante do céu inunda Josefa de paz e alegria, o inimigo não está entretanto desarmado. Passa o resto da tarde sob pancadas que a fúria redobra. Já saberá que está vencido? Josefa porém, embora exausta, fica toda confiante na recordação luminosa do olhar e do sorriso de sua divina Mãe. A prova vai terminar por algum tempo. Logo no dia seguinte, segunda-feira, 13 de fevereiro de 1922, ela ouve o Apelo do Mestre:
“Vem nada temas, sou Eu!”
“Eu não sabia se era ele mesmo — continuam as notas — fui dizer às Madres, depois voltei à tribuna.
Èle já lá estava.
“Sim, sou Eu mesmo, Jesus o Filho da Virgem Imaculada.”
Nunca o demônio apesar de sua audácia poderia pronunciar tais palavras. “Senhor! Meu único Amor!
— responde ela — se sois Vós, dignai-Vos permitir que eu renove em Vossa Presença os Votos que fiz por Vós. Escutou-me com complacência e quando acabei respondeu:
“Dize a tuas Superioras que, como foste fiel em fazer a minha Vontade, eu também Vos serei fiel. Dize-lhes que a prova passou e quanta glória recebeu meu Coração! Tu, Josefa — (aí Ele abriu os braços e me aproximou do Coração), repousa, em Mim e em minha Paz, assim como repousei em teus sofrimentos.”
Logo à tarde, porém, o divino Mestre põe em evidência as condições de paz:
Deixa-Me toda a liberdade para agir em ti.” Então num gesto de amor indizível a atrai a Si e lhe abre o Coração.
“Vem e repousa aqui.”
“Mergulhou-me ali — disse Josefa — e me fez saborear uma felicidade que já é, creio, do Céu! Durou aquilo quase uma hora. Depois disse despedindo-Se:
“Se fores fiel, viverás no meu Coração sem nunca saíres.”

 

UMA ESTIADA
AS 40 HORAS

14 de fevereiro — 3 de março de 1922

“Não creias que te tenho mais amor agora que te consolo do que quando te peço sofrimento.”

Nosso Senhor a Josefa — 14 de fevereiro de 1922.

Um oásis de paz se abre para Josefa, uma estiada de alguns dias, num céu proceloso, entre dois temporais.
Assim se podem chamar as três semanas que escoam entre 12 de fevereiro e 3 de março de 1922.
Nosso Senhor volta às divinas condescendências.
Mas Josefa, tão corajosa na luta, tão cheia de abandono no sofrimento, sê-lo-á bastante diante dos Chamamentos do Mestre? Jesus a detém muitas vezes no meio do trabalho e sua inclinação pela vida comum parece aumentar cada vez que tem de sacrificá-la. Nisso está sempre a entrada das tentações habituais mas também a origem da humilde contrição e das generosas resoluções, por meio das quais o Divino Coração quis ensinar às almas a incomparável riqueza de seu Perdão.
Tomemos novamente os cadernos que narram dia a dia as Visitas celestiais. “Na terça-feira, 14 de fevereiro, durante a missa — escreve ela — preparava-me para a comunhão com verdadeira fome de Jesus. Pouco depois da elevação vi-O e me disse:
“Se tens fome de me receber, Eu também tenho fome de ser recebido por minhas almas. Tenho tanta alegria em descer a elas.”
Depois da comunhão veio, estendendo-me as mãos.
“Aproxima-te e beija minhas Chagas.”
Oh! meu Jesus! É felicidade demais!...”
“toda esta doçura nada é, Josefa, comparada com o bálsamo que tu Me deste com os teus sofrimentos, tua submissão e teu abandono à minha Vontade. Não creias que te tenho mais amor agora que te consolo do que quando te peço sofrimento — acrescenta ele.”
E depois de um momento de silêncio:
Aliás, não te posso deixar sem sofrer. Mas tua alma deve ficar em paz, mesmo no meio do sofrimento.”
“Naquela mesma tarde — conta ela humildemente — entrei em grande tentação.” O demônio, vencido por certo tempo, ronda, procurando devorar a presa. Josefa fica invulnerável. Vivas são as repugnâncias diante do seu caminho: acusa-as, detalhando as fraquezas. Quatro dias de luta passam-se assim até que Jesus, cheio de compaixão, lhe devolva a luz que acompanha o perdão.
“Pobre Josefa! — diz, na tarde de sexta-feira, 1? de fevereiro, aparecendo enquanto ela se humilhava diante do tabernáculo ... Que farias se não tivesses meu Coração? Quanto mais miséria encontro em ti, com tanto mais ternura te amo!” “Supliquei-Lhe que me desse amor verdadeiro — escreve ela — no dia seguinte, sábado, 18 de fevereiro — pois creio que, se soubesse amar, saberia vencer-me melhor. Durante a meditação, Jesus veio de repente e disse:
Sim, Josefa, que teu alimento seja amor e humildade. Mas não esqueças que te quero também abandonada e sempre feliz porque meu Coração cuida de ti com ternura.”
Então expliquei-Lhe que pena tenho de não saber dominar-me nem corresponder a tanta bondade!”
“Nada temas. Lança-te no meu coração e deixa. te guiar... isso basta.”
No dia seguinte, domingo 19, depois da elevação, mostra-lhe as Chagas radiantes de luz.
“É para aqui que atraio minhas almas, a fim de purificá-las e abrasá-las na corrente do Amor!
É aqui que encontrarão paz verdadeira e é delas que espero o verdadeiro consolo.”
Perguntei-Lhe como havemos de O consolar, nós que somos tão cheias de misérias e fraqueza! Respondeu mostrando o Coração:
“Pouco importa, contanto que venham aqui com amor e confiança. Eu suprirei o que faltar à sua fragilidade. ”
Aproximava-se o carnaval; aqueles dias acumulados de divertimentos pecaminosos e ofensas a Deus não passariam sem trazer as almas para o primeiro plano dos apelos cotidianos do Salvador.
Na quinta-feira, 23 de fevereiro, Josefa está engomando, no meio das Irmãs, quando Jesus aparece de repente e diz:
“Queria que viesses comigo.”
Sempre fiel, previne o Mestre de que precisa pedir licença e ele a acompanha até à cela da Superiora.
“Bati duas vezes — escreve ela — ninguém respondeu: Ia-me embora mas ele insistiu:
“Bate mais outra vez.”
Quando obtive licença fui à tribuna. Jesus andava a meu lado. Pelo caminho fui-Lhe pedindo perdão per ter desleixado muitos pequeninos atos que ele desejava e prometi ser muito fiel em todas aquelas pequenina; coisas que Lhe agradam: se quiserdes ainda mais, Senhor, dizei-mo e fá-lo-ei.”
“Ama, Josefa! O amor consola, o amor se humilha, o amor é tudo!... Durante estes dias sou tão ofendido, quero que sejas meu Cireneu. Sim, ajudar-Me-ás a carrega* minha Cruz. É a Cruz do Amor! A Cruz do meu Amor às almas! Tu Me consolarás e ambos sofreremos por elas!”
Logo no dia seguinte, a Santíssima Virgem confirma o Apelo do Filho.
“Passara eu toda a tarde conversando com Ela — escreve Josefa na sexta-feira, 24 de fevereiro — Durante a adoração continuei a pedir-lhe, pois é minha Mãe, que me ensinasse a amar a Jesus e a consolá-Lo. Nada mais quero, mas é grande minha fraqueza... e apesar de minhas resoluções, caio tão depressa. Creio que é falt' de amor. Dizia-Lhe tudo isso quando Ela veio de repente tão bela e tão maternal! Cada vez que A vejo parece-me mais bela e me inspira mais confiança e paz. Ela me disse com carinho:
“Sim, filha, se fores dócil e generosa serás o consolo do Coração de Jesus e do Meu — ele será glorificado por tua miséria.”
“Depois, pondo-me a mão sobre a cabeça, continuou:
“Vê como seu Coração está sendo ultrajado no mundo! Não percas a mais pequenina ocasião de reparar durante estes dias. Oferece tudo pelas almas... e sofre com muito amor.”
Não se passa dia sem que as ofensas do mundo apareçam a Josefa através das dores do Mestre.
No sábado, 25 de fevereiro, pelas oito horas da manhã enquanto vai fechar a janela do claustro das celas, avista, no oratório de Santo Estanislau, Jesus carregando a Cruz.
“Entrei — diz ela — e Jesus me disse:
“Consola-Me Josefa, pois as almas Me estão de novo crucificando, Meu Coração é um abismo da dor... Os pecadores Me desprezam e me espezinham. Nada há para eles menos digno de estima que seu Criador!
“Deixou-me a Cruz e desapareceu.”
“Naquela noite pelas dez horas — continua ela — voltou com uma pesada Cruz às costas, a Coroa de espinhos na cabeça e muito sangue no rosto.”
“Olha em que estado me encontro. (1)

(1) Nosso Senhor mostrava-se a Josefa como que revestido atualmente da dor dos pecados de hoje. Sabemos que sua Humanidade santa e gloriosa, não pode mais sofrer. ele atualizava diante dela, como fez para Santa Margarida Maria e muitas outras almas privilegiadas, os sofrimentos que lhe causaram na Paixão os pecados e as ofensas das almas de hoje.
Josefa não se enganava e a lucidez de sua fé discernia o consolo que sua participação nos sofrimentos do Mestre deve ter trazido ao Coração daquele para Quem tudo estava presente na hora da sua Paixão.
“Levantei-me depressa e supliquei-Lhe que descansasse e me desse algo da sua Dor.”

“Quantos pecados estão se cometendo! Quantas almas se perdem! Eis porque venho buscar algum alívio junto das almas que vivem para Me consolar.”
"Ficou um instante em silêncio com as mãos postas.
Estava triste, mas tão belo! Falavam nele mais os olhos que os lábios.”
“Depois disse:
“As almas correm para a perdição e meu Sangue é inútil para elas!”
“Ofereci-Lhe tudo que pude: o amor, os atos, os sofrimentos das almas fervorosas da "Sociedade” desta casa... o amor de Maria Santíssima... enfim tudo que me pareceu poder consolá.Lo!”
“Os pecadores Me despedaçam e Me enchem de amargura. As almas que Me amam, se imolam e se consomem como vítimas de reparação atraem a Misericórdia e é o que salva o mundo. ”
“Depois de um momento acrescentou:
“Agora vou partir.”
“Pedi-Lhe que ficasse ainda um pouco já que repousa aqui.”
“Tenho outras almas que também Me consolam mas deixar-te-ei parte de meu sofrimento.’* “Desapareceu. Creia que seria uma hora da manhã e eu fiquei com a Cruz até quatro horas um pouco, passadas.”
Surgem os dias das “Quarenta horas” no domingo, 26 de fevereiro^ como Apelo mais instante ainda à reparação:
Jesus exposto no Santíssimo Sacramento vê toda a casa a seus pés, sucedendo-se em adoração de amor ininterrupto, querendo desagravá-Lo e consolá-Lo pelos ultrajes do mundo. Josefa, despercebida no meio das Irmãs, une-se às suas intenções e recolhe, em nome de todas, as Confidências do Mestre. Durante a missa das nove — escreve ela no domingo — Jesus, veio, o Coração resplandecia — dir-se-ia o sol!”
“Eis o Coração que dá Vida às almas — disse — o Fogo desse Amor é mais forte que a indiferença e a ingratidão dos homens. Eis o Coração que dá, às Almas escolhidas, ardor para se consumirem e morrerem se fpr preciso, para provarem seu Amor.”
“Aquelas palavras tinham força que penetrava na alma. Depois ele me fitou e continuou:
"Os pecadores excitam a cólera divina — disse — Mas não queres tu, pequenina vítima que escolhi, reparar tanta ingratidão?”
“Perguntei-Lhe que queria que fizesse pois bem conhecia minha pequenez.”
“Quero hoje que entres no fundo de meu Coração.
Lá encontrarás Força para sofrer. Não pensas na tua pequenez, meu Coração é bastante poderoso pará te sustentar. É teu. Toma nele tudo de que necessitas. Consome-te nele. Oferece ao Pai Celeste este Coração, este Sangue... Não vivas senão desta vida de amor, de sofrimento, de reparação. ”
“À tarde, pelas três horas, voltou e disse:
“Venho refugiar-Me aqui pois minhas Almas fiéis são para meu Coração como os baluartes de uma cidadela: defendem-Me e consolam-Me!” “Durante a adoração prosseguiu:
“O mundo corre para a perdição. Procuro almas que reparem tantas ofensas feitas à Majestade divina e meu Coração se consome no desejo de perdoar... Sim, perdoar, aqueles filhos queridos pelos quais derramei todo o meu Sangue. Pobres almas, quantas se perdem... quantas se precipitam no inferno!”
“Diante dessa ardente dor, Josefa não sabe como exprimir o desejo de sofrer e reparar.
“Não te apoquentes. Se não te separares de Mim, serás forte com a minha própria Força e meu Poder será teu.”
“Então desapareceu, deixando.Me a Cruz.”
A segunda-feira as quarenta horas, e a noite seguinte veem acumularem-se nela os sofrimentos do corpo e as angústias da alma que acompanham a Cruz de Jesus. Na manhã de terça-feira, 28 de fevereiro, está na lavandaria como de costume, mas depois de algumas horas “a dor do lado tomou-se tão forte que não podia quase respirar — escreve.”
Refugia-se na pequena mansarda onde está sua cama e que já consagraram muitos sofrimentos e visitas celestiais.
“Jesus veio logo — continua ela — sempre tão belo com o Coração todo abrasado!
“Como Me ofendem as almas! O que mais despedaça meu Coração é vê-las precipitarem-se por si mesmas na perdição! Compreendes o que sofro, Josefa, vendo a perda de tantas almas que me custaram a vida? Eis a minha Dor: meu Sangue é para elas inútil! Vamos, nós dois reparar e desagravar meu Pai Celeste por tantos ultrajes que recebe.” “Então me uni a seu Coração oferecendo-Lhe meus sofrimentos. ”
Gosta ela de anotar a atitude suplicante do Mestre: as mães postas, os olhos erguidos para o céu. seu silêncio, tudo nele fala da constante e divina Oblação ao Pai.
“Dize a tuas Madres que esta casa é o Jardim de minhas Delicias — continua com bondade — Venho aqui consolar-Me quando os pecadores Me fazem sofrer. Dize que sou de fato Dono dessa casa e que meu Coração descansa neste refúgio querido!
“Não procuro nem peço grandes coisas: o que desejo, o que Me consola é o amor, e minhas Almas mo dão.”
À tarde, na Benção do Santíssimo Sacramento. Jesus aparece ainda cercado da luz que lhe jorra do Coração.
“Um pequeno grupo de almas fiéis obtém misericórdia para grande número de pecadores — diz Ele — Meu Coração não pode ficar insensível às suas súplicas. Procurava alguém para Me consolar e encontrei.”
Os primeiros dias da Quaresma introduzem mais profundamente ainda Josefa no caminho da reparação.
No dia 1.? de março, quarta-feira de cinzas, durante a adoração da tarde, Jesus aparece com a Face ensanguentada e diz:,
“Não há sobre a terra, uma só criatura que seja desprezada e ultrajada como Eu pelos pecadores!
Pobres almas! Dei-lhes a vida e elas procuram Dar-Me a morte. Aquelas almas que tão caro Me custaram, não somente me esquecem mas fazem de Mim objeto de derrisão e desprezo.”
Depois de um instante de silêncio continua:
“Tu Josefa, vem, aproxima-te de Mim, repousa neste Coração e partilha de sua amargura: Consola-O dando-Lhe amor! Tantas almas o inundam de dor!”
“Aproximou.me de seu Coração e minha alma ficou cheia de angústia e de amargura tal que não posso explicar. O que mais me faz sofrer é não poder consolá-Lo como queria pois sinto minha impotência. Tento unir-me a Ele e ofereço-Lhe seu próprio Sofrimento para suprir ao que não posso fazer... Fiquei muito tempo assim, sem nada dizer, adorando, humilhando-me e pedindo perdão pelas almas.”
Jesus me disse então:
“Sim, repara por aquelas que deveriam fazê-lo e não o fazem.”
“Aqui — continua ela — o sino tocou o fim da adoração e sai da capela. Jesus andava a meu lado_”
“Vai Josefa, vai perguntar à Madre se dá licença que Eu fique contigo enquanto trabalhas.” “Quando tive licença, fui num instante à tribuna, depois peguei o trabalho na rouparia, pois creio que é o que mais Lhe agrada.
Jesus lá estava — De vez em quando dizia:
“Pede perdão pelos pecados do mundo! Quantos pecados! Quantas almas se perdem!... almas que Me conhecem e que Me amaram outrora!... mas que hoje preferem a meu Coração seu gozo e seu prazer... Porque me tratam assim? Não lhes dei já muitas vezes provas do meu Amor? Elas então corresponderam. Mas hoje Me calçam aos pés, Me cobrem de desdém e meus Desígnios sobre elas ficam frustrados — Onde acharei consolo!” “Respondí-Lhe — aqui, Senhor, nesta casa, em nossas almas... Há ainda em toda parte muitas almas que Vos amam!”
“Sim, bem sei, mas são aquelas almas que desejo; amo-as sem limites!”
“Ofereci-me de novo para sofrer por elas e até que se arrependam. Jesus estava sempre ali. De vez em quando repetia:
“Recolhe o Sangue que derramei na minha Paixão. Pede perdão pelo mundo inteiro — por aquelas almas que Me conhecem e Me ofendem e oferece-te em reparação por tantos ultrajes.”
“Ficou até às onze horas da noite, mais ou menos.
Depois partiu, deixando-me a Cruz, a dor do lado e angústia na alma. Pouco antes das três horas, tudo desapareceu e adormeci porque estava exausta.”
Aproxima-se infelizmente a hora da tentação. Parece que Josefa nunca mais fraquearia depois de ter conhecido de tão perto o Coração chagado do Mestre- Jesus prefere deixá-la na sua fraqueza. É desígnio bem claro do Amor para com ela, é o meio escolhido pela Sabedoria para conservá-la em segurança através de tantas graças e de tantos perigos, mantendo-a na experiência contínua de sua baixeza e seu nada.
Já se adivinha em torno dela nova ofensiva do poder infernal.
No dia 2 de março, primeira quinta-feira da quaresma, suas notas trazem a humilde confissão que, à tardinha, ao pedido do Mestre,
“Queria que me consolasses”, havia-Lhe resistido em sua alma”, pois — dizia ela — não tinha acabado minha tarefa na rouparia, tendo tido que varrer a capelinha:”
“Vai depressa pedir licença — insiste o Senhor — Preciso de vítimas que Me consolem e reparem e, se não as encontrar aqui. aonde irei?"
“Fui pedir licença mas Jesus não voltou. A cruz e a coroa também desapareceram e não posso dizer em que angústia fiquei... pois desejo ardentemente consolá-Lo mas minha fraqueza é tão grande!”
Passa o dia seguinte, primeira sexta-feira, 3 de março, com muita pena. Durante o dia inteiro suplica a Nosso Senhor e principalmente a Maria Santíssima que a perdoem.
“pois — explica ela, — eles bem sabem que é minha fraqueza mais do que minha vontade.”
Maria não resiste á ansiedade da filha e vem tranquilizá-la, quando está acabando a Via Sacra:
“Fica em paz, filha. Se quiseres, Jesus continuará a buscar consolo em ti; ele deseja tanto!
Mas não te esqueças de que teu amor é livre!” Então continua a confissão da maior falta de sua vida, como diz.
“Na mesma tarde, ao anoitecer, Jesus veio. Estava belo como sempre mais tinha algo de triste no Olhar.
“Trago-te minha Cruz e minha Coroa, Josefa.
Repousa-Me! Tantas almas se perdem... aquelas que tanto amo!”
E como Josefa implorasse perdão e se oferecesse a seus Desejos:
“Sim — diz ele — Nunca Me recuses o consolo que espero de ti. Escuta, tenho muitas almas que Me amam e Me consolam, é verdade, mas nenhuma poderá ocupar o lugar que te reservei, pois fitei o Olhar em ti de maneira especial.”
Diante dessas palavras Josefa, que guarda no fundo da alma invencível temor daquela escolha extraordinária, sente crescer em si, como onda poderosa, a oposição que lhe custa tanto vencer.
Quando contar mais tarde aquele doloroso momento, chamar-lhe-á “sua ingratidão”.
Jesus, que vê o fundo das almas, sabe discernir aquele receio que ela nunca conseguirá dominar completamente e seu Coração tem dela a mais divina compaixão.
“Se medisses as ofensas que recebo não recusa¬ rias minha Cruz — disse então — Sabes qual é essa Cruz... É a liberdade que Me deves dar de te tomar, quando precisar de ti, sem olhares lugar, ocupação, nem hora; basta. te saber que te peço consolo e que te defenderei contra tudo quanto se disser ou pensar de ti. Não me pertences? Se estou Eu contigo que importa que todo mundo esteja contra ti?
“Aí — escreve Josefa lealmente — direi para minha maior confusão que Lhe respondi como se ele não tivesse todo o direito sobre mim, suplicando que me deixasse fora desse caminho. ele me olhou com tristeza e disse:
“Não te posso abandonar, pois meu Amor para contigo é sem medida. Mas já que assim queres, que te seja feito segundo teu desejo. A Chaga de meu Coração ninguém mais poderá fechar senão tu!”
“Tomou a cruz e a coroa e desapareceu.”
Josefa acrescenta alguns dias depois: “Não posso dizer quanto estou sofrendo desde aquele momento; é um tormento que nada desta terra poderia causar. Primeiro, porque sei que O magoei e, depois se ele não voltar, minha vida será um martírio pois fui eu quem mudou os Desígnios do seu Amor”.
Josefa ainda não sondara as profundezas de Misericórdia do Coração de Jesus! Seja qual for sua fraqueza, nada mudou nos Desígnios daquele Amor. Vão desenvolver-se em plano diferente, prevista pela Sabedoria, no qual a data de 3 de maio nos vai introduzir.

 

ENTRADA NAS TREVAS DO ALÉM TÚMULO
4 de março — 15 de abril de 1922

“Não te esqueças, filha, de que nada acontece que não entre nos Desígnios de Deus.”

(Santa Madalena Sofia a Josefa — 14 de março de 1922).

O período que se abre dianite de Josefa é talvez o mais misterioso de sua vida. Parece, à primeira vista, que está pesando sobre ela o castigo merecido pela sua resistência ao Apelo de Nosso Senhor. Mas, sobre essa obscura trama, outro desígnio se imprime logo desvendando a predileção divina que tira proveito de um momento de fraqueza para, nela e por meio dela, adiantar sua Obra a passos de gigante. Enquanto, novo poder é deixado ao demônio e os próprios abismos do inferno se lhe abrem diante dos olhos, Josefa descobre, mergulhada em sofrimentos até então nunca experimentados, o que é a perda das almas, e avalia, com sentido mais aguçado, a imolação total exigida pela redenção. Esmagando-a na dor, Jesus cava nela profundezas de humildade, de fé, de abandono, que nenhum esforço pessoal poderia realizar. O divino Mestre reservara, para si mesma, aquele trabalho. na hora escolhida, e por meios que desnorteiam qualquer previsão.
Santa Teresa, em página admirável, descreve a passagem no inferno que lhe deixou na alma vestígio indelével. Josefa, que nunca tinha lido revelações de sua santa patrícia, escreveu várias vezes, por obediência, o relatório de suas longas descidas ao abismo de todas as dores e de todo o desespero. Essa documentação, tão empolgante quanto singela, concorda, quatro séculos depois, com a descrição clássica da grande contemplativa de Avila.
Vibra, com o mesmo tom de sofrimento, contrição, amor reparador e zelo ardente, o dogma do inferno, tão frequentemente combatido, ou simplesmente deixado em silêncio, por espiritualidade incompleta, para prejuízo das almas, e mesmo perigo de salvação, é posto divinamente em evidência.
Quem poderá duvidar da existência do poder infernal encarniçado contra Cristo e seu Reino, lendo, nestas páginas, o que Josefa viu, e sofreu Quem poderá também calcular o valor redentor daquelas longas horas passadas na prisão de fogo? Josefa, que pensa aí estar presa para sempre, testemunha dos esforços sanguinários do demônio para arrebatar eternamente as almas a Jesus Cristo, experimenta a dor das dores: a de não poder mais amar. Alguns trechos dos seus escritos poderão ser úteis a muitas almas. Servirão de grito de alarme lançado àquelas que escorregaram em algum declive. Servirão, melhor ainda de Apelo dirigido por Amor àquelas que decidirem nada poupar para arrancarem as almas à perdição...
Foi na noite da quarta-feira, 16 de março, que Josefa conheceu pela primeira vez a misteriosa descida ao inferno.
Já desde a primeira segunda-feira da quaresma, 6 de março, pouco depois do desaparecimento de Nosso Senhor vozes infernais a impressionavam dolorosamente de vez em quando. Almas caídas no abismo vêm, sem que ela as venham censurar-lhe a falta de generosidade. Ela fica transtornada.
Ouve gritos de desespero como estes:
“Estou para sempre no lugar onde já não se pode amar! Como foi curto o prazer! e a desgraça é eterna!
— Que resta?... odiar com ódio infernal e para sempre!...
“Oh — escreve ela — saber a perda de uma alma e nada mais poder por ela!
Saber que, durante toda a eternidade, haverá uma alma amaldiçoando a Nosso Senhor e sem remédio!
Mesmo se eu pudesse sofrer todos os tormentos do mundo... que dor terrível! Mais vale mil vezes morrer do que ser responsável pela perdição de uma alma!”
Ela escreve no domingo, 12 de março, ã sua superiora que está de viagem em Roma por alguns dias:
“Se soubésseis, Reverenda Madre, com que tristeza venho a vós! Desde o dia 2 de março, já não tenho nenhuma de minhas joias (chama assim a Coroa de espinhos, e a Cruz de Nosso Senhor) porque mais outra vez magoei a Jesus, tão bom para mim... Espero entretanto que, outra vez ainda, ele tenha pena de mim, mas por enquanto estou pagando bem caro, pois desde a noite da primeira sexta-feira, em lugar de suas visitas, sofrimento maior.. Enfim, Madre, quando voltardes sabereis o que é minha fraqueza! — E, como para não entristeça? a Superiora, acrescenta com a habitual delicadeza — Quanto me alegro com os bons dias que passais na Casa Madre! Aqui, fora eu, todo o mundo se esforça por consolar Jesus e seu Coração encontra o que espera do seu Jardim de delícias.
Quanto a mim, continuo a vida como antes: esforço para ser amável, fidelidade em dizer tudo à Madre Assistente e o resto que sabeis. Rezai, Reverenda Madre para que a Santíssima Virgem estenda suas Mãos e me obtenha perdão.”
Será Santa Madalena Sofia, desta vez, a embaixatriz de Jesus e de sua Misericórdia. Na terça-feira, 14 de março, aparece-Lhe na cela. Escuta-lhe a humilde confissão, reanima-lhe a confiança e a encoraja com as seguintes palavras:
“Não te esqueças, filha, de que nada acontece que não entre nos Desígnios de Deus.”
Josefa lhe confia a imensa pena e dor que a oprime quando calcula as consequências de sua fraqueza que crê irremediáveis:
“Como não! filha, podes reparar — torna logo a Santa Madre — se dessa queda retirares muita humildade e generosidade.”
“Perguntei se Jesus não voltaria nunca mais. Deseja-O, chama-O, pois não posso pensar que não mais hei de vê-Lo por minha própria culpa.”
“Como não. filha! Espera-O; o desejo e a espera da Esposa são a glória do Esposo.”
Aquele entretenimento celestial testemunha que o Amor não mudara e que o perdão não cansa. Jesus quis dá-lo a Josefa, para mostrar-lhe, na entrada da grande provação, que Ele está com ela sempre o Mesmo.
“Em a noite de quarta para a quinta-feira, 16 de março, pelas dez horas — escreve ela — como nos últimos dias ruído confuso de gritos e cadeias. Levantei-me, vesti-me e, tremendo de medo pus-me de joelhos perto do leito. O barulho se aproximava. Saí do dormitório sem saber que fazer, fui à cela de nossa Bem-aventurada Madre, depois voltei ao dormitório.
O mesmo barulho terrível cercava-me sempre. De repente, vi o demônio diante de mim, que gritava:
“Amarrem_lhe os pés... atem-lhe as mãos.”
“No mesmo instante não vi mais onde eu estava, senti que me amarravam fortemente e que me arrastavam.
Outras vozes rugiam:
“Não são os pés que se lhe devem atar, é o coração” — E o demônio respondia: “Não é meu!”
“Então arrastaram-me por um longo caminho, mergulhado em escuridão. Comecei a ouvir de todos os lados gritos medonhos.
Pelas paredes do estreito corredor havia nichos uns em frente dos outros, de onde saía fumaça quase sem chama e com cheiro intolerável.
Dali vozes proferiam toda a espécie de blasfêmias e palavras impuras.
Algumas maldiziam seus próprios corpos, outras seus pais. Outras se censuravam a si mesmas por não terem aproveitado tais ocasiões ou tais luzes para abandonarem o mal. Era uma confusão de gritos, de raiva e de desespero.
“Fui puxada através dessa espécie de corredor que não tinha mais fim. Depois deram-me um violento empurrão que me enfiou, dobrada pelo meio, dentro de um daqueles nichos. Senti-me como que esmagada entre tábuas incendiadas e espetada de lado a lado por agulhas em brasa. Diante de mim, almas amaldiçoavam e blasfemavam. Foi o que mais me fez sofrer.
Mas o que não pode ter comparação com tormento algum é a angústia da alma que se vê separada de Deus.
“Parece-me que passei longos anos naquele inferno — continuam as notas, e entretanto, só durou seis ou sete horas. De repente tiraram-me violentamente de onde estava e encontrei-me num lugar escuro, onde o demônio depois de me ter espancado me deixou livre... Não posso dizer o que senti na alma quando percebi que estava viva e que ainda podia amar a Deus...
“Para evitar aquele inferno, e embora tenha tanto medo de sofrer, não sei o que estou pronta para suportar. Vejo claramente que todos os sofrimentos do mundo nada são em comparação com a dor de não poder mais amar, pois lá só se respira ódio e sede da perdição das almas!...
Desde então, Josefa conhece frequentemente aquela dor misteriosa.
Tudo é, de fato, mistério naquelas longas sessões no mundo tenebroso. Ela as adivinha cada vez. pelo ruído de correntes e gritos longínquos que se aproximam, cercam-na e acabrunham. Tenta fugir, distrair, se, trabalhar, para escapar ao assédio diabólico que acaba afinal por subjugá-la.
Tem apenas tempo para se refugiar na pequena cela e breve perde a noção do que a rodeia. Encontra, se primeiro no que chama um lugar escuro diante do demônio, que triunfa dela e parece crer que lhe pertence para sempre. Ordena com violência que a lancem no lugar a ela destinado e Josefa. fortemente amarrada, cai naquele caos de fogo e de dores, de raiva e de ódio.
Ela relata tudo, simplesmente e objetivamente, como vê, ouve, experimenta No exterior, um leve estremecimento anuncia unicamente a partida misteriosa. No mesmo instante seu corpo fica flexível e sem resistência como o de alguém que acaba de perder a vida. A cabeça, os membros, não se sustentam mais, o coração bate normalmente. Entretanto, Josefa vive como que sem viver.
Aquele estado se prolonga mais ou menos, segundo a Vontade de Deus, que a entrega assim ao inferno mas a conserva na sua Mão seguríssima.
No momento por ele determinado, um novo e quase imperceptível estremecimento, e o corpo abandonado retoma vida. Ela não fica porém logo libertada do poder do demônio que a retém ainda sob suas pancadas, no tal lugar escuro onde ela só vê aquele que a ultraja e ameaça antes que lhe escape do poder.
Quando ele a larga afinal, e ela volta lentamente a si, as horas passadas no inferno lhe pareceram séculos.
Só pouco a pouco entre em contato com os lugares e as pessoas que a cercam.
-Onde estou?... quem está aí...
estou viva ainda? pergunta ela — Seus pobres olhos procuram reconhecer o quadro de uma vida que lhe parece ter ficado tão longe no passado!
Às vezes grossas lágrimas escorrem silenciosamente, enquanto na fisionomia se lhe imprimem vincos de indizível sofrimento. Acaba afinal de encontrar o sentido da vida atual, e como exprimir a intensa emoção que dela se apodera, quando compreende, de repente, que ainda pode amar. Escreveu isto várias vezes, em termos cuja simplicidade e ardor não se podem interpretar!
Domingo, 19 de março de 1922, terceiro domingo da quaresma — Desci outra vez àquele abismo, parecia-me lá ter ficado longos anos.
Sofri muito, mas o maior tormento é julgar que me tornaria para sempre incapaz de amar a Nosso Senhor. Por isso quando volto à vida sinto-me louca de alegria. Penso que O amo mais que nunca e para provar-Lhe sou capaz de sofrer tudo que Ele quiser. Parece-me também amar e estimar minha vocação ate a loucura.”
Acrescenta algumas linhas adiante: “O que vejo me dá imensa coragem para sofrer. Compreendo o valor dos menores sacrifícios. Jesus os recolhe e se serve deles para salvar almas. É grande cegueira evitar o sofrimento, mesmo nas pequeninas coisas, pois não somente é de grande valor para nós, mas serve para preservar muitas almas de tão grandes tormentos.
Josefa tenta, por obediência, algumas descrições das descidas que se renovam frequentemente naquela época.
Tudo não poderia ser traduzido, mas algumas páginas a mais servirão de precioso ensinamento. Estimulação às almas a se dedicarem e se sacrificarem pela salvação daquelas que, todos os dias, a todas as horas, à beira do abismo, estão à mercê da trágica luta entre o amor e o ódio, entre o desespero e a Misericórdia.
“Quando chego àquele lugar — escreve ela no domingo, 26 de março, ouço gritos de raiva e de gozo infernal, porque mais uma alma foi mergulhada no tormento...
Naquela hora não tenho lembrança alguma de ter jamais descido ao inferno; parece-me sempre que é a primeira vez.
Parece-me também lá estar para a eternidade, e é o que tanto me faz sofrer, pois me lembro de que conhecia e amava a Nosso Senhor... que era religiosa, que ele me tinha feito grandes graças e dado abundantes meios de me salvar. Que fiz pois para perder tantos bens?... Como pude ser cega a este ponto?...
Agora não há mais remédio... Lembro-me também de minhas comunhões, de meu Noviciado. Mas o que mais me atormenta é que eu amava tanto ao Coração de Jesus. Conhecia-O, ele era meu único Tesouro... Só vivia para ele... Como viver agora sem Ele... Sem amá-Lo, cercada de blasfêmia e de ódio? Minha alma fica oprimida e acabrunhada de tal modo que não posso explicar, é indizível!” Muitas vezes também assiste ela aos esforços encarniçados do demônio e de seus satélites para arrancarem à Misericórdia, as almas de que estão prestes a se apoderar. Seus sofrimentos parecem ser então, nos planos de Deus, resgate daquelas pobres almas que lhe deverão a graça vitoriosa do último instante.
“O demônio — escreve na quinta-feira, 30 de março — está mais enfurecido que nunca, porque não quer perder três almas. Gritava furiosamente, aos outros:
“Cuidado para que não escapem... lá se vão... ide, ide com Força.”
Durante dois ou três dias seguidos é ela testemunha daquela luta.
“Supliquei a Nosso Senhor que fizesse de mim tudo que quisesse contanto que aquelas almas não se perdessem — escreve ela, voltando do abismo no sábado, l.° de abril — Dirigi-me também à Santíssima Virgem que me deu grande paz, pois me deixou decidida a sofrer, seja o que for, para salvá-las. Creio que não permitirá que o demônio saia vencedor.
No domingo, 2 de abril, domingo da Paixão, escreve de novo:
“O demônio vociferava: “Não largueis! Prestai atenção a tudo que puder perturbar... que não escapem!... obtende que desesperem!...
“Era uma confusão de uivos e blasfêmias. De repente, lançando um rugido de cólera, gritou: '“Não importa! ainda ficam duas, tirai-lhes a confiança!”
“Compreendi que uma daquelas almas acabara de lhe escapar para sempre.”
“Depressa, depressa... — rugia — que essas duas não fujam! agarrai-as, que desesperem! depressa! Lá se vão!”
"Então ouviu-se no inferno um ranger de dentes e um furor indescritível. O demônio rugiu: “ó Poder...
Poder daquele Deus!... que tem mais Força que eu!
Sobrou uma!... Esta não deixarei que me roube!”
“O inferno tomou-se um só grito de blasfêmia, numa tremenda confusão de queixas e gemidos. Compreendi então que as almas estavam salvas. Meu coração ficou cheio de alegria, embora na impossibilidade de fazer um só ato de amor, apesar da grande necessidade que sinto de amar.
Entretanto não sinto aquele ódio de Nosso Senhor que têm as infelizes almas que me cercam, e quando as ouço amaldiçoando e blasfemando, é uma dor tal que sofreria não sei quê, para que Ele não fosse assim ultrajado e ofendido. O que me faz medo é que com o tempo eu me torne como as outras. É o que me faz sofrer, pois sempre me lembro quanto O amava e como era bom para mim!”. “Sofri muito — continua ela — principalmente nestes últimos dias. Era como se um rio de fogo me entrasse pela garganta, atravessando-me todo o corpo, ao mesmo tempo era esmagada entre duas tábuas de chamas como já disse; não posso exprimir esta dor, é extrema! Parece que os meus olhos saem das orbitas como se fossem arrancados, os nervos distendidos, o corpo dobrado pelo meio sem se poder mover, um cheiro infecto penetra tudo.(1)

(1) Esse cheiro intolerável envolvia Josefa, quando terminavam as sessões do inferno, como também quando era maltratada ou raptada pelo demônio; odor de enxofre, de carne pútrida e queimada que se sentia em volta dela, dizem as testemunhas, durante um quarto de hora ou meia hora, e do qual ela conservava por muito mais tempo a penosa impressão.

E isso nada é, entretanto, comparado com a alma que conhece a Bondade de Deus e se vê obrigada a odiá-Lo, sofrimento ainda maior se ela O amara muito.”
Outros mistérios de além-túmulo vão-se ainda revelar a Josefa. Nessa mesma época, quaresma de 1922, enquanto por dias e noites ela carrega o peso de tantas perseguições, Deus a põe em contato com outro abismo de dores, o do purgatório. Muitas almas vêm então solicitar sufrágios e sacrifícios com termos de profunda humildade. Depois do primeiro susto, acostumara Josefa às confidências das almas sofredoras.
Escuta-as, pergunta-lhes os nomes; encoraja-as e se recomenda, confiante, à sua Intercessão. São lições preciosas a recolher. Uma delas, vindo anunciar sua liberação, acrescenta:
“O importante não é a entrada na religião mas a entrada na eternidade.”
“Se as almas religiosas soubessem como é preciso pagar aqui todas as pequenas carícias que concedemos a nós mesmas — dizia outra, pedindo orações.”
“Meu exílio acabou, vou subir para a Pátria eterna.”
Um sacerdote dizia:
“Como são infinitas a Bondade e a Misericórdia de Deus quando se digna servir-se dos sacrifícios e dos sofrimentos de outras almas para reparar nossas grandes infidelidades. Quantos graus de glória poderia eu ter adquirido se minha vida tivesse sido outra.”
Uma alma religiosa ao entrar no céu confiava a Josefa:
“Como vemos diferentemente as coisas da terra quando passamos para a eternidade!
“Os encargos de nada valem diante de Deus, só conta a pureza de intenção com a qual foram exercidos, mesmo as pequenas coisas!
“Quão pouco vale a terra e tudo o que encerra!... entretanto como é amada!... Por longa que seja a vida, nada é em comparação com a eternidade! Se soubessem o que é um só instante passado no purgatório! e como a alma se extenua e se consome no desejo de ver a Nosso Senhor!”
Havia também almas escapadas, pela Misericórdia de Deus, a perigo maior e que vinham suplicar a Josefa que antecipasse sua libertação.
-Estou aqui por grande Bondade de Deus — dizia uma delas — pois meu orgulho excessivo havia aberto diante de mim as portas do inferno. Tinha a meus pés grande número de pessoas e agora precipitar-me-ia abaixo do último pobre. Tem pena de mim e faze atos de humildade para reparar meu orgulho! É assim que me poderás livrar desse abismo!”
”Passei sete anos em pecado mortal — confessava uma outra — e três anos doente... recusei confessar- me. Estava bem preparada para o inferno e lá teria caído se pelos sofrimentos de hoje não me tivesses obtido Força para voltar à graça. Estou agora no purgatório e suplico-te, já que me pudeste salvar, tira-me desta prisão tão triste!”
“Estou no purgatório por causa de minha infidelidade, pois não quis responder ao Apelo divino — vinha outra dizer-lhe depois.
“Durante 12 anos resisti à minha vocação e vivi em grande perigo de me condenar, pois, para abafar o remorso, tinha-me entregue ao pecado. Graças à Bondade divina, que se dignou servir-se de teus sofrimentos, tive coragem para voltar a Deus... e agora faze-me a caridade de me arrancar daqui. ”
“Oferece por nós o Sangue de Jesus Cristo — dizia outra no momento de deixar o purgatório — que seria de nós se não houvesse ninguém para nos aliviar?...
Os nomes daquelas santas visitas desconhecidas de Josefa, cuidadosamente anotados com a data e o lugar da morte, foram mais de uma vez, sem que ela o soubesse alvo de minuciosa investigação. A certeza, assim adquirida, da realidade dos fatos, fica sendo precioso testemunho de suas relações com o purgatório.
A quaresma ia findar-se no meio daquelas alternativas de dores e graças austeras. Como, sem especial socorro de Deus, poderia Josefa ter sustentado tantos contatos com o invisível, enquanto continuava sua vida sempre igual de labuta e dedicação? Era o espetáculo que seu heroico amor reservava quotidianamente ao Coração daquele que vê os segredos, ao passo que os circunstantes nada podiam suspeitar do valor de seus dias todos semelhantes, exteriormente no simples cumprimento do dever.
Dois fatos sobressaem ainda nos últimos dias da Semana Santa:
A tarde da quinta-feira Santa, 13 de abril de 1922, Josefa escreve: “Estava na capela pelas três e meia, quando vi de repente diante de mim alguém vestido como Nosso Senhor, um pouco mais alto que ele, muito belo e trazendo no rosto atraente expressão de paz. Sua túnica era de um roxo avermelhado escuro, trazia na mão a coroa de espinhos igual à que Jesus me trazia outrora.
“Sou Discípulo do Senhor — disse — Sou João Evangelista e trago-te uma das mais preciosas joias do divino Mestre.”
“Deu-me a coroa e pô-la ele mesmo, na minha cabeça.”
Josefa, a princípio assustada, com a inesperada aparição, tranquiliza-se pouco a pouco, sentindo a paz que a invade. Confia ao Celeste Interlocutor a angústia que a oprime no meio de tudo o que o demônio a faz sofrer.
“Nada temas. Tua alma é um lírio que Jesus guarda no Coração.” responde-lhe o Apóstolo virgem.
Depois continua:
“Fui mandado para te revelar alguns dos sentimentos que transbordavam no Coração do Divino Mestre neste grande dia. O Amor ia separá.Lo dos discípulos depois de batizá-Lo com o batismo de sangue. Mas o Amor O forçava a ficar com eles e foi o que Lhe fez inventar o Sacramento da Eucaristia. Que luta se travou naquele Coração! Como havia de repousar nas almas puras! Mas sua Paixão se haveria de prolongar nos corações manchados! Como sua Alma estremecia de alegria com a proximidade do momento em que ia para o Pai!
Mas como era esmagada de dor vendo um dos Doze, escolhido por ele, entregá-lo à morte e seu Sangue inútil pela primeira vez para a salvação de uma alma!
“Como seu Coração se desfazia de amor! Mas como a pouca correspondência das almas que ele tanto amava, mergulhava o próprio Amor na mais profunda amargura! e que dizer da ingratidão e da frieza de tantas almas escolhidas!
Terminadas aquelas palavras desapareceu como um relâmpago.”
Aquela celeste aparição reconfortou-a por um instante, lembrando-lhe o Apelo a reparação que sobe da Eucaristia às almas consagradas.
Mas esse “relâmpago” de paz, apenas passou, no meio da tempestade Na mesma tarde desaparece-lhe a coroa, deixando-a perplexa. Angustiosa interrogação levanta-se no seu espírito; não estará ela sendo alvo de ilusão e mentira? todas aquelas coisas do Além não serão miragem de sua imaginação... coisas de natureza desequilibrada ou de sugestão inconsciente?
esses pontos de interrogação só a ela se oferecem.
Nada naquela jovem havia que, mesmo de longe, física ou moralmente, se prestasse a tal hesitação. Cerca-a, entretanto, a máxima prudência, vigiando-a de perto e procurando algum sinal autêntico que permita discernir e afirmar nela a ação direta do demônio. Deus vai dá-la e afastar toda a dúvida.
No sábado de Aleluia, 15 de abril, pelas quatro horas da tarde, depois de ter passado os dois últimos dias nos mais dolorosos combates ouve, enquanto está cosendo, os ruídos prenunciadores do inferno. Sustentada pela obediência resiste com a maior energia, para fugir ao demônio que afinal a subjuga.
Então, como sempre, seu corpo parece perder a vida. Ajoelhadas ao lado dela, as Madres rezam, pedindo a Nosso Senhor que não deixe incertezas sobre o mistério que se lhes passa diante dos olhos.
De repente, pelo leve estremecimento habitual, reconhecem que Josefa retoma contato com a vida. No seu rosto doloroso adivinha-se o que acabara de sofrer.
De repente, levando a mão ao peito, exclama: "-Quem me está queimando?”
Nenhuma fonte de fogo havia. O hábito religioso estava intato. Ela o desata rapidamente. Um cheiro de fumaça acre e fétido se espalha na sala.
Vê-se então, queimando sobre ela, a camisa e a flanela. Uma larga queimadura fica-lhe perto do coração, como diz ela, atestando a realidade no primeiro atentado de Satanás. Josefa sente-se desnorteada:
“Prefiro ir-me embora — exclama no primeiro momento — a ser joguete do demônio.”
A fidelidade de Deus em manifestar tangivelmente o poder diabólico vai ficar sendo a maior fonte de conforto dos meses seguintes.
Dez vezes será Josefa queimada. Verá o demônio vomitar sobre ela fogo que deixará traços, não somente sobre suas vestes, mas ainda mais sobre os seus membros. As chagas vivas custarão a fechar e seus corpo levará cicatrizes para o túmulo. Várias peças de roupas assim queimadas foram conservadas, atestando a realidade da fúria infernal e a coragem heroica que lhe suportou os assaltos, para ficar fiel à Obra do Amor.

 

ALGUNS CLARÕES NA PROCELA
16 de abril — 8 de julho de 1922

“Serei a Luz de tua alma.”

(Nosso Senhor a Josefa — 17 de abril de 1922).

Surge o domingo de Páscoa, 16 de abril de 1922 e Jesus esmagando com a vitória da ressurreição os poderes infernais, vai repousar sua vítima por algum tem.
PO- Pela manhã, durante a missa, Josefa O vê aparecer.
É a primeira vez, desde o dia 3 de março, cuja lembrança lhe ficara no coração como um espinho doloroso, embora nunca tivesse duvidado de seu Perdão e do seu Amor. “Resplandecia de beleza e de luz — escreve ela — mas eu Lhe disse que não tinha licença para Lhe falar.”
“Não tens licença, Josefa?... responde com bondade. E para Me fitares?...
“Eu não sabia que dizer. ele continuou:
“Olha para Mim e deixa-Me olhar para ti.
Isso nos basta. ”
“Olhei para ele e ele fitou também os Olhos em mim,, com tanto amor, que não sei o que se passou em minha alma. Depois de um momento disse:
“Quando tua Madre te chamar, pede licença para falares comigo.”
“E desapareceu.”
A obediente noviça, embora encontre a Superiora instantes depois, espera, segundo a Palavra do Mestre, ser chamada.
“Pelas onze e meia — continua ela — a Madre me deu licença.
Fui à capela e Jesus logo veio.”
“Aqui estou Josefa!' Por que querias que eu voltasse ao menos uma só vez?”
“Oh! Senhor, para Vos pedir perdão, pois tenho tanta necessidade...
Então contei-Lhe todas as minhas fraquezas, todas as minhas misérias; e, com amor que não se pode traduzir, respondeu:
“Aquele que nunca precisa de perdão não é o mais feliz, mas antes aquele que teve de se humilhar muitíssimas vezes!”
Então, abrindo toda a sua alma, derrama ela no Coração Sagrado tudo que enchera de perturbação e obscuridade as semanas passadas.
Conta.Lhe também sua inquietação. Seria mesmo ele que lhe enviara a coroa na quinta-feira para tirá-la tão depressa?
Jesus tranquiliza-a:
“Fui Eu que te confiei aquele precioso tesouro do meu Coração. Mas era consolo demais para ti, Josefa e me consolaste muito mais aceitando a incerteza, do que trazendo minha coroa em tua cabeça.”
“Então falei-Lhe da queimadura de sábado e disse-lhe que fico desnorteada por me tornar assim joguete do demônio.
“Onde está tua fé? Se permito que sejas joguete do demônio fica sabendo que é para dar prova irrecusável dos Planos de meu Coração sobre ti.” prolonga-se a aurora pascoal por vários dias.
Como outrora aos Apóstolos perturbados, descoroçoados, depois das horas da Paixão, Jesus lhe aparece para repetir palavras que consolem, pacifiquem, fortaleçam.
Na segunda-feira, 17 de abril, escreve ela:
“Hoje o Evangelho foi o da aparição aos discípulos de Emáus. Enquanto eu dizia: “Senhor, ficai comigo pois já entardece”, ele veio de repente, belíssimo e disse:
“Sim, ficarei contigo. Serei a Luz de tua alma.
Tens razão. Já entardece... Dize-Me que farias sem Mim?”
Na sexta-feira, 21 de abril depois de uma noite em que o demônio e os tormentos do inferno lhe haviam desnorteado as esperanças, as notas continuam:
“Hoje de manhã, durante a missa, Nosso Senhor veio. Eu pensava que todos os suplícios estavam acabados e suplicava-Lhe que me deixasse um pouco de liberdade para trabalhar.”
Jesus responde com autoridade:
“Escuta, Josefa. Já te disse que Me quero servir de ti como instrumento de minha Misericórdia para com as almas. Mas se tu não te entregas completamente à minha Vontade, que queres que Eu faça? Há tantas almas que precisam do meu Per.
dão e meu Coração quer servir-se de vítimas que O ajudem a reparar os ultrajes do mundo e derramar sua Misericórdia. Que te importa o resto se Eu te sustentar? Nunca te abandono. Que podes mais querer?”
A semana de Páscoa termina pois naquela recapitulação da missão para a qual muito terá ela que sofrer. E de fato, o demônio não abandona o caminho de Josefa. As almas do Purgatório continuam a pedir o auxílio dos seus sofrimentos. Mas Jesus, fiel à Promessa, fica com ela e se torna a Luz de sua vida.
“Veio durante a missa tão formoso! — escreve ainda no sábado, 22 de abril. — Renovei os votos e creio que aquilo Lhe agradou, pois o Coração se Lhe abrasava.”
Ela explica suas ansiedades a propósito das almas do outro mundo que vêm pedir orações e sacrifícios.
Nosso Senhor a tranquiliza com sua Bondade habitual e lhe faz entrever as graças de salvação compradas com tantas dores.
“Se te dou a saber todas essas cousas — diz Ele — te a fim de que não recues diante de sacrifício nem de sofrimento algum.
Nunca duvides: quando mais sofres é então que mais Me consolas, e é quando menos podes perceber que mais almas aproximas de meu Coração.”
E como confiasse ao Mestre o esgotamento a que ficara reduzida naquelas dolorosas semanas:
“Não preciso de tuas forças, mas de teu abandono — responde cheio de ternura.
“A verdadeira Força está no meu Coração.
Fica em paz e não esqueças que são a Misericórdia e o Amor que operam em ti.”
É, pois, naquele Coração Sagrado, que deverá haurir a Força de que não cessa de necessitar para prosseguir na trilha do abandono cada vez mais sua.
“Há muitos dias — escreve na segunda-feira, 22 de abril, — que o demônio me arrasta para o inferno à mesma hora para lá me deixar, de cada vez, mais ou menos o mesmo tempo. Isso me aflige, pois desconfio que eu seja responsável de alguma coisa.”
É então a primeira coisa que expõe a Nosso Senhor quando lhe aparece naquela manhã depois da comunhão.
"Não te apoquentes — disse — há uma alma que precisamos arrancar ao demônio e está justamente em hora perigosa. Pelo sofrimento, porém, podemos salvá-la. Tantas almas há, expostas à perdição!...
“Mas há também muitas que Me consolam e voltam a meu Coração.”
“Então — diz ela — perguntei que poderíamos fazer para obter a conversão de um pecador que recomendaram às nossas orações e que está dando muito escândalo.”
“É preciso pôr meu Coração entre aquele pecador e o Pai Eterno. Josefa. É meu Coração que aplacará a sua Cólera e que inclinará para aquela alma a Compaixão divina. Adeus, consola.Me com teu amor e teu abandono.”
Sucedem-se os dias de provação aos dias de graça, pois o demônio centuplica esforços para nela despertar mais ondas de repugnância.
Acabrunha-a também com toda espécie de tormentos: ela o encontra por todos os lados; espanca-a, queima-a, arrasta-a ao inferno... e na sexta-feira, 29 de abril, apavorada com suas ameaças, ela não ousa comungar. Mas o pensamento da comunhão perdida fica-lhe como um gládio enterrado no coração.
Aqueles dias dolorosos servem para resgate de mui¬tas almas sem que ela tenha o conforto de o saber.
Na terça-feira, 2 de maio, pelas dez e meia, enquanto varre a capela das Obras, o Mestre aparece, de repente, no meio de sua luminosa Beleza.
-Estava em pé, entre os bancos — escreve ela.”
“Josefa, queres que eu fique contigo? Não te impedirei de trabalhar.”
“Renovei os Votos e disse que tinha de pedir licença.”
"Vai sim...”
“Desapareceu e fui logo dizer à Madre. Quando voltei á capela vi-O pela porta aberta. Estava sempre no mesmo lugar, como que à bainha espera... tão cheio de ternura que não sei dizer!... É uma ternura de Pai. não há palavras para exprimi-la.
Eu queria tanto vir a ti, Josefa, e tu quererias recusar-Me entrada?”
Aquela pergunta é uma flecha que lhe traspassa a alma. Ela confessa sua fraqueza diante do demônio que teima em impedir que se aproxime da santa Mesa."_
“Não sabes Josefa, que ele te pode torturar, mas, não prejudicar? Quem será mais poderoso, ele ou Eu?”
“Prometi ser generosa, depois falei das intenções das Madres, pois bem sabe todas as dificuldades e inquietações que têm que suportar.”
"Meu Coração é todo delas”, responde com bondade e acrescenta:
“Tomo conta de minha Obra. Guardo Minha “Sociedade”.
“Repetiu aquelas duas palavras com ardente amor.
Depois aproximou-me do seu Coração e me fez ouvir as palpitações... No fim falei da Santíssima Virgem pois há tanto tempo não a vejo e desejo-a tanto!...”
"Chama-a — disse.”
E desapareceu.
“Desde aquela hora não cesso de chamá-La, repetindo à Mãe caríssima que foi Jesus que mandou, pois preciso dela.
Durante a adoração, subitamente, ela veio com os braços abertos e disse:
“Que queres, filha!”
Então Josefa confessa toda a sua miséria naqueles dias de lutas, de sustos, de assaltos diabólicos e Maria tranquiliza-a maternalmente.
“Escuta, filha, deves abandonar- te como criancinha nos Braços de teu Deus.”
“É verdade, Mãe! somente, tenho tanto medo, não só do diabo, mas também de mim mesma!”
“Que podes temer se nos tens para te proteger?” “Disse-Lhe então como eu ficaria feliz se tivesse ao menos a coroa de espinhos, Mas não sei se Jesus ma quer dar ainda?”
“Não, filha, não ta dará agora, porque tu és que Lhe estás preparando outra coroa; se visses ds quantas almas está formada!...”
“Depois acrescentou:
“Jesus fitou os Olhos em ti e, apesar de tua miséria e mesmo de tuas ingratidões, não os desviará.”
“Deu-me a bênção e desapareceu.”
As visitas da Mãe anunciam em geral as do Filho, e na quarta-feira, 3 de maio, depois da comunhão, Jesus apareceu subitamente:
“ Josefa!”
“Pedí-Lhe licença para renovar os Votos e então, cada vez que O vejo, tenho necessidade de dizer todas as minhas fraquezas.”
“Não podes saber — responde Ele — quanto se alegra meu Coração, perdoando faltas que são de pura fragilidade. Não te aflijas. É por seres tão fraca que fitei os Olhos em ti.”
É tão bom, tão condescendente, que ela se atreve a Lhe exprimir um ardente desejo: queria que o demônio não a impedisse de ser fiel aos exercícios comuns...
pois está sempre a ameaçá.la...
“Deixa-Me dispor de ti segundo minha Vontade — responde o Senhor — pois és minha. Não terei, por acaso, todos os direitos sobre ti?”.
“A quem crês tu que a vida comum agrada mais? A ti ou a Mim?
“Tomo-te quando preciso de ti mas sobretudo para te ensinar a te submeteres à minha Vontade”.
Assim o Mestre do Abandono não cessa, através de tantas vicissitudes, de prosseguir seu trabalho na alma de Josefa. Repousa-a, entretanto, de vez em quando no meio da luta e páginas radiantes como esta, leem-se ainda em suas notas:
“A tarde, durante a adoração e enquanto se cantava o “Crux Ave” pois era festa da Invenção da Santa Cruz, senti ardente desejo de beijar as Chagas de Jesus.
“Beijei meu Crucifixo e pedi à Santíssima Virgem que o fizesse por mim.
“Ela veio, subitamente, com as Mãos cruzadas sobre o peito e me disse com muita doçura:
“Que queres, filha, que queres?”
“Oh! Mãe! beijar os Pés e as Mãos de Jesus e, se permitirdes — continua, hesitando um pouco, beijar também a vossa mão."
“Queres beijá-la. filha? Toma-a!”
“E dando-me a mão acrescentou:
“Querias beijar as Chagas de Jesus?”
“Nem me deixou tempo de responder... Jesus estava ali, belíssimo... com as Chagas abrasadas!”
“Que queres, Josefa?”
“Beijar vossas Chagas, Senhor!”
“Beija-as.”
“Ele próprio me mostrou os Pés, como para dizer: começa por aí. Beijei-os, depois as mãos. Então, estendendo o braço direito, aproximou-me do Coração e disse:
“Esta Chaga é tua, pertence-te.»
“Não posso dizer o que se passou em minha alma...
Jesus continuou:
“Vês como nada te recuso. E tu, recusar-me-ás alguma coisa?”
“Disse-Lhe que bem conhece meu desejo, mas minha fraqueza é maior que minha vontade.”
É assim que tenta exprimir a desproporção que sente, a certas horas, entre o que ela deseja e o que realiza.
“É porque Lhe faço tão a miúdo a promessa de nada Lhe recusar e depois não sei mantê-la quando chega a ocasião... Logo depois sinto cruelmente a pena que Lhe causo, a Ele, que tanto me ama e que é tão bom para mim.”
“Sim, meu Coração te ama e se compraz na tua miséria. Sabes como Me podes consolar? Amando-Me e sofrendo pelas almas, sem nada Me recusares.”
Aquelas graças de predileção são sempre para Josefa prelúdio de sofrimentos próximos e o demônio, que não perdeu a liberdade sobre ela, lho faz cruelmente compreender nos dias seguintes. Antes, porém, de abandoná-la ao poder do inimigo, Jesus faz questão de confirmar outra vez os Planos de seu Amor sobre ela.
“Havia-Lhe eu dito quanto desejava recebê-Lo — escreve na quinta-feira, 11 de maio, pois tenho fome dele e quanto mais miserável me vejo, tanto mais Lhe suplico que traga, ele próprio, remédio a tanta miséria.
Veio depois da comunhão com os braços abertos e aproximou-me do Coração... Fiquei um momento perdida naquela felicidade”.
Depois de ter renovado os Votos de virgindade e de perseverança na “Sociedade”, lembra ela a Nosso Senhor que brevemente serão os próprios Votos de Religião que a unirão a ele.
“Pois — diz ela — só faltam dois meses e Vós sabeis, Senhor, quanto desejo esse dia! Que alegria quando fôr vossa para sempre!”
“Eu também — responde ele — desejo aprisionar-te toda inteira no meu Coração, pois meu Amor é sem medida.
“E apesar de tuas faltas e tuas misérias, servir-Me-ei de ti para tornar conhecidos de muitas almas meu Amor e minha Misericórdia. Tantas há que não conhecem a Bondade de meu Coração!... e é meu único desejo que aquelas almas que amo se lancem e se percam no abismo sem limite de meu Coração.”
É a segunda vez que Nosso Senhor lhe descobre sua missão próxima. E como lê no mais profundo da alma o que ela não ousa exprimir, acrescenta imediatamente;
“Quando te sentires fraca e o medo te invadir, vem aqui buscar Força.”
“Senhor, não Vos vejo sempre e há momentos em que não posso sofrer sozinha”.
“Não sabes onde Eu estou, Josefa?... não te disse mais de uma vez?... é uma das provas mais visíveis de meu Amor ter-te dado duas Madres para te amarem e te ampararem. Procura-Me nelas. Lá sempre me encontrarás. Adeus!...”
Aquele Adeus abre o último período de que a separa os Votos. Desaparece Jesus de seu caminho e entra o demônio como dono — Todas as tribulações dos meses passados se reúnem para lhe alquebrar a fé, a virtude, a fidelidade.
A fúria de Satanás não poupa esforços contra aquela vocação que vê tão fecunda para salvação das almas.
Josefa parece ter-se tornado sua inimiga pessoal e, durante aqueles dois meses, trava-se combate singular entre o poder desenfreado do inferno e aquela pequenina, criatura, frágil por natureza, é certo, mas forte com a própria Força de Deus.
Desde então, dias e noites se passam quase sem tréguas, em luta, cuja violência ultrapassa tudo quanto ela sofrera até ali. Milagre é que suas Forças se sustentem, que seu trabalho não tenha sido interrompido e que nenhum olhar descubra a misteriosa provação.
Experimenta então ela todas as angústias da alma, sua consciência puríssima é desnorteada pela vista do mal, sua vontade sente-se prestes a desfalecer.
A dor atinge o paroxismo nas horas de obsessão, quando sofre a violência da Força que a domina e sob a qual tem a impressão de sucumbir. Conhecerá mesmo o que é desespero e atingirá às vezes o fundo do abismo. É o mais acerbo dos sofrimentos, que só a Virgem das Dores aplacará. A intercessão de “Maria desolada”, tão cara à Madre Fundadora do Sagrado Coração, vencerá muitas vezes o demônio. Num abrir e fechar de olhos, quando ao lado dela invocarem a Santíssima Virgem para que intervenha em nome de suas dores, Josefa, impassível até então sob a dominação diabólica, se ajoelhará. Cairá o véu dos seus olhos e sua alma libertada, humilhada mas confiante, protestará a Deus seu amor que sairá cada vez mais forte e mais generoso do cadinho do sofrimento.
Jesus e sua Mãe velam sobre ela no meio das ondas tempestuosas que se quebram na hora marcada por Deus.
Na sexta-feira, 19 de maio, o exame canônico exigido para a emissão dos Votos religiosos passa-se na paz de certa manhã em que o demônio não aparece.
Josefa sente-se em plena alegria, podendo afirmar sua vontade de seguir a Nosso Senhor e de Lhe ser fiel até à morte.
Mas o demônio redobra de furor.
A Ascensão, a 25 de maio, Pentecostes a 4 de Junho, passam sem o menor clarão na tormenta.
No domingo, 11 de junho, o carreio trez da Casa Madre a feliz notícia da admissão aos primeiros votos.
Recebe a participação daquela graça especialíssima com grande alegria e mal pode crer na tão almejada ventura.
A folha de admissão traz: “Roma, 5 de junho.”
Coincidência que a enche de admiração, pois 5 de junho é a data inesquecível do dia em que, havia dois anos, Jesus pela primeira vez lhe descobria seu Coração. Aquelas graças exasperam o demônio cuja fúria aumenta; não pára de acabrunhá-la, queimá-la; derrubá-la, repetindo com tenacidade assustadora:
esse dia não te chegará... hei de te esgotar...
torturar... arrancar daqui... ”
A festa do Santíssimo Sacramento, quinta-feira, 15 de junho, a do Sagrado Coração, sexta-feira, 23 de junho, com sua oitava privilegiada, não trazem alívio algum a tantas dores.
No meio de encarnecidos combates chega o mês de julho. A cerimônia dos votos está marcada para o domingo, 16, festa de Nossa Senhora do Carmo e Josefa entrará em retiro na sexta-feira 7, a primeira do mês
Mas naquele dia poderosa obsessão apodera-se-lhe do espírito e a lança na mais tremenda crise de desespero que jamais atravessara... Dirá mais tarde que nunca se vira tão perto do abismo. Horas de sofrimento incrível mas que não lhe conseguem arrancar do fundo da alma a necessidade de Deus. Pertence outra vez à Mãe das Dores aniquilar os planos de Satanás.
À tarde daquela primeira sexta-feira e o dia de sábado, 8 de julho, assinalam, sem dúvida, o ponto culminante dos atentados diabólicos.
São cinco da tarde. Na pequena cela onde passou o terrível 8 de julho, Josefa, exausta, está sentada. Parece não ouvir as Ave Marias que se multiplicam baixinho perto dela, lembrando a Nossa Senhora o poder de suas Dores e suplicando-Lhe que venha socorrer a filha.
De repente, o rosto contraído se lhe destende, abrem-se-lhe os lábios e, pouco a pouco, murmuram a mesma prece.
Então, na pacificação que começa, as Madres põem-se a reler algumas das palavras da Santíssima Virgem, piedosamente conservadas.
A essas palavras:
“Filha, não é verdade que jamais abandonarás meu Filho?”
“Não, Mãe, jamais.”
Josefa lança-se de joelhos, o rosto se ilumina diante de sua alma libertada a Mãe Imaculada ali está...
Num transporte de amor, difícil de narrar, ela repete ardentemente: “Não, Mãe, jamais!”
Momento empolgante, em que o poder do demônio mi e desaparece diante da soberana intervenção da Rainha do céu. Por coincidência reveladora da delicadeza de Nosso Senhor, o Revmo. Padre Boyer diretor de Josefa, chega na mesma hora ao “Sagrado Coração”.
Josefa pode recebê-lo e as suas palavras de coragem e confiança acabam de lançá-la nos Braços de Deus.

VI: O TRIUNFO DO AMOR

AURORA DOS VOTOS

“Repito-Vos, Senhor, nunca me separarei de Vós. Seguir-Vos-ei aonde me conduzirdes’.

(Notas do Retiro de Josefa)

Josefa entrara no silêncio do Retiro. Faltam oito dias apenas para 16 de julho e nenhum passará sem que o demônio se obstine em lhe derrear a generosidade. Pode-se acompanhar essa luta pelas notas que ela confiou ao caderno de retiro. Lê-se aí principalmente o amor que a conserva enraizada na Vontade de Deus, tão contrárias a seus atrativos e tão exigente em imolação.
“Senhor — escreve no sábado, 8 de julho, à tarde daquele dia de aflição — bem sabeis quem sou. Mas prefiro mil vezes sofrer a vos abandonar e ser infiel ao Apelo que me fizestes.
“Começo este Retiro sem desejo algum; fazei entretanto de mim e em mim tudo que quiserdes. A única coisa que Vos peço é que me amarreis à vossa santa Vontade e que eu jamais faça outra coisa na terra senão vosso bel-prazer... ” O dia que eu chamava com tanto entusiasmo chegou agora, mas que gelo em meu coração!.... Estou sem Força e sem amor... e sem Jesus que seria de mim? — continua logo — porque O amo sem medida, embora não sinta...
“Deixar-me-ei, pois, conduzir, farei este retiro por que é sua Vontade.
“Tenho a certeza de que, mesmo na maior escuridão, está ele preparando minha alma para me unir a Si.”
Os três primeiros dias dos santos Exercícios decorrem em paz relativa.
O demônio, muitas vezes presente diante dela, tenta em vão perturbá-la e atormentá-la de vários modos.
Fiel, através de tudo, ela continua, assim que pode, a relatar os frutos de suas meditações.
Revelam-se perfeitamente, nessas páginas escritas só para si, a simplicidade, a retidão, o equilíbrio de sua alma.
“Jesus me deu o ser, a vocação, os meios de servi-Lo segundo seu Plano, — escreve. Tem todo o direito sobre mim. Devo abandonar-me à sua Vontade com a mais inteira submissão. Se o caminho me custa, pouco importa...
A medida de meu abandono será um dia a de minha felicidade e acharei sempre a verdadeira paz, fazendo a Vontade de Deus pela inteira renúncia a mim mesma...
“Na meditação sobre a Morte, encontrei Força para sofrer, pois será grande consolo, no último dia, ter sofrido por Deus. Vós bem sabeis, Senhor, meu desejo de me unir a Vós para nunca mais vos perder. Pois não é a morte que me assusta, mas a vida... Entretanto, enho certeza de que não me abandonareis e, se quiserdes que eu sofra, ficarei contente, contanto que vos possa consolar... Que minha vida não seja senão fidelidade, afim de que minha morte não seja senão felicidade!
“Como o Filho Predigo tenho grande desejo de me atirar no vosso Coração. Aí depositarei todas as minhas misérias!... Estou certa de que serei bem recebida, pois, por maiores que sejam minhas faltas, maiores ainda serão a Misericórdia e a Ternura de vosso Coração! ”
Quando chega a hora em que a alma purificada se coloca diante do Apelo do Mestre, na meditação do Reino, como lhe chama Santo Inácio, Josefa se acha mergulhada em noite angustiosa.
“Senhor — escreve ela — Vede minha aflição, entretanto quem Vos poderá contemplar na primeira linha do combate sem desejar seguir-Vos?...
“Não farei caso do medo da minha natureza mas só olharei para a alegria de andar sobre vossas pegadas — Usai de mim segundo vosso Desejo, sois meu Rei!... tudo abandono para encontrar tudo... repito. Vos: jamais me separarei de Vós, seguir-Vos-ei aonde me conduzirdes.
“A meditação da Incarnação me deu coragem, continua ela. Vejo Jesus humilhar-se e para fazer a Vontade de seu Pai. É assim que me devo submeter humildemente à Sua, seja qual for... amar esta dependência e esta sujeição habitual de tudo fazer, tudo sofrer, tudo sacrificar para cumprir a Vontade de Deus. Quero viver em desprendimento absoluto a fim de que Ele possa realizar em mim seus Desígnios.”
A contemplação da Natividade traz à sua alma as alegrias do Natal.
“Jesus, minha vida! poderia ,eu desejar alguma coisa, vendo-Vos nessa extrema indigência?... Meu Jesus pequenino, como sois belo! Acerco-me da palha onde repousais, beijo vosso Pezinho e vossa Mãozinha... olhai-me com vossos Olhos encantadores e dizei-me que nada tema porque sois meu Salvador e me amais com amor infinito... — Filha, quero que sejas toda Minha!
— Já sou. Senhor, já o sou e para sempre!”
Na quarta-feira, 12 de julho, a sombra de Satanás estende-se mais e mais sobre o caminho de Josefa. Está sofrendo e a desolação a invade. À tarde, uma longa descida ao inferno Põe-na diante de lugares vazios onde o demônio, atormentando-a, vinga-se, como diz, das almas que ela arrebatara com seus sofrimentos. Ela volta à vida exausta, aniquilada, mas pronta para tudo sofrer pela salvação do mundo... Tal oferecimento nunca é feito em vão e sua alma vai entrar em novas trevas.
A quinta-feira, 13 de julho, é dolorosa por excelência. Desde alguns dias suas notas trazem o cunho das ondas de sofrimentos cujo fluxo e refluxo a atribulam
“Jesus — escreve ela — vinde em meu socorro!...
olhai para as trevas onde estou mergulhada... não me deixeis às mãos de meus inimigos.”
Depois da meditação das Duas Bandeiras:
“Vós sabeis, Senhor, que há muitos anos não quero outra coisa senão ser Vossa, viver para Vós e Vos amar. Agora estou prestes a fraquear. Oh! Olhai-me e tudo desaparecerá, mas olhai-me, Senhor! Só faltam dois dias... se eu não encontrar paz em Vós, onde Irei buscá.la?..."
Que tom doloroso à lembrança de seus mais ardentes desejos!
“Sabeis que desejo eu tinha deste Retiro, de meus Votos! e eis que são dias de temor e de desgosto, de perturbação e sofrimento... Por que tem o demônio tanta liberdade?”
Mas, reanimando sua fé:
“Senhor tudo espero de vosso Coração, quero ser toda vossa e Vô-lo digo no momento mais terrível que conheci, pois bem sabeis em que aflição estou mergulhada!"
Parece procurar coragem, reafirmando em si mesma a vontade de ser fiel e confiando a seu caderno apelos tomo este:
“Senhor, aonde irei? A. quem me entregarei senão a Vós? Já não tenho nem desejo nem atrativo mas quero ficar fiel... Estou pronta para fazer o que quiseres, para sofrer tanto quanto quiserdes, para seguir-Vos aonde me conduzirdes, para mais completa e generosa doação de mim mesma, pois sois meu Senhor e meu Deus fostes Vós que me escolhestes... ó Coração cheio de Amor e Misericórdia, tende pena de mim não me deixeis sucumbir, dai-me Força para resistir, constância para preservar e amor para sofrer...”
Chegou a hora desse grito de amor comover o céu.
Na tarde de 13 de julho, ajoelhada no oratório de Santa Madalena Sofia, começa a Hora Santa em angústia indescritível. Subitamente, num abrir e fechar de olhos invade-lhe a alma uma onde de paz. Jesus, mais uma vez manifesta seu poder. Na alegria indizível daquela transformação. Josefa, libertada, radiante, renova os Votos que a ligaram de antemão e para a eternidade do Coração de Jesus e à sua “Sociedade”. O demônio está em fuga!
E logo na manhã de sexta-feira, 14 de julho, escreve com toda a expansão de seu coração reconhecido:
“Jesus, graças Vos dou por me terdes dado luz e paz! Estou pronta para tudo que quiserdes de mim”. Depois, acrescenta como que falando consigo mesma: “Durante toda a minha vida amei-Vos, só a Vós, mas ninguém sabia que eu era vossa. Agora o céu e a terra saberão que nos amamos ambos e que somos Esposo e Esposa para a eternidade”.
Os dois últimos dias do Retiro continuam envoltos naquela paz. Ela não pode crer em felicidade tamanha.
Mas prossegue seriamente o trabalho de sua alma, enquanto o demônio até o fim procura roubar-lhe a alegria.
“Jesus no deserto foi tentado — escreve ela — Permite que o demônio ouse atacar um Deus para me dar coragem e me ensinar que a tentação é o cadinho da virtude.
“Durante sua Vida oculta, não sei se Jesus experimentou alguma tentação, mas no momento em que se prepara para a Vida pública quer atravessar essa provação.
“Quando Deus se digna servir-se de uma alma, observa a mesma conduta: para fortificá-la na vida interior, guarda-a escondida primeiro, mas depois quando se aproxima o tempo de realizar seus planos, entrega-a à tentação a fim de fortificá-la e preservá-la da vaidade e torná-la por sua própria experiência mais útil ao próximo.
“Devo ter confiança naquele Coração que vela sobre mim, e a medida de sofrimento, quantas vezes já não mo fèz ele compreender! será mais tarde, a da consolação.”
A vista de Nosso Senhor sob o pêso de sua Agonia vem ainda fortificá-la.
“Que lição me dais aqui. Senhor!:..
“Na tentação e na desolação é à oração que devo recorrer para pedir alívio, mas sobretudo Força, para fazer vossa Vontade.”
“Como meu coração seria duro se, diante da Paixão de Jesus, eu não me decidisse a segui-Lo no caminho por onde me quer levar, da humilhação, da renúncia, do completo abandono de mim mesma”.
Na mesma sexta-feira, depois de ter contemplado Nosso Senhor Crucificado, traça as linhas seguintes:
“Senhor! Ei-vos sobre a Cruz. Ides morrer e vosso Coração vai abrir-se por mim. Coração de meu Jesus, mostrai-me a passagem e deixai-me entrar até o fundo...
Minha morada é seu Coração. Ali ficarei escondida: ali trabalharei, sofrerei e me perderei. Quanto mais pequena for, mais ao fundo do abismo poderei descer...
Que alegria conhecer esse Coração e ser sua Esposa...”
Um pouco mais adiante, renova suas promessas com toda a espontaneidade de seu fervor:
“Não sou capaz de grandes coisas, Senhor! Mas prometo seguir o caminho que me traçais. Se eu fraquear (e será mais de uma vez) não desanimarei mas amar-Vos-ei ainda mais por causa da ternura que me dedicais. Vós que me amais como se eu nunca Vos tivesse ofendido-vos. Mesmo se eu cair levantar-me-ei e irei ao vosso Coração”.
No sábado, 15 de julho, véspera dos Votos; Josefa passa o dia à espera da grande felicidade.
Sua alegria é tão fresca e tão profunda ao mesmo tempo, que deve encantar o Coração daquele que gosta de simplicidade e de ardor no amor.
“Dia de grande paz para minha alma, à espera da hora que me unirá a ele — escreve ela — Quando vier, nada deve encontrar que Lhe desagrade ou Lhe embarace a entrada... Purificar a morada da minha alma.
Vou desposar um Rei que traz riqueza em superabundância. Pôr de lado meu pobre juízo para pensar como ele, querer como ele, sujeitar-me a todos os seus gostos.
Por volta de meio dia o inimigo faz nova tentativa mas seu poder está acabando. Josefa não o vê, ouve- lhe a voz somente: “Ainda é tempo, ruge se queres ser feliz, parte, senão, te queimo.
Mas aquela sombra não lhe atinge a alegria. À tarde escreve longamente tudo que seu coração contém de intenções e desejos, “tão numerosos diz ela — que não terei tempo amanhã para dizê-los todos a Nosso Senhor. Colocarei esta carta sobre meu coração e ele a lerá durante minha ação de graças; terei apenas terminando de pronunciar os Votos e ele nada me poderá recusar.”
Aquela folha foi preciosamente conservada. 16 testemunho da puríssima afeição de Josefa para com todas as pessoas que conhece. Multiplica os nomes caros a seu coração, e com letra cada vez mais apertada, acumula as intenções que lhe transbordam da alma, Caridade que se estende até às extremidades da terra e abraça a Santa Igreja, a França, a Espanha, o mundo inteiro.
Naquela hora solene de sua vida sente-se poderosa sobre o coração de Jesus e participa-lhe cada vez mais da sede insondável...
“Quanto a mim, diz ela, terminando — dou-me toda inteira a Vós, de corpo e alma, sem outro desejo senão o de glorificar vosso Coração que tanto amo! que o mundo inteiro Vos conheça... e as almas que Vos são consagradas, Vos amem cada vez mais!... Nada nos separará nem a vida nem a morte.
Abrasai-me com vosso Amor e não me deis outro consolo senão o de consolar vosso Coração!...
“Recebei esta carta pelas mãos da Santíssima Virgem. Aqui na terra e por toda a eternidade sou de agora em diante:
Maria Josefa Menéndez de Jesus
O dia finda na irradiação de Nosso Senhor que está próximo e a noite cheia de suaves anelos.
Está tudo pronto para a oblação que se vai realizar.

 

A OBLAÇÃO
16 de julho — 7 de agosto de 1922

“Vê como te fui fiel. . .
agora vou começar minha Obra..."

(Nosso Senhor a Josefa — 18 do julho de 1922).

É um dia do céu que desponta no velho mosteiro dos Feuillants.
Naquela casa. em que as cerimônias de Vestidura e de Primeiros Votos são frequentes, uma renovação de fervor e de alegria acompanha sempre as felizes privilegiadas ao altar da oblação. toda a família religiosa se associa a elas. Nunca é tão viva a divisa do Sagrado Coração": “ Cor unum et anima una in Corde Jesu.”
Na manhã de 16 de julho de 1922, ninguém suspeitava as maravilhas que se realizavam na Irmãzinha Josefa Menéndez. Deus guardara-a ciosa mente à sombra de sua Face. Fizera dela Obra sua. Formara-a.
trabalhara nela, triturando-a para ajustá-la às suas Mãos. Guiara-a ao longo de seus caminhos. Reduzira a pó os planos de Satanás. Triunfa sua Misericórdia sobre aquela miséria e seu Poder sobre aquela fraqueza.
Hoje ele próprio a conduz ao cumprimento de seus Desígnios.
A aliança que se vai selar daí a instantes diante do céu e da terra, consagra-la-á como Esposa sua não para gozar, mas para ajudá-Lo na Obra de Amor que será entre ela e o Coração divino, consumação de unidade.
É a única eleita daquele dia. Às oito horas da manhã, na capela dos “Feuillants” toda ornada com flores de verão e repleta de meninas, entra no meio das Madres e Irmãs, com jubiloso recolhimento que já não é desta terra .
Ali se acham também a mãe tão querida e a mana, vindas de Madri. Sabe, Josefa, que estão perto dela e aqueles “dois amores de seu coração”, como diz, fazem parte da oferenda. Sua irmã Mercedes, religiosa do Sagrado Coração, também se une a ela da casa de Las Palmas (Ilhas Canárias). Nada desvenda, nem sua atitude, nem seu rosto radiante, a misteriosa proximidade do céu. No silêncio da oração que os cantos litúrgicos interrompem de quando em quando, a cerimônia desenvolve seus ritos habituais. Depois de algumas palavras do celebrante, que chama a atenção pera a austera felicidade da consagração religiosa, Josefa se aproxima da mesa de comunhão. Responde com firmeza ao questionário do celebrante a à última pergunta: “É livremente e de todo o coração que tomais Jesus Cristo por vosso Esposo?” toda sua alma transbordou nestas palavras: -Sim, Padre, é de todo o coração.” Recebei a Cruz “ na qual está cravado aquele que será de ora em diante vosso Modelo e o único Objeto de vosso Amor” e o véu preto do qual se diz: “Recebei o Jugo do Senhor, pois seu Jugo é suave e seu peso leve,”
Começa a santa Missa.. Quando chega o momento solene da comunhão, sozinha à Santa Mesa. fitando a Hóstia que o sacerdote eleva diante dela Josefa pronuncia lentamente, com toda a intensidade de sua vontade e de seu amor, os Votos que a unem para sempre ao Sagrado Coração de Jesus... momento comovedor, para quem sabe a que preço foi obtido, através de que tempestades a barquinha chegou ao porto, e que milagres de amor lhe prodigalizou o Coração que se encantara com sua pequenez!
Enquanto os olhares humanos repousam sobre a simplicidade daquela oblação, outro espetáculo desperta a atenção do céu.
Instantes depois, ainda em santo enlevo, Josefa nota para nunca mais esquecer, o que aprouvera ao Senhor realizar para ela.
“Depois do sermão — escreve — aproximei-me para receber o Crucifixo dos Votos e o véu preto. Então vi subitamente a Santíssima Virgem, belíssima vestida de luz. Trazia nas mãos um véu e quando voltei ao genuflexório Ela, em pessoa, o estendeu sobre minha cabeça.
Em torno dela emoldurando-a, vi aparecer uma multidão de cabecinhas radiantes. Dir-se-iam criancinhas com os olhos e os rostos iluminados de alegria.
Com doçura que não posso exprimir disse-me Ela:
“Filha querida, enquanto sofrias, estas almas teciam o véu para ti. todas aquelas que desejavas Saíram do purgatório e estão no céu para a eternidade. De lá te protegem.”
“Era um quadro encantador: parecia uma rainha a Santíssima Virgem, com belíssimo semblante, cheio de pureza e ternura, com túnica dourada, mãos virginais, alvas e finas. E todas aquelas almas... numerosas cabecinhas... era magnífico!... Não sei escrever a impressão que tudo aquilo me fez. E como eu tinha também aquele véu que me envolvia e meu Crucifixo, não sabia o que dizer... deixei-me inundar de felicidade... não podia fazer outra coisa!... “quando a Santíssima Virgem acabou de falar, as cabecinhas desapareceram umas depois das outras. Deu-me a bênção e desapareceu ela também. Eu pensei que estava no céu...
“Depois veio o momento de ler, com que emoção e com que alegria!... a fórmula dos Votos. Depois comunguei... Então vi Jesus formosíssimo. O Coração estava abrasado, a Chaga aberta: saía dele uma Força que me atraiu me fez entrar até o fundo e me achei perdida dentro do seu Coração!”
“Agora estou contente — disse — pois te trago presa no meu Coração. Desde toda a eternidade fui Teu, de hoje em diante és Minha, para sempre! Trabalharás para Mim. Trabalharei para ti.
Teus interesses são Meus. Meus interesses são teus. Vê como te fui fiel!
“E agora vou começar a minha Obra.”
“E desapareceu.”
Algumas horas mais tarde, o caderno de Retiro deixa, transbordar, nas seguintes linhas, o que lhe vai na alma:
“Jesus veio, fez-se a união! .. Oh! saberá ele como sou miserável e que apesar de meu desejo de Lhe agradar e de amá-Lo, hei de magoá-Lo ainda de certo, mais de uma vez? Sim, sabe-o melhor que eu! ele, porém, ama... e nada Lhe importa. Está pronto de antemão para reparar minhas faltas, foi para isso que me deu seu Coração!
Então procura especificar os compromissos que a ligam a esse Coração Sagrado:
“ó Jesus: obrigada pela graça incomparável de meus Votos!
“Meu Voto de Pobreza! que quis eu com esse Voto? Sei que de ora em diante já não tenho direito a nada: tudo que usar será, esmola que me fizerem.
Deixei também tudo que mais amava aqui: minha mãe, minha irmã, minha casa, minha Pátria para não possuir senão a Jesus Cristo... É, porém, sobretudo de mim mesma que me devo despojar. Jesus será tudo para mim, não te-ei desejo algum, nem ambição senão para Ele; é minha Força, minha Paz, nada quero senão o ele, nada senão o que a ele me conduzir.
“Meu Voto de Castidade! Como sou feliz na vida religiosa! Quem me arrebatará este tesouro? O mundo não existe para mim estou num jardim fechado cujas flores são muito diferentes. Viverei sempre neste jardim entre flores reservadas para o divino Jardineiro.
Ele me cultiva, eu o recreio, ele me ama eu O amo!
Todo o resto nada é para mim, ó Jesus puríssimo! Esposo das Virgens! Amo-Vos porque sois a própria Pureza. Foi o que atraiu meu coração desde os meus primeiros anos de vida. “Jesus é o Esposo das Virgens”. Esta palavra bastou para me fazer saborear os encantos reservados a vossas Esposas e desde então minha alma ficou sendo florinha que só para Vós exala seu perfume, ó Jesus, fazei que eu nunca perca a brancura da graça nem o amor à virgindade.
“E meu Voto de obediência! — acrescenta ainda — Liga-Me a minhas legitimas Superioras fazendo-me nelas ver unicamente a Vós que me dais a conhecer vossa Vontade. Meu amor deve ir mais além, não somente devo obedecer a toda autoridade seja qual for, mas também àquela voz que fala à minha alma e que às vezes finjo não ouvir, porque me custa fazer o que ela me diz ou dizer o que manda transmitir...
Não, Senhor, obedecerei por amor, sem perguntar por que ou como, sem murmurar, nem hesitar, pois não é mais minha vontade mas a Vossa que vive em mim, e tudo isso por amor de Vós!
“Pelo dia afora — concluiu — sentia-me tão feliz que não sabia o que dizer a Jesus e à sua Mãe.
É de fato em paz celeste que parece envolvida.
Está mergulhada em Deus. Mas sempre boa e atenciosa para com todos, passa o dia semeando felicidade.
Leva às doentes e enfermas o beijo de paz que não dera na capela. Encontrá-la era para cada pessoa um raio de alegria e uma expansão de caridade.
A mãe e a irmã gozam, largamente, dela nas horas que lhes consagra, pois continua a ser filha e irmã mais velha, cheia de delicadeza e de ternura sobrenatural.
Vinda a tarde, em longa adoração diante de Jesus exposto, acha de novo o silêncio de que sua alma tem sede para repetir ao Esposo das Virgens o oferecimento que a consagrou a seu Coração.
Os dias seguintes vão confirmando sua oblação até à hora em que Jesus lhe descobre abertamente o Plano de seu Coração, realizando assim a palavra ouvida na manhã dos Votos: “Agora vou começar minha Obra.”
“Na terça-feira, 18 de julho, — escreve ela — ao sinal do sino da tarde deixei minha mãe e minha irmã para ir à capela. Em caminho pedia a Jesus que não ficasse com pena por eu não lhe falar tão frequentemente durante estes dias, mas que recebesse como para Ele tudo que digo a elas, pois é verdade que tudo é por seu Amor.”
No momento em que entrava no oratório de Santa Madalena Sofia, Nosso Senhor aparece de repente:
“Josefa, minha Esposa, nada receies. Recebo tanto consolo quanto se estivesses comigo. Vê-Me nelas e vive em paz.”
No sábado, 22 de julho, no começo da missa, veio belíssimo — escreve ela — Com uma das Mãos segurava o Coração e com a outra acenava que me aproximasse:
“Olha a Prisão que te preparei desde toda a eternidade, — disse — É neste Coração que viverás perdida e escondida para sempre.”
Depois da comunhão acrescentou:
“Josefa, minha Esposa, deixa-Me dilatar-Me em ti. Minha Grandeza fará desaparecer tua pequenez. De hoje em diante trabalharemos sempre unidos. Eu viverei em ti. tu viverás para as almas.”
E como Lhe lembrasse ela sua fraqueza.
-Deixa-te conduzir! .. Meu Coração fará tudo, minha Misericórdia agirá e meu Amor aniquilará todo teu ser.”
Ontem — acrescenta ela — veio a Santíssima Virgem de manhã,”
Aquela Mãe incomparável vela como se receasse que a filha esquecesse os perigos sempre escondidos no seu caminho.
“Fica em paz filha lhe diz Ela — Nada reserves para ti. não te preocupes senão com o momento presente. Jesus te conduzirá, a ti e as tuas Superioras.
Nunca te separes delas, fica fiel e submissa à Vontade de meu Filho, principalmente nas horas difíceis.
Depois de algumas recomendações:
“Meu divino Filho quer servir-se desse pequenino instrumento para sua Glória e apesar de todos os esforços do inimigo.”
Assim é ela informada por sua Mãe de que o inimigo não desapareceu por muito tempo, pois, se não lhe pôde arrebatar a vocação, ao menos tentará até o fim desmoronar o plano de Amor que se está imprimindo nas páginas da sua vida. Josefa fica no primeiro momento, desnorteada por se achar outra vez tão fraca apesar da graça dos Votos, diante das tentações, cuja dolorosa experiência já conhece.
Na quarta-feira, 26 de julho, estava dizendo à Santíssima Virgem minha grande mágoa — escreve ela — Suplicava-lhe que Ela própria pedisse perdão a Jesus e lhe dissesse quão feliz estou por lhe pertencer e que meu único desejo é amá-Lo. Mas que se dignasse não esquecer minha pequenez! Falei-Lhe assim, para desabafar. quando Jesus apareceu subitamente ... Aproximou-se de mim e disse:
“Nada temas: sou teu Salvador, sou teu Esposo.
Ah! Quão pouco compreendem as almas estas duas palavras! Eis a Obra que quero fazer por teu intermédio; o desejo mais ardente de meu Coração é que as almas se salvem, quero que minhas Esposas e especialmente as de meu Coração saibam com que facilidade podem dar-me almas.
Ensinar-lhes-ei por teu intermédio, o tesouro que deixam perder tão frequentemente porque não aprofundam o sentido destas duas palavras: Salvador e Esposo.”
“Então deixou-me descansar sobre seu Coração e depois de um momento levantou minha cabeça para que eu olhasse para Ele. Como exprimir o que me dizem seus olhos tão belos... Continuou:
“Nada temas, meu Coração repara as tuas quedas e as de todas as minhas almas.
“A única coisa que peço é que elas não percam a confiança pois sou Salvador e Esposo.”
“Guarda minha paz, meu Coração te ama e tua pequenez não me assusta. Foi por causa dela que fitei os olhos em ti e que te amo com a loucura de um Deus.”
Foi a mesma lição de confiança que a Santíssima Virgem lhe repetiu no dia seguinte, quinta-feira 27, mostrando-se a ela à hora das últimas preces:
“Filha querida, não te aflijas com tuas quedas. Cairás mais de uma vez ainda, mas o Amor te levantará sempre pois estás amparada pelo Esposo que te ama e que é teu Deus.”
Alguns dias depois, pela tarde de domingo, 30 de julho, anuncia à filha a Cruz de Jesus.
“De noite ele virá trazer-te a Cruz.”
E pondo a mão sobre meu ombro — escreve Josefa — acrescentou:
“Não olhes para tua pequenez, olha para o Tesouro que te pertence pois és toda dele e ele é todo teu.”
Horas depois, no meio da noite, envolto em radiante luz, traz-lhe ele aquela cruz que ela já não carregara havia muito.
"Josefa minha Esposa, queres partilhar da Cruz de teu Esposo?“
E, pondo-a sobre meu ombro direito:
“Recebe-a com alegria e carrega-a com amor, pois é para as almas que tanto amo.
“Não te parece menos pesada que antes... É que agora estamos unidos para a eternidade e nada mais nos separará.”
O fiel Amigo, que a deixa ocupar-se de sua tarefa durante o dia, gosta dos entretenimentos noturnos quando já nada Lha disputa e sabe encontrá-la sempre pronta para O Consolar.
“Em a noite do sábado, 5, para o domingo, 6 de agosto, estava já dormindo —" escreve ela — quando a sua Voz me despertou.
“Josefa, minha Esposa!”
“Estava formosíssimo com sua Cruz e cercado de luz. Levantei-me depressa."
“Venho trazer-te minha Cruz.”
“E colocou-ma sobre o ombro. Disse-Lhe minha alegria em consolá-Lo apesar da minha pequenez.”
“Trago-ta à noite porque durante o dia dou-a às minhas Esposas.”
Então Josefa lhe fala das almas e principalmente dos pecadores pois é esta sua preocupação constante:
“Sim, há muitas almas que Me ofendem, muitas que se perdem — responde ele com tristeza — mas as que mais ferem meu Coração são as almas que tanto amo! que reservam sempre alguma coisa para si e não se entregam inteiramente a mim.
“E, no entanto, não lhes dei provas bastantes de amor? Não lhes dou todo o meu Coração?”
“Pedi-lhe perdão por aquelas almas e por mim que tantas vezes faço reservas no Dom de mim mesma — continua ela humildemente — Supliquei-Lhe que recebesse em reparação os atos de amor daquelas que desejam consolá.Lo e respondeu-me com bondade:
“É o que procuro: reparar as misérias de umas com os atos das outras.”
Aquela noite passada sob a Cruz é a preparação imediata que convém ao domingo, 6 de agosto de 1922, data memorável na história de Josefa pois abre as perspectivas da Obra que a espera. Mas o Mestre divino, que não pode agir senão através do nada do instrumento, quer primeiro frisar ainda uma vez essa exigência de seu Coração.
Escreve ela:
“Depois da comunhão, Nosso Senhor veio belíssimo... O Coração estava dilatado, a Chaga largamente aberta. Pitou-me primeiro: e depois com grande compaixão disse:
"Miséria e nada! .. Eis teu nome.
...Pequena é ainda alguma coisa e tu, Josefa, és nada!”
“Falava com tanto amor que minha alma se abriu? ele simplesmente: é verdade, sim, Senhor, não sou nada. E queria ser ainda menos pois o “nada” não vos opõe resistência e não Vos ofende porque não existe e eu Vos resisto... Vos ofendo...”
“Durante a segunda missa voltou e aproximando, me do Coração continuou:
“Estás bem convencida de teu nada?... De ora em diante as palavras que te disser jamais se apagarão."
“Respondi-Lhe quanto mêdo tenho que me ponha nas mãos sua Obra de Amor, pois sou capaz do pior apesar de meus bons desejos
“Jorrou-Lhe do Coração um fogo que me abrasou”.
“Pequena! Miséria de meu Coração!... disse com bondade — Começa minha Obra agarrada à mão de minha Mãe! Não te basta para criares coragem?”
O coração de Josefa pulou àquela pergunta; (em confiança completa na Santíssima Virgem que tanto ama!
“Sim, Senhor — respondeu espontaneamente — grande coragem e grande confiança. Dizei-me o que poderei fazer para obter daquela Mãe querida que jamais me deixe trair vossa Obra, que me conserve sempre fiel a vossos Desígnios, que me proteja e que vosso Coração me ampare, pois é meu único desejo,”
Então, depois de um solene silêncio, Jesus responde como se Se recolhesse antes de pronunciar palavras de extrema importância.
Já que meu Coração se quer servir de instrumentos vis para fazer a maior Obra de seu Amor, eis o que fará como introdução para esta Obra durante os dias que precedem a Assunção de minha Mãe.
“Aprofundar o nada do Instrumento.
“Confiar-te inteiramente à Misericórdia de meu Coração e prometer do fundo da alma nunca resistires a meus pedidos por mais cruciantes que pareçam.
“Na quinta-feira farás hora Santa para consolar meu Coração das resistências das Almas escolhidas.
“Na sexta-feira pedir-te-ei um ato de reparação pelas ofensas e mágoas que recebo dessas almas.”
À tarde, escrevendo essas linhas, Josefa fica empolgada, lembrando a solenidade e a gravidade do tom com que o Senhor lhe falara. Não ousa continuar, com receio de não se lembrar exatamente das palavras e de trair o pensamento do Mestre; apareceu ele de repente e ditou, em Pessoa, o que se segue:
“Pouco Me importa! Quando escreveres dir-te-ei tudo. Nenhuma de minhas Palavras se perceberá. Nada do que te digo jamais se apagará.
Pouco importa, por mais pequena e miserável que sejas. Sou Eu que farei tudo.
“Darei a conhecer que minha Obra repousa sobre o nada e a miséria e que é esse o primeiro anel da cadeia de amor que preparo para as almas desde toda eternidade. Servir-Me-ei de ti para mostrar que amo a miséria, a pequenez e o nada.
"Darei a conhecer às almas até que ponto meu Coração as ama e lhes perdoa e como suas próprias quedas Me servem de complacência... sim, escreve isso, de complacência. Vejo o íntimo das almas, seu desejo de Me agradarem, de Me consolarem, de Me glorificarem e o ato de humildade que são obrigadas a fazer vendo-se tão fracas, é exatamente o que consola e glorifica meu Coração”. "Pouco se me dá sua pequenez. Suprirei o que lhes falta.
“Darei a conhecer como é que meu Coração se serve de sua própria fraqueza para dar vida a muitas almas que a perderam.
“Darei a conhecer que a medida de meu Amor e de minha Misericórdia para com as almas caídas não tem limites. Desejo perdoar. Repouso perdoando. Estou sempre esperando com amor que as almas venham a Mim! Não desanimem! Venham!...
Atirem-se nos meus Braços! Não tenham mêdo!
Sou seu Pai! Muitas Esposas minhas não compreendem bastante tudo que, podem fazer para atrair a meu Coração almas que estão mergulhadas num abismo de ignorância, sem saberem quanto desejo aproximá-las de Mim para lhes dar Vida .. a Vida verdadeira.
“Sim, ensinar-te-ei os meus segredos de Amor, Josefa e serás exemplo vivo de minha Misericórdia, pois se tanto amor e tanta predileção tenho por ti, que não és mais que miséria e nada, que não farei por outras almas muito mais generosas que tu!”
“Permitiu-me que Lhe beijasse os Pés e partiu Daí em diante, cada vez que tiver de transmitir a Mensagem que o Coração de Jesus quer transmitir ao mundo, ele, em Pessoa, estará presente. Falará com expansão de ardentíssimo amor e Josefa escreverá, à medida em que Lhe forem caindo dos Lábios, os Apelos divinos.
Sublinhará esses trechos a tinta vermelha em seus cadernos, para salientar-lhes o valor excepcional.
“Na segunda-feira, 7 de agosto, depois da comunhão — diz ela — veio Nosso Senhor belíssimo:
“Que Me queres dizer, Josefa?”
“Senhor, para obedecer, vou renovar os Votos em vossa presença.”
(Lembramo-nos da recomendação que lhe havia sido feita desde vários meses para evitar os embustes do demônio).
“Enquanto os renovava, ele sorri alegremente. Estava tão formoso! olhava para mim com ternura e compaixão inexprimíveis! Depois abriu os Braços e aproximando-me do Coração:
“Vem já que nada és e entra no meu Coração É tão fácil perder-se neste abismo de Amor.”
“Então fez-me entrar no seu Coração.” — Josefa escreve que se sente incapaz de exprimir qualquer coisa desse favor misterioso.
Quando ela se encontra fora do insondável abismo diz Ele:
“Irei assim consumindo tua pequenez e tua miséria. Agirei em ti, falarei por ti, Far-me-ei a conhecer por meio de ti. Quantas almas encontrarão vida nas minhas Palavras! Quantas criarão ânimo compreendendo o fruto de seus esforços.
Um pequeno ato de generosidade, de paciência, de pobreza... pode tornar-se um tesouro e obter para meu Coração grande número de almas... Tu, Josefa, desaparecerás breve; as minhas palavras permanecerão”.
‘•Então disse-lhe meus receios, pois temo sempre não ser fiel, Olhou para mim com seus Olhos tão belos com inexprimível bondade acrescentou:
“Nada receies. Eu te manejarei do modo que melhor me convier à minha Glória e à salvação das almas. “Entrega-te ao Amor, deixa-te guiar ao Amor e vive perdida no Amor!” (1)
(1) Josefa havia de escrever alguns dias depois as seguintes palavras acrescentadas por Nosso Senhor e que sua delicadeza não ousaria comunicar então às Madres:
“Morrerás breve. Um pouco antes de tua morte prevenir-te-ei a fim de que tua Madre diga tudo ao Bispo. Nada receies, pois alguns dias depois já estarás comigo no céu”.

 

LIVRO SEGUNDO

A MENSAGEM DE AMOR

(PRIMEIRA PARTE)

PRELIMINARES

Logo que Josefa pronunciou os Votos, tornou-se evidente que fôra escolhida unicamente para um grande Desígnio de Amor. toda a graça da vocação desenvolvida em sua alma pelas predileções divinas a tinha modelado para essa Obra.
Esposa do Coração de Jesus, deveria ser para ele resposta viva de amor... e ele lhe tinha descoberto os segredos do amor que espera de sua “Sociedade”: — “o mais terno e mais generoso Amor.”
— Esposa de seu Coração, deveria penetrar-Lhe na Chaga, medir-lhe a profundeza e associar-se à sua dor diante da perdição das almas... e ele lhe tinha dado a compreender a orientação redentora da vida entregue e unida ao divino Reparador.
— Esposa de seu Coração, escolhida pelo Deus Salvador para ser instrumento do seu Amor e da sua Misericórdia para com as almas tão ternamente amadas, deveria ela participar da sua sede insondável... e ele a tinha mergulhado no fogo consumidor de seu Coração, oferecendo-lhe o mundo inteiro como horizonte daquele amor reciproco.
Os anos de sua formação religiosa foram, pois, para ela aprofundamento daquela graça de vocação que chama toda religiosa do Sagrado Coração a uma vida de esposa, de vítima e de apóstolo.
O próprio Jesus quisera destacar, com suas diretrizes, cada linha da Regra e dar assim, logo na aurora daquela vida religiosa, um testemunho comovedor de seu Pensamento sobre a “Sociedade fundada no Amor”.
— segundo diria uma vez —“ e cuja vida, e cujo fim são o Amor”. (1).
Não era isso, no entanto ainda, senão preparação para mais amplo desígnio. Por várias vezes avisara Josefa dos seus projetos. Apesar do medo e das resistências de sua alma, encaminhara-a com firmeza e suavidade no sentido do oferecimento incondicional de si mesma, para missão mais definida.
No dia dos Votos, afirmando seus direitos sobre eia, não lhe havia dito essa palavra reveladora?
“E agora vou começar minha Obra.” (2)
Esta Obra, que Ele próprio chamará “ a maior de seu Amor”(3) vai, de ora em diante, se desenvolver e se concretizar durante os dezoito meses que terminarão aqui na terra a rápida passagem de Josefa.

(1) 22 de junho de 1923.
(2) 16 de julho de 1922.
(3) 6 de agosto de 1922.

A Mão que a dirige, a Ação que nela opera conservá-la-á ciosamente, a seus próprios olhos, como instrumento vil e mesquinho, por isso mesmo escolhida de preferência por Deus.
Eis porque o Senhor permitirá que ela experimente sua fraqueza na luta cotidiana, sendo embora fiel até o fim: a tentação, o demônio, mesmo o inferno, hão de permanecer no primeiro plano de seus sofrimentos.
É o contrapeso que Deus exige para arraigar em Josefa o sentimento de sua baixeza e de seu nada. É também o estímulo que não lhe deixará um só instante de repouso, diante dos pecados do mundo, das almas a salvar e da chama que consome o Coração do Mestre.
Antes de encetarmos a última e decisiva etapa desta vida, convém determo-nos por um instante, para lançarmos um olhar sobre o passado que termina e sobre o futuro que se entreabre... O rd ano divino nessa Obra de Amor sobressai melhor então, no duplo desígnio que parece resumi-lo, permitindo, como dirá Nosso Senhor, que lhe admiremos todos os pormenores.
O que primeiramente, aflora dos ensinamentos de seu Coração e de sua Ação sobre Josefa, é o cunho doutrinal que põe em evidência os princípios diretores de nossa fé. Nosso Senhor parece ter querido recordá-los às almas em divina Lição de coisas.
O Soberano Domínio do Criador sobre a criatura o que ele exige de dependência de sua Vontade e de abandono à sua divina Ação, aparece em primeiro lugar como base sólida do verdadeiro amor.
“Não esqueças — repete Nosso Senhor a Josefa — que tenho todo o direito sobre ti (1), “Deixa-Me dispor de ti.” Deixa-me fazer o que quiser de ti.” E as seguintes palavras: “Deixa.Me agir...”, “Deixa-Me liberdade em ti...” voltam continuamente para confirmar a totalidade de seus direitos.
Ao mesmo tempo, toda a vida de Josefa é a história da Providência que não se engana nunca em seus caminhos. “É preciso — disse ele um dia — “que sendo muito pequenina, te deixes manejar e conduzir por minha Mão paternal poderosa e infinitamente forte.(2)” “Manejar-te-ei como convém à minha Glória e ao proveito das almas."(3)
“Nada temas, pois guardo-te com cuidado ciumento, como a mais terna das mães cuida de seu filhinho”(4).
Magnífica definição da fidelidade divina que pode sempre dizer-nos nas encruzilhadas de nossas vidas, como dizia a Josefa: "Nunca falto à minha Palavra”(5).
A Presença de graça que vivifica a alma fundamento de sua incorporação a Cristo, é sempre relembrada: “Estou nela — diz — “Vivo nela apraz-Me ser uma só coisa com ela” (6). Mas em compensação pede-lhe que nunca o deixe só... que o Consulte em tudo... que Lhe peca tudo... que se revista dele, e desapareça sob sua Vida: “Quanto mais desapareceres, tanto mais Eu serei tua Vida (7). Não parece o comentário da palavra de São Paulo: “Eu vivo; não, já não sou eu, mas Jesus Cristo que vive em mim”?
É posto então em evidência o valor da união vital com Jesus transformando as menores atividades humanas revestindo-as de “ouro sobrenatural.”

(1) 26 de março de 1923.
(2) 26 de maio de 1923.
(3) 7 de agosto de 1922.
(4) 3 de maio de 1923.
(5) 25 de julho de 1921.
(6) 5 de dezembro de 1923.
(7) 5 de junho de 1923.

Muitíssimas vezes, de maneira tangível. Nosso Senhor se dignou mostrar a Josefa o que o Amor pode fazer das mínimas ações unidas com Ele. De tal modo queria reanimar nas almas a ventura de crerem nessa riqueza ao alcance de todas.
“Quantas almas criarão coragem — dizia — compreendendo o fruto de seus esforços (1) e qual não t o valor de um dia de vida divina!” (2).
Aqui tocamos no dogma que parece ser o nó deste magnifico ensinamento, o da participação nos mérito infinitos de Jesus Cristo. Nosso Senhor frequentemente recorda a Josefa o poder conferido à alma batizada sobre os tesouros da Redenção.
Se lhe pede que complete nela o que falta à sus Paixão, que repare pelo mundo e que satisfaça a justiça do Pai, é sempre com ele, por ele Nele.
“Meu Coração é vosso, tomai-O e reparai por ele” (3).
Brotam-Lhe então dos seus lábios aqueles oferecimentos onipotentes sobre o coração do Pai, que Josefa recolhe e nos transmite: “Pai Bom, Pai Santo Pai Misericordioso! Recebei o Sangue de vosso Filho., suas Chagas... o seu Coração!... Vede sua Cabeça traspassada de espinhos... não permitais que este Sangue seja inútil uma vez mais...”(4) Não esqueçais que o tempo da Justiça ainda não chegou e que estamos no da Misericórdia!”(5)

(1) 7 de agosto de 1922
(2) 2 de dezembro de 1922
(3) 15 de outubro de 1923.
(4) 26 de setembro de 1922.
(5) 11 de fevereiro de 1922.

A grande realidade da Comunhão dos Santos aparece finalmente como tela da vocação de Josefa, o funde do quadro em que se desenvolve sua vida. A Santíssima Virgem. Medianeira de todas as graças e Mãe de Misericórdia, tem lugar excepcional no centro daquela maravilhosa troca de graças e de méritos, entre os santos do céu, as almas do purgatório e as que militar aqui na terra... só ficando fora o inferno. Josefa pequenino membro do corpo de Jesus Cristo, aprende Dele a repercussão no mundo das almas da fidelidade, do sacrifício, do sofrimento e da oração.
Mas, acima dessas lições doutrinais que parecem já de bastante valor, a Mensagem direta que o Coração de Jesus lhe vai confiar para passar ao mundo é um Apelo de Amor e Misericórdia.
Um dia Josefa fará esta pergunta ao Mestre: “Senhor! não compreendo o que é essa Obra de que sempre me falais — “Não sabes qual é minha Obra? — responderá Ele — É de Amor!... Quero servir-Me de ti para tornar ainda mais conhecidos a Misericórdia e o Amor de meu Coração... As palavras e os desejos que transmito por teu intermédio despertarão zelo em muitas almas, impedirão a perda de muitas outras e darão a conhecer, cada vez mais, que a Misericórdia de meu coração é inesgotável (1).
“De quando em quando — dirá outra vez — tenho sede de fazer ouvir novo Apelo de Amor(2)... É verdade que não tenho precisão de ti... mas deixa-Me por meio de ti, pedir amor, manifestar-Me mais uma vez às almas.” (3)

(1) 22 de novembro de 1922.
(2) 29 de agosto de 1922.
(3) 15 de dezembro de 1922.


Este grande Desígnio de Amor foi, com efeito, confiado a Josefa, através dos entretenimentos celestiais que se hão de suceder nos últimos meses de vida.
Nos dias e horas marcadas Jesus será pontual ao encontro na pequenina cela, onde tantas vezes já Lhe abrira o Coração, lhe entregara a cruz. Ela não poderá prever seus chamados. Ora a desejará disponível durante dias a fio para escrever o que lhe ditar, ora interromperá, por várias semanas, a continuação da mensagem. Ora ditará apressadamente apenas algumas linhas: ora, mantê-la-á por longo tempo de joelhos para recolher enquanto Ele fala os segredos do seu Coração.
O livro “Convite a uma vida de Amor” já agrupou as palavras do Mestre em um conjunto que melhor lhes salienta o alcance. Aqui, é dentro do próprio cenário que se vão inscrever, dia a dia, com relevo mais acentuado.
Parece, no entanto, útil precedê-las com larga síntese dentro da qual as almas possam melhor compreender a significação dessa nova manifestação do Coração de Jesus. ele quer reinar mediante conhecimento mais seguro de sua Bondade, de seu Amor e de sua Misericórdia. É o testemunho que veio prestar a seu Pai aqui na terra: “Deus caritas est” e é o que deseja que as almas saibam dele.
ele quer, por meio desta nova efusão de seu Coração, obter, não somente a reciprocidade do amor, mas também a resposta de confiança, que lhe é mais preciosa ainda, porque é a prova do mais terno amor e a fonte do amor mais generoso. Quer atrair e regenerar as almas pela fé na misericordiosa Bondade que o mundo não conhece bastante e em que, sobretudo, não crê suficientemente. Quer reanimar suas Almas escolhidas numa certeza mais inabalável em seu Amor, numa experiência mais profunda de seu Coração Sagrado, cujos traços ele deseja que elas revelem aos que pouco O conhecem, ou O desconhecem de todo. Quer que este Apelo vá despertar as almas adormecidas... reerguer as almas decaídas... saciar as almas famintas ..
até os confins da terra.
Exprime esse ardente desejo de maneira tão positiva que não podemos ficar insensíveis ao chamado do Amor. Ao mesmo tempo, lembra aos seus que na ordem constante da Providência, seus Planos dependem, em parte, da cooperação livre das almas. Essa cooperação ele a pede a todos os que penetrarem o alcance de seus desígnios e o ardor de seus anelos, mas também o sentido de seus Meios redentores. “Quando as almas conhecerem meus Desejos — dizia ele — então a nada se poupem, nem a trabalhos, nem a esforços. nem a sofrimentos.” (1) É assim que Josefa compreenderá aquela Sede e aquela Fome divinas que em tão pouco tempo lhe consumirão a vida.

(1) 5 de dezembro de 1923.

 

VII - O PREFÁCIO DA MENSAGEM

OS PRIMEIROS PEDIDOS
8 de agosto — 30 de setembro de 1922

"Preciso fazer ouvir novo Apelo de Amor!”

(Nosso Senhor a Josefa — de agosto de 1929).

A princípios de agosto de 1922, já três semanas se haviam escoado depois das graças do dia 16 de julho e dos dias seguintes, e nada parecia haver mudado na vida de Josefa. Está sempre no seu trabalho com a mesma fidelidade e o mesmo ardor de sempre. O véu preto envolve, talvez, este trabalho numa irradiação de caridade mais expansiva, num recolhimento mais profundo principalmente, pois bem depressa mergulhou de novo no apagamento que convém à vida secreta de sua alma. Deus começa aliás a cavar o nada do instrumento e esse Desígnio muito claro de seu Amor só pede desenvolver-se na sombra e no silêncio.
Na quinta-feira, 10 de agosto de 1922, Josefa escreve:
"Não sei como se deu isto, mas há oito dias tenho conhecimento de mim mesma em grau que nunca tinir, chegado. Vejo-me capaz de tudo que há de pior e meu coração cheio de más inclinações. Não posso explicar a tristeza e a confusão que se apoderam de mim a essa vista e principalmente diante da Bondade de Jesus”.
“Hoje, enquanto cosia veio-me esta ideia: por que sou tão pouco generosa receando sempre - o sofrimento?...”
Continua na segunda-feira, 14 de agosto, véspera da Assunção:
"Compreendi que não fixo bastante o olhar sobre ele e ainda muito em mim mesma. Não posso continuar assim pois minha vida será curta e em breve não poderei mais trabalhar pela sua Glória. Pedi licença para fazer uma Hora Santa para O consolar da minha pouca generosidade e um dia de retiro para Lhe pedir que me ensine a fixar os olhos Nele, em sua Vontade, em sua Glória em seu Coração, sem mais um só olhar sobre mim mesma. ”
Na quinta-feira, 15 de agosto, sob a proteção da Mãe celestial entrou ela num dia de solidão.
“Desde que acordei — escreve — pus-me bem perto de Jesus para pedir-lhe que me ensinasse a amá-lo com verdadeiro amor: é meu único desejo.”
Nosso Senhor respondeu à sua oração mergulhando-a na vista do seu nada. Reduzindo-a a seus próprios olhos mantem-na aniquilada diante de sua Face.
“Supliquei-Lhe durante a ação de graças que me desse tanta confiança em seu Coração quanta confusão com minhas faltas. ”
O Mestre de Amor, porém, quer que ela desça mais profundamente ainda no conhecimento de sua baixeza.
Vai dar-lhe disso uma visão muito clara embora simbólica. Nos seguintes termos tenta Josefa traduzi-la:
“Na manhã de 15 de agosto, sem perceber onde estava, achei-me de repente diante de um lugar escuro envolvida em neblina. Era como um pequeno jardim úmido e sombrio, cheio de ervas daninhas e moitas de espinheiros cujos galhos sem folhas se entrelaçavam uns aos outros.
Levantou-se tênue claridade como de um raio de sol e pude ver aquela desordem de mato e de espinhos, cobrindo uma água lodosa e fétida.
Depois tudo desapareceu. Não sabia o que queria dizer aquilo, mais fui à capela e não pensei mais nisso.
A única coisa que peço hoje a Jesus é amá-Lo com verdadeiro amor e fixar os olhos Nele unicamente De repente veio cheio de beleza. Do seu Coração jorrava intensa luz e me disse com muito amor:
"Minha bem-amada, sou o Sol de Justiça que te descobre tua miséria! Quanto maior a vires tanto mais deverá crescer tua ternura e teu amor por Mim. Nada temas, o Fogo de meu Coração consome tuas misérias.
“Se tua alma é terra viciada incapaz de produzir fruto algum. Eu sou o jardineiro que a cultiva: mandarei um raio de sol para purificá-la e minha Mão semeará... Fica bem pequena, muito pequenina Eu sou bastante grande, sou teu Deus, teu Esposo e tu a miséria de meu Coração.”
Aquele dia da Assunção não se acaba sem que a Santíssima Virgem venha também lembrar à filha que é dessa miséria mesmo que Jesus pretende servir-se para sua Obra. Enquanto Josefa e suas Irmãs recitem o terço no oratório do Noviciado, Ela aparece de repente, “vestida — escreve Josefa — como no te' a dos meus Votos, com um diadema coroando a cabeça, as mãos cruzadas sobre o peito e o Coração ornado com uma grinalda de rosinhas brancas.”
“Estas hão de tornar-se pérolas de grande valor para a salvação das almas — disse Eia olhando primeiro para as noviças ajoelhadas em volta de sua imagem”.
E depois virando-se para Josefa;
“Sim, as almas!... eis do que... Jesus mais gosta! Eu também as amo pois são o preço de seu Sangue, e há tantas que se perdem!... Não resistas a seus Desígnios, filha. Nada Lhe recuses. Entrega-te totalmente à Obra de seu Coração que não é outra senão a salvação das almas.
Depois de alguns conselhos pessoais, acrescenta:
“Não temas, filha. A vontade de Jesus se cumprirá. Sua obra se fará”. 1 E desapareceu.
Esta afirmação materna que abre de novo a Josefa a perspectiva da Obra à qual a Vontade de Deus a vai prendendo pouco a pouco, desperta nela um mundo de apreensões: sujeitar-se ao Plano que a encadeia será para ela sempre matéria de combate.
No sábado, 19 de agosto, enquanto cose, Jesus lhe aparece e a chama:
“Vai pedir licença”.
Logo depois acerca-se dela na cela em que, ajoelhada, renova os Votos. Diante de tanta beleza ela não sabe como Lhe exprimir seu amor:
“Sim, repete-Me que Me amas — responde — Pouco me importa que caias ainda. Tua miséria Me agrada."
E ao explicar-Lhe a repugnância que não consegue dominar quando tem que comunicar às Madres os desejos que Ele manifesta Jesus lhe diz:
“Tudo que te mando dizer, por mais duro que te pareça, Josefa, é para o bem das almas...
Ninguém pode saber como quero bem às almas!...” Então o Coração se Lhe dilatou e prosseguiu:
“Ninguém pode saber quanto amo esta casa!. .
Foi aqui que fixei os Olhos. Foi aqui que encontrei miséria para fazer dela instrumento de meu amor.
Foi a êste grupo de almas que confiei minha Cruz.
Não estão sozinhas para carregá-La pois estou com elas e ajudo-as. O amor se prova com obras. Sofri porque as amo; elas têm que sofrer por amor de Mim. ”
Dois dias mais tarde Nosso Senhor lembra a Josefa que somente o olhar de fé há de conservá-la no raminho seguro da obediência. Parece que antes de lhe confiar os mais ardorosos Desejos seus para com o nundo, quer ressalvar sua autenticidade com essa de- rendência que será até o fim, exigência e sinal de sua Presença.
“Compreende-o bem — diz-lhe na segunda- feira 21 de agosto — sou Eu que dirijo todas as coisas e nunca permitirei que sejas levada por caminho que não seja Meu. Confia e não olhes senão para Mim, para minha Mão que te guia e minha Ternura que te protege com Amor de Pai e de Esposo.”
Passam-se dias, deixando Josefa à espera das disposições do Mestre.
Na quinta-feira, 24 de agosto, durante a oração, aparece-lhe e só lhe diz estas palavras:
“Pede licença para Eu falar contigo”.
Josefa obtém permissão mas Jesus não volta. Tal i-jsência não a desorienta, porém; pois abandona-se à liberdade daquele a quem deseja sem cessar.
Na terça-feira, 29 de agosto, de manhã, enquanto está cosendo sozinha na sala comum das Irmãs, uma voz bem conhecida fá-la de repente estremecer.
“Sou Eu!”
Ajoelha-se. Jesus estava ali. Prosta-se, adora-O e deixa transbordar o coração. “Vós, Senhor! Desde o outro dia Vos esperava e já começava a recear que Vos tivesse magoado com qualquer coisa. ”
“Não Josefa. Regozijo-Me quando minhas almas Me esperam!... Há tantas que não pensam em Mim!”
Palavras como estas são reveladoras das decepções do Amor que procu.a sempre alguma compensação para o esquecimento e a indiferença das almas.
“Vai à tua cela — continua o Mestre — Irei também.”
Josefa depressa se acha na pequena cela onde Jesus a precedera.
“Perguntei se Lhe agradaria que eu renovasse os votos — escreve ela.
“Sim — respondeu loco — Cada vez que os renovas aperto mais estreitamente as cadeias que te unem a Mim.”
Então supliquei-lhe que não me deixasse jamais resistir a seus Desígnios nem que minhas misérias Lhe impedissem fazer sua Obra.”
“Tuas misérias nunca Me afastarão, Josefa Bem sabes que foram elas que fixaram meus Olhos sobre ti.”
Josefa não contém mais a emoção e o reconhecimento. Exprime sua fraqueza, seus desejos, seus receios !...
“Ele me abriu os braços — escreve ela — De suas Chagas saia uma torrente d'água”.
“Aproxima-te de minhas Chagas — disse ele e bebe a verdadeira Força.”
Pensei não poder aguentar felicidade tamanha”.
“Pica ainda, até que tua alma se tenha saciado e fortalecido.”
Depois de longo momento deste misterioso contato, Nosso Senhor toma de novo a palavra: primeiro revela a Josefa algo de suas Predileções e seus Planos sobre a "Sociedade” de seu Coração. Depois com grande solenidade acrescenta:
“Agora escreve como as minhas Almas hão de tornar conhecido meu Coração de Pai pelos pecadores.”
Então enquanto Nosso Senhor fala, Josefa, ajoelhada diante da mesa vai escrevendo:
“Conheço o fundo das almas, suas paixões, sua atração pelo mundo e pelos prazeres. Sei, desde toda a eternidade quantas almas Me hão de encher o Coração de amargura e que, para grande número meus sofrimentos e meu Sangue serão inúteis!...
(Mas, como as amei assim as amo... Não é o pecado que mais fere meu Coração...
“O que O despedaça é não quererem as almas refugiar-se em Mim depois de o terem cometido.
“Sim, desejo perdoar e quero que minhas almas escolhidas deem a conhecer ao inundo como meu Coração transbordando de Amor e de Misericórdia. espera os pecadores.”
“Aqui nota Josefa, eu Lhe disse que as almas já sabem disso e que Ele não se esquecesse de que eu não passo de uma miserável capaz de lhe estorvar todos os Planos.”
“Já sei que as almas o sabem — responde com firmeza e bondade — mas de vez em quando preciso fazer novo Apelo de amor. E agora quero ser-vir-Me de ti, pequena e miserável criatura. Nada tens que fazer: ama-Me e permanece abandonada à minha Vontade.
“Eu te guardarei escondida no meu Coração.
Ninguém te descobrirá. Só depois de tua morte se lerão minhas palavras.
“Lança-te no meu Coração. Amparo-te com imenso Amor... Amo-te, não sabes? Já não dei provas bastantes?...”
E como Josefa opusesse ainda a essa escolha suas inúmeras fraquezas:
“Eu as vi desde toda a eternidade — respondeu simplesmente — e é por isso que te amo. ”
Dois dias depois, a 31 de agosto, Nosso Senhor declara precisamente sua Vontade:
“Quero que escrevas, Josefa.”
E insiste ainda:
“Quero falar. te das almas que tanto amo.
Quero que possam sempre achar em minhas palavras remédio para suas enfermidades”.
No dia seguinte, porém, não foi para escrever que o Mestre a convidou. Propôs à sua generosidade uma daquelas empresas redentoras, longas e dolorosas como já conhecera antes dos Votos.
Este Apelo faz certamente parte da Mensagem que o Senhor deseja que as almas leiam através da própria vida de Josefa.
É preciso pois acompanhar nesse mês de setembro de 1922 a história da procura de uma alma “muito amada” como Jesus mesmo lhe chama, uma alma consagrada, uma alma de Sacerdote.
Teremos que entrar, após Josefa, na dor insondável do Coração de Jesus para compreender o amor reparador pelo qual anseia e o sofrimento redentor que exige.
“Na noite da primeira sexta.feira do mês, l.° de setembro — escreve Josefa — no momento de me deitar beijava o Crucifixo dos Votos, quando, de repente-, veio Jesus irradiando beleza. Transbordava de ternura desta vez mais ainda que das outras.
Disse:
“Josefa, é no teu coração que quero descansar...
nesse coração cheio de miséria, é verdade, mas também cheio de amor.
“Naturalmente pus-me de joelhos, renovei os Votos e disse-Lhe meu único desejo: amá-Lo e que as outras almas O amem!
“Então falou-me com grande Amor das Almas, e sobretudo das três que nos confiara havia alguns dias, e, como se esse pensamento Lhe oprimisse subitamente o Coração, disse:
“Duas estão ainda longe, muito longe de Mim...
Mas a que Me causa maior tormento é a terceira.
Minha Justiça não pode agir com tanto rigor sobre as duas primeiras porque Me conhecem menos, mas esta é uma alma consagrada, um sacerdote, um religioso... uma alma que amo... Está abrindo ela o próprio abismo onde cairá, se se obstinar!"
No domingo, 3 de setembro, depois da comunhão Josefa torna a ver o Mestre. Resplandece com beleza tal que termo nenhum desta terra poderá exprimir.
Baixa o Olhar sobre as religiosas mergulhadas em ação de graças, seu Coração se abrasa e pronuncia com ardor as seguintes palavras:
“Estou agora sobre o trono que Eu mesmo preparei. Minhas almas não podem saber a que ponto repousou meu Coração dando-lhe entrada nos seus, pequenos e miseráveis, sem dúvida, mais inteiramente meus.. .
“Pouco Me importam misérias, o que quero é o amor. Pouco Me importam fraquezas, o que quero é confiança. “Eis as almas que atraem Misericórdia e Paz sobre o mundo; sem elas a Justiça divina não se poderia conter... Há tantos pecados...” “Então — diz Josefa — seu Coração pareceu oprimido e logo se transformou todo numa só Chaga!
... Tentei consolá-Lo, olhou-Me tristemente e continuou:
“Sim. São inúmeros os pecados que se cometem... inúmeras as almas que se perdem... Mas o que despedaça o meu Coração e O põe neste estado são minhas Almas escolhidas... É aquela alma que Me ofende... Amo-a e ela Me despreza. Minha submissão tem que chegar ao auge de descer sobre o altar à sua voz... de Me deixar tocar por aqueles dedos manchados... e, apesar do horrível estado do seu coração, entrar naquele foco de pecado.
Deixa-Me esconder-Me no teu coração, Josefa.
“Pobre alma! Pobre alma! Saberá o castigo que está preparando para a eternidade?”
“Supliquei-Lhe que tivesse piedade dela, lembrei-Lhe quanto seu Coração deseja perdoar. Ofereci-Lhe o amor e os méritos da Santíssima Virgem, dos Santos, de todas as almas justas da terra, os da “Sociedade” que tanto ama e também os sofrimentos desta casa que são tantos, agora!... Respondeu:
“Minha Justiça não agirá enquanto Eu encontrar vitimas que reparem.”
E anuncia a Josefa que lhe dará a padecer os tormentos que o inferno reserva às almas consagradas e infiéis.
“A fim de estimular teu zelo — diz — e para que minhas Almas saibam mais tarde os castigos aos quais se arriscam.”
“Depois falando de si para Si, continuou:
“Alma que amo, por que Me desprezas? Não basta que me ofendam os mundanos? Tu porém, tu que Me és consagrada, por que me tratas assim? ...
Ah! que dor para meu Coração, receber tantos ultrajes de uma alma escolhida com tanto amor!” Foi na segunda-feira, 4 de setembro, que Josefa conheceu, consoante o aviso do Mestre, a indizível dor do inferno das almas religiosas.
Desde o mês de julho não tivera mais contato com o abismo de desolação. Desta vez porém, teve consciência de levar para lá a marca dos Votos, como alma predileta.
“Não posso explicar — diz ela — o que foi esse sofrimento, pois se o tormento de uma alma secular já é horrível, em comparação com o de uma alma religiosa nada é”. Sua pena recusa-se a escrever. Nota entre, tanto que continuamente as três palavras: Pobreza, Castidade, Obediência, se lhe imprimiam no fundo da alma como acusação e pungente remorso:
“Fizeste os votos livremente e em pleno conhecimento do que exigiam... Tu mesma te obriga-te. tu mesma quiseste...” e a tortura inexprimível da alma está em responder sem parar: “Eu os fiz e era livre. Poderia não os ter feito, mas fí-los eu mesma e era livre!” Escreve ainda:
“A alma se lembra a todo o momento que havia escolhido a seu Deus por Esposo e que O amava acima se tudo... que por ele havia renunciado aos mais legítimos prazeres e a tudo que tinha de mais caro no mundo... que no começo da vida religiosa havia saboreado as doçuras, a Força e a pureza do Amor divino e agora, por causa de uma paixão desordenada... é obrigada a odiar eternamente o Deus que a tinha escolhido para amá-Lo...
"Essa necessidade de odiar é uma sede que a consome... Nem uma lembrança que possa dar o mínimo alívio...
“Um dos maiores tormentos — acrescenta — é a vergonha que a envolve. Parece que todas as almas condenadas que a cercam lhe gritam constantemente: “Que nós nos tenhamos perdido, não tendo os mesmos recursos que tu, será para admirar? Mas tu!... que te faltava? Tu que vivias no palácio do Rei... tu que comias à mesa dos escolhidos!...”
“Tudo que escrevi — conclui ela — é apenas uma sombra ao lado do que a alma sofre, pois não há palavras que expliquem tormento igual”.
Josefa volta daquele abismo mais entregue à tarefa redentora à qual Nosso Senhor a ligou: Mediu melhor a ofensa das almas consagradas a Ferida do Coração de Jesus e o ardente desejo que o consome de preservar de tais chamas almas tão ternamente caras.
Na quarta-feira, 6 de setembro, durante a missa, o Mestre lhe aparece num misto de formosura e tristeza que a empolga. O Coração está largamente ferido. Oferece-se para O consolar e ele responde como um pobre rue pede esmola:
“Não te peço senão teu coração para nele me esconder e esquecer a amargura com que aquela alma Me acabrunha, quando nela tenho que descer.
,Que assim me tratem as minhas almas escolhidas: eis a minha Dor!”
“Depois da santa comunhão — continua ela - tomou a dizer-me:
“Tu que amo como à menina dos Olhos, esconde-Me bem em teu coração.”
-Respondi com todo o amor de que sou capaz, que descesse até o fundo...
Minha pena é ter um coração tão pequeno... Queria um muito grande para que ele pudesse descansar à vontade.”
"Se é pequeno, pouco importa. Eu o aumentarei. o que quero é que seja todo meu.”
Depois, lentamente, parando em longas pausas, para mergulhá-la em cada desejo do seu Coração, Jesus ensina-lhe a fazer ação de graças.
"Consola-Me... Ama-Me... Glorifica-Me por meu Coração... Repara por Ele e satisfaze por Ele diante da Justiça divina... Apresenta-O a meu Pai como Vítima de Amor pelas almas... de maneira especial, pelas que Me são consagradas”.
Em seguida acrescenta:
“Vive comigo, viverei contigo. Esconde-te em mim, eu me esconderei em ti.”
E lembrando a união reparadora que quer realizar em sua alma:
“Consolar-nos-emos mutuamente, pois teu sofrimento será Meu e meu Sofrimento será teu”.
Não seria a mesma compreensão da união de vocação que fazia brotar outrora da alma da santa Fundadora do Sagrado Coração essa prece ardente:
“Não haja jamais outra cruz para as Esposas do Coração de Jesus senão a Cruz de Jesus”?.
Todas as noites, segundo seu costume, o Senhor traz essa cruz e pede a Josefa que a carregue pela alma consagrada que O fere.
“Queres minha Cruz?” — pergunta.
E ela se oferece para descarregar os ombros divinos.
Na tarde de sexta-feira, 8 de setembro ele veio como um pobre que tem fome” — escreve ela Este termo exprime bem a expressão de súplica e de tristeza que envolve toda a pessoa do Mestre.
“Sim — diz — sacia minha Sede de ser amado peias almas e principalmente pelas Almas escolhidas.
“Aquela alma esquece quanto a amo — continua ele, aludindo ao sacerdote infiel. — É sua ingratidão que Me põe neste estado”.
“Então pedi-Lhe que recebesse todos os pequeninos atos que se fazem aqui, os sofrimentos da casa e principalmente o desejo que temos de consolá-Lo e de Lhe agradar. Que se digne tudo purificar e transformar para dar valor a tão pouca coisa”.
“Não olho para a ação, olho para a intenção responde ele — O mais pequenino ato feito por amor obtém tanto mérito e Me dá tanto consolo!...
Só procuro amor, só peço amor!”
Como poderia a Santísrima Virgem ficar ausente quando se trata de correr no encalço de uma alma?
Vem animar Josefa nas horas mais dolorosas e, aparecendo-lhe no dia seguinte, 9 de setembro:
“Sofre com coragem e energia filha — diz Ela — É graças ao sofrimento que aquela alma não cai em pecado ainda mais criminoso.”
É a assim que Josefa se mantém oferecida a todas as Vontades do Mestre. Cada manhã, durante a missa, apresenta-se-lhe ele como um pobre, extenuado de fadiga e de dor:
“Guarda-Me bem no teu coração e participa da amargura que Me consome — repete Ele no dia 12 de setembro, durante a ação de graças — Não posso mais suportar os ultrajes que recebo daquela alma... Mas amo-a — torna com ardor, depois de um instante de silêncio — Espero-a... Desejo perdoá-la!
“Com que amor a acolherei quando voltar a Mim! Quanto a ti, Josefa, consola-Me, toma parte em meu Sofrimento”.
Jesus se cala de novo:
“Ê hora da minha Dor — torna finalmente — Partilha essa dor que também é tua”.
Na tarde de 12 de setembro — conta Josefa — no momento em que nos levantamos da mesa depois da refeição da noite, vi de repente Nosso Senhor.
“Estava de pé, no fundo do refeitório, resplendente de beleza, sua túnica branca sobressaia, luminosa na sombra da tarde. Sua mão direita estava erguida como se nos abençoasse. Passou diante de mim e disse:
“Estou aqui, no meio de minhas Esposas, por que encontro nelas consolo e repouso.”
Ela segue o Mestre até sua cela onde ele lhe repetiu as mesmas palavras acrescentando:
“Coragem! Alguns esforços mais e aquela alma voltará a Mim!”
Outras oblações participam também daquele resgate: na mesma data, o “Sagrado Coração” dos Feuillants contava santas vitimas entregue à cruz da doença e da imobilidade. Foi aludindo a elas que Nosso Senhor disse a 13 de setembro:
“Muitas almas Me recebem cordialmente quando as visito com a consolação, Muitas Me acolhem com alegria na comunhão. Mas há poucas que me abram de boa vontade quando lhe bato na porta com minha Cruz. “Quando uma alma está entendida sobre minha Cruz e ali se abandona aquela alma Me consola... é a mais próxima de Mim”.
“É por causa do sofrimento de minhas Esposas que aquele sacerdote não cai em perigo maior: mas é preciso sofrer ainda muito por ele. “Quando ele voltar a Mim — acrescenta, a fim de que Josefa nunca perca de vista sua missão — dar-te-ei a conhecer meus Segredos de Amor pelas almas, pois quero que saibam todas quanto as ama meu Coração.”
Esse Amor do Coração chagado de Jesus virá a Santíssima Virgem repeti-lo a Josefa na festa das suas Sete Dores, sexta-feira, 15 de setembro de 1922. Está vestida com túnica de um roxo pálido, traz as mãos postas sobre o peito, “tão formosa!” diz Josefa.
“Pedi-Lhe que consolasse, Ela própria a Nosso Senhor, pois embora seja meu único desejo amá-Lo, não sei fazê-lo e preciso do Coração dela para amá-Lo e reparar.”
“Filha — respondeu tristemente a Virgem — aquele sacerdote despedaça o Coração de meu Filho. Entretanto salvar-se-á — acrescenta depois de alguns instantes, — mas não sem muito sofrimento. Não foi em vão que Jesus encarregou dele suas Esposas... Venturosas as almas sobre as quais fitou os Olhos, para lhes confiar tão precioso encargo!”
Dias e noites vão assim escoar-se no sofrimento do corpo e da alma que não larga Josefa.
“Nada temas, aquela alma não se perderá — torna Nosso Senhor a 21 de setembro. Voltará breve a meu Coração mas para salvar uma alma é preciso sofrer muito.”
Ela o experimenta, de fato. Investem contra ela os assaltos diabólicos, como se o demônio desconfiasse do papel redentor por ela desempenhado em favor dfa, alma que ele já crê sob seu poder. Descidas ao inferno vêm juntar-se a dolorosas expiações e, durante a noite pesa-lhe rudemente sobre os ombros a Cruz de Jesus.
Na segunda-feira, 25 de setembro, no fim de uma noite ainda mais atormentada, apenas volta a si e já o Mestre lhe aparece.
“O Coração não tinha ferida, estava radiante de beleza e luz.”
“Esposa de meu Coração — exclama — olha!...
Aquela alma voltou a Mim, a graça tocou-a e seu coração se comoveu. Ama-Me e nada Me recuses para Me obteres o amor de muitas outras almas!”
"Sim — repete no dia seguinte — aquele sacerdote veio atirar-se nos meus Braços e descarregou seu pecado. Oferece mais sofrimento para lhe alcançar a graça de subir de novo o declive até o fim.”
Alguns dias mais tarde, Jesus, transbordando de amor, acrescentará:
“Aquela alma Me procura... Espero-a com ternura para presenteá-la com os mais suaves favores.”
Afinal no dia 20 de outubro seguinte, confirmando aquela conversão comprada tão caro:
“Está ela agora no fundo do meu Coração — dirá — é só lhe resta mérito, como lembrança dolorosa de sua queda.”
Quem, pois, lendo estas linhas poderá jamais duvidar da Misericórdia cheia de delicadeza para a qual a ovelha desgarrada é sempre a mais querida e o filho Pródigo o mais ardentemente esperado e o mais terna, mente encontrado.
Nosso Senhor não deixa porém Josefa descansar muito tempo. A missão, reparadora das almas escolhidas ó de todos os dias e de todas as horas, como o são os pecados do mundo e o perigo das almas: parece ser essa a lição que dá o Coração Sagrado convidando continuamente Josefa a novas conquistas.
“Na tarde de terça-feira, 26 de setembro — escreve ela — encontrei-O perto da capela, com a cabeça coroada de espinhos o rosto ensanguentado mas o Coração abrasado:
“Josefa, não te esqueças de fazer a Via Sacra”.
“Fui pedir permissão e quando acabei ele voltou e me disse:
“Temos duas almas que arrancar a um grande perigo! Põe-te em estado de vítima.”
E explicando o que seu Coração entende por tais palavras:
“Para isso deixa.Me fazer de ti o que quero.” “Minha alma ficou logo cheia de angústia e sofri, mento e eu não sabia que havia de oferecer para salvar aquelas almas. ”
Obteve permissão para fazer algumas penitências e não cessava de se unir ao Sangue redentor. Pela tardinha Nosso Senhor veio encontrá-la em sua cela.
“Juntou as mãos — escreve ela — e, olhando para o céu. disse com voz clara e grave:
“Pai Eterno. Pai Misericordioso! Recebei o Sangue de vosso Filho. Recebei suas Chagas. Recebei seu Coração coroado de espinhos. Não permitais que seu Sangue se torne inútil outra vez mais. Vede minha Sede de Vos dar almas... ó Pai, não, permitais que essas almas se percam...
“Mas salvai-as a fim de que Vos glorifiquem eternamente. ”
Então baixando seu Olhar tão profundo disse:
“Consolai-Me, minhas Esposas... uni. vos a Mim, dai-Me amor!”
E desapareceu.
Passou ela a noite em ansiedade e oração, pois o pensamento das almas não pode largar Josefa.
Logo na madrugada da quarta-feira, 27 de setembro, Jesus cheio de beleza, com o Coração abrasado, aparece-lhe durante a ação de graças. Fiel à obediência, ela renova os Votos:
“Dize-Me outra vez que Me amas! — disse com ardor. Depois continuou: — Eu também vou confiar. te um segredo de meu Coração. Escuta, Josefa! É loucura que tenho pelas almas!... que não se percam!... Ajuda-Me nesta Obra de Amor”.
“Senhor! — responde ela, não sabendo como corresponder àquele ardor — Vós bem sabeis que não desejo outra coisa... dar-Vos almas!.,. que as almas Vos consolem!... que sejais conhecido e amado!... Mas como Vos poderá servir minha pequenez”?
O Mestre lhe explica:
“Há almas que sofrem para obter para outras a força de não cederem ao mal. Se aquelas duas almas tivessem caído ontem em pecado, ter-se-iam perdido para sempre. Os pequenos atos que multiplicastes por elas obtiveram-lhes coragem para resistir.”
Josefa se espanta com a grande repercussão de tão pequeninas coisas.
“Sim — continua Nosso Senhor — meu Coração dá valor divino a essas pequenas ofertas, pois o que quero é amor.”
E, com mais insistência:
“É amor que procuro — prossegue — Amo as almas, e espero a resposta de seu amor. Eis porque meu Coração fica ferido, pois frequentemente em vez de amor só encontro frieza! Dai-Me amor e dai-Me almas!... Uni vossas ações a meu coração Ficai comigo pois estou convosco. Sim, sou todo Amor e não desejo senão amor. Ah! se as almas soubessem como as espero cheio de Misericórdia!
Sou o Amor dos amores! e não posso descansar senão perdoando!”
É assim que terminam no fim de setembro aquelas empresas de reparação e salvação através das quais parece que Nosso Senhor quis escrever pessoalmente O prefácio de sua Mensagem — “Falarei por ti, agirei em ti dar-me-ei a conhecer por teu intermédio” — havia dito (1). ele que, durante sua vida terrestre começara por agir antes de falar, continua fiel a seu Método.

(1) 7 de agosto de 1922.

Antes de ditar, e à medida em que vai ditando, as revelações de seu Amor e de sua Misericórdia, quer que sejam lidas uma a uma e dia a dia, na vida ordinária de Josefa.
Assim as almas compreenderão melhor a história vivida de seus Perdões, a Mensagem que seu Coração se dispõe a transmitir.


APELO ÀS ALMAS ESCOLHIDAS
1.O de outubro — 21 de novembro de 1922.

“Saberão minhas almas escolhidas de que tesouro se privam e privam outras almas quando faltam à generosidade?”

(Nosso Senhor a Josefa — 20 de outubro de 1922).

Como acontece frequentemente na vida redentora de Josefa, a provação sucede logo às horas mais iluminosas em que, seguindo o Mestre trabalhara na salvação das almas. Numa recrudescência de assaltos e tormentos, o demônio parece vingar-se nela. Mas tal liberdade não faz mais do que entrar em Planos divinos. Em realidade é o amor que cava em Josefa novas capacidades de graça para uni-la Àquele que há de exclusivamente possuir e manejar o instrumento. Decorrem dolorosamente os primeiros dias do mês de outubro de 1922. Josefa, no entanto, durante noites atribuladas por visões de inferno e dias de esfalfantes perseguições do inimigo, continua na lida costumeira. Foi, nessa época, encarregada da confecção de uniformes do colégio.
Sua habilidade na costura designara-a para esse ofício, sem lhe impedir que tomasse parte nos trabalhos que solicitam em certos dias a dedicação de todas: lavandaria, limpeza geral. A capela das “Obras” situada no fundo de vasto quintal em edifício separado do resto da casa, é seu emprego predileto. Entretém ali a mais esmerada limpeza sob a direção da Madre sacristã que lhe aprecia a ordem e o desvelo. A cela de Santa Madalena Sofia, transformada em oratório assim como a capelinha contígua de Santo Estanislau onde, de vez em quando, reside o Santíssimo Sacramento, são também objetos de ternos cuidados. Ao mesmo tempo, e até os últimos dias de sua vida, fora encarregada de uma venerável religiosa debilitada pela idade. Cuida dela veste-a, vela sobre ela como sobre sua própria mãe, com respeitosa solicitude e a cara enferma esquece, perto dela, as dores e a sujeição do seu estado.
Não será necessário pôr de vez em quando em evidência esse trabalho incessante, humilde e ativíssimo para podermos avaliar o esforço contínuo de Josefa, enquanto sua vida secreta se move em plano totalmente diverso? Compreende-se assim melhor a generosidade, às vezes heroica, que aflora no meio da aflição em que sua alma se sente mergulhada.
A 6 de outubro, primeira sexta-feira do mês, escreve ela em hora de padecimento mais agudo.
“Estava cansada de sofrer e pensava na inutilidade de todas as descidas ao inferno... quando, de repente, vi diante de mim luz intensa como a do sol que não se pode fixar e ouvi a Voz de Jesus:
“A Santidade de Deus está sendo ofendida p sua Justiça exige satisfação. Não, nada é inútil Cada vez que te faço experimentar as penas de inferno, o pecado encontra expiação e a Cólera divina se aplaca. Que seria do mundo sem reparação à tantas ofensas que se cometem?
...Faltam vítimas... faltam vitimas!...” “Como reparar, Senhor — responde Josefa, expondo ao Mestre suas próprias infidelidades — Eu própria estou cheia de misérias e de faltas”.
“Pouco importa! Este Sol de Amor te purifica e torna todos os teus sofrimentos dignos de servirem de reparação pelos pecados do mundo.”
Esta afirmação fortifica sua alma sem diminuir o peso que ela carrega diante da Justiça de Deus.
Dez dias depois, na segunda-feira, 16 de outubro, é a Santíssima Virgem que lhe vem reanimar a coragem por uma graça de escol cuja lembrança assim transcreve:
“Hoje de manhã, pelas dez horas, estava cosendo à máquina. Tinha posto o terço perto de mim e enquanto trabalhava ia dizendo algumas Ave Marias.. - Minha alma estava mergulhada em angústia como nos dias anteriores e me sentia esgotada pelas dores de cabeça e do lado... Não podia mais comigo e dizia de mim para mim: que hei de fazer se tudo continuar assim?...De repente vi a Santíssima Virgem, de pé junto da máquina de costura. Estava encantadora de beleza; com as mãos cruzadas sob e o peito... Com a mão esquerda pegou meu terço peia cruz e, suspendendo-o. colocou-o lentamente na mão direita. Depois encostou três vezes a cruz na minha testa dizendo:
“Podes ainda, filha... é para as almas que sofres e para consolar Jesus.”
ó maravilha! No momento em que Nossa Senhora fazia aquele gesto maternal, três belas gotas de sangue se imprimiram no lugar onde por três vezes, a cruz encostara na faixa que cobria a testa de Josefa. Ela nada percebeu.
“Sem me deixar tempo de responder, a Santíssima Virgem colocou de novo o terço sobre a tábua da máquina e deixando em minha alma grande coragem para sofrer, desapareceu.”
Mas, instantes depois, uma noviça que cosia a seu lado percebe as gotas de sangue e a previne. Assustada levanta-se e corre à cela... e na confusão queria fazer desaparecer o vestígio inequívoco do favor celestial.
Mas ela o deixa aos cuidados das Madres como tudo mais. A touca traz na face exterior da larga bainha três manchas de sangue rubro vivo, enquanto a parte de dentro que encostava na cabeça está intacta. Sua fronte aliás não traz o menor sinal de ferimento.
No dia seguinte, terça-feira, 17 de outubro, Nosso Senhor dirá à sua privilegiada:
“Não podes compreender a que ponto te amo!
Lembra-te do que fiz ontem por ti... Sim, é meu Sangue; guarda-O como carícia de minha Mãe. É ele que te purifica e te abraça. É nele que encontrarás Força e coragem.”
A touquinha iria muitas vezes manifestar o poder daquele cujo sinal trazia. O demônio não resistirá à benção dada em nome do Sangue divino e Josefa será frequentemente libertada dos seus maus tratos, de sua dominação, pelo contato com as preciosas gotas.
Um dia, no entanto, a fúria satânica conseguirá apoderar-se daquele tesouro trancado à chave sob grande vigilância.
No dia 23 de fevereiro de 1923 desapareceu. Em vão foi procurado até que Nosso Senhor viesse pessoalmente tranquilizar Josefa.
“Nada temas — disse dois dias depois, no domingo, 25 de fevereiro — Foi o demônio que o tirou, mas meu Sangue não ficou esgotado".
Depois, respondendo a seu receio diante das ameaças do inimigo que se gaba de poder queimar os cadernos em que transcrevia por obediência as Palavras do Mestre, continua:
“Sim, a astúcia diabólica nutre mil projetos para fazer desaparecer minhas Palavras. Mas não o conseguirá até o fim dos séculos muitas almas nelas encontrarão vida.”
Na tarde de 15 de março seguinte (1923) na festa das Cinco Chagas. Maria renovará à filha, caríssima o dom das três gotas do Sangue precioso do seu Filho.
É, com o mesmo gesto da mão virginal, encostará na testa de Josefa a Cruz do terço:
“Ofereço-te — dirá Ela — para estancar as feridas que Lhe causam os pecados do mundo.”
“Sabes qual o júbilo de seu Coração quando as almas consagradas se oferecem para O consolar”.
Mais uma vez, 19 de junho de 1923, por intermédio de sua Mãe. Nosso Senhor dará a Josefa o mesmo testemunho de sua Bondade. As duas touquinhas assim marcadas de sangue são religiosamente conservadas, uma em Poitiers e outra em Roma. A Santa Madre Fundadora dirá no dia seguinte, referindo-se a essa graça insigne:
“Que a “Sociedade” guarde esses dois tesouros como lembrança do dia em que Jesus lhe deixou estas preciosas relíquias. Mais tarde serão uma das provas que atestarão a Bondade de seu Coração para com essa Obra.”
Mas depois desta antecipação é preciso voltar ao fim de outubro de 1922, quando Nosso Senhor se prepara para começar oficialmente sua Obra, confiando a Josefa os primeiros ditados da Mensagem.
Na sexta-feira, 20 de outubro, pelas sete horas da noite, está acabando a adoração diante do Santíssimo Sacramento, quando Jesus aparece carregando a Cruz.
Josefa, — diz — partilha do fogo que devora meu Coração: tenho sede que as almas se salvem... que minhas almas venham a Mim!... que minhas almas não tenham medo de mim! que minhas almas tenham confiança em Mim!”
E o Coração se Lhe dilata e se abrasa como se não pudesse conter aquele fogo:
“Sou todo Amor — continua — e não posso tratar severamente as almas que tanto amo! Todas sem dúvida são caras a meu Coração. Mas há um grande número de preferidas. Escolhidas para achar nelas meu consolo e para inundá-las com minhas predileções. Pouco me importam suas misérias.”
“Trago a cruz porque entre minhas almas escolhidas há muitas que Me opõem pequenas resistências, que em conjunto formam esta cruz...
“Fica unida a meu Coração... Queres participar um pouco de minha amargura?” "Aproximou-se de mim e encostando-Me a seu Coração encheu o meu de tristeza.
“Sabes qual é a causa de todas essas resistências? É a falta de amor... Sim, falta de amor por meu Coração... amor excessivo de si próprio.” Depois de um instante de silêncio:
“Quando uma alma é assaz generosa para Me dar tudo que lhe recolhe tesouro para si e para as almas e as arranca em grande número do caminho da perdição.
“É com sacrifícios e amor que as almas encolhidas de meu Coração estão encarregadas de derramar minhas graças sobre o mundo.
“Sim — continua Jesus, como que falando de Si para Si o mundo está cheio de perigos. Quantas pobres almas, arrastadas para o mal, precisam constantemente de socorro visível ou invisível.
Ah! Repito-o, saberão minhas Almas escolhidas de que tesouro se privam e privam outras almas quando faltam à generosidade?
“Não quero dizer que uma alma fique libertada de seus defeitos e de suas misérias pelo simples fato de ter sido escolhida por Mim. Essa alma pode cair, e cairá mais de uma vez ainda, mas se se humilhar e reconhecer seu nada, se tentar reparar sua falta com pequenos atos de generosidade e de amor, se confiar de novo em meu Coração... dar-me-á mais glória e fará mais bem às almas do que se não tivesse caído.
“Pouco importam a miséria e a fraqueza; o que peço a minhas almas é amor!"
Nosso Senhor insistirá ainda frequentemente sobre essa grande lição que parece a chave de sua Mensagem de Misericórdia.
“Sim — acrescenta — apesar de sua miséria pode a alma amar-Me até à loucura... Compreende bem, entretanto, Josefa que só falo das quedas por inadvertência e fragilidade, não das faltas premeditadas e voluntárias.”
E como ela Lhe pedia que desse às Almas escolhi, das esse amor que não guarda limites em confiança e generosidade:
“Sim, conserva em teu coração o desejo de Me ver amado — responde ele — Oferece tua vida embora tão imperfeita, a fim de que todas as minhas Almas escolhidas compreendam bem a missão belíssima que poderão desempenhar com suas ações ordinárias e seus esforços quotidianos. Não esqueçam jamais que as preferi a tantas outras, não por causa de sua perfeição, mas de sua miséria.
“Sou todo Amor e o fogo, que me abrasa consome-lhes todas as fraquezas.”
Depois, dirigindo-se diretamente a Josefa que Lhe repete seus receios diante de tantas graças e tantas responsabilidades:
“Nada temas. Se te escolhi, tu, tão miserável, foi para que, mais uma vez, se saiba que não procuro nem grandeza, nem santidade. Procuro Amor e farei Eu mesmo todo o resto. “Dir-te-ei ainda os segredos de meu Coração, Josefa. Mas o desejo que Me consome é sempre o mesmo; que as almas conheçam cada vez mais meu Coração.
Assim se escreviam a 20 de outubro de 1922 as primeiras linhas da Mensagem de Amor. Os ditados celestes alternam desde então ao longo dos dias de Josefa, com as lições diretas do Mestre. São como que a teoria desse ensino vivo e prático.
Não precisará ela mesma progredir ainda nas sendas do abandono que o Amor quer vê-la trilhar sem desejos nem apesto?
"Queres que te dê minha Cruz” — pergunta Nossa Senhor no dia seguinte, sábado. 21 de outubro. Ela aceita e o Mestre, que lê no fundo de sua alma, continua:
“Pois então a primeira coisa que te recomendo é sacrificares o que estás pensando agora. Põe de um lado teus desejos e de outro minha Vontade e escolhe.”
“Pedi-lhe perdão — escreve ela lealmente — pois estava pensando em certo ponto da vida comum que desejo muito: mas, Senhor, Vós bem sabeis que quero o que Vós quereis... Depois falei das almas...
de tantas almas que se perdem!
“Dolorosamente, respondeu Ele:
“Pobres almas! Muitas não Me conhecem é verdade. Porém maior ainda é o número das que Me conhecem e me desprezam em troca da vida de prazeres.
“Há tantas almas sensuais no mundo! E mesmo entre minhas Almas escolhidas, há tantas que procuram gozar!... Desviam-se portanto, porque meu Caminho é feito de sofrimentos e de cruz.
"Somente o amor dá Força para Me seguir. Eis porque procuro amor."
E enquanto lhe dá a Cruz:
“Consola-Me — diz — tu que amo. E por seres tão pequena que pudeste entrar em meu Coração.” Com que cuidado não será preciso recolher estas mínimas palavras que trazem em si o “sentido de Cristo” de que fala São Paulo!
Na segunda-feira, 23 de outubro 'Nosso Senhor veio associá-la à sua mais íntima Ferida:
“Há almas muito ame das de meu Coração que Me ofendem... não Me são bastante fiéis justamente por serem as almas que mais amo que Me fazem mais sofrer.”
Tais apelos enchem Josefa da necessidade de reparar e compensar.
“Mas, bem vedes, Senhor, o que sou!... Não tenho senão desejos e nunca chego aos atos!... Com ardor que não posso explicar viste-me:
“Trago-te tão unida a meu Coração, Josefa, que teu desejo é o mesmo que me consome pelas almas!... Meu coração repousa quando pode comunicar-se. Eis porque venho repousar em teu coração quando uma alma Me magoa, e é o Meu desejo de lhe fazer bem que passa a ti e se torna teu.
“É verdade que há muitas almas que Me ofendem...
mas muitas também perto das quais encontro consolo e amor.
Depois voltando as que O ferem:
“Quando duas pessoas Se amam — explica — basta a mais pequenina indelicadeza de uma para ferir a outra. Assim é para meu Coração. Portanto quero que as almas que almejam tornar-se minhas Esposas sejam bem formadas afim de, mais tarde, nada recusarem ao Amor”.
Sucedem-se muitos dias de sofrimento e Josefa os oferece pelas almas infiéis. O demônio procura enganá-la; multiplica ardis, ameaças e lhe enche as noites com as torturas do inferno. Ela hesita em dizer tudo o que lá vê e ouve e que tanto apavora sua alma. mas afinal decide fazê-lo e Nossa Senhora, aparecendo-lhe na quarta-feira, 25 de outubro, vem garantir que aquele ato estava nos Desígnios de Deus sobre ela:
“Filha venho dizer-te, em nome de Jesus, a glória que deste hoje a seu Coração... Compreende bem, tudo que ele permite que vejas, ou sofras no inferno é, não só para te purificar mas também para que o dês a conhecer a tuas Madres. Não penses em ti, mas unicamente na glória do Coração de Jesus e na salvação das almas.”
Continuam as noites a passarem sob aqueles tormentos e Josefa escreve dolorosamente no dia 5 de novembro:
“Vi caírem almas em grupos compactos... Há momentos em que é impossível calcular-se-lhe o número...
Sente-se descoroçoada e exausta ao mesmo tempo.
“Sem Força especial eu não poderia trabalhar, nem fazer coisa alguma.” No domingo, depois de uma tremenda noite de expiação, Nosso Senhor lhe aparece.
Não podendo conter sua dor ela Lhe fala no número incalculável de almas perdidas para sempre. Jesus a escuta com o semblante impregnado de imensa tristeza.
E, depois de um momento de silêncio:
“Tu vês as que caem, mas ainda não viste as que sobem!”
“Então vi uma densa fila de inúmeras almas. Elas entravam num espaço sem limite cheio de luz e se perdiam naquela imensidade.”
O Coração de Jesus se abrasou e disse:
“todas essas almas são as que aceitaram com submissão a Cruz de meu Amor e de minha Vontade.”
Alguns instantes mais tarde voltando à parte da expiação e de reparação que pretende doar a Josefa, Nosso Senhor explica assim seu valor:
“Quanto ao tempo em que te faço experimentar padecimentos do inferno, não o creias inútil nem perdido. O pecado é ofensa à Majestade infinita, exige reparação e castigo infinitos.
“Quando desces àquele abismo, teus sofrimentos impedem a perda de muitas almas; a Majestade divina os aceita em satisfação pelos ultrajes que recebe daquelas almas e em reparação das penas que seus pecados mereceram. Nunca te esqueças de
que é meu grande Amor por ti e pelas almas que o permite.”
Josefa não esquecerá isso no meio das tempestades que se sucederão a esta divina lição. Parece.lhe voltar aos dias mais cruéis do noviciado.
A fúria infernal, que adivinha a hora em que as efusões do Coração de Jesus se vão espalhar pelo mundo, descarrega-se sobre o instrumento cuja pequenez e cuja confiança, entretanto, não consegue derrear.
“Odeio-te — dirá ele — tanto quanto pode meu ódio infernal, e te perseguirei até que saias dessa casa maldita... quantas almas ela me arranca — confessa um dia — e se agora é assim, que não será daqui por diante?... Não... impedirei essa Obra, farei sumir esses malditos escritos... hei de queimá-lo — usarei de meu poder que é tão forte quanto a morte!”
Josefa fica inabalável.
“Achei paz junto de minhas Madres.” — escreve simplesmente.
No entanto, poder-se-á avaliar aquele esforço de constante fidelidade ao dever durante noites e dias, em tormentos sempre crescentes?... Não se calcula já a importância da Obra que começa, pelo rancor súbita, mente levantado para lhe embargar a passagem?...
Tudo, é porém, vão; diante dos Planos de Deus.
Na terça-feira, 21 de novembro de 1922, apesar das ameaças do demônio, Josefa renova oficialmente, pela primeira vez, os Votos que fizera havia já quatro meses.
A festa da Apresentação da Santíssima Virgem é uma das mais caras à Sociedade do Sagrado Co ação. Recorda a primeira consagração da santa Fundadora do Sagrado Coração de Jesus. Todos os anos. nessa data, as jovens religiosas que ainda não são professas renovam diante da santa Hóstia, no momento da comunhão, os votos de Pobreza, Castidade e Obediência que pronunciaram no dia da sua primeira oblação.
Josefa participa dessa renovação. É um clarão surgido entre as tribulações que atravessa. Ela acorre à renovação com júbilo, embora o demônio tentasse subjugá-la até pela manhã. Leva para Nosso Senhor uma convicção mais nítida de sua fraqueza, mas também um testemunho mais completo de sua humilde confiança.
Lê-se no seu caderno de retiro com essa data: 21 de novembro de 1922 — “Meu Jesus há pois quatro meses que fiz os Votos!... Quantas vezes desde esse dia já Vos fui infiel!... É que pensei mais em mim do que na vossa Glória e nas almas!... ó Jesus! digo.Vos meu pesar, de todo o meu coração, peço-Vos perdão pois minha ventura em ser vossa Esposa não mudou. Renovo hoje meus Votos com mais alegria ainda que no dia em que os fiz porque Vos conheço melhor, e mais vezes já me perdoastes. Não façais caso de mim quando pareço tão ingrata, pois minha vontade não cessa de Vos amar, mas o demônio me engana e eu não sei resistir- lhe! No entanto meu único desejo é ser-Vos fiel até à morte! “Depois de ter assinado esse protesto ela escreve ainda:
“ó Jesus, minha Vida!... eu queria ser santa e amar-Vos muito, não por mim, mas para Vos dar muita glória e Vos salvar muitas almas!”
É a pura chama que arde em seu coração e que o sopro de Satanás não fará mais que alimentar. Jesus sabe disso e seu Olhar repousa com ternura sobre a fraqueza em que descobre tanto amor.

 

O SENTIDO REDENTOR DA VIDA COTIDIANA
22 de novembro — 12 de dezembro de 1922.

“O amor transforma e diviniza tudo.”

(Nosso Senhor a Josefa — 5 de dezembro de 1922).

Qual aurora que surge depois de noite sombria na manhã de quarta-feira, 22 de novembro, um pouco antes da missa, Nosso Senhor aparece a Josefa. Está mais formoso que nunca! O Coração abra ado parece escapar-se-Lhe do peito. Traz a coroa de espinhos na Mão direita.
“Pensei logo que era para ma dar — escreve ela ingenuamente — mas não ousei pedir-lha.
Renovei os Votos e repeti os Louvores divinos(1).
(1) Havia algumas semanas que a obediência exigia de Josefa aquela nova garantia contra o demônio que nunca pôde repetir depois dela tais palavras de amor e de bênção.
As visitas celestiais, ao contrário, repetiam-nas e as comentavam com ardor.

Jesus disse fitando-me com Olhos belíssimos:
“Josefa tu Me reconheces?... Amas-Me? sabes quanto te ama meu Coração?”
Perguntas dessas são flechas ardentes cujo Amor lhe fere e abrasa o coração. “Sei que Ele me ama — escreve ela — mas não posso compreender até que ponto!
Eu também desejo amá-Lo sem medida embora não saiba corresponder às Suas Bondades... Disse-Lhe minha alegria em ter renovado ontem meus votos e supliquei-Lhe me conservasse fiel, pois bem sabe de que sou capaz!”
“Nada temas, Josefa: apesar da tua pequenez e mesmo, às vezes, de tuas resistências faço minha Obra em ti e nas almas.”
“Senhor, não compreendo que Obra é essa de que falais sempre.”
Então Jesus se recolhe um instante, e com firmeza e gravidade responde:
“Não sabes qual é minha Obra? Pois é Amor: Quero que esta “Sociedade”, que meu Coração ama com predileção, Me salve muitas almas e quero servir-Me de ti, que não és nem vales nada, para tornar ainda mais conhecidos a Misericórdia e o Amor de meu Coração. Eis porque sou glorificado quando Me dás liberdade de fazer de ti e em ti o que quero.
Só tua pequenez e teus sofrimentos já salvam muitas almas... Mais tarde as Palavras e os Desejos que transmito por meio de ti despertarão o zelo de muitas outros impedirão a perda de grande número, e darão a conhecer cada vez mais, que a Misericórdia e o Amor de meu Coração são inesgotáveis... Não peço grandes coisas às minhas almas. O que lhes peço é amor.”
-A! — continua ela — supliquei-Lhe que me desse esse amor e repeti-lhe meu desejo de me abandonar completamente a ele”.
Então, com inexprimível bondade, pôs-me a Coroa na cabeça, dizendo:
“Toma! Miséria de meu Coração, Esposa que amo toma a minha Coroa! Que ela te lembre constantemente tua pequenez... Amo-te e tenho tanta compaixão de ti que jamais te abandonarei, Ama-Me. consola-Me e abandona-te.”
À tarde quando está fazendo a Via Sacra Nosso Senhor lhe aparece na décima primeira estação e, mostrando-lhe sua Cruz:
“Josefa, Esposa de meu Coração!... Eis a cruz que carreguei por amor de ti. Dize-me ainda outra vez que por meu Amor queres levar a cruz de minha Vontade.”
No dia seguinte, 23 de novembro, Nosso Senhor dá-lhe a compreender que cruz será oferecida à sua generosidade:
“É no meu Coração — começa ele — que as almas que, por amor, sabem renunciar-se a si mesmas mas encontram verdadeira paz.”
Depois acrescenta:
“Pede às Madres que te concedam todos os dias algum tempo em que possas escrever o que Eu te disser.”
Cnegou de fato a hora de transmitir ao mundo os Segredos do Mestre.
No sábado, 25 de novembro, pela manhã, Ele a encontra na cela. Josefa se ajoelhara para adorar a Majestade divina e o Senhor a deixa prostrada a seus Pés.
E depois de um momento de silêncio diz:
"Quero que ao renovares os Votos, te ofereças com inteira submissão. É preciso que eu seja livre e que não encontre em ti obstáculo algum a meus Desígnios... Agora escreve...”
Então ela escuta e transcreve as palavras que caem graves e ardentes dos Lábios divinos:
“Falarei primeiro para minhas almas encolhidas e para todas as que Me são consagradas. É preciso que Me conheçam a fim de ensinarem às que lhes confio a Bondade e a Ternura de meu Coração e de dizerem a todas que, sou Deus infinitamente justo, sou também Pai cheio de Misericórdia. Que minhas almas escolhidas, minhas Esposas, meus Religiosos, meus Sacerdotes ensinem às pobres almas quanto meu Coração as ama!
“Tudo isso, irei, pouco a pouco ensinando-te e assim Me glorificarei na tua miséria, na tua pequenez e no teu nada.
“Não te amo pelo que tu és... mas pelo que tu não és, quero dizer, por tua miséria e teu nada, pois assim encontrei onde colocar minha Grandeza e minha Bondade.”
Jesus pára.
“Adeus Josefa. Volta amanhã, sim?
“Continuarei a falar-te e tu passarás minhas Palavras às almas com zelo ardente. Deixa-Me agir pois Me glorifico e as almas se salvam... Lembra-te que quero ser servido na alegria e não esqueças a inutilidade do instrumento. Só meu Amor pode fechar os Olhos sobre tuas fraquezas... Ama-me com ardor a fim de corresponder à minha Bondade.”
A noitinha, Nosso Senhor lhe traz a Cruz.
“Tu, ao menos, consola-Me e repara tantas ingratidões. Como sofre meu Coração vendo que tudo quanto fiz é inútil para tantas almas!... Partilha desse sofrimento... Toma a Cruz e fica unida a Mim pois não estás sozinha.”
Desaparece, deixando-lhe a Cruz. As horas da noite se escoam sob aquele peso ao qual se ajuntam múltiplos sofrimentos de alma e corpo, cuja dolorosa experiência tinha desde muito.
Pela madrugada volta Jesus. O Semblante está sempre impregnado daquela tristeza e daquela formosura que ela não pode descrever:
“Pobres almas — diz — quantas se perderam para sempre... quantas também voltarão à Vida!
Não podes calcular, Josefa, o valor reparador do sofrimento.
“Se consentires deixar-te-ei participar frequentemente da amargura de meu Coração. Assim Me consolarás e muitas almas se salvarão. Adeus! pensa em Mim, nas almas, em meu Amor!”
“Quando Nosso Senhor pediu às Madres que me dessem todos os dias um momento em que eu pudesse escrever suas Palavras — nota ela — elas me disseram que viesse à minha cela pela manhã, entre oito e nove horas. As postulantes estão ocupadas nos ofícios a essa hora, e assim não ficarei impedida de coser, nem de lhes preparar tarefa.”
Fiel a essa recomendação, ela vinha todas as manhãs à sua cela.
Cosia esperando o Mestre. As vezes via-O aparecer sem tardar, outras vezes era vã sua espera: ele a quer dócil e abandonada. Se não chegava até nove horas, ela voltava ao trabalho.
No domingo, 26 de novembro, embora na véspera lho tivesse prometido, Jesus não veio. Josefa não se perturba e como ele recomendara fica pensando “nele, nas almas, em seu Amor.”
A tarde, quando O estava adorando diante do Tabernáculo, ele apareceu de repente com a Cruz:
“Minha Esposa, Josefa! Venho repousar em ti... Não podes compreender o que é o mundo para meu Coração. Os pecadores Me ferem sem compaixão e, não somente os pecadores, mas muitas almas me traspassam constantemente de flechas que Me causam grande dor!”
“Supliquei-Lhe que viesse para junto de nós pois embora sejamos tão miseráveis (estou falando por mim) desejamos muitíssimo amá.Lo e consolá-Lo.”
“Bem sabes que o faço! Não vês como aqui venho descansar meu Coração?...
“Escuta — continua com bondade — quando Eu te pedir repouso e consolo não creias que sejas a única a dá-los. Se soubesses que alegria sente meu Coração quando as almas Me deixam liberdade e que, com suas obras, me dizem: “Senhor, sois o Dono”. Crês que isso não Me consola? Crês que isso não me glorifica?”
“Toma a Cruz — continua file — mas não penses que és a única a levá-la. Repouso e Me glorifico em ti mas também em minhas almas...
naquelas almas que com muito amor e submissão, recebem e adoram minha Vontade sem outro interesse senão aninha Glória.
“Toma a Cruz, Josefa. Pede misericórdia pelos pecadores... luz para as almas cegas... amor para os corações indiferentes... Consola-Me, ama-Me, abandona-te. Um ato de abandono Me glorifica mais do que muitos sacrifícios.”
No dia seguinte, segunda-feira, 27 de novembro, às oito horas, está ela no seu posto de espera e abandono.
“Escrevi primeiro tudo que Ele me diste ontem — nota ela — Depois me pus à sua disposição.”
E como Jesus não apareceste ela se dispõe a partir, quando de repente, Ele se mostra:
“Vai trabalhar, Josefa. Amanhã direi a minhas almas que meu Coração é um abismo de Amor.
“Pensa sem cessar em Mim. A$ almas Me glorificam tanto, quando se lembram de Mim!”.
Josefa parte com a cruz invisível a todos os olhos, mas que sente pesar rudemente sobre seus ombros, leva para o trabalho aquele fardo que sua generosidade prefere a todas as suavidades.
Nas primeiras horas da terça-feira, 28, é Jesus que a espera na sua cela. Ela se Lhe precipita aos joelhos e segundo o pendor habitual de sua alma delicada pede- Lhe perdão por tudo que nela tivesse podido, mesmo sem querer, ferir o seu divino Olhar.
“Nada temas — responde ele — conheço-te!
Mas amo-te tanto que miséria alguma desviará de ti o olhar de meu Amor.”
Depois com ardor que parece não se poder conter, fala e ela recolhe suas Palavras inflamadas.
Em admirável resumo Jesus descobre às almas, através de sua vida redentora, o fio condutor do Amor infinito:
“Sou todo Amor! Meu Coração é um abismo de Amor.”
“Foi o Amor que criou o homem, e tudo que existe no mundo, para o pôr a seu serviço.
“Foi o Amor que inclinou o Pai a dar o Filho para a salvação do homem perdido por sua própria culpa.
“Foi o Amor que fez com que uma Virgem puríssima, quase uma menina, renunciando aos encantos da vida do Templo, consentisse em tornar-Se Mãe de Deus e aceitasse todos os sofrimentos que a maternidade divina Lhe deveria impor.
“Foi o Amor que Me fez nascer no rigor do inverno, pobre e desprovido de tudo.
“Foi o Amor que Me escondeu durante trinta anos na maior obscuridade e nos mais humildes trabalhos.
Foi o Amor que Me fez escolher a solidão e o silêncio... viver desconhecido de todos e voluntariamente submisso às ordens de minha Mãe e de meu Pai adotivo.
“Pois o Amor via, no correr dos tempos, muitas almas seguirem-Me e porem suas delícias em conformar sua vida com a Minha!
“Foi o Amor que Me fez abraçar todas as misérias da natureza humana.
“Pois o Amor de meu Coração vai mais longe.
“Sabia quantas almas em perigo ajudadas pelos atos e sacrifícios de muitas outras recobrariam a Vida.
“Foi o Amor que Me fez sofrer os mais ignominiosos desprezos e mais horríveis tormentos... derramar todo o Sangue e morrer sobre a Cruz para salvar o homem e resgatar o gênero humano.
“...E quantas almas via, também o Amor no futuro unirem às minhas Dores e tingirem no meu Sangue seus sofrimentos e suas ações, mesmo as mais ordinárias para me darem assim numerosas almas.
“Ensinar-te-ei tudo isso com clareza, Josefa, a fim de que se saiba até onde vai o Amor de meu Coração pelas almas.
“E agora volta a teu trabalho e vive em Mim como Eu vivo em ti.”
Josefa sai então da cela e entrega às Madres as preciosas páginas que acabara de escrever. Não as guarda. Sabe que é apenas depositária e seu desapego cresce à medida em que vai descobrindo a importância do que lhe é confiado. Leva porém no fundo da alma a lembrança dos instantes em que tocara as profundezas do Amor. Fica como que investida por ele e precisa de toda energia de sua vontade para recomeçar a lida no meio das jovens Irmãs que logo dela se acercam.
É o mistério de sua via inteira que segue seu curso.
No dia seguinte, quarta-feira, 29 de novembro, enquanto espera Nosso Senhor, trabalhando, sua cela se enche de repente de suave claridade. Não é ele, mas o Apóstolo amado de seu Coração...
“Reconheci-o logo — escreve ela — Trazia nos braços a Cruz de Jesus. Renovei os Votos e ele me disse:
Alma bem-amada do divino Mestre sou João Evangelista. Venho dar-te a Cruz do Salvador. Ela não fere o corpo mas faz derramar o sangue do coração...
“Os sofrimentos que ela traz aliviam a amargura com que os pecadores inundam a nosso Deus e Senhor...
Seja o sangue de teu coração vinho delicioso que dê a conhecer a muitas almas as doçuras e os atrativos da virgindade.
“Una-se em tudo teu coração ao de Jesus.
Guarda estes preciosos penhores de seu Amor. Fixa teus olhos no céu, o que é desta terra nada vale.
“O sofrimento é a vida da alma e a alma que compreendeu o valor do sofrimento vive da verdadeira Vida.”
Josefa já percebera, na Quinta-feira Santa de 1922 a expressão celestial no rosto de São João. É um amigo do Alto que tornará a ver muitas outras vezes e cujas visitas a envolverão em paz e segurança.
A cruz que lhe deixa hoje pesa-lhe principalmente na alma.
“Embora em paz — escreve ela — meu coração e minha alma e tão oprimidos e angustiados:
“A noite de 29 para 39 de novembro foi de grande  sofrimento. A cruz, a coroa e a dor do lado me impediram o sono e me obrigaram a passar a noite inteira sentada perto da cama.”
Na quinta-feira, 30 de novembro, Jesus está ali desde oito horas da manhã, fiel ao compromisso.
“Escreve para minhas almas” disse somente. E sem outro preâmbulo, continuou: “A alma que faz de sua vida constante união com a Minha, Me glorifica e trabalha enormemente em proveito das almas. Estará ela fazendo trabalho de pouco valor... se o banhar em meu Sangue ou uni-lo ao que Eu próprio fazia durante minha vida mortal, que fruto obterá para as almas!... maior talvez do que se estivesse pregando ao mundo inteiro!... E isso, quer estude, fale ou escreva...
quer cosa, varra ou descanse... contanto, primeiro, que essa ação seja determinada pela obediência ou pelo dever e não pelo capricho; segundo, que essa
ação seja feita em união íntima comigo recoberta com meu Sangue e em grande pureza de intenção.
“Desejo tanto que as almas compreendam isso!
Não é a ação em si que tem valor, é a intenção pela qual é feita... Quando Eu varria ou trabalhava na oficina de Nazaré, dava a meu Pai tanta glória quanto com minhas pregações no decorrer de minha vida pública.
"Há muitas almas que, aos olhos do mundo, têm importantes encargos e obtêm grande glória para meu Coração, é certo: mas tenho muitas almas escondidas, que em seus humildes trabalhos são operárias utilíssimas à minha Vinha pois é o Amor que as impele e elas sabem, banhando suas pequenas ações no meu Sangue, recobrí-las de ouro sobrenatural.
“Meu Amor vai tão longe que, do nada, minhas Almas podem retirar grandes tesouros. Quando, desde a manhã, unindo-se a Mim, me oferecem todo seu dia com ardente desejo que meu Coração dele sirva em proveito das almas... quando, por amor, fazem seu dever, hora a hora, e momento a momento, que tesouros não acumulam em um dia!
"Descobrir-lhes-ei cada vez mais meu Amor...
É inesgotável e é tão fácil à alma que ama deixar, se guiar pelo Amor!”
Jesus se cala. Josefa deixa a pena e fica um instante em adoração diante daquele cujo Coração se abre tão largamente para ela.
"Adeus — diz Ele afinal — volta a teu trabalho, ama e sofre, pois o amor não se pode separar do sofrimento. Abandona-te à guarda do melhor dos Pais... ao Amor do mais terno dos Esposos.” É sempre essa a lição mais cara ao Deus Salvador.
Sua Cruz é um dom de escol que ultrapassa os mais insignes favores. Nessa primeira sexta-feira do mês Ele a deixa com Josefa que a carregará dia e noite.
No sábado, 2 de dezembro, ela nota apenas: “Pude com muito custo ir à Meditação porque não tenho mais força.”
Às oito horas da manhã, entretanto, está no seu posto e Jesus vem.
“Escreve para as almas — diz como na antevéspera.”
E tomando seu lugar, ajoelha-se ela diante da mezinha perto da qual Nosso Senhor vai falar:
“Meu Coração é todo Amor e este Amor abrasa todas as almas, mas como poderia eu dar a compreender às minhas Almas escolhidas a predileção de meu Coração que delas se quer servir para salvar os pecadores e tantas almas exportas aos perigos do mundo?
“Quero pois que saibam quanto o desejo de sua perfeição Me consome e como a perfeição consiste em fazer as ações comuns e ordinárias em intima união comigo. Se compreenderem isto, divinizarão sua vida e toda a sua atividade, por meio de estreita união com meu Coração; e quanto vale um dia de Vida divina!...
“Quando uma alma arde em desejos de amar nada lhe é difícil mas, se cai na frieza e perde o entusiasmo, tudo se lhe torna penoso e duro...!
“Venha então a meu Coração e crie coragem!...
Ofereça-Me esse desalento!... Una-o ao ardor que Me consome e fique tranquila pois seu dia será de valor incomparável para as almas. Meu Coração conhece todas as misérias humanas e tem delas imensa compaixão.
“Não desejo somente, porém, que as almas se unam a Mim de modo geral, quero que essa união seja constante e intima como é a união daqueles que se amam e vivem perto um do outro, porque, se não falam constantemente, ao menos olham-se e têm mútuas atenções e delicadezas que são fruto do amor.
“Quando a alma está em paz e consolação, é sem dúvida fácil pensar em Mim. Mas se a desolação e a angústia dela se apoderarem, não tema!
“Basta-Me um olhar! Compreendo-o. E esse olhar, por si só, obterá de meu Coração as mais ternas delicadezas.
“Repetirei ainda às almas quanto as ama meu Coração! pois quero que Me conheçam a fundo a fim de Me darem a conhecer àquelas que meu Amor lhes confie.
“Desejo ardentemente que todas as almas escolhidas fixem os olhos em Mim e não os desviem... que, entre elas, não haja mediocridade, que é ordinariamente fruto de uma falsa compreensão de meu Amor. Não! Amar a meu Coração não é nem difícil, nem duro, mas suave e fácil. Não é preciso algo de extraordinário para atingir um alto grau de amor: pureza de intenção na ação, pequena ou grande... união íntima com meu Coração e o Amor fará o resto!”
Jesus pára. Depois inclinando-se para Josefa que se prostrava aos seus Pés:
“Vai — diz — e nada receies. Eu sou o Jardineiro que cultiva esta florinha a fim de que não pereça.
“Ama-Me na paz e na alegria.”
À tarde desse dia, primeiro sábado do mês, Nosso Senhor responde a suas ansiedades pois ela teme as ciladas do demônio, sempre pronto a lhe tirar a paz reconforta-a com as seguintes palavras:
“Lembra-te do que Eu disse um dia a meus Discípulos: porque não sois do mundo, o mundo vos odeia.”
“Repito-vos hoje; por não serdes do demônio, o demônio vos persegue. Mas meu Coração vos guarda e, no meio desses sofrimentos se glorifica.
“Ama e sofre, Josefa, é por uma alma.”
E outra vez ainda confia-lhe uma daquelas almas consagradas que fraquejam no amor e cuja generosidade ele tanto deseja, entretanto.
“Partiu — escreve ela — deixando-me a Cruz.” Aquela cruz, com todo o cortejo de sofrimentos que a acompanha, vai pesar sobre os dias e as noites seguintes enquanto o pensamento de Josefa fica preso à Chaga que adivinha no Coração do Mestre.
Três dias depois, na terça-feira, 5 de dezembro, Ele já está na cela quando Josefa chega. Ela renova os Votos.
“Sim — diz logo — Sou aquele Jesus que ama as almas com ternura... Eis o Coração que não cessa de chamá-las, de preservá-las, de cuidar delas!... Eis o Coração abrasado no desejo de ser amado pelas almas, mas principalmente pelas Almas escolhidas”.
Depois, como se essa ardente expansão lhe tivesse aliviado o Amor:
“Escreve ainda para elas:
“Meu Coração não é somente um Abismo de Amor, é também um Abismo de Misericórdia! E, conhecendo todas as misérias humanas que se encontram mesmo nas almas mais amadas, Eu quis que as ações dela, por mais pequenas que sejam; possam revestir-se por meu intermédio, de valor infinito para o bem dos que precisam de socorro e salvação dos pecadores.
“Nem todas podem pregar, nem todas podem evangelizar ao longe os povos selvagens, mas todas sim, todas podem tornar conhecido e amado o Meu Coração, todas podem ajudar-se mutuamente para aumentar o número de eleitos, impedindo a perda eterna de muitas almas... e isso por efeito de meu Amor e de minha Misericórdia.
“Direi às minhas almas que meu Coração vai mais longe ainda: não somente se serve de sua vida ordinária e de suas mínimas ações, mas quer utilizar também, pelo bem das almas, suas misérias... suas fraquezas... até suas próprias quedas.
“Sim o Amor transforma e diviniza tudo... e a Misericórdia tudo perdoa.”
Depois de um momento de silêncio, Jesus prossegue:
“Adeus. Voltarei ainda para te dizer meus Segredos. Enquanto isso carrega minha Cruz com coragem. Se Me amas, Eu também te amo. Não me esqueças.”
Conforme sua Palavra a volta do Senhor vai tardar muitos dias passados sob a cruz. Entretanto a festa da Imaculada Conceição não termina sem que a Santíssima Virgem dê à sua filha a certeza de sua presença e de seu auxílio. Josefa sofrera muito durante o dia inteiro. Tem o coração angustiado e à tarde depois da Bênção do Santíssimo Sacramento, chama sua Mãe do céu para socorrê-la.
“Confiei-lhe minha alma — escreve ela — e supliquei-lhe que nunca deixasse de me segurar pela mão. Apareceu de repente, belíssima! As mãos estavam cruzadas sobre o peito e o véu muito branco tinha reflexos de ouro.”
Só me disse estas palavras:
“Filha, se queres dar muita glória a Jesus e salvar-Lhe almas... deixa-O fazer de ti tudo que quiser e entrega-te a seu Amor.”
“Ela me deu sua bênção, me fez beijar sua mão e desapareceu.”
Josefa criou ânimo nesse abandono que exige dela tanta imolação e tanto sofrimento, para conservá-la fiel dia a dia.
Não pode, porém, afastar uma inquietação. Parece-lhe que em torno dela já se pressente algo acerca dos designios de que é instrumento e sua humildade, seu desejo de apagamento se alarmam.
“Eu queria falar diste tudo a Nosso Senhor durante as vésperas — escreve ela no domingo, 1O de dezembro — e mal havia eu começado, Jesus veio.
“Josefa, por que estás triste? dize-Mo.”
Ela renova os Votos e Lhe confia sua ansiedade.
“Já te disse que viverás escondida em meu Coração, por que duvidas de meu Amor?... Deixa que minhas Palavras vão às almas que delas precisam.”
Depois mergulhando-a ainda mais no sentimento de sua inutilidade:
"Aliás, que te cabe nisso tudo?
“Quando uma pessoa fala diante de um grande espaço vazio, sua voz ressoa até às alturas. Assim se dá contigo: És o eco de minha Voz, mas se Eu não falar, que serás tu, Josefa?
Tais palavras aprofundam nela a convicção do seu nada, firmando-a ao mesmo tempo, na confiança e na paz.
“Fui eu, Senhor, que impedi vossa vinda?... pois já há cinco dias que não viestes mais!
“Não — respondeu com bondade compassiva — tu não impedes a minha volta, mas gosto que Me desejes e Me chames. Virei em breve falar-te de minhas Almas. Aliás se Me desagradares em alguma coisa far-te-ei ver tua miséria e teu nada e te manifestarei a soberania que tenho sobre ti.
“Adeus! fica escondida em meu Corarão e deixa-te cultivar pelas delicadezas de meu Amor."
Nosso Senhor não tarda, com efeito, a continuar suas confidências e na terça-feira, 12 de dezembro, aparece à hora do costume. Insiste sobre sua promessa:
“Já te disse, Josefa: não te entristeças pois meu Amor toma conta de ti e Eu me encarrego de te esconder bem no fundo do meu Coração. Quero que nunca duvides de meu Amor. Não te esqueças do que te disse mais de uma vez: nada mais és do que uma criaturinha miserável que se deve abandonar nas mãos do Criador com inteira submissão à divina Vontade.
“E agora — continua ele — escreve ainda algumas palavras para minhas almas. O Amor transforma-lhes as ações mais ordinárias, dando-lhe valor infinito, e, mais ainda:
“Meu Coração ama tão ternamente minhas Almas escolhidas que quer utilizar também suas misérias, suas fraquezas e até, muitas vezes, suas próprias faltas.
“A alma que se vê cheia de miséria não atribui a si mesma nada de bom, e a sua própria fraqueza a obriga a revestir-se duma certa humildade que não teria se se visse menos imperfeita.
“Por isso, quando no seu trabalho ou no seu cargo apostólico, a alma sente vivamente a sua incapacidade... quando experimenta certa repugnância em ajudar as almas na tendência a uma perfeição que ela mesma não tem, é então que se sente como que forçada a humilhar-se e aniquilar-se.
“E, se, neste conhecimento humilde de sua fraqueza, corre para Mim, pedindo-Me perdão do seu pouco esforço, e implora do meu Coração Força e coragem, essa alma não pode suspeitar com quanto amor os meus Olhos se fixam nela e quão fecundos torna seus trabalhos!
“Outras almas são pouco generosas em fazer constantemente os esforços e os sacrifícios quotidianos. A sua vida parece uma série de promessas que nunca chegam a ser realizadas.
“Com estas, impõe-se uma distinção: Se tais almas se habituam a prometer, sem que no entanto façam a menor violência à sua própria natureza, nem provem em coisa alguma sua abnegação, e seu amor, não lhes direi senão isto: Acautelai.vos, não aconteça que pegue fogo a toda essa palha que ajuntais nos vossos celeiros, ou que uma ventania a leve pelos ares num instante!”
“Mas outras, e é destas que falo, começam o dia cheias de boa vontade e também de verdadeiro desejo de Me darem provas de amor.
“Prometem-Me abnegação e generosidade nesta ou naquela circunstância... Mas, chegada a ocasião seu caráter, seu amor próprio, sua saúde, que sei Eu?... impedem-nas de realizar o que, com tanta sinceridade, haviam prometido algumas horas antes.
Todavia, caindo em si, humilham-se, reconhecem a sua fraqueza e, cheias de confusão, pedem-Me perdão e renovam a promessa. Ah! fiquem sabendo que essas almas agradam-Me tanto quanto se não tivessem caído.”(1)
Tocou o sino para um exercício religioso e Jesus fiel ao primeiro sinal de obediência, partiu como um relâmpago.

(1) Nosso Senhor estabelece aqui a distinção bem clara entre as faltas veniais habitualmente consentidas ou não combatidas, e as faltas de fragilidade, mas reparadas.
Exprime com estas palavras que é mais consolado pela “reparação” voluntária, do que foi ofendido pela fragilidade da alma. Com efeito, o ato de humildade, de confiança e de generosidade que a reparação supõe, exige uma vontade consciente e inteira, que só existe, parcialmente, na falta cometida por fragilidade”.

 

GRAÇAS DO ADVENTO E DO NATAL
13 de dezembro — 31 de dezembro de 1922

“Compreendeste o Amor que tenho pelas almas?”

(Nosso Senhor a Josefa — 16 de dezembro de 1922).

O mês de dezembro de 1922 ia trazer ao convento dos “Feuillants”, uma visita que seria ao mesmo tempo provação e alegria para Josefa.
Uma das Madres Assistentes Gerais da Sociedade do Sagrado Coração, vinda de Roma, percorria as casas de França. Reinava grande júbilo na família religiosa de Poitiers, acolhendo a Reverenda visitadora que trazia graças e bênçãos para as almas e para as obras.
O coração ardoroso de Josefa desejaria regozijar-se, sem apreensões, com aquela alegria da família, mas adivinhava que as Madres submeteriam à visitadora muita coisa a seu respeito e que ela própria teria que responder a um interrogatório. Os antigos receios parecem despertar nela embora não perca sua confiança no divino Mestre.
“Conheci ainda outra vez — escreve na quarta-feira, 13 de dezembro — a fidelidade de Jesus em manter suas promessas.
Nossa Madre Assistente Geral me entreteve por um instante... e me recebeu com bondade que eu nunca ousaria esperar. Nosso Senhor bem me dissera, muitas vezes:
“Se Me fores fiel não te abandonarei e nada jamais te prejudicará.”
E cada dia mais clara mente verifico isso.”
No d a seguintes quinta-feira, 14 de dezembro, veio Jesus encontrá-la no silêncio da pequena cela:
“Vê — diz — como sou para ti Pai e Esposo fiel. Nada temas jamais, mesmo quando te parecer que a borrarca se vai precipitar sobre ti.”
Depois, com aquele ardor que o Amor não pode conter:
“Dize à Madre que Me glorifico no abandono de minha Sociedade. Que todas as circunstâncias são permitidas ou dispostas por meu Coração em vista da minha obra... que muitas almas se salvarão por intermédio de minha Sociedade... que minhas Esposas... e que muitas outras almas que não apreciam assaz o valor das mínimas ações feitas com amor encontrarão as fonte de graças e de consolo.
E depois de ter respondido a tudo que ainda perturbava a alma de Josefa:
“Adeus — diz com incomparável bondade — abandona-te à minha guarda e não duvides jamais do Amor de meu Coração. Pouco importa que o vento te sacuda ainda mais de uma vez: a raiz de tua pequenez está fincada na terra de meu Coração.
“Falarei outra vez para minhas almas — acrescenta antes de desaparecer — Agora consola-Me.
Beija meus pés, se queres. Mais tarde dar-te-ei minha Cruz.”
Não tarda com efeito em vir trazer-lha.
“Eu fazia minhas costuras e esperava Nosso Senhor — escreve ela na sexta-feira, 15 de dezembro — quando pelas oito e meia ele veio... trazia a Cruz, mas nenhum traço de tristeza. Seu Coração, seus olhos estavam mais belos que nunca!”
Ela não sabe como traduzir a admiração Sua. atitude, sua túnica, de um branco brilhante o escuro de sua Cruz destacando-se sobre aquela luz, era de beleza tal que não podia explicar...
“Ajoelhei-me renovando os Votos. Adorei-O, pedi-Lhe que me desse amor verdadeiro e Lhe disse: que bom, Senhor! trazeis-me vossa Cruz!”
“Tu a queres?” tornou logo.
E como ela se oferecesse para tudo que dela esperava:
“Toma-a e consola-Me. Ocupa-te de meus interesses pois Eu cuido de ti.”
Depois, respondendo ao pensamento que lê no fundo de seu Coração:
“Sim, é verdade que não preciso de ninguém... mas deixa-Me pedir-te amor e por ti, Esposa de meu Coração, manifestar-Me uma vez mais às almas.” “Deixa meu Coração abrir-se e repousar derramando Amor sobre este grupo de almas escolhidas.”
“Quero, desta vez, que a Sociedade de meu Coração seja a Mensageira de meu Amor pelas almas... Quero que todas as almas saibam a que ponto este Amor as procura, as deseja e as espera para inundá-las de felicidade.
“Não tenham minhas almas medo de Mim!
não se afastem de Mim os pecadores... venham refugiar-se em meu Coração! Recebê-las-ei com o o mais terno e mais paternal Amor.
“Tu, Josefa. ama-Me e nada receies de tua fraqueza pois te sustentarei. Tu Me amas e Eu te amo. És Minha, sou teu. Que podes querer mas?” “Dizia tudo isso com tão ardente bondade — escreve ela — que me deixou como que perdida nele. Não sei explicar o que se passou em minha alma... Pedi, Lhe que me ensinasse a amar pois é a única coisa que desejo sobre a terra: viver para amar Jesus, tão bom!"
No dia seguinte, sábado, 16 de dezembro, Nosso Senhor lhe ensina o segredo do verdadeiro amor:
“Josefa — diz-lhe — já que és minha Esposa, sabes que o dever da Esposa é consolar o Esposo...
como o papel, do Esposo é amparar e sustentar a Esposa.”
“Não pude conter meu coração — escreveu ela - e repeti-Lhe todo meu amor. Jesus me escutou com bondade que não se pode sequer suspeitar.”
“Hoje, continuou, vais consolar-Me: entra bem dentro do meu Coração e apresenta-te a meu Pai com todos os méritos de teu Esposo.
“Pede-Lhe perdão para tantas almas ingratas. Dize-Lhe que estás pronta, na tua pequenez para consolá-Lo e reparar as ofensas que ele recebe.
“Dize-Lhe que és uma vítima muito miserável, mas coberta com o Sangue de meu Coração.”
“Passarás assim o dia, implorando perdão e reparando. Quero que unas teu coração ao zelo e ao ardor que consomem o Meu. Compreendam bem as almas que sou sua Felicidade e sua Recompensa!
“Não se afastem de Mim! Amo-as tanto!... todas as almas! Mas quero especialmente que minhas Almas escolhidas compreendam a predileção de meu Coração por elas."
Então depois de ter falado da “Sociedade” de seu Sagrado Coração, acrescentou:
“E tu, Josefa, compreendeste o Amor que tenho pelas almas?”
“Como não, Senhor! — exclama ela — Estais sempre ocupando-vos delas!”
“É por isso que tanto amo a minha Sociedade e que meu Coração repousa nela com tanto amor."
“É porque ela compreendeu o valor das almas e a glória de meu Coração. Adeus, Josefa, consola-Me e repara.”
As despedidas do Senhor deixam sempre a mesma senha de amor. A medida que se escoam os dias e os meses a filha generosa compreende cada vez melhor até que grau a vida de reparação tem que ser sua e como a graça de sua vocação a acorrenta à cruz redentora do Salvador. É exatamente o que Jesus faz questão de frisar em cada entretenimento. Não a conduz fora do caminho seguríssimo de sua vocação, mas impele-a até as consequências reais da doação total de si mesma ao Coração Sagrado.
No domingo 17 de dezembro, um pouco antes da missa das nove horas, Ele foi encontrá-la na sua cela:
“Consolaste-Me ontem — disse — porque não me deixaste só. Há tantas almas que Me esquecem e tantas outras que se ocupam de milhares de futilidades e Me deixam sozinho, durante dias inteiros!... muitas outras que nem ouvem minha Voz e no entanto Eu lhes falo sem cessar... mas seu coração está apegado às criaturas e às coisas aqui da terra...
“Dir-te-ei tudo isso mais tarde e te mostrarei o consolo que me dão as almas, principalmente as almas escolhidas, quando não Me deixam só!...
Continuarás a escrever a fim de que saibam até que ponto meu Coração as ama. Agora vai. Hei de voltar!”
“A missa das nove estava tocando, nota ela”. Jesus, o fidelíssimo amante da Regra, havia partido.
Passam-se cinco dias. Todas as manhãs, Josefa espera o Mestre que lhe dissera: “Hei de voltar.” mas não volta.
Essa liberdade soberana não é a menor prova de sua Ação. Gosta de indiferença, é certo, mas não quererá mais ainda, provar, pela incerteza e o imprevisto de suas visitas, que são verdadeiramente dele e que nenhuma dúvida será possível a respeito disso?
A 22 de dezembro, ela escreve:
“Há cinco dias que Nosso Senhor não vem. Entretanto disse-me que voltaria... O que me aflige é não saber se lhe desagradei em alguma coisa, pois não tenho mais nem a Cruz nem a coroa!”
Continua ela as notas:
“Antes de me deitar, ajoelhei-me para Lhe dizer adeus como todas as noites e acrescentei: “Senhor! há cinco dias que Vos chamo e não virdes!”
Não acabara a frase e Nosso Senhor já ali estava, resplendente de beleza:
“Há cinco dias que Me chamas, Josefa! E Eu, há quantos anos, chamo as almas e elas não Me respondem!
“Quando Me chamas, não estou longe de ti, mas ao contrário, muito próximo! Quando chamo as almas muitas não Me ouvem... muitas se afastam. Tu ao menos, consola-Me, chamando-Me e desejando-Me, Sacia minha Sede com a fome que tens de Mim.”
Quantas almas lerão nestas palavras, brotadas do Coração de Jesus, a razão divina das longas e demoradas Visitas! Quantas almas haurirão coragem, e mesmo alegria, no pensamento de Lhe saciarem a Sede, oferecendo-Lhe sua fome de Jesus.
Esse período, que arraigou Josefa na sua vocação reparadora e inaugurou a Mensagem que ela tinha que transmitir ao mundo, termina no Natal, com uma cena cheia de encanto. Ela transcreve com toda simplicidade... Sua alma harmoniza-se cada vez mais com a pequenez do Menino Deus. Mas entre eles não se trata de outra coisa senão da Redenção das almas: aí está mais que nunca o laço que os une. Convém traduzir essa narração sem comentário algum.
“Segunda-feira, 25 de dezembro de 1922 — Durante as vésperas, repetia meu amor ao Menino Jesus pois apesar da grande tentação dos dias precedentes. Ele bem sabe ser meu único Amor, meu Rei e meu Tesouro.
Não posso viver sem ele. É minha alegria e minha Vida.
Estava falando assim, quando, de repente, vi-O pequenino. Estava sustentado por alguma coisa que eu não via e enrolado num pano branco que só lhe deixava descobertos os bracinhos e os pezinhos. Tinha os braços cruzados sobre o peito e os olhos tão encantadores, tão alegres que pareciam falar. Os cabelos eram muito curtos: tudo nele, enfim, era pequeno. Com voz muito terna e suave disse:
“Sim, Josefa, sou teu Rei!”
“Quero — continua o Menino Deus — quero que Me faças uma tunicazinha ornada de muitas almas... daquelas almas que meu Coração tanto ama!”
Depois, voltando ao primeiro pensamento:
“Vês como sou pequenino! Pois bem, quero que sejas ainda mais pequena. Sabes como ... Com tua simplicidade, tua humildade, tua prontidão em obedecer. E também, Josefa, meu Coração procura o calor do amor e só as almas Lho podem dar. Dá-Me calor e dá-Me almas. Preparei-te um grande número delas. Não atrases minha Obra!
“Se Me deres almas, Eu te darei meu Coração.
Dize-Me, qual de nós dois faz dom maior?...
“Voltarei em breve. Enquanto espera', começa logo minha túnica e dá-Me almas com teu amor!
Vê quantas se afastam... não as deixes escapar...
Pobres almas!... não as deixes fugir Josefa. Elas não sabem para onde vão!”
“Dizia isso tudo — observa ela — com voz cheia de ternura. Quando começou a falar abriu os bracinhos. Estava tão lindo, tão encantador que muito me custou não Lhe poder beijar os pés, mas não ousei dizer-Lho.
Parecia todo em fogo. Enfim, era tão lindo que não posso escrever e pronunciava essas palavras com tanta doçura que é impossível explicar.”
Essa encantadora festa de Natal teria seu prolongamento.
"Enquanto me preparava para a santa comunhão — cotinua ela — na terça-feira, 26 de dezembro, pedia a Nossa Senhora que fosse ela que me desse o seu Filho e que me ensinasse a amá-Lo e consolá-Lo. Falei-Lhe como se fala a uma Mãe, com muita confiança e depois de ter comungado, supliquei Lhe que O adorasse por mim e me ensinasse a render-Lhe graças.
“De repente, Ela veio vestida como há dois anos, com manto rosa pálido, da mesma cor que o céu. Estava de pé e trazia o Menino Jesus envolvido num pano branco como ontem, mas não se via nem sua cabecinha, nada.
Ela tão boa, tão Mãe, logo me disse:
Olha, filha, trago-te Jesus.”
“E ao mesmo tempo descobriu-O.”
“Põe.no bem no fundo do teu coração. Vê como tem frio! Tu, ao menos, aquece-O com teu amor. ele é tão bom e te ama tanto! Que seja ele o único Rei de teu Coração.”
"Enquanto Ela me falava, o Menino Jesus estava deitado nos braços da Mãe, levantava os Olhinhos para vê-la e olhava para mim também, de vez em quando.
“Eu disse à Santíssima Virgem como desejaria amá- Lo! Mas muitas vezes não sou bastante fiel a tudo que Ele me pede, principalmente quando tenho de dar algum recado de sua parte...”
É sempre por causa das resistências que ela precisa arrepender-se.
Então Jesus com vozinha doce, como a das criancinhas, disse:
“Mãe, pedi a Josefa que Me fizesse uma túnica ornada de muitas almas. Há tantas que Me escapam!... E sabeis quantas confio às almas que amo.
Quando correspondem à minha expectativa é o maior consolo que possam dar a meu Coração.”
“E a Santíssima Virgem continuou também:
“Sim, dá-Lhe almas, filha e não as deixes afastarem-se dele... Olha!... Vai chorar!" “Disse-Lhe que é todo o meu desejo, mas muitas vezes sem perceber Lhe desagrado e Lhe resisto porque me deixo enganar pelo demônio.”
“Nada temas, filha, Jesus só espera a tua boa vontade. Esforça-te, sim, e prova-Lhe desse modo teu amor. Sabes como fazer? Jesus quer-te pequena, muito pequenina... tão pequenina que possas caber aqui.”
E com a mão mostrava a Josefa o espaço vazio entre seu Coração e o Menino Jesus que nele trazia apoiado.
“Ela sorria dizendo aquilo — escreve Josefa — e o Menino olhava-a sorrindo também. ”
“Não sabes como aqui ficarias bem!” continuou a Virgem. E Jesus agitando os bracinhos disse:
“Josefa, experimenta... e verás!...”
“Como são muito bons, ambos, pedi outra vez perdão por todas as minhas resistências... por tudo que me passa pela cabeça no momento de tentação... A Santíssima Virgem respondeu:
“Sim, é verdade, há momentos em que és muito ingrata. Sabes por que? É que pensas mais em ti que nele. Não olhes para o que te custa e dá-lhe provas de teu amor fazendo tudo que te ordenar. Se te mandar falar, fala. Se te mandar calar, cala-te.
Se te mandar amar, ama. Que te importa, se é Ele que cuida de ti?”
“Prometi-Lhe obedecer em tudo e como já começasse a cobrir o Menino para partir, pedi-Lhe, licença para beijar os pezinhos.
“Sim, beija.os!”
“Enquanto os beijava Jesus passava a mãozinha sobre minha cabeça com muita doçura... Beijei também a mão da Santíssima Virgem. Ela cobriu o Menino Jesus dizendo:
“Adeus, filha! Não esqueças a túnica!... Aquece-O e dá-Lhe almas!”
“Depois partiram ambos."
Acabar-se-iam as graças dessa deliciosa visita com São João, o amigo das almas virgens. Josefa tenta desta vez descrevê-lo a seu modo, nas linhas seguintes:
“Veio durante minha adoração. Era de beleza majestosa, o braço direito estendido, a mão esquerda sobre o peito. De porte esbelto, é mais alto e mais forte que Nosso Senhor. Tem feições mais duras e mais acentuadas Os olhos são negros, o rosto pálido e os cabelos castanho escuro. Está envolto em claridade muito pura e quando fala é tão lentamente e em tom tão grave que as palavras penetram até o fundo da alma. Sua voz é ao mesmo tempo suave e forte, como algo de celeste.
“Renovei os Votos e ele disse logo:
“Alma, Esposa do Coração Divino, já que o Mestre adorável quis achar delícias nas almas puras, venho reanimar em ti o fogo que te há de consumir de amor por aquele divino Coração.
“Foi ele que primeiro nos amou. Corresponda nosso amor ao dele em gratidão, constância, ternura e generosidade. Seja puro e sem mistura de interesse próprio. Esteja sempre a Bondade desse divino Coração presente a nossos olhos.
“Seja ela o primeiro motivo do amor que não deve procurar senão o bem e a glória daquele qus ama.
“Alma escolhida com predileção pelo divino Mestre, fixa tua morada em seu Coração.
“Deixa-te purificar e inebriar pelas doçuras celestes.
“Que tua passagem sobre a terra seja como a da pomba que mal roça o chão. Como abelha sobre flor, que tua alma não descanse nesta vida senão para buscar o alimento necessário.”
“Para a alma que ama o divino Mestre, o mundo é apenas escura passagem.”
“Cruzou as mãos sobre o peito e calou-se um instante. Estava tão belo que parecia um anjo. Eu não ousava falar. Afinal atrevia-me a perguntar se Nosso Senhor era consolado no meio das almas religiosas, ele que tanto ama a virgindade...
“São João olhou para o céu, seu rosto se iluminou e ele respondeu:
“As almas virgens são moradas de amor onde descansa o Cordeiro imaculado.
“Mas entre essas algumas há que causam admiração ao céu.
"sobre elas fixa o Esposo celeste seu Olhar puríssimo e nelas destila o suave perfume que emana de seu Coração.”
“Então, estendendo o braço direito abençoou-me e disse:
“Deixa-te possuir e consumir por ele. Que toda a tua solicitude e todo o teu ardor se empreguem em lhe obter glória e amor e que sua Paz te guarde.” Naquela tarde 27 de dezembro, Jesus renova a Josefa a graça insigne que dois anos antes na mesma data lhe havia concedido.
"Pelas oito horas, veio cheio de beleza... A Chaga do Coração estava abrasada e amplamente aberta."
“Vem — disse — entra em meu Coração e descansa. Mais tarde dar-Me-ás o teu para Eu nele repousar.”
E atraindo-a misteriosamente mergulha-a naquele abismo.
“Pensei que era o céu — escreve ela, incapaz de continuar a narração.
“É impossível explicar o que é entrar naquele Coração!”
Depois de mais de uma hora daquele inefável repouso, Jesus, devolvendo-a à terra lembra à esposa o alvo a que visam todos aqueles favores.
“Não esqueças — diz-lhe — que as almas que escolhi devem ser vítimas.”
Josefa não pode esquecê-Lo. Já se gravou profundamente demais em sua alma esse Desígnio do Mestre, ela sabe que a união não se completa senão sobre a cruz. E, no momento em que lho repete Jesus mostra, lhe por meio de um símbolo como gosta de exprimir seu pensamento, que será sempre de fato o Amor que a marcará com a Cruz.
“Enquanto ele falava, vi — diz ela — uma pombinha muito alva; as azas cinzentas estavam abertas como se quisesse levantar voo para o Coração de Jesus.
Mas ela era repelida por um jato que saía da. Chaga e que caía sobre ata cabecinha de uma alvura brilhante.
Trazia uma cruz negra impressa um pouco abaixo do pescoço. ”
Josefa não faz comentário algum sobre o fato.
Mais tarde e até a morte verá de vez em quando a mesma pombinha. Mas o Mestre lhe terá explicado o sentido dessa visão, imagem de sua Alma.
Por enquan o a luz se apaga. Ainda não é tempo de levantar vôo para o Coração de Jesus. Um ano de graças, lutas, sofrimentos, provações de toda espécie separa-a da entrada definitiva no Coração adorável
Mas é o fogo do amor que a detém cativa da dor, para continuar por ela a se revelar ao mundo.

 

VIII — A QUARESMA DE 1923

A VIA DOLOROSA
1.° de janeiro — 17 de fevereiro de 1923.

"A obra de Jesus deve ser fundada sobre muito sofrimento e amor”.

(A Santíssima Virgem a Josefa — 21 de janeiro de 1923).

Está na aurora o ano de 1923 que findará com a morte de Josefa.
Abre-se pois diante dela a última etapa: Josefa o adivinha, Aliás, no dia 3 de dezembro precedente por ocasião de uma cerimônia de confirmação na capela do Sagrado Coração, Nossa Senhora lhe anunciara que deveria transmitir ao Bispo de Poiters as palavras de seu Filho. Depois acrescenta: “Vê-lo-ás três vezes antes de morrer.”
O céu paira, pois, no horizonte de Josefa e essa esperança lhe reanima a coragem.
Dela precisa muito, pois várias sombras estão descendo sobre seu caminho e os primeiros dias de janeiro já trazem outras provações. Entra em cena de novo o demônio e recomeça seus antigos ataques. Entre espancamentos e ameaças, raptos e longas horas passadas no inferno... Jesus, que a guarda como Esposa caríssima nela esculpe a sua imagem e associa-a na mesma medida à Obra de Redenção.
Assim salva as almas e prepara caminho para a Mensagem do Amor. Em vão se exaspera o furor satânico e julga às vezes triunfar. No instante determinado pelo Soberano do céu e do inferno, ele se esvai com uma blasfêmia...
Foi assim que escreveu Josefa na segunda-feira, 8 de janeiro de 1923:
“Tinha no coração, hoje de manhã. imenso desejo de Jesus. Nestes dias em que estou sofrendo tanto, o momento da comunhão é um grande alívio.
“Hoje, depois da noite pavorosa passada no inferno, esperava-O com mais desejo ainda!...
“Voltando da santa mesa vi de repente Nosso Senhor; caminhava à minha frente e virando-se disse; “Vem, Josefa, meu Coração te espera!”
"Logo renovei os Votos e ele repetiu:
“Sim, meu Coração te espera.”
“Tornei a renovar os Votos e Jesus continuou:
“Tu Me repousaste e chegou minha vez de te dar repouso.”
"Então abriu-se-Lhe o Coração e me fez entrar.” Decorrem alguns instantes que Josefa chama “instantes do céu”, naquela divina Morada. — “Quando me fez sair — escreve ela — confiei-Lhe todo o meu pavor do demônio e de suas ameaças... supliquei-Lhe que nunca lhe permitisse enganar-me.”
Jesus respondeu:
“Por que temes? Não sabes que sou mais poderoso do que ele e do que todos os teus inimigos?
O demônio com toda a sua fúria não pode causar dano maior do que o permitido por meu Amor — Sou Eu que permito o sofrimento das almas que amo. esse sofrimento é necessário a todas e especialmente às minhas escolhidas! ele as purifica e, posso assim servir-Me delas para arrançar muitas almas ao inferno.”
E, aludindo às vãs ameaças que ela não pára de ouvir:
“Não as receies — repete — e confie em Meu Corarão que vos guarda a todas como à menina dos 0lhos. Sim, Josefa, esta casa é muito amada por meu Coração... embora muitas vezes derrame Eu nela a amargura de meu Cálice...
“Voltarei em breve para que escrevas mais segredos do meu Amor.”
“Enquanto esperas, continua a trabalhar na minha túnica!”
E depois dessa recordação do pedido do Natal Jesus desaparece e Josefa entra de novo na obscura tempestade que tem de atravessar.
Ainda uma vez brilha a claridade celeste naquela noite, a 21 de janeiro. Nossa Senhora está sempre perto da filha nas horas dolorosas.
Como tem mais tempo na manhã de domingo, Josefa acaba de escrever suas notas. É um trabalho penoso para sua obediência sobretudo quando tem que relatar o que vira e ouvira no abismo em que tão frequentemente descia naquela época.
“Faço isto — nota ela — para obedecer e provar a Jesus que O amo.”
A Virgem Santíssima que lhe aparace na capela, pela tarde garante o mérito daquele ato:
“Porque venceste tuas repugnâncias por amor diz — abriu-se o céu para sempre a uma alma cuja salvação escava em perigo.”
“Se soubesses quantas almas podem ser salvas por pequeninos atos!”
“É tão boa e tão Maternal que me atrevi a confiar-Lhe muitos coisas... e respondeu.
“Jesus quer que durante a tua vida suas Palavras fiquem escondidas. Depois de tua morte, serão conhecidas de um polo a outro da terra e muitas almas com essa luz se salvarão no caminho da confiança e do abandono ao Coração misericordioso de Jesus.”
E como Josefa, sempre tímida diante de tão grandes coisas, exprimisse àquela Mãe incomparável todas as suas ansiedades:
“Filha — diz ela com ternura — não tenhas susto, a Obra de Jesus terá que ser fundada sobre muito sofrimento e muito amor.
“Nada receies, Jesus é todo-poderoso e é ele quem opera. É Forte e é quem te sustenta. É misericordioso e é quem te ama!”
Depois prevenindo-a, por assim dizer, acerca das tribulações por que ia passar:
“ele conhece o fundo dos corações e é ele que permite todas as circunstâncias. Se mais de uma vez seus Planos te parecerem transtornados, é que te quer conservar muito humilde e pequena.”
Josefa torna a dizer seu receio de por obstáculo aos seus Desígnios.
“É verdade que és muito miserável — responde a Virgem com compaixão — mas é justamente por causa dessa miséria que Jesus tem pena de ti e que te abriga no fundo do seu Coração, a fim de que nada te possa atingir. Humilha-te por tua pequenez e tua miséria, filha, mas confia nele pois te ama e jamais te abandonará. Seja toda a tua ambição dar-Lhe muitas almas, muita glória e muito amor.
“Pedi-Lhe a bênção e Ela me traçou sobre a fronte o sinal da cruz com dois dedos dizendo:
“Sim, abençoo. te de todo o Coração.”
“E desapareceu.”
O céu parece fechar-se de novo e o demônio encontrar novamente seu poder para dispor dos dias e das noites de Josefa.
Entretanto, na quinta-feira, 1.° de fevereiro, Santa Madalena Sofia apareceu-lhe como mensageira precursora de paz.
Convida-a a ir à cela que outrora santificara com sua oração e sua santidade. Anuncia-lhe a entrada no céu de cinco de suas filhas, cujos nomes lhe dá e consagrando, por assim dizer, a sua presença naquele lugar de bênçãos, acrescenta:
“Não podes avaliar com que alegria vejo virem aqui minhas filhas caríssimas. Do alto do céu as abençoo com ternura de Mãe e derramo sobre elas muitas graças... Meu desejo é que cada uma seja para o Coração de Jesus um lugar de repouso e de amor.”
Alguns dias depois, a 4 de fevereiro, reconforta-a com as seguintes palavras:
“Não te canses de sofrer. As almas que sofrem por amor verão grandes coisas, não no tempo, mas na eternidade.”
Volta ainda na segunda-feira, 10 de fevereiro, depois de muitos dias de duras provações, a anuncia-lhe a próxima vinda de Nosso Senhor;
“Proteja sua Paz o teu coração, filha....file virá em breve, consola-O com grande confiança.
Não esqueças que se é teu Deus é também teu Pai e, não apenas teu Pai, mas teu Esposo... Nada receies e fala-Lhe de tudo, pois está sempre pronto para te escutar. É tão bom, o nosso Deus!
E o seu Coração tão compassivo...”
Como era véspera das Quarenta Horas:
“Consolai-o e amai-O, acrescenta — Repouse aqui entre vós o seu Coração e tua pequenez Lhe salve muitas almas!”
Depois, insistindo sobre o pensamento principal de sua vida:
“Sim, consolai-O com vossa humildade pois onde há humildade tudo está bem, mas onde falta humildade tudo vai às avessas.”
E depois de lhe ter confiado alguns desejos maternais :
"Adeus — disse, abençoando-a. Nada recuses a teu Deus.”
À tarde, o demônio exaspera-se contra a intervenção da santa e principalmente contra seus conselhos:
“Essa bem-aventurada arruína todo o meu poder, somente com sua humildade.”
E como se fosse obrigado a confessar o segredo infernal:
“Ah! — ruge com uma blasfêmia — quando quero agarrar uma alma basta-me excitar-lhe o orgulho... se quero perdê-la basta-me deixá-la seguir o instinto do orgulho...
“É o orgulho que opera minhas vitórias e não terei repouso enquanto não o vir transbordar no mundo. Eu me perdi por orgulho, não consentirei que as almas se salvem por humildade.
É bem claro — conclui num grito de rancor — todas as almas que chegam ao cume da santidade são as que se enterraram no mais profundo abismo da humildade.”
Josefa transcreverá tal confissão diabólica, com grande emoção, e no meio de muitos padecimentos exultará seu amor filial diante desse testemunho inesperado prestado à humildade de sua santa Madre Fundadora.
A época das Quarenta Horas estava-lhe sempre no auge da vida reparadora. Mas este ano é o último na terra em que Nosso Senhor a convida durante tais dias de prazeres desenfreados e de gozos desregrados, a carregar com ele a cruz das almas que se perdem.
Seu amor muito crescera durante o ano passado e agora, já como Esposa, é que participará das amarguras do Coração chagado do Mestre. Ela O espera, pois Santa Madalena Sofia a havia preparado ao próximo encontro.
No dia 11 de fevereiro, domingo das Quarenta Horas, durante a Missa, aparece Jesus de repente. Havia já um mês que ela não O vira.
“Josefa — diz ele — queres consolar-Me?”
Ela renova os Votos e Lhe exprime seu ardente desejo, não sem algumas reticências, “pois — acrescenta — tenho medo de mim mesma, que sou cada dia mais miserável.”
“Não penses no que és — responde Nosso Senhor — dar-te-ei força para tudo que te pedir.
Não esqueças, Josefa. que permito toas misérias e tuas quedas, a fim de que apesar das graças que te faço, estejas sempre diante do teu nada.”
Depois seu Coração se inflama:
“E agora vamos ocupar-nos das almas!...
"Muitas se perdem é verdade... mas nós poderemos arrancar muitas outras ao caminho da perdição e meu Coração, será ao menos consolado das ofensas que recebe.
“Sabes, Josefa, como os pecadores Me despedaçam e como preciso de almas que reparem."
“Eis porque venho repousar no meio daqueles que Eu mesmo escolhi. Saibam essas almas com sua fidelidade e seu amor, cicatrizar as chagas que recebo dos pecadores. Como é necessário que haja vítimas para reparar a amargura de meu Coração e aliviar sua Dor! Quantos pecados!.,, e quantas almas se perdem!”
Ela Lhe suplica que venha entre suas Esposas, pois outra coisa não desejam, e que lhes inspire o que hão de fazer para consolar sua dor.
“A única coisa que quero — responde — é o amor: Amor dócil que se deixe conduzir pela ação daquele a quem ama... Amor desinteressado que não procure nem o seu prazer, nem o seu próprio interesse, mas os do Bem-Amado.
“Amor zeloso, ardente, devorador, que vença todos os obstáculos opostos pelo egoísmo: eis o verdadeiro amor, aquele que arranca as almas ao abismo em que se precipitam.”
Encorajada com tanta condescendência, Josefa continua suas ingênuas perguntas.
“Como é que — escreve ela — a gente reza por uma alma meses a fio e a oração parece nada obter?...
Como, ele que tanto deseja a conversão dos pecadores, não lhes comove os corações para que se não percam tantas preces e tantos sacrifícios?
“... E Lhe falei de três pecadores de dois sobretudo, para os quais rezamos aqui há tanto tempo!”
“Quando uma alma ora por um pecador com o desejo ardente de sua conversão — responde Ele condescendente — obtém, quase sempre. o que pede, quando não seja antes, no último momento, e sempre, o meu Coração encontra nessas súplicas a reparação da ofensa recebida.
“De qualquer maneira, a oração nunca é perdida, porque, por um lado, repara a injúria causada pelo pecado e por outro, alcança misericórdia se não para aquele pecador, ao menos para outros prontos a recolherem o fruto dessas súplicas .
“Há almas que, durante a vida e durante a eternidade, são chamadas a dar-Me a glória que lhes pertence a elas dar-Me e a que deveriam dar-Me outras almas que se perderam... Deste modo a minha Glória não é atingida, pois que uma alma
justa pode reparar os pecados de muitas outras.
“Seja esta tua constante oração, Josefa: “Eterno Pai, que por amor às almas entregastes à morte vosso Filho Único, pelo seu Sangue, pelos seus méritos e pelo seu Coração, tende piedade do mundo inteiro e perdoai todos os pecados que se cometem.
“Recebei a humilde reparação das vossas almas escolhidas e uni-as aos méritos do vosso divino Filho.
Ó Pai Eterno, tende piedade das almas e não esqueçais que ainda não chegou o tempo da justiça mas sim o da Misericórdia.”
“Não Me recuses nada — disse antes de se afastar — e não esqueças que preciso de almas que continuem a minha Paixão para deter a cólera divina. Mas — acrescenta Ele sossegando-a — Eu te sustentarei.”
Termina à tardinha o entretenimento da manhã: Josefa está na capela das Obras, da qual é sacristã, quando, de repente, o Senhor lhe aparece:
“Não podes saber como repouso em ti — disse-lhe — com bondade.”
“Mas, Senhor — responde ela — será possível?"
— Não faço nada de extraordinário!”
“Não te admires!... Apesar de tantas ofensas que recebo dos pecadores, meu Coração está consolado porque tenho muitas almas que Me amam!
Sim, sem dúvida sinto vivamente a perda das almas... mas essa dor não atinge a minha Glória.
“Compreende bem, uma alma que Me ama pode reparar as ofensas de muitos pecadores e aliviar meu Coração.”
“Expliquei-Lhe que gostaria de ser uma dessas almas que O amam. Que poderia eu fazer para Lhe provar meu Amor?...
... Durante a Quaresma queria conseguir ser muito simples, muito dócil... e principalmente consolá-Lo com minha humildade, como nossa Bem-aventurada Madre me disse outro dia; somente não sei que fazer para isso.”
Então como um pai se inclina sobre a filha para lhe explicar a lição, Nosso Senhor lhe diz:
“A humildade de que te fala tua Bem-aventurada Madre não consiste precisamente em palavras, nem em atos exteriores, mas está na fidelidade da alma movida pela graça, em aderir a todas as inspirações dela, sem se deixar levar pelas, sugestões do amor próprio. Isto não impede, aliás, que a alma recorra aos atos exteriores para adquirir a verdadeira e profunda humildade. É o que te quis dizer tua Bem-aventurada Madre.
“E agora, prossegue — eis o que farás para Me consolar dos pecados do mundo... e principalmente dos de minhas Almas escolhidas.”
“Durante a quaresma recitarás todos os dias o Miserere com verdadeira humildade, acrescentando-lhe um Pai-nosso.
“Tu te prostrarás três vezes no chão, durante o espaço de uma Ave-Maria para pedir misericórdia e perdão em nome dos pecadores e farás na mesma intenção as penitências que te forem permitidas.
“Desejo também que três vezes por semana, entre onze horas e meia noite, te ponhas a meu dispor, a fim de que Eu use de ti com toda a liberdade e que nós dois juntos, possamos aplacar a cólera, irritada de meu Pai celeste e obter perdão para as almas.”
Ela não se atreve a assumir esse compromisso, “pois — diz — não sei se me deixarão?”
“Submete isso, como tudo mais, ao juízo de tuas Superioras — responde o divino Mestre. — E agora — continua ele — vou retomar minhas Confidências.
“Durante esta Quaresma, dar-te-ei a conhecer ... também tudo que Me possa desagradar em tua alma e servir-Me-ei de ti para consolar meu Coração cada vez que precisar."
“Adeus, voltarei em breve... Não Me deixes só... Não te esqueças de Mim.”
Êste desejo do Coração de Jesus sustenta-a nos dias dolorosos que se seguem.
Como poderia ela deixá-Lo só... enquanto os peca¬ dos das almas se mutliplicam e solicitam constante, mente o seu pensamento reparador.
A terça-feira das Quarenta Horas, 13 de fevereiro, põe-na em presença daquela grande dor que ela parti, lha de todo coração: está fazendo a Via Sacra com as Irmãs quando Jesus lhe aparece, com a Face ensanguentada e triste, mas o Coração ardente. Pede-lhe que fique com ele alguns instantes. Ela solicita permissão e o encontra na capela grande onde o Santíssimo Sacra, mento está exposto:
“Olha para meu Rosto Josefa, é o pecado que o põe neste estado. O mundo se precipita para abismar-se nos prazeres.
“A multidão de pecados que se cometem é tal que meu Corarão está como que afogado numa tormenta de amargura e de tristeza.
“Onde encontrarei alívio para minha Dor?...
“Eis porque venho refugiar-Me aqui e procurar amor para esquecer a ingratidão de tantas almas.” "Tentei consolá-Lo — escreve ela — e um momento depois tornou:”
“Vem comigo à tua cela. Lá repararemos tantas ofensas e tantos pecados!...”
“Saí da capela; Jesus andava à minha frente... depois desapareceu. Quando abri a porta da cela, já lá estava; pus-me de joelho” e ele disse:
“Prostra-te até o chão e adora a Majestade divina desprezada pelos homens.
“Faze um ato de reparação e repete comigo:
“ó Deus infinitamente Santo! Eu vos adoro.
Prostro-me humildemente em vossa Presença e rogo-Vos, em nome de vosso divino Filho, que perdoeis a tantos pecadores que Vos ofendem. Ofereço-Vos minha vida e desejo reparar tanta ingratidão!"
“Parou ainda... e como eu Lhe perguntasse se aquelas almas pecadoras o feriam:
“Sim — disse ele — aquelas almas Me ofendem muito, mas minhas Almas escolhidas Me consolam.”
“Falei-Lhe assim de vez em quando, repetindo-Lhe o meu desejo de consolá.Lo — Mas que posso fazer?... tão miserável e capaz de tão pouca coisa..."
“Sem dúvida tornou Jesus — mas não sabes que a miséria pouco Me importa?... O que quero é ser o Dono de tua miséria. Não te ocupes do resto... Meu Coração transforma tudo!
“Beija outra vez o chão e repete comigo:
“Pai! Deus Santo e Misericordioso, recebei o meu desejo de Vos consolar! Eu queria poder reparar todas as ofensas dos homens... Mas como isto me é impossível, ofereço-Vos os Méritos de Jesus Cristo, Redentor do gênero humano, a fim de satisfazer a vossa Justiça.”
“Depois de um momento de silêncio perguntei-Lhe se o demônio me perseguiria ainda naquela noite ou se eu poderia fazer Hora Santa como todas de casa?”
“Sim, deixar-lhe-ei passar essa hora unida aos sentimentos de meu Coração que se consome no desejo de atrair as almas a Si, a fim de lhes perdoar.
“Pobres pecadores! como são cegos!
“Só desejo perdoar-lhes e eles só procuram ofender-Me!”
“Eis a minha maior Dor: que tantas almas se percam e que não venham todas a Mim, a fim de que meu Coração lhes perdoe.”
Então, aproveitando a Bondade de Nosso Senhor que parece disposto a responder a todas as suas interrogações, Josefa as multiplica, com simplicidade de criança.
"Perguntei-lhe se se lembra de nossas faltas quando nos arrependemos depois de nossas quedas e Lhe pedimos perdão?”
“Desde que a alma se lança a meus Pés e implora minha Misericórdia, Josefa, esqueço todos os seus pecados.”
“Perguntei-Lhe se haverá sempre até o fim do mundo tantas almas que o ofendam?”
“Sim, infelizmente!... Mas até o fim do mundo terei também almas que Me consolarão.”
“Quis saber se Ele não faz ouvir sua Voz às almas que estão mergulhadas no pecado para arrancá-las daquele estado, pois vejo o que se dá comigo: quando estou em tentação e que resisto à voz de Jesus, de repente, sinto em mim uma coisa que me faz conhecer a verdade e encho-me logo de remorso... Jesus respondeu:
“Sim, Josefa, corro no encalço dos pecadores .... como a justiça no encalço dos criminosos. Mas a justiça os procura para castigá-los e Eu para lhes perdoar!”
Depois, como ela Lhe oferecesse, para consolá-Lo, os desejos das almas religiosas, mais fervorosas nestes dias que ordinariamente, antes de desaparecer, Ele acrescentou:
“Minhas almas são para meu Coração o que é o bálsamo para as feridas. Voltarei mais tarde,... Josefa continua a consolar-Me.”
Por enquanto, há de consolá.Lo com sua fidelidade apesar das ciladas que o demônio lhe semeia sob os passos e as perturbações que lhe desperta na alma. É o meio, doloroso por excelência, aquele ao longo do qual ela não vê mais o caminho, não discerne sua parte de responsabilidade e atinge os limites de sua fraqueza...
Quantas vezes terá ainda que atravessar essas trevas?
No sábado, 17 de fevereiro, a Santíssima Virgem, dissipando todas as sombras, traz-lhe o testemunho mais caro de todos: a Coroa de espinhos do seu Filho.
“É para, ti, filha — diz-lhe — Não te preocupes mais com o que o demônio põe em tua imaginação.
São apenas mentiras com as quais te quer perturbar.”
E como Josefa lhe contasse sua tristeza por não saber como resistir a tantas ciladas, a Virgem lhe descobre este grande segredo:
“Pensa na Paixão e nos Sofrimentos de Jesus.
Depois, colocando a coroa de espinhos na cabeça da filha:
“Toma, diz, abençoando-a. É ela que te conservará na Presença de meu Filho.”
Algumas horas depois, Jesus lhe aparece com sua Paz:
“Vem... aproxima-te — diz a Josefa que hesita — e promete-Me que não te deixarás mais assim enganar pelo inimigo.”
Ela gostaria de prometer mas não ousa, pois sente vivamente sua fraqueza.
“Pouco importa, minha Josefa... se tomares a cair Eu te levantarei.”
Então confia-Lhe ingenuamente o conselho da sua Mãe Imaculada, que ela tenta seguir fixando o pensamento, de hora em hora, sobre a Paixão.
“Sim — responde o Senhor com bondade — pensa em meus Sofrimentos.”
E indicando o sentido que vai tomar sua Mensagem acrescenta:
“De ora em diante, virei todos os dias falar-te de minha Paixão, a fim de que seja objeto de teus pensamentos e de minhas confidências para as almas.”

 

OS SEGREDOS DA PAIXÃO: O CENÁCULO
18 de fevereiro — 28 de fevereiro de 1923

“Josefa, Esposa e Vítima de meu Coração, vamos falar de minha Paixão a fim de que tua alma se alimente desta lembrança e que minhas almas encontrem onde saciar a fome e aplacar a sede.”

(Nosso Senhor a Josefa — 22 de fevereiro de 1923)

A Paixão, que é a grande história de amor, vai revelar-se a Josefa, passo a passo, do Cenáculo ao Calvário, durante a Quaresma de 1923.
Não se deve procurar aí a narração de fatos: destes, o único depositário oficial e autorizado é o Evangelho.
Foi a profundeza de seu Coração que Jesus determinou abrir, entregando seus Segredos, cuno prova de confiança e testemunho da sua Dor imensa, que anseia ser compreendida até no íntimo.
Esta revelação destina-se, pois, a todas as almas que procuram penetrar no Coração Sagrado, conhecer-Lhe as Palpitações, partilhar-Lhe os Sentimentos e nada recusar às exigências de sua Cruz.
Josefa será a primeira a enveredar por esse caminho segundo o Mestre.
Irá recolhendo a Mensagem do Amor doloso que se manifesta ao mundo enquanto a ela se for descobrindo na solidão da pequena cela.
Decorrem porém alguns dias sem que a promessa divina se realize.
Nosso Senhor modela o instrumento pela demora e pelo abandono. Mas utiliza-lhe as noites como havia pedido. Três vezes por semana, segundas, quartas e sábados Josefa tem licença de se pôr à disposição do Mestre, antes de começar seu repouso.
Escreve depois da noite de sábado para domingo, 18 de fevereiro.
“Ontem à noite, ofereci-me para tudo que Nosso Senhor quisesse e como tinha medo de adormecer pedi-Lhe a bondade de me despertar.
“Mal me deixara, adormeci... Não sei a que horas fui acordada por sua Voz que me chamava:
“Josefa!”
“Fiquei envergonhada e disse: “ó meu Jesus, perdoai-me. Que horas são?”
“Não importa Josefa... é a hora do Amor.” “Jesus estava belíssimo. Trazia a Cruz. Renovei os Votos, levantei-me logo e ele continuou:
“É a hora em que o Amor vem buscar consolo e alívio deixando-te a Cruz. Vamos implorar perdão e clemência pelas almas. Toma a Cruz e dá-me repouso.”
“Deu-me a Cruz, cujo peso senti com a dor do lado, ao mesmo tempo que minha alma entrava em grande angústia... Eu desejaria consolá-Lo... mas senti-me tão indigna de estar ao lado dele e de carregar a sua Cruz!...
“Não importa — disse — minha Cruz se Apoiará sobre tua miséria e eu descansarei na tua pequenez... Minha Cruz te fortificará e Eu te ampararei.
“Quando tuna alma vem a mim para buscar Força, Eu não a deixo sozinha; sustento-a e se sua fraqueza a atraiçoa, eu a levanto.
“Agora, peçamos perdão pelas almas... reparemos as ofensas feitas à Majestade divina.
“Repete comigo:
“Santo Deus, Deus justo! Pai de infinita clemência e bondade, que por amor haveis criado o homem e que por efeito desse mesmo amor e bondade o fizestes herdeiro dos bens eternos, se ele por fragilidade, Vos ofendeu e mereceu castigo recebei os méritos de vosso Filho que a Vós se oferece como Vítima de expiação! Pelos seus merecimentos divinos perdoai ao homem pecador e ponde-o de novo em estado de merecer os bens eternos. ó meu Pai! Piedade e Misericórdia para as almas!”
“Josefa! Deixo-te minha Cruz a fim de que me alivies. Sou tua Força. Consola-Me.”
“Então — diz ela — partiu deixando-me sua Cruz.
Na segunda-feira, 19 de fevereiro, ela renova seu oferecimento no momento de se deitar.
“Não sei — escreve ela — se foi sua Voz ou a sua Presença que me despertou pelas onze horas... Jesus lá estava com a Cruz e me dizia:
“Josefa, tu Me amas?”
“Eu não ousava responder, sou tão miserável que não sei amar... Pedi-Lhe perdão por me ter eu atormentado com coisas pequeninas que nada valem.”
“Sim, aproveita todas essas mínimas ocasiões para me salvar almas.”
"Depois, com a sua Bondade habitual, continuou:
“Toma a Cruz e vamos, ambos, reparar todos os pecados que se cometerão durante esta hora. Se soubesses como as almas se precipitam em massa para o mal!”
“Deu-me a Cruz e eu me humilhei em sua Presença... Adorei-O, pois mais que nunca via minha indignidade diante de sua Grandeza. ele juntou as Mãos e disse:
“Vamos adorar a Majestade divina ofendida e ultrajada. Vamos reparar tantos pecados.
“Ó Deus infinitamente santo! Pai infinitamente misericordioso, eu vos adoro! Desejo reparar todos os ultrajes que recebeis dos pecadores em todos os lugares da terra e em todos os momentos do dia e da noite. Mas, sobretudo, ó meu Pai. quisera reparar as ofensas e pecados que se cometem nesta hora. Para isso Vos apresento todos os atos de adoração e reparação das almas que vos amam e sobretudo o holocausto contínuo do vosso divino Filho, imolando-se sobre o altar em todos os recantos da terra e em cada instante desta hora. Ó Pai terno e compassivo! Recebei este Sangue divino e puríssimo em reparação de todos os ultrajes que Vos fazem os homens e por Ele, perdoai-lhes os pecados e usai para com eles de misericórdia!”
“Então ficamos em silêncio. Jesus olhava para o céu. Minha alma estava em grande angústia e meu coração oprimido de dor... Depois de um momento continuou ele:
“Oferece todo o teu ser para reparar tantas ofendas e para satisfazer à Justiça divina”.
“Repeti-Lhe minha indignidade, pois, eu também sou uma grande pecadora.”
“Se tua indignidade e teus pecados grandes vem submergi-los na torrente, de Sangue de meu Coração e deixa-te purificar.
“Depois aceita generosamente todos os sofrimentos que minha Vontade te envia, afim de oferecê-los a meu Pai celeste. Deixa tua alma abrasar-se no desejo de consolar um Deus ultrajado e toma os meus Méritos para reparar tantos pecados.”
E como Jesus se dispusesse a deixá-la; Josefa toma coragem e lembra-Lhe a promessa de falar de sua Paixão.
Sim, voltarei — disse — Enquanto esperas, consola meu Coração e repara.”
Aquelas grandes noites reparadoras vão, de ora em diante, suceder-se sem prejudicar o trabalho que ela começa desde o alvorecer.
Em a noite de quarta para a quinta-feira, 22 de fevereiro, é ainda o Senhor que a desperta, pois o cansaço depressa a adormecera.
“Aqui estou — diz — venho repousar em ti.”
Levanta-se ela no mesmo Instante, renova os Votos e se oferece para aliviar da cruz os ombros divinos.
“Sim. vou dar-ta, Josefa, e com ela todas as angústias de meu Coração.”
“Logo — continua ela — deu-me a Cruz... e tentei consolá-Lo... ele prosseguiu:
“Dize-Me: haverá Coração que ame mais que o Meu e que encontre menos correspondência a seu Amor?
'Haverá Coração que, mais que o Meu, se consuma no desejo de perdoar?
“E entretanto, como preço de tanto Amor, não recebo senão as mais graves ofensas.
"Pobres almas... Vamos pedir perdão e reparar por elas:
"Ó Pai! tende piedade das almas. Não as castigueis como merecem, mas tende misericórdia delas, como Vos suplica vosso Filho.
“Eu desejaria reparar as ofensas e Vos dar a Glória que Vos é devida, ó Deus infinitamente Santo.
Mas olhai para vosso Filho: é a Vítima que expia tantos pecados.”
“Fica unida a Mim, Josefa e aceita com inteira submissão todos os sofrimentos desta hora.”
Jesus parte e ela fica uma hora sob o peso daquele sofrimento.
“De repente — escreve ela — o demônio me apareceu e soltou este grito de furor:
“É minha vez agora.”
Termina a noite sob espancamentos, ameaças, blasfêmias, e Josefa esgotada não encontra forca para ir receber a comunhão. Chegou o memento em que tendo-a reduzido à extremidade de sua fraqueza e de seu nada Jesus se vai inclinar sobre ela, levantá-la, apoderar-se dela e manejá-la como se maneja instrumento perfeitamente adaptado à mão.
Na mesma manhã, quarta-feira, 22 de fevereiro enquanto refugiada em sua cela descansa um instante.
transcrevendo as orações que aprendera na noite passada, o Mestre aparece subitamente.
“Josefa. Esposa e Vítima de meu Coração — disse solenemente — Vamos falar de minha Paixão a fim de que tua alma se alimente constantemente com esta lembrança e minhas Almas encontrem onde saciar sua fome e aplacar sua sede.”
“Não ousava Interrompê-Lo — escreve ela — entretanto perguntei-Lhe se podia renovar os Votos.”
"Renova, sim. Glorifico-Me quando estreitas os laços que te unem a Mim e inundo tua alma de tantas graças, que não somente é renovada com ã pureza do dia de teus Votos, mas adquire cada vez novo grau de méritos que a tornam mais agradável a meus Olhos.
“Assim é para todas as almas que Me são unidas por esses laços estreitos e sagrados. Cada vez que os renovam, revestem-se de novos méritos e mais se aproximam de meu Coração, que delas se agrada.
“E agora. Josefa começarei por te desvendar os sentimentos que enchiam meu Coração quando lavava os pés de meus Apóstolos.
“Vê como Os reuni, a todos os Doze, sem excluir nenhum. Lá se encontravam, com efeito, João, o discípulo muito amado, e Judas que, pouco depois, havia de Me entregar aos meus inimigos.
“Dir-te-ei porque os quis reunir todos e porque comecei por lavar-lhes os pés.
Reuni-os todos, porque para a minha Igreja chegara o momento de aparecer no mundo e, para todas as orelhas, o de não terem senão um só Pastor.
“Quis também mostrar às almas que nunca Lhes recuso a minha graça, nem mesmo quando estão carregadas dos mais graves pecados, e que não as separo então daquelas que amo com predileção. Guardo-as todas no meu Coração, para dar a cada uma os socorros necessários a seu estado.
“Mas, qual não foi a minha dor ao ver, representadas pelo desgraçado Judas, tantas almas, muitas vezes reunidas a meus pés, lavadas no meu Sangue e correndo todavia à sua perdição eterna!
“Queria dar-lhes a compreender que não é pelo fato de estarem em pecado mortal que devem afastar-se de Mim. Não julguem que já não há remédio para elas e que nunca mais serão amadas como o foram outrora!.,. Não, pobres almas, não são estes os sentimentos de um Deus que derramou todo o seu Sangue por vós!
“Vinde a Mim e não temais, porque Eu vos amo! Purificar-vos-ei no meu Sangue e vos tornarei mais brancas que a neve. Os vossos pecados serão mergulhados nas águas da minha Misericórdia e não será possível arrancar do meu Coração o amor que vos tenho.
“Josefa, deixa que te invada o desejo ardente de que todas as almas se venham purificar nas águas da penitência... de que elas se entreguem a sentimentos de confiança e não de temor, porque Eu sou Deus de Misericórdia e estou sempre pronto a recebê-las em meu Coração.
Aqui termina o primeiro ditado de Nosso Senhor.
Josefa escrevera rapidamente durante uns vinte minutos. Ele fala “com tanto ardor” diz ela, que parece derramar seu Coração e se dilatar com essa expansão.
Ela recolhe aquelas ardentes palavras interrompidas apenas por alguns instantes de silêncio. (1)
Depois Ele pára. Seu Olhar fita longamente Josefa, que largou a pena e está de joelhos a seus Pés. Ele lhe deixa algumas palavras de adeus e afinal desaparece.
Ela fica um momento imóvel diante da mesinha e de seu caderno ainda aberto, mergulhada no pensamento do que acaba de ouvir e escrever. Nada relê e entrega às Superioras que estão sempre presentes, depois volta à oficina, onde o trabalho a espera. Por todo o dia se há de prolongar a recordação das dolorosas Confidências do Salvador.
(1) São essas ardentes expansões do Coração de Jesus, escritas por Josefa enquanto o Mestre falava, e traduzidas do espanhol, que se encontrarão nas páginas seguintes. Nosso Senhor não ditava propriamente mas falava com calor e Josefa transcrevia-lhe as palavras à medida que caíam dos Lábios divinos.

Aliás, ele próprio não a deixa muito tempo sem vir solicitar novas reparações para as almas em perigo.
Na mesma tarde da quinta-feira, 22 de fevereiro, no momento em que acabava a Via Sacra, vem Jesus lembrar-lhe que conta com ela.
Trata-se desta vez de três almas — “não somente muito amadas, mas preferidas de meu Coração.” — diz:
“É por elas que venho refugiar-Me aqui e buscar consolo no meio de vós... Nota bem, Josefa — acrescenta — o que o demônio disse hoje de manhã é verdade; muitas almas aqui encontram a vida.”
E precisando seu pensamento:
“Vós as atrais à verdade, almas bem-amadas de meu Coração, com vossas misérias e com vosso amor.”
Esse termo a deixa atônita:
“Sim — continua o Mestre — Aqui predominam duas coisas: a miséria e o amor. É por causa do amor que muitas almas encontram aqui a vida e é atraído pela miséria que o Olhar de Deus se cravou sobre este grupo de almas.”
Na tarde seguinte, sexta-feira, 23 de fevereiro, no fim da Via Sacra, que acaba de fazer com todas as Irmãs, Nosso Senhor se mostra.
"Estava diante da mesa da comunhão — escreve ela — Carregava a Cruz e seu Olhar nos envolvia a todas.”
“Almas queridas de meu Coração — disse — quanto consolo Me dais! Ah! se pudésseis ver! quantas maravilhas descobriríeis!... Como vossas orações se transformam em tesouro para as almas!...
“Assim dizendo aproximou-se... e me deu sua Cruz. Confiei-Lhe meus receios, porque nessas últimas noites o demônio não parara de insultar a casa, a “Sociedade”...”
“Não temas, Josefa, ele só pode ameaçar, porque vos guardo, Eu que sou onipotente. Se ele vos odeia é porque vos amo. Ah! Se soubésseis que obra importante se faz nesta casa e como trabalhais para as almas e para meu Coração...
“Mas agora — continua ele depois de ter desabafado seu Amor — meu Coração está num oceano de amargura por causa daquelas três almas que vos confiei...
“Enquanto Me ofenderem, virei buscar repouso e consolo em vós, que sois objeto de minhas Predileções...
“Confio-te minha Cruz, não Me deixes só.” Depois acrescentou:
“Amai-Me e consolai-Me.”
Josefa continua a sentir o peso doloroso da cruz que lhe foi confiada, pois o demônio explora com rancor o poder que recebera do alto nessa época.
Ela está expiando por aquelas “almas preferidas” que se deixam seduzir e compra-lhes, com lutas diurnas e noturnas, a luz que as reconduzirá à verdade.
No dia 25 de fevereiro, domingo, Jesus a encontra na sua cela pela manhã. Durante toda a noite o demônio tentara convencê-la de pecado e sua alma estava perturbada e inquieta.
“Por que temes — disse Ele com bondade — Não sabes que tua alma é aquela pombinha que tem o ninho no meu Coração? Tuas asas ainda estão bem cinzentas, é verdade, pois tens muitas imperfeições mas não são os pecados de que o demônio te acusa...
“Sim renova os Votos e beija três vezes meus Pés, estreitando cada vez mais os laços que te prendem a Mim.
“E agora, Josefa, não esqueces que não és senão instrumento muito inútil e muito miserável.
“Beija o chão e escreve... pois vamos continuar nossos segredos de amor.
“Dir-te-ei porque quis lavar os pés a meus Apóstolos antes da Ceia.
“Foi, primeiro, para ensinar às almas quanto desejo que sejam puras a fim de Me receberem na Eucaristia...
“Foi também para representar o Sacramento da Penitência, onde as que tiveram a desgraça de cair em pecado podem sempre recuperar a alvura perdida...
“Eu próprio lavei os pés dos meus Apóstolos para que, seguindo o meu exemplo, aqueles que se consagram aos trabalhos apostólicos, saibam humilhar-se diante dos pecadores e tratá.los com brandura, bem como a todas as outras almas que lhes são confiadas. Cingi-Me duma toalha para lhes mostrar que o Apóstolo deve cingir-se de mortificação e de abnegação, se quer atingir eficazmente as almas. Quis ensinar-lhes também a caridade mútua, sempre pronta a lavar as faltas do próximo, ocultando-as e não as divulgando nunca.
“Enfim, a água que derramei sobre os pés dos meus Apóstolos era a imagem do zelo ardente que consumia o meu Coração pela salvação do mundo.
Aproximava-se a hora da Redenção do gênero humano. E o meu Coração não pôde conter o seu amor pelos homens nem resolver-se a deixá-los órfãos. Então, para lhes dar provas da minha ternura e ficar com eles até à consumarão dos séculos quis tornar-Me seu Alimento, seu Amparo, sua Vida e seu Tudo.
“Ah! quanto quereria dar a conhecer a todas as almas as sentimentos do meu Coração e compenetrá-las do amor que Me abrasava, quando no Cenáculo institui o Sacramento da Eucaristia...
“Vi, através dos séculos, todas as que se alimentariam do meu Corpo, se desalterariam no meu Sangue e os frutos divinos que daí haveriam de colher...
“Em quantos corações este Sangue imaculado seria semente de pureza e de virgindade!...
“Em quantos outros, ele atearia a chama da Caridade e do zelo... Quantos mártires de amor se agrupavam, naquela hora diante dos meus Olhos e no meu Coração!... Quantas almas, enfraquecidas por numerosos pecados e pela violência das paixões, voltariam a Mim e recuperariam o seu vigor, nutrindo-se do Pão dos fortes!...
“Quem poderá penetrar os sentimentos que transbordavam em Mim então? Sentimentos de alegria, de amor e de ternura!... Mas quem poderá compreender também a amargura que invadiu o meu Coração!...
“Continuarei, Josefa. Vai-te na minha paz, consola-Me e nada receies; meu Sangue não se esgotou e é ele quem purifica a tua alma."
Jesus pára de falar.
“Adeus, beija o chão. Voltarei."
Essa volta demora muitos dias.
Cada manhã, Josefa é fiel ao compromisso mas tem que partir sem ver o Mestre e as tribulações diabólicas não cessam de perturbá-la.

 

A EUCARISTIA
1.° a 11 de março de 1923

“A Eucaristia é invenção do Amor. Mas quão poucas almas correspondem a esse Amor que se esgota e se consome por elas!”

(Nosso Senhor a Josefa — 2 de março de 1923)

A 2 de março, primeira sexta-feira do mês, pelas nove horas da manhã Josefa, diligente e ativa, dirige-se ao trabalho.
Esperara longamente o Senhor na sua cela mas ainda naquele dia não voltou. Lentamente ela escreve:
"Tinha muito que coser e estava bem contente por ter algum tempo livre... pois há horas em que me persegue a ideia de que nada faço e para nada sirvo, com todas essas coisas.”
É a tentação habitual com que o demônio procura continuamente explorar-lhe a natureza ardente e sempre disposta a dedicar-se.
“De repente, em baixo da escada de S. Miguel, encontrei Jesus que me deteve e perguntou:
“Josefa, para onde vais?”
“Vou para a rouparia, passar a ferro os uniformes, Senhor.”
“Vai à tua cela — continua ele — pois quero que escrevas.”
Josefa, sufocando na alma o desejo de adiantar sua tarefa, sobe à cela. O Mestre ali a precedera.
“Quem te criou, Josefa?”
pergunta logo que ela acabou de renovar os Votos.
“Vós, Senhor! ”
“Quem te deu mais provas de Amor do que Eu? Quem te perdoou tantas vezes quantas Eu já te perdoei e estou ainda disposto a perdoar-te?...”
Confundida, Josefa prostra-se aos Seus Pés.
"Sim, humilha-te, Josefa, beija o chão e não Me resistas mais.
“Quero revelar-lhes quanta amargura encheu meu Coração no momento da Ceia. Porque se era grande a minha alegria de Me tornar o Companheiro e o Alimento divino dos homens até à consumação dos séculos, e se via quantos Me cercariam de adoração, reparação e amor... não foi menor a minha tristeza ao ver tantos outros que Me abandonariam no Tabernáculo, ou não acreditariam na minha presença real!
“Em quantos corações, manchados pelo pecado, deveria Eu entrar... e quantas vezes a minha Carne e o meu Sangue profanados só serviriam de condenação para essas almas culpadas?
“Os sacrilégios, os ultrajes e as abominações sem nome que se cometem contra mim, passaram-me diante dos olhos naquele memento... Vi também quantas horas, dias, noites, ficaria sozinho no Tabernáculo, e quantas almas repeliriam os convites que lhes dirigiria desta morada!
“Ah! Josefa deixa-te penetrar com os sentimentos de meu Coração.
“É por amor às almas que sou Prisioneiro da Eucaristia. Ali permaneço para que possam vir com todas as suas mágoas consolar-se junto do mais terno e melhor dos pais e do Amigo que nunca as abandona.
“A Eucaristia é invenção do Amor!... E este amor que se esgota e se consome pelo bem das almas não encontra correspondência!...
“Habito entre os pecadores para lhes ser Salvação, Vida, Médico e ao mesmo tempo Remédio em todas as doenças geradas pela natureza corrompida. Em paga, eles afastam-se, ultrajam-Me e desprezam-Me!...
“Ah! pobres pecadores! Não vos afasteis de Mim!
“Noite e dia, espero-vos no Tabernáculo... Não vos censurarei os crimes cometidos não vô-los lançarei em rosto. Mas lavá-los-ei no Sangue das minhas Chagas... não tenhais medo e vinde! Não sabeis quanto Eu vos amo!...
“E vos, almas queridas, por que sois tão frias e e indiferentes ao meu Amor?... Sei que as necessidades de vossa família... de vossa casa... as exigências do mundo... vos solicitam incessantemente. Mas não tereis um instante para Me dar alguma prova de amor e gratidão?
“Não vos deixeis arrastar por mil preocupações inúteis e reservai um momento para visitar e receber o Prisioneiro de Amor!...
“Quando está vosso corpo enfraquecido ou doente não encontrais tempo para ir ao médico que há de curar-vos?,.. Vinde, pois, Àquele que pode dar à vossa alma Força e saúde e dai uma esmola de amor a este Prisioneiro divino que vos espera, chama e deseja!...
“Todos esses sentimentos invadiram-Me na hora da Ceia, Josefa. Ainda não te disse, entretanto o que sentiu o meu Coração, pensando nas minhas almas escolhidas: minhas Esposas, meus Padres...
“Dir-to-ei mais tarde. Vai-te agora e não te esqueças que meu Coração te ama... E tu, Me amas?”
Com a sua corajosa fidelidade, mais ainda que com protestos de amor, responde Josefa à pergunta do Mestre. Na noite seguinte, especialmente dolorosa, percebe no meio das blasfêmias do inferno que as três almas caras ao Coração de Jesus e pelas quais ela sofre há quinze dias estão prestes a voltar a Deus. Sente-se então reconfortada.
Na tarde do primeiro sábado do mês, 3 de março, está em adoração diante de Jesus exposto, quando Ele aparece com o Coração todo incendiado:
"Josefa - diz com ardor - deixa-Me repousar em ti, deixa meu Coração comunicar-te sua alegria: aquelas três almas que Eu te confiara voltaram a Mim!
E prossegue:
“Minha Cruz é pesada!... Eis porque venho repousar aqui e reparti-la entre minhas almas.
Meu Coração procura vítimas para conduzir o mundo ao Amor e encontro-as aqui. ”
Com que alegria Josefa se une ao júbilo do Mestre! Oferece-Lhe todos os desejos da casa que sabe serem sinceros e ardentes, a fim de consolar seu Coração e de Lhe trazer muitas almas. E como a lembrança do ditado da véspera não a deixasse, perguntou-Lhe se Ele não lhe dirá, para suas Almas consagradas, o que delas espera na Eucaristia.
“Sim — responde — quero que saibas a fim de que por ti, as almas prediletas, meus Sacerdotes, minhas Esposas o aprendam também. Se suas infidelidades me ferem profundamente, também seu amor me arrebata de tal modo o Coração que Ele esquece, por assim dizer, as ofensas de muitas almas.”
Falou-me então longamente sobre este assunto mas, como estávamos na capela, eu Lhe disse que não poderia lembrar de tudo para escrever depois”.
“Pouco importa, deixa-Me falar e desafogar o Coração.
“A próxima noite será “nossa noite” — disse ao deixá-la — “Virei descansar em ti".
Josefa não deve esquecer que é no sofrimento sobretudo que O repousa e que há muitos modos de carregar Sua Cruz; a noite decorre como as precedentes sob o poder do demônio que a persegue com as mais obsedantes tentações até à tarde do dia seguinte. Esfalfada embora, e apesar de vivas repugnâncias, continua a protestar o seu amor e a oferecer-se à Vontade do Senhor.
Na tarde de domingo, 4 de março, está acabando a Via Sacra quando lhe aparece Jesus de repente;
“Já estás perdoada, Josefa.”
Antes que ela tivesse tempo para lhe confessar suas fraquezas e sua mágoa.
“E se Me queres consolar — continua o Mestre — eis o momento. Agora, pertinho daqui, está havendo uma reunião em que sou grandemente ofendido. Põe-te em estado de vítima, de modo que possas reparar os ultrajes daquelas almas. Pobres almas!... como me ofendem!... e depois... Ah!
Como sairão dali?...”
Alguns instantes depois, Jesus a encontra na cela, onde se pusera a rezar por aquelas almas. Dá-lhe a Cruz e dirige-lhe a oração:
“Enquanto aquelas almas ofendem a vossa soberana Majestade e ultrajam com furor o Sangue de vosso Filho, permiti ó meu Pai, que Eu vos apresente esta alma que se oferece como vitima unida a meu Coração, para sofrer e reparar. Aceitai por aquelas almas ó Pai de Bondade, esses sofrimentos unidos a meus Méritos.”
Depois acrescenta:
“Deixa-Me mergulhar tua alma na amargura de meu Coração.”
E desaparece, abandonando-a à angústia e sob a cruz.
Desce a noite sobre aquele intenso padecimento que se prolonga até à volta do Mestre.
“Pelas dez horas — escreve Josefa — voltou e me disse:
“Devolve-Me a Cruz. Tu Me consolaste.” “Agradeci-Lhe por saber que O havíamos consolado um pouco e prometi nunca mais Lhe resistir... ”
“Sim, na hora e no momento que preciso de ti, vem suavizar as feridas que me causam os pecadores.
"Tu me deste de beber — acrescenta — Eu te darei parte no Reino dos Céus.”
Depois de alguns dias de interrupção, Jesus continua as Confidências, na terça-feira, 6 de Março.
“Estás à minha espera, Josefa? — pergunta, encontrando-a às oito horas da manhã.”
“Venho descobrir-te o maior Mistério do Amor... e do Amor por minhas Almas escolhidas e consagradas. Começa beijando o chão...
“No momento de instituir a Eucaristia vi todas as almas privilegiadas que se haviam de alimentar do meu Corpo e do meu Sangue e aí encontrariam, umas, remédio à sua fraqueza; outras, o fogo para consumir suas misérias e inflamá-las de amor...
“todas unidas com um mesmo fim, seriam como que um jardim fechado, onde cada uma produziria sua flor e Me recrearia com seu perfume... Eu aqueceria as que precisassem de calor e meu Corpo sagrado seria o Sol que as animaria.
Ir a a umas para Me consolar; a outras para Me esconder, e até junto de outras, para repousar...
se soubésseis, almas muito amadas, como é fácil consolar, esconder e dar repouso a um Deus!
“Este Deus que vos ama infinitamente, depois de vos libertar da escravidão do pecado, semeou em vós a graça incomparável do seu Apelo e de maneira misteriosa atraiu-vos ao Jardim das suas Delícias: o Deus que é vosso Redentor constituiu- se vosso Esposo.
“Alimenta-vos, Ele mesmo, com seu Corpo puríssimo e vos dessedenta com seu Sangue.
"Se estais doente, é vosso Médico; vinde a ele; curar-vos-á. Se tendes frio, vinde a ele; aquecer-vos-á. Nele achareis descanso e felicidade. Não vos afasteis, pois, dEle que é a Vida; e quando Vos pedir consolo, não O magoeis com recusas...
“Ah! que amargura, ver tantas almas inundadas de graças de eleição tornarem-se para meu Coração motivo de tristeza!
“Não sou Eu sempre o mesmo? Acaso mudei para vós... Não, meu Amor é imutável e até o fim dos séculos vos amarei com predileção.
"Se estais cheias de miséria, já o sei e meu terníssimo Olhar não se aparta de vós; pelo contrário, espero com ânsia que venhais a mim, não só para aliviar as vossas misérias mas para vos encher de novos benefícios.
"Se vos peço Amor, não mo recuseis: é tão fácil amar Aquele que é o próprio Amor!
“Se exijo alguma coisa que custe à vossa natureza, dou-vos ao mesmo tempo a graça e a Força necessária para vos vencerdes.
“Escolhi-vos para encontrar em vós consolo.
Deixa-Me, pois, entrar em vossa alma e, se nada vendes que seja digno de Mim, dizei com humildade e confiança: "Senhor, conheceis as flores e os frutos de meu jardim. Vinde e dizei-me o que devo fazer para que desde já cresça a flor que desejais."
"À alma que assim Me falar com verdadeiro desejo de Me dar provas do seu amor, Eu responderei: “Alma caríssima se queres que teu jardim produza a flor de que gosto, deixa que Eu próprio o cultive... deixa-Me lavrar essa terra... deixa-Me arrancar as raízes que me estorvam e que tu não tens coragem para tirar!
"Se te peço sacrificares teus gostos ou teu caráter... tal ato de caridade. de paciência ou de abnegação, tal prova de zelo, de obediência ou de mortificação, isso é o adubo que fertilizará o solo, permitindo-lhe produzir flores e frutos: a vitória que alcançares sobre ti mesma dará luz a um pecador, um aborrecimento suportado com alegria, cicatrizará as feridas que Ele me causou, reparará a ofensa e expiará a falta... Uma observação aceita com paz e até com alegria, obterá para as almas, cegas pelo orgulho, a graça de deixarem penetrar luz em si e de pedirem humildemente perdão.
“Farei isto em tua alma se nela me deixares em liberdade. Então, nela crescerão flores, rapidamente, e serás o consolo de meu Coração. Estou à busca de consolo e quero encontrá-lo em minhas Almas escolhidas...
"-Senhor, bem sabeis que eu estava pronta a deixar-Vos fazer de mim tudo o que Vos aprouvesse... Mas ai! não sei como caí e Vos desagradei!... Ainda me perdoareis, a mim que sou tão miserável e para nada posso servir?...
“— Sim, alma caríssima, as tuas próprias quedas servem para Me consolar. Não desanimes, pois o ato de humildade que a falta te obrigou a fazer consolou-Me mais do que se não tivesses caído. Coragem! Para a frente... deixa-Me trabalhar em ti.”
“Eis tudo o que vi no momento de Instituir a santa Eucaristia. O Amor inflamava-Me no desejo de ser alimento dessas almas, porque se estou com os homens não é só para viver com os perfeitos, mas para amparar os fracos e alimentar os pequenos.
“Fá-los-ei crescer e os fortificarei. Acharei consolo em seus bons desejos e repousarei nas suas misérias.
“Mas aí entre essas almas não haverá algumas que serão para Mim motivo de sofrimento?...
E perseverarão todas?... Eis o brado de dor que escapa de meu Coração... o gemido que quero fazer ouvir às almas.
“Mas basta, por hoje. Adeus. Josefa tu Me consolas quando te entregas a Mim com inteiro abandono... Deixa-Me dizer-te para as almas, os meus Segredos, pois não lhes posso falar todos os dias assim. Deixa-Me aproveitar os dias da tua vida.”
Na manhã seguinte, quarta-feira, 7 de março, a dolorosa queixa de seu Amor assim se ouve:
“Beija humildemente o chão.” diz.lhe como sempre, Ela se Lhe prostra aos pés e depois se ergue. Jesus começa a falar:
"Escreve o que sofreu o meu Coração naquela hora em que não podendo conter o logo que me consome, inventei esta maravilha de Amor que é a Eucaristia. Contemplando então todas as almas que se alimentariam do Pão divino, vi ao mesmo tempo as ingratidões de tantas almas consagradas...
de tantos sacerdotes... e que tristeza para meu coração! Vi as que pouco a pouco, se haviam de abandonar à rotina... e pior ainda... ao fastio, ao tédio e a tibieza!...
"E no entanto estou no tabernáculo toda a noite e espero essa alma... Desejo ardentemente que Me venha receber... que Me exponha suas penas, suas tentações, seus sofrimentos... que Me peça conselho e solicite a graça de que precisa para si ou para outrem. Talvez tenha ela a seu cargo ou na sua família almas em perigo e afastadas de Mim?...
“Vem, digo-lhe, fala-Me de tudo com inteira confiança. Interessa-te pelos pecadores... Oferece-te para reparar... Promete-Me que hoje não Me deixarás sozinho...
“... Depois pergunta se meu Coração não deseja alguma coisa mais de ti para O consolar...
“Eis o que Eu esperava dessa alma e de muitas outras... Mas, ao receber-Me, mal Me diz uma palavra... está distraída, cansada, absorvem-na os negócios... preocupa-a a família... o próximo a importuna... a saúde a aflige... E não sabe o que Me dizer... está fria, aborrece-se e tem pressa em retirar-se.
“É assim que Me recebes. Alma que Eu escolhi e que esperei durante a noite inteira?...
“Sim, esperava-a para nela repousar e aliviar-lhe as inquietações.
“Tinha-lhe preparado novas graças; mas ela nem sequer as deseja!... Nada Me pede, nem conselho, nem Força... queixa-se, mas sem se dirigir a Mim!... Parece que só veio cumprir uma formalidade ou por costume... porque nenhuma falta, grave a impede de vir... Não é o amor que a impele nem o verdadeiro desejo de se unir intimamente a Mim. Não, esta alma não tem as delicadezas que meu Coração dela esperava.
“E aquele Sacerdote? Ah! como hei de dizer o que espero de cada um de meus sacerdotes... Revestí-os com meu Poder a fim de que perdoassem às almas... Pus-Me à disposição deles: obedeço à sua palavra que Me fez descer do céu à terra! Entrego-Me nas suas mãos, para Me encerrarem no Tabernáculo ou para me darem na comunhão...
São, por assim dizer, meus Dispensadores... Confio-lhes almas a fim de que pela pregação, pela direção e sobretudo pelo exemplo as guiem e as conduzam pelo caminho da virtude.
“Correspondem todos a este Apelo?...
“Desempenham todos a sua missão de Amor?
"Hoje ao altar, o meu Padre saberá confiar-Me as almas de que o encarreguei?... Reparar as ofensas que recebo e que ele ouviu em confissão?... Pedir-Me Força para cumprir santamente seu ministério?... zelo para trabalhar na salvação das almas?... Saberá sacrificar-se hoje mais que ontem? Dar-Me-á todo o amor que dele espero, e poderei Eu repousar nele como no meu caro e bem-amado discípulo?...
“Ah! que dor aguda para o meu Coração quando me sinto forçado a dizer: “As almas do mundo ferem-Me as Mãos e os Pés e mancham-Me a Face. Mas as Almas escolhidas, as minhas Esposas, os meus Sacerdotes despedaçam e rasgam meu Coração... Quantos Sacerdotes depois de terem restituído a graça a muitas almas estão, eles próprios, em estado de pecado!... Quantos assim celebram, assim Me recebem... vivem e morrem assim!
“Esta foi a dor que Me traspassou no momento da Ceia quando vi, entre os Doze, o primeiro Apóstolo infiel... e por detrás dele, tantos outros, na sequência dos séculos!...
“A Eucaristia é invenção do Amor. É Vida e Força das almas, Remédio para todas as fraquezas, Viático para a passagem do tempo à eternidade.
“Nela os pecadores encontram vida para suas almas... os tíbios, calor verdadeiro... os fervorosos, repouso e saciedade para seus desejos, os perfeitos, asas para se elevarem à maior perfeição... as almas puras, mel dulcíssimo e o mais delicado alimento...
“Na Eucaristia, as almas consagradas acham sua morada permanente, seu amor e sua vida.
“Ali procuram também a imagem dos Votos religiosos, laços sagrados e benditos que as unem inseparavelmente ao Esposo divino.
“Sim, almas consagradas, achareis perfeito símbolo de vosso Voto de Pobreza na pequenina Hóstia redonda e fina, lisa e leve.
Assim deve ser a alma que fez voto de pobreza nela não há ângulos, isto é, não tem afeições mesquinhas, nem aos objetos de que se serve, nem ao ofício que exerce, nem à família ou à pátria. Está sempre pronta a deixar, largar, mudar... Nada a prende à terra, é um coração livre, sem apegos secretos...
“Isso não quer porém dizer que esse coração deva ser insensível, não! Quanto mais amar, tanto mais integralmente saberá guardar o Voto de Pobreza. O essencial para a alma religiosa é: primeiro, nada possuir sem permissão ou aprovação dos Superiores; segundo, nada ter nada amar sem que esteja disposta a tudo deixar, tudo abandonar ao primeiro sinal.
“Dir-te-ei o resto de outra vez Josefa”.
Passam-se mais alguns dias sem lenitivo algum para seu áspero caminho. Parece-lhe muitas vezes ceder às objurgações do inimigo e receia ter ofendido ao Mestre.
“Cheguei a perder uma comunhão” — escreve dolorosamente.
No domingo de Laetare, 11 de março, Jesus voltou trazendo-lhe a certeza de seu perdão.
“Põe minha Coroa e nada receies — diz — a Misericórdia de Deus é infinita e nunca recusa perdão aos pecadores, mormente quando se trata de uma pobre criatura como tu.”
Depois, aludindo à comunhão que ela perdera:
“Se soubesses como te esperava e como desejava que me escondesses em teu coração!”
Josefa não acha palavras para fazê-Lo esquecer aquela mágoa.
“Vais reparar — responde o Senhor com bondade indizível — preparando-te hoje com desejo ardente de Me receber amanhã.
Meu Coração achará consolo cada vez que lhe repetires teu desejo. E depois — continua — espírito de fé e obediência cega, sempre.
“Mas basta. Já estás perdoada e meu Coração tudo esquece. Continua agora a escrever para minhas Almas.
“Dize-lhes que poderão descobrir também na pequenina Hóstia branca imagem perfeita do Voto de Castidade. Sob as espécies de Pão e Vinho esconde, se aí a Presença real de um Deus. Sob esse véu aí estou todo inteiro, Corpo, Sangue, Alma e Divindade.
“Assim a alma consagrada a Jesus Cristo pelo Voto de Virgindade deve cobrir-se com um véu de modéstia e de simplicidade, de modo que, sob aparências humanas, se esconda pureza semelhante à dos anjos.
“E, compreendei bem, almas que formais a Corte do Cordeiro Imaculado, a glória que assim Me dais sobrepuja incomparavelmente a que Me rendem os espíritos angélicos. Pois eles não conheceram as fraquezas da natureza humana e não tiveram que lutar nem que vencer para se conservarem puros.
“Vós vos aparentais também à minha Mãe, criatura mortal, mas no entanto de pureza sem mácula; sujeita a todas as misérias humanas e, no entanto, imaculada em todos os instantes de sua vida.
“Ela sozinha Me glorificou mais que todos os espíritos celestes; e o próprio Deus. atraído por essa pureza, nela se fez carne e habitou na sua criatura.
“Mais ainda, a alma que Me é consagrada pelo Voto de Castidade torna-se semelhante a Mim seu Criador tanto quanto é possível à criatura, pois, tendo-Me revestido da natureza humana com as suas misérias, vivi sem a menor sombra de mancha.
“E’ assim que, pelo Voto de Castidade, a alma se torna Hóstia branca e pura que dá incessantemente glória à Majestade divina.
“Almas religiosas achareis enfim na Eucaristia modelo para vosso Voto de Obediência."
“Aí estão escondidos e aniquilados a grandeza e o poder de um Deus. Aí podeis contemplar-Me como que sem vida, Eu que sou a Vida das Almas e o Sustentáculo do mundo. Aí não sou mais capaz de ir ou de ficar, de estar só ou rodeado: Sabedoria, Poder, Liberdade, tudo desaparece sob essa Hóstia... As espécies do Pão são laços que Me encadeiam e o véu que Me encobre. Assim o Voto de Obediência é para a alma religiosa a corrente que a prende e o véu sob a qual deve desaparecer a fim de não ter mais nem vontade, nem juízo, nem escolha, nem liberdade senão o Beneplácito de Deus manifestado por seus Superiores.”
Nosso Senhor se detém, afinal, depois desse longo ditado e Josefa deixa falar o coração.
“De manhã houve a cerimônia da primeira comunhão — escreve — e lembrei-Lhe o consolo que devia ter encontrado nas alminhas puras e inocentes.
O Coração parecia dilatar-se-lhe com esta lembrança.”
"Sim — respondeu com bondade — é nestas almas e nas almas de minhas Esposas que me refugio para esquecer as ofensas do mundo.
“As crianças são para meu Coração como flores em botão em que procuro abrigo. Quanto às minhas Esposas, escondo-me e repouso nelas, pois são rosas abertas que Me defendem com seus espinhos e Me consolam com seu amor.
“Tu, Josefa, florinha fragílima, dá-Me esse amor, Prepara-te para acompanhar-Me ao Getsêmani.
“Ali te ensinarei a sofrer e te fortificarei com o suor de sangue que os pecados das almas extraíram de Mim.
“Por enquanto, consola-Me com o desejo de Me esconder em teu Coração. Repararás assim a comunhão perdida.
“Adeus. Não te esqueças de Mim. Deseja-Me como Eu te desejo... Ama Me como Eu te amo... procura-Me como Eu te procuro.., Vês que nunca te abandono.

 

GETSÉMANI
12 — 15 de março de 1923

"... Permanece a meu lado no Getsêmani e deixa que meu Sangue regue e fortifique a raiz de tua pequenez.”

(Nosso Senhor a Josefa - 12 de março dc 1923.)

No dia seguinte, segunda-feira, 12 de março, Nosso Senhor convida Josefa ao Getsêmani. Mas primeiro tranquiliza-a, pois as ameaças do inimigo se haviam multiplicado, durante toda a noite precedente, contra a comunhão tão ardentemente desejada na véspera.
“— Nada temas — repete — O poder do demônio não está acima do Meu. Agrada-Me que Me chames e recebo tanto consolo que cada desejo de teu coração é como que uma comunhão por tantas almas que não Me recebem.
“Humilha-te, beija o chão e depois vem a Mim... vamos ao Getsêmani e encha-se tua alma com os sentimentos de tristeza e amargura que inundaram a Minha.
“Depois de ter pregado às multidões, curado doentes, restituído vista aos cegos, ressuscitado mortos... depois de ter vivido três anos no meio de meus Apóstolos para formá-los e ensinar-lhes minha doutrina... acabei finalmente por lhes mostrar com meu exemplo, a se amarem e a se suportarem mutuamente, a praticarem caridade uns para com os outros, lavando.lhes os pés e tornando-me seu alimento.
“Era chegada a hora em que o Filho de Deus feito homem, Redentor do gênero humano, ia derramar o Sangue e dar a Vida pelo mundo.
“Foi então que quis por-Me em oração e entregar-Me à Vontade de meu Pai.
“Almas caríssimas! Aprendei do vosso Modelo que a única coisa necessária, quaisquer que sejam as revoltas da natureza, é entregar-vos e sacrificar-vos humildemente com um ato supremo da vontade, ao cumprimento da Vontade de Deus, seja em que circunstância for.
"Aprendei dele também que toda ação importante deve ser precedida de oração e por ela vivificada, pois é na oração que a alma alcança fortaleza para as horas difíceis.
“É por ela que Deus se comunica, aconselha e inspira, mesmo sem que a alma o sinta.
“Retirei-Me ao Jardim de Getsêmani, isto é, à solidão. Assim a alma há de procurar a seu Deus, longe de tudo, dentro de si mesma. Para O encontrar há de impôr silêncio a todas as agitações da natureza, tantas vezes em luta contra a graça. Há de fazer calar os raciocínios do amor próprio ou da sensualidade, que procuram abafar as inspirações da graça e se opõem ao encontro de Deus...
“Tomei comigo três dos meus discípulos para ensinar que as três potências da alma devem acompanhar-nos na oração.
“Recorde-vos a vossa memória as Perfeições e os Benefícios de vosso Deus, sua Misericórdia, seu Amor, seu Poder, sua Bondade. O vosso entendimento procure os meios de corresponder a tantas graças maravilhosas que multiplicou para vós. A vossa vontade fortaleça-se com o desejo de fazer mais e melhor por Ele... de trabalhar pela salvação das almas, quer no labor apostólico, quer no silêncio e na oração de uma vida humilde e oculta.
“Submetei vossa vontade à Sua... Adorai seus Desígnios para convosco, sejam quais forem... e todo o vosso ser se prostre como convém à criatura diante do Criador...
“Foi assim que Eu Me ofereci para realizar a obra da Redenção do mundo.
“No mesmo instante vi cair sobre Mim todos os tormentos da minha Paixão, as calúnias e os insultos... os açoites e a coroa de espinhos... a sede... a cruz... todas estas dores Se acumularam diante dos meus olhos e ao mesmo tempo a multidão de ofensas, de pecados e de crimes que se cometeriam no decurso dos séculos. Não somente os vi, mas senti_Me revestido de todos esses horrores...
"E sob este fardo de ignomínias, apresentei-Me a meu Pai Santíssimo para implorar Misericórdia. Então senti precipitar-se sobre Mim a Cólera de um Deus ofendido e irritado e ofereci-Me como fiador. Eu, seu Filho, para aplacar sua ira e satisfazer à sua Justiça.
“Mas, sob o peso de tantos crimes, experimentei na minha natureza humana tal angústia e tão mortal agonia que todo o meu corpo ficou coberto com um suor de Sangue.
“Ó pecadores, que Me fazeis sofrer assim... dar- vos-á este Sangue salvação e vida? ou ficará perdido para vós?.., Como exprimir minha dor, pensando neste suor, nestas angústias, nesta agonia, neste sangue... inúteis para tantas e tantas almas!...
Ficaremos por aqui hoje, Josefa. Consola meu Coração! Amanhã continuaremos.
“Adeus! Fica a meu lado no Getsêmani e deixa que meu Sangue regue e fortifique a raiz da tua pequenez”.
Como consegue, Josefa, depois de efusões como estas, do Coração do Mestre, entrar novamente na vida ordinária? Podemos vê-la, no entanto, sempre a mesma, a trabalhar da manhã à noite. Só uma graça evidente a pode manter presente a tudo, enquanto carrega dentro de si o peso das confidências divinas.
Na noite de 12 para 13 de março, Jesus volta com a Cruz. Usa dos direitos confirmados pela obediência. E enquanto lhe lembra sua indignidade, confia-lhe o tesouro de sua união com ele.
“Repouso.Me na tua pequenez — diz — mas também acho consolo e alívio no meio de minhas Esposas, pois sem que o percebam também lhes confio almas que se salvam e voltam a Mim!...
“Guarda a minha cruz e amanhã dir-te.ei meus Segredos!...”
A noite termina com o padecimento habitual dos assaltos diabólicos e pela manhã Jesus continua sua narrativa:
“Beija o chão — recomenda, logo no princípio, à sua Mensageira, pois gosta de vê-la pequenina a seus Pés.
— Não são teus méritos que Me atraem, mas o amor das almas.
Sim — continua Jesus — aqui estou. Venho revelar, te os sentimentos de Meu Coração, mas também repousar-Me no meio de vós. Ah! que alegria Me dão as almas que sabem receber-Me com júbilo... porque as visito ora para consolá-las, ora para nelas procurar consolo. Mas elas nem sempre Me reconhecem, mormente quando têm que sofrer.
“E agora continuemos nossa oração em Getsêmani.
“Aproxima-te de Mim e quando Me vires submerso num oceano de tristeza, vem comigo procurar os três discípulos que deixei a alguma distância.
“Tinha-os escolhido para repousar ao pé deles, associando-os à minha Prece e à minha Angústia.
“Como dizer o que sofreu o meu Coração quando, indo procurá-los os encontrei adormecidos? Que mágoa para quem ama, ver-se só e sem poder confiar nos seus!...
“Quantas vezes meu Coração sofre com esta dor... e quantas vezes procurando alivio junto de suas Almas escolhidas, as encontra adormecidas!...
“Em vão tento despertá-las, arrancá-las a si mesmas e às preocupações pessoais, aos entretenimentos inúteis e frívolos... Muitíssimas vezes respondem-Me, com atos, se não com palavras:
“Agora não posso... tenho muito que fazer... estou muito cansada... preciso de um pouco de sossego”.
“Então insistindo suavemente, digo a essa alma:
“Vem um momento, vem orar comigo, agora é que tenho necessidade de ti, não receies sacrificar esse descanso por Mim, pois serei Eu tua recompensa... E recebo a mesma resposta!... Pobre alma adormecida, que não pode velar uma hora comigo!...
"Aprendei também aqui, almas queridas, como é inútil e vão procurar alívio junto das criaturas.
Ao pé delas, muitas vezes não encontrareis senão acréscimo de sofrimento, pois estão dormindo e não respondem nem à vossa expectativa, nem ao vosso amor.
"Voltando depois à minha oração, prostrei-Me de novo, adorei o Pai e implorei-Lhe socorro...
Não Lhe disse: “Meu Deus” mas Meu Pai". Quando vosso coração sofre mais, deveis também chamar a Deus vosso Pai. Suplicai-Lhe que vos ajude, expondo-Lhe os vossos sofrimentos... os vossos temores... os vossos desejos... e, com os gemidos da vossa dor, recordai-Lhe que sois sua filha.
“Dizei-Lhe que vosso corpo está extenuado...
que vosso coração está opresso até à morte... que vossa alma parece experimentar o suor de sangue... Orai com confiança de filha e esperai tudo daquele que é vosso Pai. Ele próprio vos consolará e vos dará a Força necessária para atravessar a tribulação ou o sofrimento, seja este vosso ou das almas que vos são confiadas.
Minha alma triste e desamparada ia sofrer angústia ainda mais mortal, pois sob o peso das iniquidades dos homens e em troca de tanto padecimento e de tanto amor só via Eu ultrajes e ingratidões.
“O sangue que escorria por todos os meus poros e que daí a pouco havia de jorrar de todas as minhas feridas seria inútil para muitíssimas almas... muitas se perderiam... outras, em maior número, Me Ofenderiam... e grandes multidões nem sequer Me conheceriam. Eu derramaria meu Sangue por todas e meus Méritos seriam oferecidos a cada uma... Sangue divino! Méritos infinitos!.., inúteis entretanto para tantas e tantas almas!...
"Sim, por todas derramaria meu Sangue e todas seriam amadas com grande Amor... Mas para algumas quanto seria mais terno, mais delicado, mais ardente este amor... Dessas almas escolhidas esperava Eu mais consolo e amor, mais generosidade e abnegação... em uma palavra, mais correspondência às minhas Bondades... Más ai! Quantas vi, naquele momento, desviarem-se de Mim... fecharem umas os ouvidos à minha voz... outras ouvirem-na sem a seguirem... outras, corresponderem por algum tempo, com certa generosidade mesmo, ao Apelo de meu Coração, depois adormecerem pouco a pouco, e um dia chegarem a dizer-me por suas obras; “Já trabalhei bastante... fui fiel aos pormenores de minhas obrigações... dominei minha natureza... vivi na abnegação... agora preciso de um pouco mais de liberdade, já não sou criança... Tantas privações.,., tanta vigilância, não são mais necessárias... bem posso largar tal coisa que me incomoda... etc.
"Pobre alma! Começas então a adormecer?...
Dentro em pouco voltarei e, no teu sono, não me ouvirás!... Virei oferecer-te minha Graça e não a receberás... Terás algum dia força para despertar?...
Não é para temer que, tendo ficado por longo tempo sem alimento, te enfraqueças e não possas mais sair de tua letargia...
Almas que amo, sabei que muitos foram surpreendidos pela morte no meio de profundo sono!...
Onde e como acordaram?... Tudo isso estava diante de meus Olhos e de meu Coração. Que fazer?... recusar?
Pedir ao Pai que Me livrasse dessa angústia?... Representar-lhe a inutilidade de meu Sacrifício para tantas almas?... Não! Submeti-Me novamente à sua Vontade santíssima, aceitei o Cálice para esgotá-lo até o fim.
“Assim procedi para ensinar-vos a não recuar diante do sofrimento. Nunca o julgueis inútil, mesmo se não virdes o seu resultado; submetei o vosso juízo e deixai que a Vontade divina opere e se cumpra em vós.
“Eu não quis recuar nem fugir e, sabendo que ali, naquele Jardim, viriam prender-Me os inimigos, de lá não arredei pé.
“Amanhã continuaremos, Josefa. Fica à minha disposição, para que te encontre acordada se tiver necessidade de ti”.
Uma hora se escoou no silêncio da pequena cela.
Josefa, sempre de joelhos, escrevera sem cessar, pára.
enfim, e o Mestre baixa o Olhar sobre ela:
“Beija meus Pés — diz — e fica na minha Paz.
Estou sempre contigo, mesmo quando não Me vês”.
Desaparece, mas não por muito tempo e na manhã de quarta-feira, 14 de março, sem preâmbulo algum, prossegue:
Depois de ter sido reconfortado pelo Enviado de meu Pai, vi que se aproximava Judas, um dos meus doze Apóstolos e atrás dele vinham os que haviam de apoderar-se de Mim.
“Estavam armados com bordões e pedras, traziam correntes e cordas para me prender e amarrar.
“Levantei-Me e indo-lhes ao encontro, disse, lhes: “A quem procurais?”
“Então Judas, pondo as mãos sobre os meus Ombros, beijou-Me! Ah! Judas, que fazes e que significa este ósculo?
“A quantas almas não posso Eu dizer também.
“Que fazeis? Por que me atraiçoais com um ósculo?”
“Alma que amo, que acabas de Me receber, que Me repetes os protestos do teu amor... mal sais da minha presença, logo Me entregas aos meus inimigos... Bem sabes que nessa reunião que te atrai, há conversas que Me ferem e tu, que Me recebeste pela manhã e Me receberás talvez no dia seguinte, perdes ali a brancura preciosa de minha Graça!...
“Por que levas adiante esse negócio que te enegrece as mãos?... direi a outra: Não sabes que não é licito o modo por que adquires essa fortuna, como te elevas a essa posição e como procuras esse bem-estar?...
“Tu Me recebes e Me beijas como judas... depois, daí a alguns instantes, ou quando muito, dai a algumas horas, és tu mesmo quem dás sinal aos meus inimigos para que me reconheçam e se apoderem de Mim!
“Também Me dirijo a ti, alma cristã, que Me atraiçoas com essa amizade perigosa. Não só Me acorrentas e Me lapidas, mas és causa de que outra me atraiçoe também. Por que Me entregas assim?... tu que Me conheces! e que mais de uma vez te tens gloriado da tua piedade e da tua caridade?... Sem dúvida, poderias recolher com elas grande mérito mas na realidade, que são elas senão véu que encobre tua malícia?...
“Amigo, por que vieste?... Judas! com um beijo traíste o Filho de Deus, teu Mestre e teu Senhor! Aquele que te ama e está pronto a te perdoar ainda!... tu, um dos meus Doze!... um dos que se sentaram à minha Mesa e aos quais lavei Eu próprio os pés.
“Quantas vezes posso e devo falar assim às almas mais caras a meu Coração!...
“Alma querida! porque te deixas arrastar por essa paixão?... Porque lhe deixas campo livre?...
Não está sempre em teu poder te livrares dela, mas só te peço combatê-la, lutar e resistir-lhe... Que são os prazeres momentâneos?... senão os trinta dinheiros por que Judas Me vendeu e que só serviram pára perdição?
“Quantas almas Me têm vendido e Me venderão ainda pelo preço vil de um deleite passageiro... Ah! pobres almas!... A quem procurais?... A Mim?... A este Jesus que conheceis e que amáveis?
“Deixai que vos diga esta palavra: “Vigiai e orai!”
“Sim, trabalhai sem descanso a fim de que vossos defeitos e vossas más inclinações não cheguem a se transformar em hábitos.
“A erva dos campos deve ser ceifada todos os anos e, até mesmo, em cada estação. É preciso lavrar a terra para fortificá-la e arrancar; incessantemente as ervas daninhas.
“Do mesmo modo, a alma deve vigiar endireitar com cuidado as suas tendências defeituosas.
Nem sempre é uma falta grave que abre caminho a desordens piores. O ponto de partida das maiores quedas é frequentemente pouca coisa: um pequeno gozo, um momento de fraqueza, um consentimento, talvez lícito, mas pouco mortificado, um prazer legítimo em si, mas que não convém...
“Tudo isto aumentando e multiplicando-se, a alma vai caindo na cegueira, a graça tem menos preponderância, a paixão se fortifica e afinal triunfa!
“Ah! Como é triste para o Coração de Deus, cujo Amor é infinito, ver tantas almas aproximarem-se insensivelmente do abismo!
“Fiquemos aqui, hoje, Josefa. Não esqueças - que não são teus méritos que atraem meu Coração, mas tua miséria e a compaixão que tenho de ti.”
A noite seguinte já está adiantada quando Josefa acorda ao Apelo do Mestre. Traz-lhe a Cruz, como ajustara com ela e só lhe diz o seguinte:
“Toma a Cruz e nada temas. Nunca ultrapassará tuas forças, pois medi-a e pesei-a na balança do Amor. Ah! sabes quanto te amo e quanto amo as almas... É por elas que Me sirvo de ti, pois embora sejas muito pequena e pouco valhas, utilizo tua pequenez conservando-te unida a Meus Méritos e a meu Coração.
“Fica com rainha Cruz e sofre pelas almas por amor de Mim.”
Q padecimento noturno, tão caro ao Coração de Jesus quanto ao de Josefa, continua até à madrugada. É assim que o Senhor prepara o encontro ao qual não faltará durante muitos dias seguidos.
Na quinta-feira, 15 de março, festa das Cinco Chagas, mal chega ela à sua cela, o Senhor se aproxima:
“Beija o chão e humilha-te”.
É o ato, que, em cada visita, há de colocá-la entre as Mãos divinas.
“Disse-te, Josefa, como as almas que Me ofendem gravemente, Me entregam aos inimigos, a fim de que Me levem à morte, ou antes, são elas que se tornam inimigas e a arma de que se servem contra Mim é o pecado.
"Não se trata porém sempre de grandes quedas... Há também almas e almas de eleição, que Me atraiçoam por suas faltas habituais, suas más inclinações não combatidas... suas condescendências com a natureza imortificada, suas faltas de caridade... de obediência... de silêncio etc.... E se meu Coração sofre com os pecados e a ingratidão do mundo, quanto mais, se são ofensas vindas de almas muito amadas!... Se o beijo de Judas Me causou tanta dor foi justamente por, ser dos meus doze e que dele, como dos outros, esperava Eu mais amor, mais consolo, mais delicadeza!
“Ó vós, que esçolhi para lugar de meu repouso e jardim das minhas Delícias, de vós também espero muito mais amor, ternura, delicadeza, que de outras que não Me são tão intimamente unidas!...
“Sede o bálsamo que cicatriza as minhas Feridas, enxugai minha Face manchada e desfigurada... ajudai-Me a esclarecer às almas cegas que, na escuridão da noite, Me prendem e Me amarram para Me conduzirem à morte.
“Não Me deixeis só... Acordai e vinde, porque se aproximam os meus inimigos!... Quando os soldados avançaram para Me prender, disse-lhes:
“Sou Eu! É a palavra que repito à alma que se acerca do perigo e da tentação:  "Sou Eu sim. Sou Eu!” Tu vens para Me trair e me entregar". “Não importa! Vem pois sou teu Pai e se quiseres, ainda estás a tempo: perdoar-te-ei... E em vez de Me amarrares tu, com teus pecados, Eu é que te prenderei com os laços do meu Amor.
“Vem, sou Aquele que te ama. Aquele que derramou todo o Sangue por ti!... Tenho compaixão de tua fraqueza e espero-te com desejo ardente de te acolher em meus Braços!,..
"Vem, alma de minha esposa, de meu Sacerdote... Sou a Misericórdia infinita. Não te hei de castigar... Não te hei de repelir... mas abrir-te-ei meu coração e te amarei com mais ternura ainda...
Lavarei tuas manchas no Sangue de minhas Chagas.
Tua beleza recobrada causará admiração ao céu e meu Coração repousará em ti.
“Ah! que tristeza, quando depois de um  apelo destes a almas cegas e ingratas, elas Me ligam e Me conduzem à morte.
"Depois de Me ter dado o beijo da traição, Judas saiu do Jardim, e compreendendo o alcance de seu crime, caiu no desespero.
“Quem poderá calcular a minha Dor quando vi meu Apóstolo correr para a perdição eterna?...
“Entretanto soara a hora e, dando, inteira liberdade aos soldados, entreguei-Me com docilidade de cordeiro.
“Arrastaram-Me logo à casa de Caifaz onde fui recebido com zombarias e insultos, onde um dos criados Me deu a primeira bofetada!
“A primeira bofetada!... Compreende isto bem, Josefa; acaso Me fez sofrer mais que os golpes da flagelação?... Não, mas nesta primeira bofetada Eu vi o primeiro pecado mortal de tantas almas que tinham, vivido até então na minha graça....
"E depois, do primeiro... quantos outros!... e quantas almas, arrastadas pelo exemplo ao mesmo perigo!... Talvez à mesma desgraça: à desgraça de morrer em pecado!...
“Amanhã, continuaremos. Enquanto esperas passa o dia reparando e rezando, a fim de que muitas almas compreendam onde as conduz o caminho que estão seguindo”.
A vinda da Santíssima Virgem e o dom das preciosas gotas de sangue cuja história já foi contada acima, completaram a festa das Cinco Chagas. Entretanto, naquela tarde, Maria não se demora perto da filha e respondendo a um desejo timidamente manifestado diz:
“Voltarei e então Me perguntarás o que quiseres".

 

O ABANDONO DOS SEUS
16 de março de 1923.

"Farei ouvir a minha Queixa aos Apóstolos de então, às Almas eleitas de boje."

(Nosso Senhor a Josefa — 16 de março de 1923)

Na manhã de sexta-feira, 16 de março, o Senhor precede à sua Mãe e Josefa Lhe agradece o insigne favor da véspera.
“Se fores fiel em amar-Me — responde — não hei de ser infiel em consolar-te? Preparo-te outra prova de amor. Recebeste ontem algumas gotas do Sangue de meu Coração, Josefa hoje participarás na dor de meus Cravos...
Deixar-te-ei também a minha Cruz a fim de que a carregues pelo dia afora e que teu Amor Me console. Eu te sustentarei, pois não cesso de te amar. Vê quantas provas te dou. Dar-te-ei mais ainda, até o dia em que te levar comigo para o céu.
“Agora continua a escrever para minhas almas:
'Meus Apóstolos Me abandonaram... Só Pedro, levado por curiosidade, se disfarçou no meio dos criados.
“Em volta de Mim apenas falsas testemunhas que acumulavam mentiras sobre mentiras para a içar a raiva dos juízes iníquos. Os mesmos lábios que outrora tanto aclamaram meus milagres, tornam-se hoje meus acusadores. Chamam-Me perturbador, profanador do sábado, falso profeta, e a soldadesca excitada por essas calúnias profere contra Mim gritos e ameaças.
“Aqui farei ouvir um Apelo aos meus Apóstolos de então, às minhas Almas escolhidas de hoje.
Onde estáveis, Apóstolos e Discípulos, testemunhas de minha Vida; dos meus Ensinamentos, dos meus Milagres?... Ai! de todos aqueles que Me deviam alguma prova de amor, nenhum ali está para Me defender. Estou só, acusado dos mais abomináveis crimes cercado de soldados que, como lobos vorazes, querem devorar-Me... todos Me maltratam... um Me bate na Face... outro cospe em Mim a sua saliva imunda, aquele Outro expõe-Me ao escárnio!...
"Enquanto meu Coração se oferece a todos esses suplícios para livrar as almas da escravidão do pecado; Pedro, constituído por Mim, Chefe da Igreja .. Pedro que poucas horas antes prometera seguir-Me até á morte... Pedro que tem ocasião - A de dar testemunho de Mim, responde a uma simples pergunta com uma negação. E como a pergunta é repetida e o temor se apodera cada vez mais dele, jura que nunca Me conheceu e que jamais fora meu Discípulo!...
“Ah! Pedro, juras que não conheces teu Mestre!... E não só juras, mas pela terceira vez O renegas com horríveis imprecações...
Almas escolhidas. Medistes quão dolorosa é para meu Coração que arde e se consome de Amor ver-se renegado pelos Seus? Quando o mundo se revolta contra Mim e que tantas almas Me desprezam... Me maltratam, e procuram matar-Me e que,  yoltando-Se para os Seus meu Coração só ençontra isolamento e abandono... Que tristeza e que amargura.
“A vós, como a Pedro, Eu direi: Esquecestes as provas de Amor que vós tenho dado... os laços que vos prendem a Mim... as promessas com que tantas vezes protestáveis fidelidade em defender-Me até a Morte?
“Se sois fracas e receais ceder ao respeito humano, vinde pedir-Me Força para vencer. Não vos apoieis sobre vós mesmas, mas recorrei a Mim com confiança e Eu vos sustentarei.
“Se viveis no meio ao mundo, cercadas de perigos e ocasiões de pecado, não vos exponhais voluntariamente ao perigo. Teria Pedro sucumbido se, resistindo corajosamente, não tivesse cedido à vã curiosidade?...
“E vós, que trabalhais na minha Seara ou na minha Vinha, se, em alguma ocasião, vos sentirdes arrastados à ação por uma satisfação humana: fugi.
Mas se trabalhais puramente por obediência para minha Glória e a salvação das almas, nada temais: eu vos defenderei e vós passareis vitoriosamente através do perigo.
“Enquanto os soldados Me conduziam à prisão, avistei Pedro no meio dos criados e meus Olhos fitaram-no. Ele olhou para Mim e chorou amargamente seu pecado.
“É assim que fixo meus Olhos sobre a alma culpada. Mas ela?... Olhará para Mim? E os nossos olhares se encontrarão sempre?... Ai!
Quantas vezes o Meu em vão procura o dela!...
A alma não Me vã, está cega!... Insisto com doçura, ela não Me ouve! Chamo-a pelo nome, não Me responde... Tento acordá-la com alguma tribulação, ela não desperta do seu sono...
“Almas que amo, se não olhardes mais para o céu, sereis nesta terra como entes privados de razão. Levantai a cabeça para o vosso fim... para a Pátria que vos espera. Procurai a vosso Deus e O encontrareis sempre com os Olhos fixos sobre Vós, ... e no seu Olhar, Paz e Vida!
“Paremos por aqui, hoje; Josefa: amanhã continuaremos.
“Fica com Minha Cruz e consola-Me. ”Escoaram-se três semanas depois que Nosso Senhor começou a revelar a Josefa os segredos da Paixão para as almas.
Associa-a a seus sentimentos com tanta Força que lhe Impregna toda a vida e nada pode distraí-la. Ela vai, vem, trabalha, dedica-se, reza, sem que sua alma deixe um só Instante a lembrança daquelas dores que nela se imprimem cada manhã.
Intercalam-se as noites de reparação na sua oblação habitual, recordando-lhe sem cessar que fora escolhida, não apenas para transmitir uma Mensagem às almas, mas para cooperar efetivamente na sua salvação. Nosso Senhor inscreve em cada página de sua vida a unidade de sua missão sob o duplo aspecto, de vitima e de Apóstolo, é este sentido verdadeiro de sua vocação.
No mesmo dia, 18 de março, a Santíssima Virgem, respondendo ao desejo expresso na véspera' traz a Josefa novo testemunho de seu amor materno.
“Querias pedir alguma coisa? — diz com bondade, aproximando-se pela tardinha, enquanto Josefa cosia — “que queres?
Josefa queria saber rezar a Jesus da maneira mais agradável ao seu Coração.
“Vou ensinar-te — responde a divina Mãe — Sobe à tua cela e lá escreverás.”
Mal ali chega, Nossa Senhora dela se acerca:
“O que mais agrada a meu Filho — diz Ela para começar — é amor e humildade. Escreve pois:
“Ó dulcíssimo e amabilíssimo Jesus, se não fosseis meu Salvador eu não ousaria vir a Vós!
Mas sois meu Salvador e meu Esposo e vosso Coração me ama com o mais terno e o mais ardente amor, como nenhum coração seria capaz de amar.
“Eu desejaria corresponder ao amor que por mim tendes, desejaria ter por Vós, que sois meu único Amor, todo o ardor dos serafins, a pureza dos anjos e das virgens, a santidade dos bem-aventurados que Vos possuem e Vos glorificam no céu.
“Se eu pudesse oferecer-Vos tudo isso, pouco seria ainda para louvar-vos a Bondade e vossa Misericórdia. Eis porque Vos apresento meu pobre coração tal qual é, com todas as suas misérias, fraquezas e bons desejos. Dignai-Vós-me-mo purificá-lo no sangue do vosso Coração, transformá-lo, abrasá-lo com amor puro e ardente.
“Então a pobre criatura que sou, incapaz de bem algum, capaz de todo o mal vos há de amar e glorificar como os mais abrasados serafins do céu.
“Peço- Vos, enfim ó dulcíssimo Jesus, deis à minha alma a própria santidade de vosso Coração ou antes, mergulhai-a em vosso divino Coração, a fim de que nele eu Vos Ame. Vos sirva, Vos glorifique e nele me perca durante toda a eternidade!
“Peço-Vos esta graça para todas as pessoas que amo!... Possam elas render-Vos, por mim, a glória e a honra de que minhas ofensas' Vos tem privado!...”
Então Josefa se afoita e pede à 'Mãe boníssima uma oração Jaculatória que possa multiplicar no meio de seu trabalho:
“Repete-Lhe estas palavras de que ele gostará:
“Ó meu Esposo que sois também meu Deus fazei que meu coração seja uma chama de puro amor por Vós.”
“E todas as noites, antes de adormecer — continua Ela. — repete-lhe a seguinte prece com muito respeito e confiança:
“Vós que conhecíeis a minhã miséria antes de fixardes os Olhos em mim; não desviastes o Olhar desta miséria!... mas, por causa dela, me amastes com amor ainda mais terno, e delicado.
“Peço-Vos perdão, por haver tão mal correspondido hoje a vosso Amor"... Suplico-Vos me perdoeis e purifiqueis minhas ações no vosso Sangue divino. Pesa-me dolorosamente Vos ter ofendido porque sois infinitamente Santo. Arrependo-me do fundo da alma e prometo-Vos fazer tudo o que me for possível para, não tornar a cair nas mesmas faltas.
"Depois, filha, podes entregar-te ao repouso, com tranquilidade e alegria.”
Um dia, Nosso Senhor corresponderá à delicadeza de sua Mãe. Convém antecipar o dia 26 de agosto de 1923 para completar a narrativa desta Condescendência divina:
“Josefa — dirá Jesus naquela tarde — é verdade que desejas algumas palavras que agradem à minha Mãe? Escreve o que te vou dizer:
“E com voz ardente e inflamada, mesmo entusiasta — observa ela — pronunciou a seguinte oração:
“ó Mãe terna e amante, Virgem prudentíssima, que sois Mãe do Redentor, venho saudar-Vos neste dia com o amor mais filial com que Vos possa amar um coração de filha.
“Sim, sou vossa filha e, já que é tão grande minha impotência, tomarei os ardores do coração de vosso divino Filho: com ele, Vos saudarei como a mais pura das criaturas, pois fostes formada segundo os desejos e os atrativos do Deus três vezes Santo!
Concebida sem a mancha do pecado original isenta de qualquer corrupção, fostes sempre fiel aos movimentos da graça e vossa alma ia acumulando tantos merecimentos que se elevou acima de todas as criaturas.
“Escolhida para Mãe de Jesus Cristo, Vós O guardastes como santuário puríssimo e Àquele que vinha dar a vida às almas tomou Ele próprio vida em Vós e de Vós recebeu nutrição.
“Ó Virgem incomparável! Virgem Imaculada! Admirada pelos anjos e santos, sois a alegria dos céus!
"Estrela da manhã, Roseira florida da primavera, Lírio alvíssimo, íris esbelto e gracioso, Violeta perfumada, Jardim cultivado e reservado, para as delicias do Rei dos céus!
"Vós sois minha Mãe, Virgem prudentíssima, Arca preciosa que encerra todas as virtudes! Vós sois minha Mãe, Refúgio dos pecadores! Eu Vos saúdo e me regozijo à vista de tantos dons que Vos fez o Onipotente e de tantas prerrogativas com que Vos coroou.
Sede bendita e louvada, Mãe de meu Redentor, Mãe dos pobres pecadores. Tende piedade de nós e cobri-nos com vossa proteção materna.
“Saúdo-Vos em nome de todos os homens, de todos os santos e de todos os anjos.
“Desejaria amar-Vos com o amor e os ardores dos mais abrasados serafins e sendo isto ainda pouco para saciar meus desejos, saúdo-Vos e amo-Vos por meio de vosso divino Filho e a santidade da Trindade adorável. E é por meio das Pessoas divinas que vos bendigo e desejo render-Vos eternamente louvor filial constante e puro.
“Ó Virgem incomparável! abençoai-me, pois que sou vossa filha... Abençoai todos os homens!
Protegei-os, orai por eles ao Onipotente que nada Vos pode recusar.
“Adeus, Mãe terna e querida! Saúdo-Vos de dia e de noite durante o tempo e durante a eternidade!”
Agora, Josefa, louva a Mãe com as palavras do Filho e o Filho com as palavras da Mãe.”
"Nunca — dirá Josefa — tinha eu visto seu Coração tão belo, nem ouvido sua Voz tão cheia de entusiasmo.”

 

DA PRISÃO A FLAGELAÇÃO
17 — 21 de março de 1923

“Olhai para minhas Chagas e vede se há alguém que tenha sofrido tanto para vos provar seu amor!...”

(Nosso Senhor a Josefa — 21 de março de 1923)

Há vinte e dois anos hoje — escreve Josefa no Sábado, 17 de março, de 1923 — que Jesus, me deixou ouvir sua Voz pela primeira vez quando eu me preparava para ir à primeira comunhão.
“Falei-lhe desta recordação durante a ação de graças, quando, de repente ele veio_belíssimo! Sua túnica parecia de ouro e seu Coração estava tão abrasado que não posso explicar!”
“Josefa, já te dizia então: “Quero que sejas toda minha.” Hoje posso dizer-te: “és toda Minha.” Outrora eu te preparava para te atrair a meu Coração. Agora estás presa neste Coração.
Vem, entra... e repousa nele, é tua morada”.
Então seu Coraçao se abre e Josefa lá entra!...
“Estava como que no céu — escreve ela — Pensei que não viria mais cá na terra.” Esses instantes inefáveis pouco duram e cada vez quê ela lhes saboreia a Força e a paz já sabe que é um descanso entre duas jornadas; É esta a ordem divina. Algumas horas depois está no seu posto e Jesus se aproxima para encaminhá-la; mais avante na trilha de seus Padecimentos:
“Contempla-Me na prisão onde passei, grande parte da noite. Ali vinham os soldados insultar-Me com palavras e ações, escarnecendo de Mim, ultrajando-Me, batendo-Me na cabeça e sobre o meu Corpo.
“Fartos de Mim, abandonaram-Me sozinho e amarrado, num lugar úmido e escuro. Deram-Me uma pedra por assento onde meu Corpo dolorido se sentiu transido de frio. Comparemos aqui a prisão com o coração daqueles que Me recebem.
“Na prisão, passei apenas parte da noite. Mas no sacrário... quantos dias, quantas noites?
“Na prisão fui insultado e maltratado pelos soldados que eram meus inimigos. No sacrário... “quantas vezes não o sou por almas que Me chamam de Pai... mas não se comportam como filhos!...
“Na prisão, sofri frio e sono, fome e sede, tristeza, vergonha e abandono!... E vi no decorrer dos séculos, tantos tabernáculos onde Me faltaria o abrigo do amor... tantos Corações gelados que seriam para meu Corpo chagado, como a pedra da prisão!...
“E quantos dias esperarei que tal alma ou tal outra, venha visitar-Me no sacrário e Me receber no seu coração!... Quantas noites passadas a desejar sua vinda... Mas ela se deixa dominar por suas ocupações... por sua moleza... pelo medo de prejudicar a saúde... e não vem!...
Esperava-te para saciar minha sede e para consolar minha tristeza, alma querida, e não vieste!
“Quantas vezes terei fome das almas... de sua fidelidade... de sua generosidade,.. Saberão elas aplacar esta fome ardente com aquela pequenina vitória sobre si mesmas, ou aquela leve mortificação? Saberão aliviar minha tristeza com sua ternura e compaixão?... Saberão, quando vier um momento mais doloroso à natureza... quando tiverem que suportar um sofrimento qualquer... um esquecimento... um desprezo... uma mágoa de coração ou de família... dizer-Me do fundo da alma: “Isto será para suavizar vossa tristeza, para Vos acompanhar na vossa Solidão”.
“...Ah! se soubessem unir-se a Mim, com que paz atravessariam a dificuldade... como sua alma sairia dali fortificada... e como meu Coração seria consolado e aliviado...”
“Na prisão quantas palavras obscenas proferidas contra Mim Me haviam de cobrir de confusão... e essa dor aumentava ainda lembrando-Me que semelhantes palavras cairiam um dia de lábios muito amados!
“E enquanto aquelas mãos imundas descarregavam pancadas e bofetões sobre meu Corpo, Eu Me via espancado e esbofeteado pelas almas que Me receberiam sem delicadeza e Me acabrunhariam sob golpes repetidos de pecados habituais e consentidos!...
Depois, quando Me empurraram e Me deixaram cair por terra, atado e sem forças... Vi multas almas preferirem a Mim suas satisfações e acorrentarem-Me por suas ingratidões, repelirem-Me e renovarem minha dolorosa queda, prolongando minha  Solidão...
“Ó almas escolhidas, aproximai-vos de vosso Esposo na prisão... contemplai-O durante essa noite de padecimento... e vêde-a prolongar-se na solidão de tantos sacrários e na frieza de tantas almas!...
"Quereis... dar-Me prova de vosso Amor?...
Deixai-Me vosso coração para que dele faça minha Prisão...
“Atai-Me com as cadeias do vosso amor.
“Cobri-Me com as vossas delicadezas...
"Saciai-Me a fome com vossa generosidade...
"Dai-Me de beber com vosso zelo...
“Consolai a minha tristeza com a fidelidade  de vossa companhia.
“Tirai-me esta dolorosa confusão com a vossa pureza e a vossa reta intenção...
“Se quereis que Eu repouse em vós, preparai-Me um leito com vossos atos de mortificação...
Sujeitai a vossa imaginação e acalmai os tumultos de vossas paixões. Então, no silêncio de vossa alma, dormirei tranquilo e ouvireis a minha Voz dizendo suavemente:
“ó Esposa minha que és agora o meu Descanso, Eu serei o teu na eternidade!... Já que, com desvelo e amor, Me guardaste na prisão do teu coração, minha recompensa não terá limites... e nunca te arrependerás dos sacrifícios que por Mim fizeste durante a tua vida!...
“Paremos aqui, Josefa, deixa-Me passar o dia de hoje na prisão de tua alma. Haja nela profundo silêncio para escutares as minhas Palavras e responderes aos desejos que Eu te confiar.” Escoam-se três dias depois dessa contemplação, não sem trazerem a Josefa a graça das atribulações com as quais há de fazer companhia ao divino Prisioneiro. Ela não tem consciência desse papel que pareceria, á priori, ser destinado a só lhe proporcionar consolações.
Mas o amor exigido pelo Mestre há de ser sempre o amor forte que se alimenta com lutas, humilhações e sofrimentos:
“é bom — dizia-lhe outrora a Santíssima Virgem — que ames sem o saberes nem sentires.”
E a grande lição dada ao longo desta história, por Jesus e sua Mãe, às almas escolhidas, a fim de torná-las instrumentos da Misericórdia- infinita e do Amor redentor.
Na tarde da terça-feira, 20 de março, enquanto estende roupa no quintal, Josefa encontra de repente Nosso Senhor que a fita com compaixão:
“Sobe à tua cela — diz — quero que escrevas.” Mal ali chega, Jesus aparece. Traz na Cabeça a coroa de espinhos e ela suplica que lha dê.
“Sim, dou-ta com muito amor... Toma-a e vamos escrever para as minhas almas:
“Depois de ter passado a maior parte da noite na prisão úmida, escura e sórdida... depois de ter suportado os ultrajes e os escárnios da criadagem curiosa acerca do que Me sucederia ... quando já meu Corpo estava exausto com tantos tormentos escuta Josefa, os ardentes desejos de meu Coração: o que Me consumia de amor e avivava em Mim nova sede de dores era o pensamento de muitas almas que Eu atrairia mais tarde a seguir-Me os passos.
-Eu as via, como fiéis imitadoras de meu Coração, aprendendo de Mim, não apenas mansidão, paciência e serena aceitação dos sofrimentos e dos desprezos, mas até o amor daqueles que as perseguiriam.
“Vi-as chegarem ao ponto de se sacrificar por eles, como Eu próprio Me sacrificava pela salvação dos que Me maltratavam...
“Vi-as, amparada por minha Graça, responderem ao Apelo divino, abraçarem o estado de perfeição, mergulharem na solidão, amarrarem-se, elas mesmas com cadeias de amor, renunciarem a tudo que amavam legitimamente, suportarem com coragem as revoltas da sua própria natureza, deixarem-se julgar, aceitarem desprezos, difamação e mesmo serem tidas por loucas!... e guardarem apesar de tudo, seu coração, intimamente unido a seu Deus e Senhor.
“Assim, no meio de ultrajes e tratamentos infames, o Amor Me consumia em desejos de cumprir a Vontade do Pai e meu Coração, estreitamente unido a Ele nas horas de solidão e de dor, oferecia-se para reparar a sua Glória. Também, almas religiosas que permaneceis na prisão escolhida pelo Amor e que, mais de uma vez, passais aos olhos das criaturas, por inúteis e quiçá prejudiciais... não temais: nas horas de solidão e dor deixai revoltar-se o mundo contra vós... Una-se vosso coração mais intimamente a Deus, único Objeto de vosso amor, e reparai sua Glória ultrajada por tantos pecados!
“Ao amanhecer do dia seguinte, Caifaz ordenou que Me conduzissem a Pilatos a fim de que pronunciasse contra Mim a sentença de morte.
“Pilatos interrogou-Me com sagacidade, com a esperança de descobrir um verdadeiro motivo de condenação, mas, não encontrando nenhum sentiu logo a consciência perturbada à vista da injustiça que ia cometer. Então, para se desembaraçar de Mim, mandou-Me conduzir a Herodes.
“Pilatos é o tipo das almas que, balouçadas entre os impulsos da graça e os das paixões, se deixam dominar pelo respeito humano e pelo amor excessivo de si mesma. Encontram-se diante de tentação ou de ocasião perigosa?... tornam-se voluntariamente cegas e raciocinam até ficarem persuadidas de que não há nisso mal nem perigo algum... que elas têm juízo bastante para decidir, e não precisam de conselho... Receiam parecer ridículas aos olhos do mundo... faltam de energia para vencerem a si próprias e, passando ao lado da graça, caem de uma ocasião em outra e acabam, como Pilatos, entregando-Me a Herodes.
“Quando é uma alma religiosa, não haverá talvez ocasião para ofensa grave. Mas, para resistir, seria preciso aceitar uma humilhação, suportar uma contrariedade... E se, longe de obedecer ao movimento da graça e de descobrir lealmente sua tentação, a alma consultar sua própria razão e se convencer de que não há motivo para afastar tal perigo ou recusar tal satisfação, cairá brevemente em perigo maior...
“Como Pilatos, cegará seus próprios olhos perderá a coragem para agir com retidão e, pouco a pouco, senão rapidamente, também ela Me entregará a Herodes.”
Jesus parou e, dirigindo-se a Josefa:
“Fica em minha Paz e no sentimento de tua miséria e de teu nada — disse. Basta tão pouco para te abalar!... Mas nada receies; minha Misericórdia e meu Amor são infinitamente maiores que tua miséria, e tua fraqueza nunca ultrapassará minha Força.”
Tal é certamente a doutrina que Nosso Senhor não se cansará de repetir. É que Ele quer, por meio dela, dá-la a compreender às almas cuja humilde confiança e corajosa vontade encantam e atraem seu Coração.
Ele não tarda em provar-lhe que nada pode criar obstáculos para seus Planos e que a fraqueza de Josefa nunca os estorva senão por um instante.
Pelas onze horas da noite lá vem Ele. Era uma das noites escolhidas, mas não trazia sua Cruz... o que inquieta a Josefa porque — diz ela — é sempre com a Cruz que Ele vem durante a noite e as Madres só me deram licença de esperá-Lo para O consolar... eu também não desejo o meu repouso, mas o dele.”
Jesus leu tudo aquilo na sua alma. Gosta desses protestos simples e verdadeiros do amor que bem conhece.
“Nada receies — diz — onde Eu estiver a Cruz me acompanha.”
E de repente Josefa sente-lhe o peso sobre seu ombro. Jesus continua:
“Carrega-a com muito respeito e amor, pela salvação de tantas almas em perigo.”
Então, depois de um instante de silêncio que Ele passa em atitude de súplica intensa, pronuncia lentamente as seguintes palavras para uni-la à sua Oração:
“Oferece a meu Pai Eterno os tormentos da minha Paixão, pela conversão das almas. Dize-Lhe comigo:
“Ó meu Pai! ó Pai Celeste! vede as Chagas de vosso Filho e dignai-vos recebê-las a fim de que as almas se abram à vossa graça!
“Os pregos que trespassaram suas Mãos e seus Pés, traspassem os corações endurecidos, seu Sangue os cubra e os mova ao arrependimento.
“O peso da cruz sobre os ombros de Jesus, vosso divino Filho, obtenha que as almas descarreguem seus crimes no tribunal da penitência.
“Ofereço-Vos, ó Pai Celeste! a coroa de espinhos de vosso Filho Bem Amado. Pela dor que ela Lhe causou, fazei que as almas se deixem penetrar com verdadeira contração de seus pecados.
“Ofereço-vos, ó meu Pai! ó Deus de Misericórdia! o abandono de vosso Filho sobre a cruz, sua Sede e todos os seus tormentos, afim de que os pecadores encontrem consolo e paz na dor de suas faltas.
“Enfim, ó Deus cheio de compaixão, em nome da perseverança com a qual Jesus Cristo, vosso divino Filho, Vos rogou por aqueles que O crucificavam, peço-Vos e suplico-Vos concedais às almas o amor do próximo e a perseverança no bem.
“E assim como os tormentos de vosso Filho bem-amado terminaram na Bem-aventurança sem fim, assim também sejam os sofrimentos das almas que fazem penitência eternamente coroados com a recompensa da vossa glória.”
“Agora, guarda minha Cruz fica unida aos meus Sofrimentos e apresenta constantemente a meu Pai as Chagas do seu Filho.”
Alguns instantes decorrem ainda e depois Jesus desaparece deixando-a sozinha sob a Cruz.
Na manhã de 21 de março, quarta-feira da Paixão, torna ao assunto da véspera:
“Continua a escrever, Josefa:
“A todas as perguntas de Pilatos nada respondi, mas quando Me disse: és tu o Rei dos Judeus? — então com gravidade e na plenitude de minha responsabilidade, respondi: “Tu o disseste, sou Rei, mas meu Reino não é deste mundo!”
“Assim deve a alma responder com energia e generosidade, quando se apresentar ocasião de vencer o respeito humano, de aceitar algum sofrimento ou humilhação aos quais lhe seria fácil escapar.
“Não, meu reino não é deste mundo!” eis porque não procuro o favor dos homens. Vou para a minha verdadeira pátria onde me espera repouso e felicidade. Aqui na terra não devo fazer caso da opinião do mundo mas cumprir fielmente o meu dever. Se para isso precisar atravessar humilhação e sofrimento, não recuarei; escutarei a voz da graça. Se não for capaz de o conseguir sozinho, buscarei socorro e pedirei conselho, pois bem sei que o amor próprio e a paixão tentam cegar a alma, para enveredá-la pelo mau caminho.”
“Pilatos, pois, dominado pelo respeito humano e o receio de arcar com tamanha responsabilidade, ordenou que Me levassem a Herodes. Era este um homem perverso que só procurava satisfazer suas paixões desordenadas. Regozijou-se vendo-Me comparecer a seu tribunal, esperando divertir-se com minhas Palavras e meus Milagres.
“Considerai, almas queridas a repulsão que experimentei na presença daquele homem viciado e cujas perguntas, gestos e movimentos Me cobriram de confusão.
“Almas puras e virginais, vinde cercar vosso Esposo. Escutai os falsos testemunhos que se levantam contra Mim... Vede a implacável sede dessa multidão ávida de escândalos e da qual me tornara joguete.
“Herodes espera que Eu responda às suas perguntas sarcásticas para Me justificar e Me defender; mas meus lábios não se abrem e guardo diante dele o mais profundo silêncio. Este silêncio era a maior prova que lhe podia dar da minha dignidade. As suas palavras obscenas não mereciam cruzar-se com as Minhas puríssimas...
“Durante esse tempo meu Coração estava intimamente unido a meu Pai Celeste. Consumia-Me em desejo de dar, pelas almas que tanto amo, o meu Sangue até à última gota. O pensamento de todas as almas, que um dia Me seguiriam, conquistadas pelos meus exemplos e pela minha liberalidade, inflamava-Me em amor!
“E não só regozijava-Me durante aquele terrível interrogatório mas desejava correr ao suplício da Cruz!
“Depois de ter suportado as piores ignomínias no mais perfeito silêncio, deixei que Me tratassem como louco e, coberto com veste branca sinal de zombaria e irrisão, por entre gritos da multidão, fui levado novamente ao tribunal de Pilatos.
“Vê como esse homem está aturdido e apavorado! Não sabe que fazer de Mim e para ver se acalma a sede daquele povo que pede a minha morte, ordena que Me flagelem.
“Assim faz a alma que não tem coragem e generosidade para romper energicamente com as exigências do mundo, da sua natureza ou das suas paixões. Em vez de afrontar a tentação e cortar pela raiz, como lhe pede a consciência, o que ela sabe que não vem do espírito bom, ora cede a um pequeno capricho, ora concede a si mesma alguma leve satisfação... Se tenta vencer-se num ponto, capitula diante de outro que lhe custaria maior esforço... Se mortifica alguns desejos, hesita em muitos outros em que deveria, para ser fiel à graça ou obedecer à regra privar-se de muita coisa que alimenta a sensualidade e agrada à natureza.
Concede a si mesma a metade de um capricho, a metade do que exige a paixão, e pacifica assim o remorso da consciência.
“Tratar-se-á por exemplo, de divulgar uma falta que ela crê descobrir no próximo? Não é nem caridade fraterna, nem desejo do bem, mas uma paixão oculta, um secreto movimento de inveja que lhe inspiram essa ideia. A graça e a consciência lançam então dentro dela um grito de alarme e a previnem do espírito que a guia e da injustiça que vai cometer. Haverá, de certo, na alma, um primeiro instante de luta, mas a paixão que ela não mortificou priva-a brevemente de luz e de coragem para repelir a ideia diabólica. Então inventa um meio para só calar uma parte do que sabe, mas não tudo! e ela se desculpa diante de si mesma:
“É preciso que se saiba... só direi uma palavra ...”
“ Assim é que Me abandonas, como Pilatos para ser flagelado! Dentro em pouco, essa paixão te obrigará a terminar sua obra... Não penses acalmar assim tua sede... Hoje deste um passo, amanhã irás mais longe!... E, tendo cedido numa pequena ocasião, com quanto mais razão cederás diante de grave tentação!...
“E agora, contemplai, almas caríssimas a meu Coração, como Me deixei conduzir com mansidão de cordeiro, ao terrível suplício da flagelação!...
“Sobre meu Corpo, moído de pancadas e alquebrado de cansaço, os verdugos descarregam cruel, mente açoites e chicotes... todos os meus ossos são abalados com a mais terrível dor... feridas sem conta Me estraçalham...
“De minha Carne divina lá se vão pedaços arrancados pelos açoites... O sangue jorra de todos os meus membros e em breve fico reduzido a tão lastimável estado que não tenho mais aparência de homem.
“Ah! Como podeis contemplar-Me neste oceano de amargura sem que vosso coração se compadeça de Mim?
“Não pertence aos algozes consolar-Me... mas a vós, almas escolhidas para aliviar a minha Dor!
“Contemplai as minhas Feridas e vêde se há quem tenha sofrido tanto para vos provar seu amor!”
E, dirigindo-se a Josefa, Jesus continua:
“Contempla-Me nesse estado de ignomínia, Josefa. ”
Então se cala e ela ergue os olhos para o Mestre...
Ali está, diante dela, naquele lamentável estado em que o pusera a flagelação. ele a mantém longo tempo diante da dolorosa contemplação como que para lhe imprimir para sempre na alma.
“Dize-Me — torna afinal o Senhor — se minhas Feridas não te darão Força para te venceres e resistires à tentação?...
“Dize-Me, se não te encontrarás generosidade para te sacrificares e te entregares totalmente à minha Vontade?
“Sim, olha para Mim, Josefa, e deixa-te guiar pela graça e pelo desejo de Me consolares neste estado de vítima.
'“Não temas. Teu sofrimento jamais igualará ao Meu e minha Graça te assistirá em tudo o que Eu te pedir.
“Adeus! conserva-Me assim em teus olhos.” Então o Senhor desaparece Josefa continua imóvel, com os olhos fechados e uma indizível emoção gravada no rosto. Envolve-a impressionante silêncio: era o que se passara naquela pequenina cela! Jesus viera recordar às almas que “não fora para rir”, que as havia amado e que seu Amor é um amor “pavorosamente sério.”
Pouco a pouco ela volta a si, brotam-lhe lágrimas dos olhos... não pode falar, mas sabe que nada mais é do que instrumento de uma mensagem, testemunha dos excessos do amor e que as almas têm direito à Mensagem deste Amor sem limites... Pega de novo na pena, e com mão ainda trêmula escreve o seguinte:
“Mostrou-se no estado em que O deixaram depois da Flagelação, e esta visão me encheu de tanta compaixão que me parece que de ora em diante terei coragem para sofrer o que for até o fim de minha, vida.
“Dor nenhuma chegará perto sequer da sua Dor...
“O que mais me impressionou foram seus Olhos que são habitualmente tão belos e cujo olhar tanto me fala à alma... Hoje estavam fechados, muito inchados e ensanguentados, principalmente o olho direito. Os cabelos cheios de sangue caíam-lhe sobre o rosto, sobre os olhos e sobre a boca. Estava em pé mas curvado e atado a alguma coisa, mas eu não via senão a ele. Suas Mãos estavam amarradas uma à outra, à altura da cintura e cobertas de sangue, seu corpo sulcado de feridas e manchas roxas, com as veias dos braços inchadas e quase pretas. Do ombro esquerdo pendia um pedaço de carne a destacar-se e também de várias outras partes do Corpo. As vestes estavam a seus pés rubras de sangue. Uma corda muito apertada segurava à altura da cintura um pedaço de pano tão ensanguentado que não se lhe podia ver a cor!”
“Não posso dizer em que estado O vi... não sei exprimi-lo.”
O dia inteiro decorre sob aquela lembrança inexprimível que se lhe marcava na fisionomia. Nada mais, contudo, denotava exteriormente a vida consumidora do interior. Quem poderia suspeitar, que nessa quarta-feira da Paixão, Nosso Senhor se dignara manifestar suas Chagas à mais ignorada de suas Esposas!...
"Seu divino Olhar discerne já depois dela, milhares de almas, que lerão, nessas linhas, a prova do Amor infinito, e que. despertando sua fé à vista de tantas dores nelas haurirão, como Josefa, coragem para corresponderem sem temor de sacrifício algum.

 

DA COROAÇÃO DE ESPINHOS
22 a 25 de março de 1923

“Almas que amo, ficai atentas ao sofrimento de meu Coração."

(Nosso Senhor a Josefa — 24 de março de 1923).

Havia já muitos dias que Nossa Senhora não intervinha no caminho de Josefa. Veio então trazer-lhe a cruz da noite de 21 para 22 de março.
Acordei com um leve ruído — escreve Josefa — e logo A vi perto da cama: trazia a cruz encostada ao braço direito.
“Sim, filha, sou Eu que venho confiar-te a Cruz de Jesus. É preciso consolá-Lo pois muitas almas O ofendem! mas uma principalmente inunda-Lhe o Coração de amargura.”
E depois de ter lembrado que o primeiro e grande meio de reparar é deixar a Jesus toda a liberdade para fazer dela o que quiser:
“Agora, diz, guarda este precioso tesouro e reza pelas almas...”
A prece começada sob a cruz continua nos padecimentos do abismo infernal onde, desde algum tempo, cada noite completa nela “o que falta à Paixão de Cristo. ”
Na quinta-feira, 22 de marco, pelas nove horas da manhã. Nosso Senhor se aproxima no momento em que ela ia sair da cela.
“Beija o chão — pede — e deixa-te penetrar pelas palavras que meu Coração te vai confiar.” Então ela se prostra e depois recolhe com pena ligeira as confidências que brotam dos lábios divinos como doloroso desabafo.
“Quando os algozes ficaram fartos de bater trançaram una coroa de espinhos, enterram-na em minha Cabeça e desfilaram diante de Mim dizendo: “Rei, nós te saudamos!” Uns Me insultavam, outros batiam-Me sobre a cabeça e cada um acrescentava nova dor àquelas que já esgotavam meu Corpo.
“Contemplai-Me, almas que amo, condenado pelos tribunais, abandonado aos insultos e às profanações da multidão, entregue ao suplicio da flagelação e, como se tudo isso não bastasse para me reduzir à mais humilhante condição, coroado de espinhos, coberto com um manto de púrpura, saudado como um rei de escárnio... e tido por louco!...
“Sim Eu, que sou o Filho de Deus, o Sustentáculo do universo, quis passar, aos olhos dos homens como o último e o mais miserável de todos.
“Longe do fugir à humilhação, abracei-a para expiar os pecados de orgulho e arrastar as almas com meu exemplo.
“Consenti que minha Cabeça fosse coroada de espinhos e que sofresse para reparar os pecados de tantas almas soberbas que recusam tudo que as rebaixe aos olhos das criaturas.
“Consenti que Me cobrissem os ombros, com um manto de escárnio e Me tratassem como louco, a fim que muitas almas não desdenhassem seguir-Me numa trilha que o mundo julga vil e baixa e que lhes parece indigna de sua condição.
“Não, almas queridas, caminho algum, situação alguma é vil e humilhante quando se trata de seguir a Vontade de Deus.
“Vós que vos sentis interiormente atraídos a tal estado... não resistais... não procureis, com vãs e orgulhosas razões, fazer a Vontade divina querendo seguir, ao mesmo tempo, a vossa própria vontade... Não julgueis encontrar paz e felicidade em condição mais ou menos brilhante aos olhos das criaturas. Não as encontrareis senão na submissão à Vontade de Deus e no inteiro cumprimento de tudo que vos pedir...
"Há também no mundo muitas almas que procuram fixar aqui na terra seu futuro... Talvez uma ou outra sinta inclinação ou secreto atrativo por alguém em quem descobre muitas qualidades, honradez, fé, piedade, consciência profissional e compreensão das virtudes da família... tudo que corresponde a seu desejo de amar... Mas de súbito o orgulho lhe invade o espírito. Sem dúvida o coração ficaria satisfeito desse lado, mas não a vã ambição de brilhar aos olhos do mundo. Então a alma se desvia para procurar alguém que melhor atraia em si a atenção das criaturas, fazendo-a parecer exteriormente mais rica e mais nobre... Ah! como esta alma está se tomando voluntariamente cega!... Não achareis certamente a felicidade que buscais neste mundo e oxalá, depois de vos terdes metido em tão perigosa situação, a encontreis no outro!
“E que dizer de tantas almas que chamo ao caminho da perfeição e do amor e que fazem como se não ouvissem a minha Voz!...
“Quantas ilusões naquelas que Me dizem estarem dispostas a fazer-Me a Vontade e unir-se a Mim... e todavia enterram na minha Cabeça os espinhos da coroa...
“As almas que desejo como Esposas, conheço-as até os mais íntimos refolhos do coração... e, amando-as como as amo, com infinta delicadeza as atraio para onde vejo, na minha Sabedoria, que encontrarão os meios necessários para chegarem à santidade: ali lhes descobrirei o meu Coração, ali elas Me darão mais amor e mais almas!...
“Mas, quantas resistências e decepções!...
Quantas almas cegas pelo orgulho e por necessidade exagerada de estima, ou pelo desejo de satisfazerem à natureza com mesquinha ambição de se tomarem “alguém”... deixam-se invadir pear vãos raciocínios e afinal recusam entrar no caminho traçado pelo Amor!
“Almas que Eu escolhera, credes, porventura que, seguindo vosso gosto, dar-me-eis a glória que de vós esperava?... credes fazer minha vontade, resistindo à minha graça que vos chama a esse caminho que vosso orgulho repele?...
“Ah! desejaria que multiplicasses hoje atos de humildade e de submissão à Vontade divina, para obter que muitas almas se deixem guiar na senda que Eu lhes preparo com tanto amor!
“Amanhã insistiremos novamente sobre esse ponto essencial.”
Na manhã de 23 de março, sexta-feira da Paixão, Josefa espera o Mestre, mas ele tarda a vir. Sentada diante da mesa em que o caderno está aberto, ela tomou a costura. Subitamente aparece Jesus:
“Josefa, estavas à minha espera?”
“Sim, Senhor” — responde ela.
“Há muito que aqui estou, mas tu não me vias. Beija o chão e também meus Pés. Vamos continuar a explicar às almas como se deixam enganar pelo orgulho.
“Coroado de espinhos e coberto com o manto de púrpura, os soldados Me conduziam a Pilatos, acabrunhando-Me a cada passo, com gritos, insultos e escárnios ...
“Não achando em Mim nenhum crime digno de castigo, Pilatos Me interrogou novamente e perguntou-Me porque não lhe respondia, sabendo que tinha todo o poder sobre Mim.
Então saindo de meu silêncio, disse-Lhe:
Não terias poder algum se hão te fosse dado do Alto, mas é preciso que se cumpram as Escrituras!” e fechando novamente os lábios, abandonei-Me...
“Pilatos perturbado com o aviso de sua mulher e perplexo entre os remorsos da consciência e o temor de ver o povaréu amotinado revoltar-se contra ele, se recusasse a minha morte, apresentou-Me à multidão no estado lamentável a que Me haviam reduzido e propôs dar-Me liberdade e condenar em meu lugar Barrabás, que era um ladrão de fama. Mas a multidão vociferou em coro: “Morra ele! queremos que ele morra e Barrabás seja libertado!...”
“Ó vós que Me amais, vede como Me compararam a, um ladrão... ou como me puseram abaixo do mais perverso malfeitor... ouvi os gritos de ódio que vociferam contra Mim, pedindo a minha Morte.
“Longe de evitar tamanha afronta, ao contrário, abracei-a por amor às almas e por vosso amor...
Quis mostrar-vos que este amor não Me conduzia somente à morte, mas também ao desprezo, à ignomínia, ao ódio daqueles por quem meu Sangue ia ser derramado em profusão.
“Trataram-Me de perturbador, insensato, louco... e aceitei tudo com a maior doçura e a mais profunda humildade.
"Não creias porém que deixei de sentir então repugnância e dor... Pelo contrário, quis que a minha natureza humana experimentasse todas as que vós mesmos experimentais, a fim de que meu exemplo vos fortificasse em todas as circunstâncias de vossa vida. Também, quando soou para Mim aquela hora dolorosíssima, que Eu poderia tão facilmente evitar, abracei-a amorosamente para cumprir a Vontade do Pai... reparar sua Glória... expiar os pecados do mundo e comprar a salvação de muitas almas.
“Voltemos às almas de que Eu falava ontem... àquelas almas chamadas ao estado de perfeição e que, muitas vezes, entretanto discutem com a voz da minha Graça e assim lhe respondem:
“Como me resignar a viver nesta continua obscuridade... Minha família, meus amigos julgar-me-ão ridículo... pois tenho capacidade, e seria mais útil em outra parte, etc...”
“A essas almas vou responder: “Quando tive que nascer de pais pobres e ignorantes... longe de minha terra e de minha casa... num estábulo... durante a mais áspera estação do ano, na hora mais fria e mais escura da noite... recusei? vacilei?
“Durante trinta anos conheci os rudes trabalhos da vida operária. Sofri com meu pai, São José, os desprezos daqueles para quem trabalhava... Não achei indigno de Mim ajudar a minha Mãe no cuidado da pobre casa... E, entretanto, não tinha Eu mais talento do que o necessário para desempenhar o modesto ofício de carpinteiro? Eu que já aos doze anos de idade instruíra os doutores no Templo? Era, porém, aquela Vontade de meu Pai Celeste, e era assim que mais glória Lhe podia dar...
“Desde O começo de minha vida pública podia ter-Me dado a conhecer por Messias e Filho de Deus para dominar as multidões e torná-las atentas a meus ensinamentos. Não o fiz porque meu único desejo era cumprir em tudo a Vontade de meu Pai.
“E quando chegou a hora da minha Paixão, no meio da crueldade de uns e das afrontas de outros, do abandono dos Meus, da ingratidão do povo... no meio do indizível martírio do meu Corpo e das vivíssimas repugnâncias de minha natureza humana, foi com mais amor ainda que meu Coração abraçou aquela Santa Vontade.
“E sabei, Almas escolhidas, que quando dominardes as repugnâncias naturais... a oposição de vossas famílias, etc... os juízos do mundo... quando vos entregardes generosamente à Vontade de Deus, então chegará a hora em que, estreitamente unida ao Esposo Divino, gozareis das mais inefáveis doçuras.
“O que digo às almas que sentem repugnâncias pela vida humilde e escondida, repito-o também àquelas que, inversamente, são chamadas a prodigalizar sua vida a serviço do mundo, quando seus atrativos as levariam para a solidão e obscuridade.
“Compreendei, almas queridas; viver conhecidas ou desconhecidas dos homens, utilizar ou não os talentos recebidos... ser pouco ou muito estimada... gozar ou não de saúde... nada disso constitui, por si mesmo, vossa felicidade... Conheceis a única coisa que vô-la garantirá?... fazer a Vontade de Deus, abraçá-la com amor, unir-vos e conformar-vos com tudo que ela exija para sua Glória, e para santificação vossa...
Detenhamo-nos aqui, Josefa; amanhã continuaremos. Ama e abraça alegremente a minha Vontade, pois bem sabes que em tudo foi traçada pelo Amor.”
Na mesma tarde Josefa confessa humildemente que essa recomendação do Mestre não fora inútil. Ele quer que ela obtenha, com sua própria vitória sobre as repugnâncias da natureza, graça semelhante para muitas almas que dela precisam. Grande lição que retiramos da seguinte confidência feita pela sua humildade:
“Sinto em mim, de novo, contra este gênero de vida tão extraordinário, uma espécie de revolta que me tira a paz, porque eu queria tanto trabalhar.”
Nosso Senhor, porém, não faz caso dessa repulsa que não pode entravar nem a sua Vontade nem a de Josefa e logo na manhã seguinte, sábado da Paixão, 24 de março, é ele pontual ao encontro:
“Ocupemo-nos da minha Paixão.”
Diz, como para arrancá-la de si mesma. Não é este o meio de excelência que o amor oferece às almas para se esquecerem de si mesmas?
“Medita por um momento no sofrimento de meu Coração terníssimo e delicado, quando se viu posto abaixo de Barrabás... vendo-Me assim desprezado. fui traspassado no mais intimo da alma pelos gritos da multidão que reclamava a minha Morte! Como recordei então os ternuras de minha Mãe quando me estreitava ao Coração... os cansaços e cuidados que meu Pai adotivo suportara por meu Amor!...
“Como repassava os benefícios tão prodigamente derramados sobre esse povo... a vista aos cegos... a saúde aos enfermos... as multidões alimentadas no deserto... os próprios mortos ressuscitados... E agora contemplai-Me reduzido ao estado mais desprezível... objeto, mais que qualquer outro do ódio dos homens... e condenado como um ladrão infame!... A multidão pede a minha Morte, e Pilatos pronunciou a sentença!...
“Almas que amo, considerai atentamente o sofrimento de meu Coração!
“Depois de Me ter traído no Horto das Oliveiras Judas andou errante e fugitivo sem poder abafar os motos de sua consciência que o acusava, do mais horrível sacrilégio. Quando lhe chegou aos ouvidos a sentença de morte pronunciada contra Mim, caiu no mais terrível desespero e se enforcou.
“Quem poderá compreender a dor imensa e profunda de meu Coração quando vi precipitar-se na eterna perdição, aquela alma que tinha passado tantos dias na escola de meu Amor... que tinha recolhido a minha Doutrina... aprendido as minhas Lições e tantas vezes ouvido cair de meus Lábios perdão para os maiores pecados!
“Ah! Judas, por que não vens atirar-te a meus Pés a fim de que eu te perdoe também?... Se não ousas aproximar-te de Mim, por medo dos que Me cercam com tanto ódio, ao menos olha para Mim!
e logo encontrarás meus Olhos fixos sobre ti.
“Vos, que estais mergulhados no mal e que há mais ou menos tempo viveis errantes e fugi-vos por causa de vossos crimes... se os pecados de que sois culpados vos endureceram e cegaram o coração; se, para satisfazerdes as vossas paixões, caístes nos piores escândalos... ah! quando vossa alma reconhecer o seu estado, e os motivos ou os cúmplices de vossas faltas vos abandonarem, não deixeis que de vós se apodere o desespero. Enquanto tiver o homem um sopro de vida, poderá ainda recorrer à Misericórdia e implorar perdão.
“Se sois jovens e já as desordens de vossa mocidade vos deixaram em estado de degradação aos olhos do mundo, não temais!... mesmo que o mundo vos trate de criminoso, vos despreze e vos abandone... vosso Deus não consentirá que vossa alma seja presa do inferno...
“Pelo contrário, deseja, e com ardor, que dele vos aproximeis para vos perdoar- Se não ousais falar-Lhe, dirigi para ele vossos olhares e os suspiros do vosso coração e em breve vereis que sua Mão bondosa e paternal vos conduz à fonte do Perdão e da Vida!
“Se, passastes, voluntariamente a maior parte da vida na impiedade ou na indiferença e, de repente, ao se aproximar a eternidade, o desespero tente vos vendar os olhos... eh! não voe deixeis enganar, é ainda tempo de perdão!... Mesmo se não vos resta senão um segundo de vida, neste segundo podeis comprar a eternidade!
“Se vossa existência mais ou menos longa se escoou na ignorância e no erro... se fostes causa de grandes males para os homens, a sociedade e mesmo para a religião e se por qualquer circunstância vindes a conhecer que vos enganastes... não vos deixeis acabrunhar pelo peso de vossas faltas e do mal de que fostes instrumento. Mas vossa alma, penetrada do mais vivo arrependimento se jogue num abismo de confiança e corra Àquele que vos espera sempre para perdoar todos os erros de vossa vida.
"Falarei também para aquela alma que viveu primeiro na fiel observância, da Minha Lei, mas que se foi esfriando pouco a pouco até à tibieza de uma existência cômoda. Ela esqueceu a própria alma, pode-se dizer e também suas elevadas aspirações. Deus pedia-lhe mais esforços, mas os defeitos habituais cegaram-na e caiu nos gelos da tibieza, piores que os do pecado, pois a consciência, surda e adormecida, não sente mais remorsos e não ouve mais a Voz de Deus.
“Venha uma forte sacudidela que a desperte subitamente: sua vida lhe parece então inútil e vazia para a eternidade... Perdera inúmeras graças... e o demônio, que não quer largar a presa, explora-lhe a angústia, mergulha-a no desânimo, na tristeza, no abatimento e, pouco a pouco, submerge-a no temor e no desespero.
“Almas que amo, não deis ouvidos a esse cruel inimigo. Vinde depressa atirar-vos a meus Pés e, penetradas de viva dor, implorai minha. Misericórdia e não temais. Perdoo-vos. Começai novamente vossa *vida de fervor, recuperareis os méritos perdidos e minha Graça não vos faltará.
“Será preciso, enfim, dirigir-Me às minhas escolhidas? Haverá alguma que tenha passado longos anos na prática constante da Regra e dos deveres religiosos... Sim, uma alma que Eu favorecera com minhas Graças e instruíra com meus conselhos, uma alma, por longo tempo fiel à voz da graça e às inspirações divinas.
“Eis que, por uma pequena paixão, uma ocasião não evitada... uma satisfação concedida à natureza um relaxamento no esforço necessário... esfriou pouco a pouco... caiu numa vida ordinária... depois vulgar... tíbia afinal!... Ah! se por uma ou outra causa, saís um dia de vosso sono, sabei que no mesmo instante o demônio, com inveja de vosso bem, vos assaltará de mil maneiras, tentará persuadir-vos que é tarde demais e que tudo é inútil, encher-vos-á de temor e repugnância para descobrir o estado de vossa alma... apertar-vos-á a garganta para vos impedir de falar e de vos abrirdes à luz... trabalhará para abafar em vós a confiança e a paz.
“Escutai primeiro a minha Voz, dizendo-vos o que deveis fazer: desde que a graça vos tocar e antes que a luta se trave, correi a meu Coração; pedi-lhe que derrame sobre vós uma gota do seu Sangue. Sim, vinde a Mim!... Sabeis que estou sempre nos braços paternais de vossos Superiores, sejam quem forem... Ali estou, escondido sob o Véu da fé... levantai aquele véu e dizei-Me com inteira confiança vosso sofrimento, vossas misérias, vossas quedas. Recebei a minha Palavra com respeito e nada temais pelo passado; meu Coração submergiu-o no abismo de graças. A lembrança de vossa vida pasmada não será senão motivo para vos humilhardes e aumentardes vossos méritos e, se quereis dar-Me maior prova de amor contai com o meu Perdão e crede que vossos pecados nunca conseguirão ultrapassar minha Misericórdia que é infinita!...
“Josefa, fica escondida no abismo de meu amor e reza para que as almas se deixem penetrar dos mesmos sentimentos. ”
A semana da Paixão terminaria com um Apelo doloroso, no qual descobrimos outra vez mais a tema e forte compaixão do Coração de Jesus pelas almas.
Alguns dias se haviam passado desde a noite de 21 de março, em que Nossa Senhora, trazendo a Cruz de Jesus, dissera a Josefa:
“Há muitas almas que O ofendem mas uma principalmente, Lhe inunda o Coração de amargura.” Palavras tais nunca a deixam indiferente. A preocupação das almas está sempre no horizonte de suas orações, de seu trabalho e de seus sofrimentos. Mas, quando ela sabe que uma alma fere o Coração de seu Mestre não pode daí distrair o seu e não conhece mais repouso.
No sábado, 24 de março pelas oito e meia da noite Nosso Senhor lhe aparece no momento em que saía de sua cela e detendo-a, diz-lhe:
“Josefa!”
“Carregava a Cruz — escreve ela — o semblante estava triste mas cheio de beleza.”
“Queres consolar-Me por aquela alma que Me faz sofrer?”
Prostrada a seus pés Josefa se oferece para tudo que ele quiser.
“Toma a minha Cruz — diz-lhe — e ajuda-Me a sustentar-lhe o peso.”
Depois prossegue, entregando-lha:
“Vamos à presença do Pai Celeste e peçamos.
Lhe que dê a essa alma um raio de luz que a esclareça e ajude a repelir o perigo. Apresentemo- nos como intercessores diante dele para que tenha compaixão daquela alma... Supliquemos-Lhe que a ajude, a ilumine, a ampare para que não sucumba à tentação.
“Repete comigo estas palavras:
“ó Pai Amantíssimo! Deus infinitamente Bom!
Olhai pera vosso Filho Jesus Cristo que, pôs o entre a vossa justiça e os pecados do mundo, implora o vosso Perdão!
"ó Deus de Misericórdia! apiedai-vos da fragilidade humana: esclarecei os espíritos desgarrados, a fim de que não se deixem seduzir e arrastar... Dai força às almas a fim de que repilam os embustes que lhes arma o inimigo da salvação e regressem com novo vigor ao caminho da virtude.
“ó Pai Eterno! olhai para os padecimentos que Jesus Cristo, vosso divino Filho, suportou durante a Paixão. Vede-o diante de Vós, oferecido como Vítima para obter às almas luz e Força, perdão e misericórdia! ”
“Josefa, une tua dor à minha Dor, tua angústia à minha Angústia e apresenta-as a meu Pai Eterno com os méritos e os sofrimentos de todas as almas justas. Oferece-Lhe as dores de minha Coroa de espinhos para expiar os pensamentos daquela alma.
“Repete ainda comigo:
"ó Deus Santíssimo! a cuja presença os anjos são indignos de comparecer perdoai todas as faltas que se cometem por pensamentos e por desejos.
Recebei em expiação dessas ofensas a Cabeça traspassada de espinhos de vosso divino Filho. Recebei o Sangue puríssimo que jorra com tanta abundância! Purificai os espíritos manchados... Esclarecei e iluminai os entendimentos obscurecidos e que o Sangue divino seja para eles Força, luz e vida!
“Recebei ó Pai Santíssimo! os sofrimentos e os Méritos de todas as almas que, unidas aos Méritos e aos Sofrimentos de Jesus Cristo, se oferecem a Vós, com Ele e por Ele, a fim de que perdoeis ao mundo.
“ó Deus de Misericórdia e de Amor! Sede a Força dos fracos, a Luz dos cegos e o objeto de amor das almas.”
Assim se passou um longo momento — escreve Josefa — De quando em quando Ele ficava em silêncio o fardo de sua Cruz pesava ainda sobre mim com os grandes sofrimentos do corpo e da alma. Ele diz então:
“Repete comigo:
“Deus de Amor! Pai de Bondade! pelos Méritos, Sofrimentos e Súplicas de vosso Filho amantíssimo esclarecei àquela alma, afim de que tenha Força para repelir o mal e abraçar vossa Vontade com energia. Não permitais que ela seja causa de tão grande mal para si e para outras almas inocentes e puras!
A noite se adiantava e Jesus acrescentou:
“Agora, guarda a minha Cruz, até que aquela alma conheça a verdade e se deixe envolver e esclarecer pela verdadeira Luz.”
“Depois ele partiu e fiquei com o sofrimento até à manhã.”
Sofrimentos misteriosos em sua intensidade! Josefa os carrega humilde e corajosamente unida ao Mestre.
Sabe que só Ele lhes dá o Valor divino que repara e a eficácia que pode atingir e transformar aquela alma.
Todo o dia de domingo de Ramos se passa nessas dolorosas súplicas e, enquanto ela se oferece como Vítima — ó maravilhoso intercâmbio da Comunhão dos Santos! — Jesus atrai, desapega, comove e se apodera daquela alma que ama com tanta predileção. Naquela tarde seu Coração estremecerá de alegria pela volta do filho pródigo. O céu estará jubilante, pois sobre os ombros o Bom Pastor traz a ovelha perdida, reconquistada por seu Amor.

 

A SEMANA SANTA
25 de março — 1 de abril de 1923

“Eis o que de ti espero nesta semana: tu Me adorarás, te aniquilarás e Me amarás, e tudo isto em espírito de zelo para obter que muitas almas entrem neste mesmo caminho."

(Nosso Senhor a Josefa — 25 de março de 1923)


Enquanto Josefa está em adoração diante do Santíssimo Sacramento exposto, na tarde de Domingo de Ramos. 25 de março. Nosso Senhor lhe aparece. Vem traçar-lhe o plano da grande Semana que se abre e vai coroar as graças da Quaresma.
“Quero, diz-lhe, que consagres esses poucos dias a adorar a minha Pessoa divina ultrajada pelos tormentos da Paixão. Guardar-te-ei constantemente em minha Presença. Manifestar-Me-ei a ti, ora com a majestade de um Deus, ora com a severidade de um Juiz e, mais frequentemente, coberto com as feridas e as ignomínias da Paixão. Assim acharei em tua adoração constante, em tua profunda humildade e em tuas reparações de todos os instantes, alívio a tristezas e amarguras tamanhas!”
Instante depois, realiza-se diante dos olhos de Josefa essa tríplice manifestação de Jesus: Deus, Juiz, Salvador.
“Tornei a vê-Lo de repente — escreve ela — sempre o Mesmo, mas com tal majestade que minha alma ficou esmagada pelo respeito e pela confusão. Queria esconder-me, desaparecer de sua Presença!... e depois de ter renovado os Votos, supliquei-Lhe que me purificasse a fim de que meu nada pudesse suportar a vista de sua Grandeza. ele me respondeu com voz grave e solene:
“Humilha-te diante da Majestade de teu Deus e repara assim o orgulho da natureza humana tantas vezes rebelde aos direitos do seu Criador.”
Então Josefa sente pesar sobre sua alma a carga da Justiça divina. Apavorada ela se prostra aos Seus Pés, lembrando Lhe, diz ela, que ele é meu Salvador, meu Pai e meu Esposo e que pode consumir todas as minhas misérias e perdoar todos os meus pecados. Jesus me respondeu e sua Voz tinha um tom de bondade e ao mesmo tempo de autoridade:
"Sim, dizes bem. Sou teu Salvador, teu Pai e teu Esposo e desejo consumir tuas misérias na chama ardente de meu Amor. Mas quero também, Josefa, que compreendas quanto te deves humilhar, aniquilar, desaparecer em tua vontade e em todo o teu ser a fim de que a Vontade de Deus reine e triunfe, não somente em ti, mas em muitas outras almas.
“É preciso que reconheçam sua culpabilidade e sua miséria e que, também elas, se humilhem e se entreguem à Vontade divina.
“Eis o que de ti espero nessa semana: tu Me adorarás, e aniquilarás. Me consolarás e Me amarás, e tudo isto em espirito de zelo para obter que muitas almas entrem no mesmo caminho.
“Adeus, dir-te-ei depois o que desejo de ti.” Despontam assim os dias santos na alma atenta de Josefa. O Mestre vai conduzi-la, passo a passo, na senda austera que abrira para ela e por onde terá de segui-Lo.

SEGUNDA-FEIRA SANTA: A CAMINHO DO CALVÁRIO
26 de março de 1923

“O cortejo se adianta, no caminho do Calvário, Josefa, segue-me, ainda.”

(Nosso Senhor a Josefa)

Na manhã da Segunda-feira Santa, 26 de março de 1923, Nosso Senhor convida Josefa a subir à sua cela pois ainda não acabara as confidências de suas Dores.
“Beija o chão e reconhece teu nada — diz — Adora o Poder e a Majestade de teu Deus. Mas não te esqueças de que, se é infinitamente Justo e Poderoso, é também infinitamente Misericordioso.
“E agora, continuemos, Josefa, segue-Me no caminho do Calvário, sob o peso da Cruz.
“Enquanto o meu Coração mergulhava num abismo de tristeza pela eterna perdição de Judas, os cruéis verdugos, insensíveis à minha Dor, colocaram sobre os meus ombros chagados o duro e pesado madeiro sobre o qual se ia consumar o Mistério da Redenção do mundo.
“Anjos do Céu, contemplai o Deus diante do qual vos prostrais em constante adoração... Vede o Criador de todas as maravilhas da terra subir ao Calvário sob o lenho santo e bendito que vai receber seu último suspiro!
“E vós, almas que quereis ser minhas fiéis imitadoras, contemplai também meu Corpo alquebrado por tantos tormentos, caminhando sem forças, banhado em suor e sangue. Sofra e ninguém, Dele se compadece. A multidão Me escolta... os soldados Me cercam como lobos vorazes, ávidos por devorar a presa, e nenhum tem pena de Mim!
“O cansaço é tão grande e a Cruz tão pesada; que caio desfalecido a meio do caminho... Vede esses homens desumanos levantaram-Me brutalmente: um Me puxa por um braço, outro pelas Vestes que estão coladas às minhas Feridas... este Me aperta a garganta... aquele Me agarra pelos cabelos... outros descarregam sobre meu Corpo murros e pontapés. A cruz cai sobre Mim, magoando-Me com seu peso... As pedras do caminho rasgam-Me o rosto... A areia e a poeira misturam-se ao meu Sangue turvando-Me a vista e apegando-se à minha Face: tornei-Me o Ser mais desprezível da terra!
"Andai comigo mais um pouco... Alguns passos adiante encontrareis a minha Mãe Santíssima. Com o Coração traspassado de dor vem ao meu encontro; e isto por duas razões: para recobrar à vista de seu Deus, a Força de sofrer; depois, para dar a seu Filho, com sua atitude heroica, coragem para terminar a Obra da Redenção.
“Considerai o martírio desses dois Corações: para minha Mãe, aquele que ama acima de tudo, é seu Filho... e longe de poder aliviá-lo, sabe, pelo contrário, tudo que sua presença acrescenta aos meus Sofrimentos.
“Para Mim aquela que mais amo no mundo é minha Mãe! E não somente acho-Me impossibilitado de consolá-La, mas o lamentável estado a que Me vê reduzido traspassa-a de dor semelhante à Minha, pois a morte que sofro em meu Corpo, sofre-a minha Mãe no Coração.
“Ah! como se prendem a Mim os seus olhos e como os Meus obscurecidos e ensanguentados se fixam nela! Nem uma só palavra trocamos, mas quanta coisa dizem os nossos Corações naquele mútuo e doloroso olhar!”
Jesus emudece... Parece que o amor o absorve na recordação do olhar de sua Mãe. Josefa fica suspensa naquele silêncio. Ousa afinal rompê-lo perguntando ao Mestre se sua Mãe tinha tido conhecimento de suas dores durante aquelas horas trágicas.
“Sim — responde com bondade — Todos os tormentos de minha Paixão estavam-Lhe presentes ao espírito por divina revelação. Além disso, alguns dos meus Discípulos, embora de longe, com medo dos Judeus, procuravam informar-se do que se passava para lhe contar...
“Logo que ela soube da sentença de morte pronunciada contra Mim, saiu a meu encontro e não mais Me deixou até que Me depusessem no sepulcro.
“Durante este tempo a comitiva se adianta no Caminho do Calvário...
“Aqueles, homens iníquos, receando que Eu morresse antes do termo, movidos por maldade atroz e não por compaixão, combinam entre si procurar alguém que Me ajudasse a carregar a Cruz. Foi então que requisitaram por preço módico um homem dos arredores, chamado Simão...
“Mas basta por hoje, amanhã falaremos nisso.
"Vai pedir às Madres que te deem licença para fazeres Hora Santa todas as noites desta semana e que me deem liberdade para te ocupar quando Eu precisar de ti, seja a que hora for.”
Ela hesita dentro do coração, mas o Mestre insiste com firmeza:
“— Não te esqueças de que tenho todos os direitos sobre ti. Só as superioras que Me representam podem dispor de ti e são elas que Me dão essa liberdade total.”
“Confundida em sua Presença — escreve humildemente — prostrei-me a seus Pés para Lhe pedir perdão!...”
O que a detém, nunca é o medo de sofrer, mas sim o desejo, sempre veemente, de trabalhar e de servir, desejo que nunca chegará a dominar definitivamente mas que será, até o fim, objeto a imolar e alimento para seu amor.
Naquela noite, segundo o desejo de Nosso Senhor, abre-se a série de magníficas Horas Santas em que seu Coração de novo se revelará às almas.
Já está Ele na pequena tribuna de São Bernardo, quando Josefa chega pelas nove horas da noite. A tristeza Lhe impregna toda a atitude e o Rosto está coberto de poeira e sangue.
"Josefa — diz, assim que ela acaba de renovar os Votos — quero que me faças companhia durante esta hora e que partilhes a minha tristeza na prisão. Contempla-Me no meio da turba insolente...
“Penetra no fundo do meu Coração... estuda-O, vê como sofre por se achar sozinho, pois todos os que se diziam meus amigos deixaram-Me... todos Me abandonaram!
“ó meu Pai, ó Pai Celeste! Ofereço-Vos esta tristeza e esta solidão de meu Coração a fim de que Vos digneis acompanhar e amparar as almas à sua passagem do tempo para a eternidade!” “Ficou em silêncio... adorei-O — escreve ela — depois supliquei-Lhe que me desse a Cruz.”
"Sim, vou dar-ta e teu coração será traspassado pela mesma tristeza que o Meu.
“Ah! como tua pequenez poderá tornar-se grande, Josefa, se fores uma só coisa comigo...
Deixa teu coração mergulhar nos sentimentos de humildade, de zelo, de submissão e de amor em que o Meu se abismou, no meio das afrontas de que fui vítima durante minha Paixão. Pois outro desejo não tinha senão glorificar a meu Pai, restituir-lhe a honra que o pecado lhe havia roubado e reparar as ofensas com que os homens O ultrajam. Foi por isto que Me abismei em tão profunda humildade, submetendo-Me a tudo aquilo que seu Bel-prazer exigia, e, abrasado de zelo por sua Glória e de amor por sua Vontade, aceitei sofrer com a maior resignação.”
Calou-se Jesus novamente e depois retomou:
"Meu Deus e meu Pai Glorifique-Vos a minha dolorosa solidão! Aplaquem-Vos minha paciência e minha submissão. Não descarregueis a vossa justa ira sobre as almas! Mas olhai para o vosso filho.
Vede-Lhe as Mãos atadas pelas correntes com que O amarraram os algozes. Em nome da admirável paciência com a qual suportou tantos suplícios, perdoai as almas, sustentai-as, não as deixeis cair sob o peso de suas fraquezas. Acompanhai-as nas suas horas de “prisão” e dai-lhes Força para suportar as penas e misérias da vida, com inteira submissão à vossa santa e adorável Vontade.” Depois de longo momento de silêncio Jesus disse:
“Agora vai, Josefa, leva minha Cruz e durante esta noite não Me deixes só, mas faze-Me companhia na Prisão.”
“Como há de ser, Senhor? — pergunta timidamente — tenho medo de adormecer e não mais pensar em Vós.”
O Mestre divino responde então com divina condescendência:
Sim, Josefa, podes e deves dormir, sem entretanto Me deixares só.
“Quando as almas não têm possibilidade, como desejariam, de ficar longas horas em minha Presença, porque são obrigadas a tomar repouso ou a se entregar a ocupações que absorvem suas faculdades, nada lhes impede fazer comigo uma convenção em que melhor provarão o seu amor do que no ardor da devoção livre e tranquila. Então, vai descansar como deves, mas antes, encarrega as potências de tua alma de Me renderem o culto de teu amor, durante a noite inteira. Dá liberdade aos mais ternos afetos de teu coração a fim de que durante o sono dos teus sentidos eles não cessem de ficar na presença do único Objeto de teu amor.
“Basta um instante para Me dizeres: Senhor! vou dormir, ou vou trabalhar. Mas minha alma Vos fará companhia. É sua atividade que descansará durante esta noite — ou que se empregará durante este trabalho — mas todas as minhas potências ficarão sob vosso domínio e meu coração Vos conservará o amor mais constante e terno.”
“Vai em paz, Josefa, e que teu coração fique unido ao Meu.”
Essa diretiva, preciosamente recolhida, será um dos consolos de seus últimos meses na terra. Ela tentou exprimi-la com estilo, talvez inábil, mas as almas fiéis saberão descobrir nestas linhas o valor da intenção que orienta para o Hóspede interior e fixa, nas riquezas de sua Vida, as horas que pareciam inúteis para a sua Obra mas que são revestidas por ele de todo seu sentido redentor.

 

TERÇA-FEIRA SANTA - SIMÃO O CIRENEU
27 de março de 1923

“A alma que ama verdadeiramente não calcula o que faz, não pesa o que sofre.”

(Nosso Senhor a Josefa)

Na manhã da Terça-feira Santa, Josefa continua sob o ditado do Mestre, a Mensagem interrompida na véspera.
Mas antes, exige ele um ato de entrega à Vontade divina e, no silêncio da pequena cela, ela repete o oferecimento que Nosso Senhor se digna ensinar-lhe.
"Meu Senhor e Meu Deus, eis-me acompanhada ler vosso divino Filho que, apesar da minha grande indignidade é também meu Esposo. Submeto minha vontade à Vossa e me entrego completamente para fazer ou sofrer tudo o que Vos dignardes pedir-Me com o único fim de dar glória à vossa Majestade infinita e de cooperar na salvação e na santificação das almas. Recebei nesta intenção os Méritos e o Coração de Jesus Cristo, vosso Filho, que é meu Salvador, meu Pai e meu Esposo.”
Josefa beija o chão e pega na pena:
“E agora — diz Jesus — continuemos a Obra.
“Contempla-Me no caminho do Calvário, carregando a pesada cruz. Olha, atrás de Mim, Simão, que Me ajuda a carregá-la, e considera duas coisas:
“Primeiramente, aquele homem, embora de boa vontade, é um mercenário, pois, se Me acompanha e partilha o peso da minha Cruz, é para ganhar a quantia combinada. Então, quando se sente cansado, deixa pesar mais o fardo da cruz sobre meus Ombros e é por isso que caio mais duas vezes no caminho.
“Em segundo lugar, esse homem foi requisitado para Me ajudar a carregar uma parte da cruz mas não toda a minha Cruz. venhamos ao sentido figurado pelas duas circunstâncias:
“Simão foi requisitado, quer dizer, ele tem Certo interesse no trabalho ao qual é obrigado.
“Assim acontece com muitas almas que caminham após Mim. Aceitam, sim, ajudar-Me a levar a cruz, mas sempre desejosas de consolo e repouso!
Consentem em seguir-Me e, com esse fim, abraçaram a vida perfeita, mas sem abandonar o próprio interesse que continua sendo o seu primeiro cuidado. Por isso vacilam e deixam cair a minha Cruz quando a sentem muito pesada. Procuram modo de sofrer o menos possível, calculam sua abnegação, evitam certo cansaço, certa humilhação, certo trabalho e, lembrando-se talvez com pena do que deixaram, tratam de conseguir ao menos alguns prazeres. Numa palavra, há almas tão interesseiras, tão egoístas que, estando dispostas a seguir-Me, mais por si mesmas do que por Mim.
Não aceitam senão aquilo que não podem evitar ou que as obriga estritamente... Essas almas ajudam-Me a carregar pequenina parte de minha Cruz e de tal modo, que adquirirão apenas os merecimentos indispensáveis à sua salvação. Mas na eternidade, verão quão atrasadas ficaram no caminho.
“Pelo contrário, outras almas há, e numerosas, que, movidas pelo desejo de sua salvação, mas muito mais ainda, pelo Amor daquele que sofreu por elas, decidem seguir-Me no caminho do Calvário. Abraçam a vida perfeita e se entregam a meu Serviço, não para levar parte da Cruz, mas para carregá-la toda inteira. Seu único fim é dar-Me repouso e consolar-Me. Elas se oferecem para tudo o que minha Vontade pedir e não procuram senão o meu agrado. Não pensam, nem na recompensa, nem nos merecimentos que possam adquirir, nem no cansaço, nem no sofrimento que daí sobrevenha. Seu único desejo é provar-Me seu amor e consolar meu Coração.
“Se minha Cruz se apresentar sob forma de enfermidade, ou se esconder num emprego contrário a seus gostos e aptidões... se tomar aparências de esquecimento ou de oposição da parte das pessoas que as rodeiam, saberão reconhecê-la e aceitá-la com toda a submissão de que é capaz sua vontade.
“Às vezes, sob o impulso de grande amor por meu Coração e de verdadeiro zelo pelas almas, fazem o que julgam melhor em tal ou qual circunstância. Mas toda sorte de penas e humilhações respondem à sua expectativa. Então as almas impelidas puramente pelo Amor, descobrem a minha Cruz nesse fracasso, adoram-na, abraçam- na e oferecem por minha Glória toda a humilhação que lhes sobrevém.
“Ah! estas almas são por certo as que levam verdadeiramente todo o peso da minha Cruz, sem outro interesse nem outra paga senão o Amor! são as que repousam meu Coração e o glorificam.
“Convencei-vos pois, de que, se vossa abnegação e vossos sofrimentos tardam a frutificar ou parecem, às vezes, não dar fruto algum, nem por isso foram vãos e inúteis. Um dia a colheita será abundante.
“A alma que ama deveras, não calcula o que faz nem pesa o que sofre. Não regateia canseiras, nem trabalhos, não espera recompensa mas procura tudo o que parece dar mais glória a Deus.
“E porque age com lealdade, seja qual for o resultado; não procura desculpar-se nem justificar suas intenções. E porque age por amor, seus esforços e suas mágoas redundarão sempre na glória de Deus. Assim, não se agita nem se inquieta... e menos ainda, perde a paz se, em alguma ocasião se vir contrariada e humilhada: o único motivo de suas ações é o amor, seu único fim!”
“Eis as almas que não buscam salários e só procuram meu Consolo, meu Repouso e minha Glória. São as que tomaram a minha Cruz, e a carregam com todo o seu peso sobre os ombros.”
Não espera Jesus, para ajudá-lo, de verdade, sob a Cruz, esses corações generosos que O amam com amor sincero, leal, desinteressado?... Se Ele se dignou traçar o plano dessa cooperação 'tão cara a seu Coração, não foi porventura para despertar o amor de grande número de almas, daquelas que Santa Teresa já definia nesses termos:
“uma alma que sabeis ser toda vossa... uma alma que se abandona a Vós, para seguir-Vos aonde quer que vades... e até a morte da Cruz... uma alma resolvida a ajudar-Vos a carregar vosso fardo sem nunca Vos deixar sozinho a aguentar o seu peso”.
Esta cruz bendita, Jesus vem trazer a Josefa, quando à noite o silêncio envolve a casa dos “Feuillants” e Ele a encontra na tribuna onde começara a Hora Santa.
“Josefa, estás aqui?... Vem fazer-Me companhia” diz entregando-lhe a Cruz.
“Põe-te bem perto de Mim para proteger-Me contra os ultrajes e os insultos de que fui Vítima em presença de Herodes.
“Contempla a vergonha e a confusão em que fui mergulhado, ouvindo as palavras de escárnio e de irrisão daquele homem...
“Dá-Me, sem cessar, testemunho de adoração, de reparação e de amor.
“Adeus! Guarda a minha Cruz... Amanhã preparar-te-ei para o grande Dia de meu Amor!” A noite termina sob perseguição diabólica. Nosso Senhor não lhe havia ensinado outra vez mais a reconhecer sua Cruz e ajudá-Lo a carregá-la, sob qualquer aspecto que se apresentasse?
Ela crê no Seu Amor no meio de todo o sofrimento.

 

QUARTA-FEIRA SANTA: A CRUCIFICAÇÃO
28 de março de 1923

“Ficai atentos, Anjos do céu, e vós almas que Me amais!...”

(Nosso Senhor a Josefa)

Na manhã de Quarta-feira Santa, 28 de março é ao Calvário que o Senhor conduz Josefa em pós de Si...
“Beija o chão — diz-lhe, acercando-se dela na pequena cela. — Humilha-te, pois és indigna de recolher minhas Palavras... Mas amo as almas e é por elas quo venho a ti.
“Eis que nos aproximamos do Calvário. O povo se agi a enquanto Eu mal posso caminhar... e em breve, extenuado de cansaço, caio pela terceira vez.
“Minha primeira queda obterá aos pecadores aferrados no pecado força para se converterem.

“A segunda encorajará as almas fracas, cegas pela tristeza e inquietação a se erguerem e prosseguirem com novo ardor no caminho da virtude... A terceira ajudará as almas a se arrependerem na hora suprema da morte.
“Chegamos ao termo do caminho. Olha com que avidez esses homens endurecidos Me cercam... Uns se apoderam da cruz e a estendem sobre o solo... outros arrancam-Me as Vestes. Minhas feridas tornam a abrir-se... o sangue jorra de novo...
“Considerai, almas que amo, qual foi minha vergonha, vendo-Me assim exposto diante da multidão!... Que dor para meu Corpo e que confusão para minha Alma!...
“A túnica com que Me vestira minha Mãe desde os meus primeiros anos, com tanto cuidado e delicadeza, e que crescera comigo, os cruéis soldados ma arrancaram e deitaram sortes sobre ela...
Partilhai a aflição de minha santa Mãe, que contempla a horrível cena!... E vede com que desejo quereria recuperar aquela túnica tinta no meu Sangue!...
“Soou a hora!... Os algozes Me estenderam sobre a Cruz Agarraram-Me os braços e os distendem até que minhas Mãos atinjam os buracos jã furados na madeira.
“A cada sacudidela minha Cabeça é balançada de um lado a outro e os espinhos penetram mais profundamente... Ouvi o primeiro golpe de martelo que crava a minha Mão direita! Ressoa até às profundezas da terra!... Escutai ainda: estão cravando a minha mão esquerda... os céus estremecem e os anjos se prostram diante desse espetáculo...
“Eu, porém, guardo o mais profundo silêncio e nenhuma queixa escapa de meus lábios.
“Depois de me terem cravado as mãos, puxam cruelmente pelos meus pés: as feridas se abrem... rompem-se os nervos... desconjuntam-se os ossos...
a dor é intensa... os pés são traspassados e meu sangue banha a terra!
“Contemplai por um instante estas mãos e estes pés dilacerados e ensanguentados... este corpo coberto de feridas... esta cabeça traspassada por agudos espinhos, suja de poeira, inundada de suor e sangue!
Admirai o silêncio, a paciência e a conformidade com os quais aceito este cruel sofrimento.
“Quem é Aquele que sofre assim. Vítima de tantas ignomínias?... É Jesus Cristo, o filho de Deus!... Aquele que fez o céu e a terra e tudo que existe... Aquele que faz crescer as plantas e dá vida a todo ser...
“Aquele que criou o homem e cujo infinito poder sustenta o universo... Aí está imóvel, desprezado, despojado de tudo!... Mas, dentro em pouco, uma multidão de almas correrão a ele para imitá- Lo e seguir-Lhe os passos... tudo abandonarão: fortuna, bem-estar, honra, família, pátria, para Lhe render Glória e provar-Lhe o amor que lhe são devidos.
“E agora, ficai atentos, anjos do céu, e vós, almas que Me amais! Os soldados vão voltar a Cruz para rebater as pontas dos cravos a fim de que o peso de meu Corpo não os arranque... Este Corpo sagrado vai dar o ósculo de paz à terra...
Então o cimo do Calvário presencia o mais admirável dos espetáculos... aos rogos de minha Mãe que, na sua impotência, implora a Misericórdia do Pai Celestial, legiões de Anjos desceram... Vieram sustentar meu Corpo adorável a fim de que não roçasse na terra e não fosse esmagado pelo peso da cruz!...
“E, enquanto os golpes de martelo ressoam de este a oeste, o mundo estremece, o céu emudece no mais rigoroso silêncio, todos os espíritos angélicos prostram-se em adoração... Um Deus pregado na cruz!
"Pára, Josefa! Contempla teu divino Esposo estendido sobre a cruz! Está sem movimento... sem honra e sem liberdade... tudo lhe foi roubado!...
“Não há quem se apiede e compadeça da sua dor!
“Não cessam zombarias e novos opróbrios, novas dores acrescentam-se aos tormentos que padece.
“Se deveras Me tens amor, não estarás disposta a tudo, para te tornares semelhante a Mim ?
“A que te pouparás para Me consolar? .. Recusarás alguma coisa a meu Amor?... E agora prostra-te até o chão e deixa-Me dizer-te uma palavra:
“Minha Vontade triunfe em ti!
“Meu Amor te destrua!
“Tua miséria Me glorifique!”
Josefa fica muito tempo prostrada com o rosto por terra. Que se passaria entre ela e o Mestre?... A que profundezas de aniquilamento quer reduzi-la?... e a que compromisso a convida ele, que nunca fala em vão e cujas palavras é um ato que sua Onipotência pode realizar instantaneamente na alma que se oferece à sua ação?
Quando ela se ergueu Jesus desaparecera. As dez horas dirige-se à Capela das Obras para seguí-lo no Caminho do Calvário. Jesus a espera:
“Eu te acompanharei — dissera pela manhã — no estado em que Me achava, quando atravessei, debaixo da cruz, as ruas de Jerusalém.”
"Trazia a túnica branca — escreve ela — um manto vermelho sujo de sangue e rasgado em vários lugares. A coroa se lhe enterrava na fronte... O semblante sulcado pela tristeza, trazia manchas de pancadas e escorria-lhe sangue quase coagulado.
“Aproximou-se de mim e disse:
“Josefa, vem-Me contemplar no doloroso caminho do Calvário.
“Adora meu Sangue derramado e oferece-O ao Pai Celeste pela salvação das almas.”
Ela se levanta e O segue. ele caminha diante dela e se detém em cada estação. Ela se prostra, e beija o chão para adorar o seu Sangue, depois escuta os desabafos daquele Coração Sagrado. Lembra-lhe em poucas palavras a significação de suas dores e lança um grito de amor às almas que chama após si.(1)

(1) Dois dias depois, na manhã de sexta-feira Santa Nosso Senhor virá repetir e ditar essas confidências da Via Dolorosa mostrando assim a que ponto deseja que nenhuma palavra se perca.

Toda a manhã se passa naquela atmosfera de dor e amor de que a alma de Josefa está impregnada. Poderia ser de outra forma?
E entretanto, como sempre a viram, como a verão até o fim, está entregue ao seu dever quotidiano sem que nada a desvie... mistério da Força divina que a possui e maneja a seu bel-prazer, na graça do momento presente.
Na noite de Quarta-feira Santa, quando tudo dorme na grande casa, ela vai à tribuna onde tem licença para fazer Hora Santa. Mal se ajoelha, Nosso Senhor lhe aparece no esplendor de sua beleza.
Desaparecera todo sinal de dor e seu Coração abrasado parece mergulhado num incêndio.
“Josefa — diz com veemência — amanhã é o dia do Amor! Olha para meu Coração: não pode conter o ardor que O consome de se dar, de se entregar, de permanecer no meio das almas.
Ah! como espero que He abram seu coração, que Me guardem e que o fogo que devora o Meu as fortifique e as abrase.”
"Seu Coração se dilatava no meio das chamas e estava ião formoso que não posso explicar — escreve Josefa. — Pedi-lhe que me consumisse também com o Amor verdadeiro que nunca Lhe resiste. ele prosseguiu:
“Deixa-Me entrar em tí, trabalhar em ti, consumir-te e. destruir-te a fim de que não seja mais a tua vontade que opere, mas a Minha em ti.
"Olha como meu Amor estremece à vista de todas as almas que Me receberão amanhã, que se deixarão dominar pela Ação divina e serão o consolo de meu Coração.
“Sim amanhã o Amor transbordará, se entregará. .. Como este pensamento Me consola e como este desejo Me devora... Dar-Me às almas... que elas se deem a Mim. Tu, Josefa, entrega-Me todo o teu coração, sem temor de tua pequenez. Deixa o Amor te possuir e te transformar.”
Dizendo estas palavras Jesus desaparece. A noite termina para Josefa na recordação do ardor divino no qual ela mediu, uma vez mais, a profundeza daquele Coração que tanto amou as almas!...

 

O GRANDE DIA DO AMOR
29 de março de 1923

“O Amor se humilha... O Amor se dá!...”

(Nosso Senhor a Josefa)

“Josefa! Eis o grande Dia do Amor...
Eis o seu dia de festa!...” diz Nosso Senhor na alvorada da Quinta-feira Santa.
Está ela em oração na cela e O vê aparecer de repente, como na véspera, com o Coração envolto em chamas. Renova os Votos e prostrando-se o adora.
Jesus prossegue:
“Sim! Eis o dia em que Me entrego às almas a fim de ser para elas o que quiserem que Eu lhes seja: serei Pai, se Me quiserem por Pai...
Esporo se Me desejarem como Esposo... Tornar-Me-ei sua Força se têm necessidade de força e se almejam dar-Me consolo, deixar-Me-ei consolar... Meu único desejo é dar-Me e inunda-las com graças que meu Coração lhes prepara e que não pode conter!... Para ti, Josefa, que serei?
"Meu Tudo, Senhor, porque nada tenho!”
Jesus se inclina para ela com aquela divina Simplicidade que só Ele pode ter:
“Bem o dizes: Jesus, o Tudo de Josefa... Josefa, a miséria de Jesus!”
Parece neste instante que Jesus não pode conter a ardente efusão de seu Coração. Depois sua Voz muda e acrescenta com gravidade:
“E é o Amor que Me vai conduzir à morte Então, olhando para Josefa:
“Hoje estás amparada, consolada, fortificada pelo Amor. Amanhã O acompanharás e sofrerás com Ele até o Calvário!”
As sombras da Paixão vão descer com efeito, sobre este dia tão luminoso. Durante a noite, passada em parte diante do Senhor encontra ela os tesouros que aprendera a estimar e a levar; a Cruz, a Coroa, as angústias e as dores do Mestre. Por volta de meia noite Ele lhe aparece e chama-a a partilhar da solidão de sua Prisão. A túnica branca está esfarrapada e manchada de sangue. O Rosto traz marcas de dor e dos maus tratos sofridos.
“Josefa — diz — Tu Me consolaste... Venho buscar a minha Cruz.”
Depois, mergulhando nela aquele Olhar penetrante:
“Agora faze-Me companhia. Não Me deixes sozinho na prisão... quando Eu levantar os Olhos para te procurar, encontre o teu olhar fixo em Mim.
“Sabes quão grande é para a alma que sofre o consôlo de ter alguém que dela se compadeça.
“Tu que conheces a ternura de meu Coração, podes calcular a minha Dor no meio dos ultrajes dos inimigos e ao abandono dos Meus!”
Jesus desaparece então, deixando-lhe como despedida de amor:
“Não te digo adeus porque ficas sempre perto de Mim.”

 

SEXTA-FEIRA SANTA: AS SETE PALAVRAS
30 a 31 de março de 1923

“Tudo o que estás vendo, escreve-o.”

(Nosso Senhor a Josefa)

É por meio de uma presença mútua que o Salvador associa Josefa à sua Paixão no alvorecer da Sexta-feira Santa.
ele manifestar-lhe-á visivelmente as suas dores que se lhe imprimirão, ao mesmo tempo, no corpo e na alma.
Ela seguirá as divinas pegadas, partilhando a compaixão de sua Mãe, enquanto a sequência dos fatos se representará hora a hora sob os seus olhos.
Quem será capaz de calcular a intensidade dessa união e a realidade dessa configuração com os sofrimentos de Jesus Cristo?
Josefa tentará descrever algo do que vê, ouve e sofre. Os termos ficarão sempre impotentes na sua pena. São entretanto testemunho ainda mais precioso por causa de sua simplicidade e merecem, por isso, conservação.
“Pelas seis da manhã, relata ela, vi-O na meditação, como durante a noite, mas sobre a túnica branca estava atirado um manto vermelho. Parecia extenuado.
Disse-me logo:
“Josefa, dentro em breve os inimigos vão carregar os meus Ombros com a cruz que é tão pesada ! ”
“Supliquei-Lhe que ma desse pois queria tanto aliviá-Lo!”
“Sim, toma-a e que teu amor Ma suavize um pouco.
“Dei-te a conhecer os meus Sofrimentos...
segue-Me neles... acompanha-Me e toma parte em minha Dor. ”
Ainda pela manha volta para ditar a Josefa a Via Sacra que fizera com ela dois dias antes.
“Seu Rosto estava arranhado — escreve ela — os Olhos inchados e ensanguentados! Deu-Me os Pés a beijar na sétima, na décima primeira e na décima terceira estação. Antes de partir disse-Me:
“A hora da crucificação está próxima... quando ela soar, far-te-ei saber."
“Por volta de meio dia e meio, tornei a vê-Lo. A túnica está arrancada até à cintura”.
“Eis o momento em que os algozes vão pregar-Me na Cruz, Josefa. Põe tuas mãos sob as minhas Mãos... teus pés sob os Meus a fim de te unires estreitamente à minha Dor... que teus membros sofram com os meus Membros e que minha Cruz seja a tua cruz."
“ Então — escreve ela — uma dor tão violenta traspassou-me as mãos e os pés que todo meu corpo ficou abalado... Ao mesmo tempo ouvi os golpes de martelo, lentamente repetidos e que ressoavam ao longe... Com voz apagada, pronunciou as seguintes palavras:
“Eis a hora da Redenção do mundo! Vão erguer-Me do chão e oferecer-Me em espetáculo de escárnio aos olhos da multidão... mas também à admiração das almas!...”
“Alguns instantes depois, tornei a vê-Lo. Estava cravado na cruz e a cruz levantada:
“O mundo encontrou de novo a paz!... Esta cruz que então fora instrumento de suplício onde expiravam os criminosos, tornou-se a luz do mundo e o objeto da mais profunda veneração!
“Nas minhas Chagas sagradas os pecadores haurirão perdão e vida... Meu Sangue lavará e apagará todas as manchas... Nas minhas Chagas sagradas as almas puras virão saciar a sede e abrasar-se em amor... Aí, se refugiarão e fixarão para sempre sua morada...
"O mundo encontrou seu Redentor e as almas escolhidas o Modelo que devem imitar...
“E tu, Josefa, estas Mãos são tuas, para te ampararem... estes Pés para te seguirem sem nunca te deixarem sozinha!
“Tudo o que estás vendo, escreve-o.”
De novo tenta Josefa traçar o retrato do Salvador.
Sabe que não se manifesta para ela senão para almas e que ela só está ali para transmitir o testemunho das suas dores. Com toda a aplicação que lhe é capaz, esforça-se por não omitir traço algum.
“Estava pregado na cruz. A coroa cingira sua cabeça com grandes espinhos que se enfiavam profundamente. Um deles mais comprido que os outros entrava em cima da testa e saía perto do olho direito que estava todo inchado. O Rosto, sujo e ensanguentado, pendia para a frente inclinado do lado esquerdo. Os olhos, embora inchados e injetados de sangue estavam ainda abertos e olhavam para o chão. sobre todo o corpo ferido, viam-se as manchas das pancadas que haviam até, em certos lugares, arrancado pedaços de pele e de carne. O Sangue escorria-Lhe da Cabeça e das outras Feridas. Os lábios estavam roxos e a boca levemente torcida, mas da última vez que O vi havia voltado ao aspecto normal. Esta vista inspira tanta compaixão que é impossível contemplar Jesus assim, sem ter a alma traspassada de dor! O que mais oena me causava era que ele nem tinha a liberdade cie levar a mão ao Rosto. Vê-Lo assim pregado, pelas mãos e pelos pés, dar-me-á Força para tudo abandonar e submeter-me à sua Vontade, mesmo no que mais me custar. O que também notei quando O vi assim crucificado foi que Lhe haviam arrancado a barba que dava tanta majestade ao seu rosto. Os cabelos que são tão belos e lhe dão tanta formosura ao semblante estavam emaranhados e colados pelo sangue e caíam-Lhe sobre a Face.” Compreende-se que tal espetáculo a deixe aniquilada e como que perdida na dor. A tarde se passa naquela pequena cela testemunha de tantas graças e que hoje, por misteriosa vontade de Deus, assemelha-se ao cume do Calvário.
Reina aí o silêncio e uma oração muda associa a alma de Josefa à Oblação Redentora.
“Pelas duas e meia da tarde — prossegue ela — Jesus falou com voz entrecortada.” Então ela recolhe as sete Palavras que Jesus crucificado amplifica no ardor da última efusão.
“Ó meu Pai — disse — perdoai-lhes pois não sabem o que fazem.
“Não! Não conheceram Aquele que é sua Vida.
Descarregaram sobre ele todo o furor de sua iniquidade. Mas Eu vos suplico, ó meu Pai, descarregai sobre ele toda a força da vossa Misericórdia!”
“— Hoje, estarás comigo no Paraíso.”
“... porque tua fé na Misericórdia do teu Salvador apagou todos os teus crimes... ela te conduz à Vida eterna.
“Mulher, eis o teu Filho.”
“ó minha Mãe! eis os meus irmãos... guardai-os, amai-os... Não estais mais sozinhos, ó vós por quem dei a minha Vida! Tendes desde agora uma Mãe à qual podeis recorrer em todas as vossas necessidades.”
Aqui Josefa interrompe a narrativa:
“Vi perto da cruz a Santíssima Virgem, de pé, e olhando para Jesus. Estava vestida com uma túnica roxa e envolvida num véu da mesma côr. Disse com voz dolorosa, mas firme:
Vê, filha até onde o reduziu o Amor pelas almas! Aquele que contemplas neste estado tão triste e lastimável é o meu divino Filho: o Amor O conduziu à morte!... é o Amor que O impele a unir todos os homens com laços de irmãos dando-lhes a todos sua própria Mãe.”
Jesus continuou:
“Meu Deus!... Por que Me abandonastes?
“Sim, a alma tem já direito de dizer a seu Deus: por que me haveis abandonado? Com efeito, o homem, depois de consumado o Mistério da Redenção, o homem tornou-se filho de Deus, irmão de Jesus Cristo, herdeiro da Vida eterna.”
“— Tenho sede!”
“ó meu Pai! tenho sede de vossa Glória e... eis que chegou a hora!... De ora em diante, pela realização de minha palavra, o mundo conhecerá que fostes Vós que Me enviastes e sereis glorificado.
“Tenho sede das almas e, para aplacar esta sede, dei até a última gota de meu Sangue!... Por isso posso dizer:
"— Tudo está consumado!”
“Agora se cumpriu o grande Mistério de Amor pelo qual Deus entregou à morte o seu próprio Filho para restituir a vida ao homem.
“Vim ao mundo para fazer a vossa Vontade: ó meu Pai, está cumprida.
"Em vossas Mãos entrego minha alma e a Vós encomendo o meu Espírito.
“Assim as almas que cumpriram a minha Vontade poderão dizer com verdade: “Tudo está consumado”.
“Meu Senhor e meu Deus, recehei a Minha alma, eu a ponho ean vossas Mãos.”
“— Josefa, o que ouviste, escreve-o quero que as almas escutem e leiam o que está escrito... afim de que se refrigerem as que têm sede e se saciem as que têm fome."
“Quando terminou estas palavras, desapareceu:
“A cruz, os cravos, a tristeza da alma, um sofrimento que não posso explicar... guardei tudo isso até pelas seis horas da tarde, quando tudo cessou de repente, menos as dores da coroa de espinhos.”
A prodigalidade das Visitas divinas encerra-se na tarde da Sexta-feira Santa.
O dia de Sábado de Aleluia se escoa sob a impressão das dores da véspera, de que Josefa não se pode afastar.
Na noite de Páscoa, pelas duas horas e meia da manhã, a Santíssima Virgem lhe aparece, de repente, radiante de beleza:
“Filha — diz apenas — meu Filho, teu divino Esposo, não sofre! Ressuscitou glorioso... Suas Chagas são agora a Fonte onde as almas virão haurir graças incontáveis e a Morada onde os mais miseráveis acharão abrigo.
“Prepara-te, Filha, para adorar as Chagas gloriosas!”
No mesmo instante a Santíssima Virgem desapareceu.
“Não posso contar a pena que tive — escreve Josefa — vendo-a partir..
Eu queria voar atrás dela para não ficar só! Mas não mais A vi!”

 

IV - MARMOUTIER

VIDA DE FÉ
1.o de abril a 2 de maio de 1923

“Os caminhos do Senhor são impenetráveis aes olhos das criaturas.”

(A Santíssima Virgem a Josefa - 19 de abril de 1923)

Surgiu a aurora de Páscoa e Josefa já se preparava para adorar as Chagas gloriosas de seu Deus. Mas a outra preparação a havia convidado Nossa Senhora, pois só nove meses a separam de sua entrada no Reino, onde os eleitos se inebriam para sempre nas Fontes do Salvador.
Aqui na terra não mais delas há de beber senão de passagem, algumas gotas necessárias à jornada seguinte.
Jesus, que lhe abrira amplamente Seu Coração, confiando-lhe para as almas, o sentido de suas Dores, Jesus que a fortalecera, associando-a à sua Paixão, deixa-a agora sobre si mesma, como instrumento desnecessário por algum tempo... Gosta de reduzi-la a seus próprios limites.
É então que continua, sem que ela o sinta, a Obra de seu Amor que é sempre trabalho de destruição e moite, para deixar lugar à sua Vida e à liberdade de sua Ação. Josefa tem fé nessa Ação, está certa desse Amor. Entrega-se às suas disposições mas, alma delicada, não tarda a recear ser culpada da ausência e do silêncio do Mestre.
“toda semana da Páscoa passou — escreve ela - sem que Jesus voltasse... Se ei eu que ponho obstáculo à sua volta?...”
Corajosa e fiel ao dever, como sempre, entregou-se toda inteira ao trabalho, na rouparia, onde suas auxiliares mesmo durante a quaresma, sempre a encontraram presente e pronta para ajudar.
Essa oficina, representando o centro da sua dedicação no ano de 1923, não pode passar sem que nela penetremos. É uma vasta sala no primeiro andar dos Vieux Feuillants.
As janelas das duas fachadas abrem-se sobre a capela, separada apenas daquela parte do prédio por um pequeno pátio interior.
Durante muitos meses Josefa ocupou ai uma das camas, que faziam outrora daquela sala um dormitório.
Venera-se aí o lugar em que Jesus frequentemente lhe apareceu com a Cruz. Foi ali que sofreu os primeiros assaltos diabólicos em dezembro de 1921; ali também que Nossa Senhora a presenteou, pela primeira vez, com as preciosas Gotas de Sangue de seu Filho (16 de outubro de 1922). Aquela sala um pouco isolada, clara e espaçosa, transformara-se em oficina de costura, quando Josefa fora encarregada da confecção dos uniformes das alunas. Passa aí então grande parte do dia, cercada das noviças e postulantes que ela vai formando e guiando. Desde o começo procurou tornar seu pequeno domínio um oratório, onde se rezasse quase sem interrupção... um prolongamento do sacrário, onde ela ensinasse as suas auxiliares a se unirem à oblação perpétua de Jesus-Hóstia,.. um refúgio de paz e de alegria para o Coração de Jesus pela fidelidade à Regra... um paraíso de delícias, onde a mais delicada caridade não conhecesse sombras.
O mundo inteiro serve de horizonte a esse "Santuário, pois as intenções do Coração de Jesus são aí incessantemente evocadas e dão aos dedos nova agilidade, às almas novo impulso.
A preocupação de fervor não impedia a Josefa velar sobre a formação de suas Irmãs. Além da responsabilidade que lhe cabia, apreciava a felicidade de torná-las aptas a melhor servirem à Sociedade do Sagrado Coração. Não se poupa a trabalho algum, nesse sentido, descobrindo as possibilidades de cada uma, desenvolvendo-as pacientemente, suportando as inaptidões das principiantes, corrigindo ou terminando a tarefa com bondade incansável, exigindo de todas interesse, cuidado, perfeição que devem sempre acompanhar o trabalho bem feito.
“Nunca a vimos perder a paciência — diz uma noviça daquele tempo — e se alguma costura lhe parecia mal feita, dizia simplesmente: “Não se deve trabalhar assim para Nosso Senhor”. Sua autoridade firme e suave não era discutida. Respeitavam-na, queriam-lhe bem e sua presença, mais que encorajamento e estímulo, era bela e constante lição de vida religiosa.
Gostava muito das meninas, principalmente das mais novas, percebia-se isso no seu trabalho, quando lidava com elas para provar os uniformes. Sabiam que lhes era toda dedicada. Quantas vezes, à noite, passando pelos dormitórios para verificar se nada faltava, detinha-se para consertar furtivamente algum rasgão de uma menina desastrada, ou para socorrer uma pequenina em apuros.
Tudo era feito simplesmente e sem alarde, como a coisa mais natural do mundo. Mas as mestras vigilantes a observavam com gratidão e as meninas guardavam recordação do ideal de vida religiosa e abnegada que brilhava a seus olhos naquela humilde irmã.
Ao longo do dia estava toda entregue ao serviço do próximo, mas apenas ficava só, sem parar o trabalho mergulhava com delicias no recolhimento. Era o pendor de sua alma. Uma madre veio uma tarde, depois que as noviças se haviam retirado, pedir-lhe um serviço. Ela cosia ativamente, mas sua atitude revelava o objeto de seu pensamento; parecia perdida em Deus.
A religiosa contemplou-a durante alguns instantes com respeito, depois chamou-a delicadamente. Ela estremeceu e, com esforço, lançou sobre a interlocutora um olhar cheio de Nosso Senhor; depois levantou-se logo com a habitual deferência, mas sua alma parecia voltar de muito longe. Muitas religiosas tinham ocasião de estar em contato com ela, pois Josefa punha sempre seu tempo, sua agulha, sua habilidade, ao serviço de quem precisasse. Podia-se vir à vontade confiar-lhe uma costura à máquina, um objeto para terminar ou passar a ferro, uma peça a cortar... e nos dias de festa ajudava a fantasiar as atoras para as sessões recreativas do colégio. Por ocasião das cerimônias de Primeira Comunhão, punha toda a sua fé e todo seu amor na confecção dos vestidos e véus brancos. Logo no alvorecer do grande dia, podia-se contar com ela: nada faltava no “cenáculo” onde as queridas crianças encontravam seu enxoval preparado com todo o cuidado, sobre mesas brancas, enfeitadas de flores.
Esses detalhes nada valem, poder-se-á dizer, mas, quando é o nosso amor que os inspira e os multiplica sem tréguas, sem descanso, não será sinal seguro de total desinteresse de si mesma e de dom completo?
A vida dedicada de Josefa não se concentra apenas na sua oficina. Já falamos várias vezes nos serviços que ela presta pela casa toda; não vale a pena repetir; mas é importante, ao seguirmos o caminho extraordinário que ela trilha, nunca perdermos de vista a corajosa energia e o invariável espírito de sacrifício que a mantêm, apesar de tudo, na escravidão do dever cotidiano.
É dentro desse cenário que Nosso Senhor vai continuar o seu plano no mês de abril de 1923, sem que ela o veja e sem que dele tenha consciência. No segredo de cada um de seus dias, esconde Jesus as maravilhas de sua Ação divina.
A oitava de Páscoa terminou ainda na expectativa e as semanas seguintes trouxeram horas sombrias. O leão a rugir, que não cessa de rondar, procurando a presa, nunca anda longe das encostas que Josefa tem de galgar. Torna, pois, a aparecer, subitamente, com todo o seu poder, e as trevas do espírito, as dúvidas do coração, as hesitações da vontade, as perseguições sensíveis de dias e noites vão tentar novamente abalar a fidelidade de Josefa.
A sua coragem temperada nas dores do Mestre, intimamente frequentadas durante as semanas da Quaresma, afrontará os assaltos renovados do demônio, não porém sem que ela experimente ainda a sua fragilidade.
Na sexta-feira de Quasímodo, 13 de abril, uma alma bem-aventurada que, do purgatório, havia solicitado seus sufrágios algumas semanas antes, é-lhe enviada do céu para fortificá-la. Lembra-lhe seu nome e acrescenta:
‘Venho de parte daquele que é a minha eterna felicidade e único objeto de nosso amor, para vos animar a continuar, no sofrimento, a trilha que sua Bondade vos traçou para vosso bem e o de muitas almas.
“Um dia contemplareis as maravilhas de amor que ele reserva não para o tempo, mas para a eternidade, às almas que mais amou. Então compreendereis o fruto do sofrimento e saboreareis tanta felicidade que a alma não poderia suportar aqui na terra!
“Coragem! Em breve voltará a paz. A obra da Redenção não te realiza senão à custa de sofrimento. Mas o sofrimento purifica e fortifica a alma, tomando-a rica em merecimento aos olhos de Deus!”
Essas palavras de uma embaixatriz do céu muito animaram Josefa. Entretanto, ela continua a padecer até a quinta-feira, 19 de abril, dia em que a Mãe celestial vem, em pessoa, amainar a tempestade.
Josefa, que não mais a vira desde a alvorada da Páscoa (23 de março; estremece de alegria Confia-lhe uma alma que sabe estar em perigo, pois seu interesse e sua prece estão voltados muito mais para as almas do que para si mesma.
“Sofrer! sofrer!... responde a Santíssima Virgem. O que tem muito valor só se compra por alto preço."
“Essa alma se há de salvar. Oferece todos os teus sofrimentos para esse fim e abandona o resultado unicamente à glória de Deus! Mas repito, minha filha, essa alma não se perderá!”
Então, com bondade, mas com firmeza, abre-lhe a perspectiva de um sacrifício inesperado.
“Jesus quer — diz Ela — que faças o sacrifício desta casa.”
Josefa fica perplexa. A Mãe do Céu não lhe dissera um dia que ela morreria nos “Feuillants”?... E que seria ela, sem o auxilio das Madres que Nosso Senhor lhe dera. ela que se sentia tão frágil?... Como poderia sozinha arcar com a responsabilidade daquele caminho que tinha que trilhar? Seu espírito se perturba, seu coração se comove.
“Não te assustes, filha — continua Maria com voz suave e convincente que a tranquiliza. — Os caminhos de Deus são impenetráveis aos olhos das criaturas... Nada temas. Este sacrifício é necessário, tanto para a tua alma como para muitas outras... Jesus te ama... não vivas senão para Ele.” No dia seguinte, sexta-feira, 20 de abril, Nosso Senhor confirma a sua Vontade - E como ela Lhe expusesse seu temor:
“Não Me tens sempre a Mim, para tudo Me confiares e Me falares de tudo? Em que ocasião te deixei sozinha?... Teu amor por Mim nada é... uma sombra apenas em comparação do que tenho por ti.
“Quero que Me dês esta prova de amor, é preciso que a minha Obra passe pelo cadinho do sofrimento. Nada temas. Ninguém descobrirá o segredo que te envolve e minha Obra brilhará mais que nunca... pois deixarei lá vestígios de minha Passagem”.
"Começa agora nova fase de tua vida. Viverás de paz e de amor e, durante este tempo, prepararemos à união eterna. Já nada nos pode separar Josefa. Tu Me amas, Eu te amo... as almas se salvam; o resto, que importa?
“Quero que cresças — acrescenta com tema compaixão — porque és tão pequenina!... Mas não te deixarei sozinha.”
Esta Vontade de Nosso Senhor, embora imprevista, coincide com a das Superioras. Aquela curta vida religiosa não deveria ser privada das graças que trazem as mudanças tão frequentes do “Sagrado Coração”. É preciso que outras pessoas além das habituais testemunhas de sua vida, possam apreciar sua virtude simples e sólida, seu desapego, sua obediência, sua fidelidade, seu humilde e total desinteresse. É preciso principalmente que o espírito que a conduz seja provado, de modo que jamais se possa dele duvidar. Tais razões de prudência e de sabedoria concordam com o plano divino.
Fica decidido que Josefa irá sem tardar para Marmoutier(1) e que nenhuma indicação sobre as suas vias extraordinárias a precederá nem a acompanhará junto das Superioras às quais será entregue. Deus, que lhe abrirá o caminho, cuidará dela segunde a sua santa Vontade. Ela pertence-Lhe e é mais ainda obra sua do que instrumento seu. Deverá, pois, ser deixada à vigilância divina...
O fim de abril encontra Josefa tranquila e pronta para tudo que a obediência decidir a seu respeito.
(1) Marmoutier, perto de Tours — Em 1923 casa de Noviciado das Religiosas do S. C.

“Embora muito me custe deixar esta casa e tudo mais a que tenho tanta afeição, pouco se me dá — escreve ela — irei para onde Jesus quiser, pois é a ele unicamente que desejo amar e agradar!
Nosso Senhor lê isso com prazer no mais profundo de sua alma.
“Josefa, tu Me consolas,” diz-lhe na segunda-feira, 23 de abril, quando está notando o assunto do seu exame particular nos seguintes termos: multiplicar pequeninos atos de fidelidade, sem nada recusar a Jesus.
“Sim, este exame Me agrada. Se fores fiel em todas as delicadezas do amor não Me deixarei vencer em generosidade. Tua alma será inundada de paz. Não te deixarei só e, justamente na tua pequenez, serás grande, pois Eu viverei em ti.” Depois acrescenta para lhe dar coragem:
“O Amor te conduz, o Amor te ampara. Sim, agora precisas crescer, precisas correr até que chegues ao abismo de felicidade que te preparo com tanto Amor!”
O dia da partida se aproxima. Josefa não tem grandes preparativos a fazer, pois o que leva é tão pouco! Até a última noite, cumpriu os misteres da sua vida ordinária, com serena simplicidade. É assim, aliás que os sacrifícios se fazem no “Sagrado Coração”, ela o sabe, aprendeu-o vendo as Madres e Irmãs. Sua alma não tem dificuldade em abraçar a Vontade de Deus.
Mas seu coração sofre com a separação profundamente sentida e, mais ainda, com a apreensão de se achar sozinha sob o peso que terá de carregar em segredo.
“Vai — repete-lhe o Mestre no domingo, 29 de abril. Vai e lá me encontrarás de novo. Não te as ustes. Dir-te-ei o que tiveres que fazer e não te abandonarei! ”
A quarta-feira, 2 de maio, é o dia da oblação.. Desde a alvorada Josefa a une à de Jesus-Hóstia e, fortalecida com a comunhão vai dizer adeus a todos os lugares caros a seu coração: a cela de Santa Madalena Sofia, o oratório da Santíssima Virgem no Noviciado, a capelinha das Obras de que tanto gesta...
Mal deixou o umbral da sua porta, encontrou Jesus:
“Vinha para mim — escreve ela — com a coroa de espinhos. Tive grande alegria, pois há já muito tempo que não mais a trago e que consolo partir com este tesouro!... Jesus ma colocou sobre a cabeça, dizendo:
“Toma-a e segue-Me.”
Alguns instantes depois deixava o mosteiro dos “Feuiliants”.
“Na plataforma da estação tornei a vê-Lo, escreve ela no caderninho destinado a conservar as palavras do Mestre durante o período que se iniciará.
Passava perto de mim e me disse :
“Caminho à tua frente.”
Repete as mesmas palavras um pouco mais tarde, quando o trem já leva a viajante para o seu destino.
“Sim, Josefa, caminho à tua frente e meu Coração é glorificado... Quantas almas vão ser salvas! e para ti quantas surpresas preparo!”
“Não mais O vi — acrescenta ela — mas sabia que estava ali e meu coração lhe falava. Ofereci-me com toda a minha alma à sua Vontade, renovei os Votos muitas vezes e pedi-Lhe que me ensinasse a amá-Lo cada dia mais, pois não procuro e não amo senão a ele...
“Entreguei-me completamente a ele e a viagem terminou com o grande consolo de poder oferecer Lhe este sacrifício da casa e das Madres por quem tenho tanta afeição.”

 

A SUBIDA NA SOLIDÃO
8 a 20 de maio de 1923

“É o Amor que te conduz!...
É Ele que te há de sustentar! ”

(Nosso Senhor a Josefa — 2 de maio de 1923).

Marmoutier, o “grande Mosteiro”! O viajante de longe o reconhece por sua “Torre dos Sinos”, pelo seu portão do século XII e pela massa imponente do edifício.
No fundo louro das encostas de Rougemont, destaca-se emergindo do vale do rio Loire que às vezes estende as águas até seus jardins. Vizinho da cidade de Tours, com a qual se comunicava outrora por um subterrâneo que passava por baixo do rio, está ligado principalmente à história nacional e religiosa da França, cujas grandes datas ainda se lhe podem ler nas pedras aureoladas pela legenda beneditina.
Marmoutier, é a Gália aberta ao cristianismo com S. Gatiano, S. Leobardo e S. Patrício, cujas grutas ainda têm seus nomes. É a França dos bispos e dos monges, com S. Martinho, seu fundador, S. Brício e os Sete Dormentes, com seus abades comandatários, título que ainda era usado por Riehelieu.
É a França dolorosa de 1791, com a expulsão dos Beneditinos, as devastações do “Bando negro”, o abandono das ruínas monásticas.
Há porém uma coisa que não morre e consagra para sempre os lugares — é a santidade. Santa Madalena Sofia sentiu-lhe os eflúvios, ao passar por ali em uma de suas viagens apostólicas ao longo do rio Loire e decidiu fazê-los reviver. Em 1847 mandava para aquela “Terra de Santos” suas filhas, a fim de que nela de novo florescesse o Amor. Àquele tesouro de vida espiritual, ali acumulado desde muitos séculos, Josefa veio trazer sua pequenina gota de amor e algo das riquezas divinas, de que era Mensageira por Vontade do Coração de Jesus. Passaria ali um mês apenas, na vida escondida e laboriosa que foi sempre a sua.
Desde o dia da chegada, entregou-se de todo o coração à sua nova família. Nada a distinguiria senão, no dizer da Madre que então se ocupava das Irmãs coadjutoras “sua fidelidade nas pequeninas coisas, sua gentileza em prestar serviço nos mais humildes ofícios, seu silêncio, seu recolhimento e a sua amabilidade no trato cotidiano.”
Entretanto, nada disso deveria ser desprovido de merecimento, porque a fina sensibilidade de Josefa depressa percebeu, sob a caridade cheia de delicadeza que a acolhia, a dúvida que pairava sobre ela o ponto de interrogação, que ninguém lhe formulava mas que dava ensejo a certa hesitação sobre as razões de sua vinda.
Por que deixara os “Feuillants?... que viria fazer em Marmoutier onde nenhuma necessidade a chamara?
“Aqui — dizia o Mestre na mesma tarde — aprenderás a amar a humilhação, Josefa, pois ela te espera. Mas é assim que a tua alma crescerá e Me glorificará.”
E insistia:
“Nada temas. É o Amor que te conduz. É ele que te sustentará. Vive de amor, a fim de poderes morrer de amor."
No dia seguinte, designaram-na como auxiliar na portaria. Emprego novo para ela, complicado pela ignorância dos lugares e das pessoas.
Nada entretanto a detém no desejo de servir. Percorre silenciosamente os longos corredores, neles perdendo-se muitas vezes e aproveitando as passagens frequentes diante da porta da capela para haurir, numa fervorosa genuflexão, a alegria tão recomendada por Nosso Senhor.
“Não temas — torna ele — tomo Eu conta de ti, como a mãe de seu filhinho. Sou Eu a alegria de tua alma. Sofrerás, mas em paz”,
Com essas palavras resume o plano de seu Coração. Este período amadurecerá a alma de Josefa e ao mesmo tempo trará uma prova mais evidente da Ação divina, que lança nela os alicerces da obra de que é instrumento.
À distância, podemos agora perceber claramente o desígnio desta determinação que fora toda de sabedoria e de amor: privada do auxílio habitual encontrado em seus guias, Josefa conhece então, não a solidão do coração, pois logo dera todo o seu à sua nova família e já se sentia de casa. mas o isolamento da alma, sob o peso do segredo que tem de carregar, sozinha diante de Deus. Sempre confiante e simples para com as Superioras, sofre por não poder abrir-lhes sua alma até aquela profundeza de graças e de provações, que constituem a razão de ser de sua vida interior e à qual não se pode furtar sem trair sua vocação. Nosso Senhor quer esta prova para fortalecer sua fé e, mais ainda, para calar nela as profundezas de desprendimento e purificação, que serão invadidas por seu Amor. Seu domínio soberano vai estabelecer-se sem obstáculo na alma de Josefa. Ele, em Pessoa, lhe dará suas diretrizes e fá-la-á galgar o cume de sofrimentos e graças que para ela será a estada na “terra dos Santos”. É preciso, para segui-la, tomar a mesma senda. Jesus lhe lembra, nos primeiros dias, o que é para ela seu Coração: sua presença, é para ela toda a felicidade... sua conduta, toda a segurança. Aproxima-se dela na oração, passa ao seu lado nos corredores como um relâmpago.
A noite, aparece-lhe de repente, quando vai começar o descanso. Ouve saírem-lhe dos lábios palavras de confiança de que sua fé viva nunca duvidara mas às quais as circunstâncias atuais dão novo relevo.
“Fala-Me — diz ele — estou contigo...
“Não estás sozinha, nem quando já não me vês... E eu te vejo... ouço-te...
“Fala-Me... Sorri-Me porque sou teu Esposo... teu companheiro inseparável...”
E, aludindo aos “Feuillants”:
“Aqui, tanto quanto lá, estás no meu Coração."
Na primeira sexta-feira do mês, 4 de maio, desde a aurora, abre-lhe seu Coração Sagrado:
“Vem, entra aqui — diz-lhe — aqui passarás o dia. Estás em Mim, Josefa, e é por isto que não Me vês sempre. Mas Eu, te vejo e isso nos basta.” Depois acrescenta, resumindo a teologia de sua Presença pela graça;
”Tu em Mim, Eu em ti. Que laço mais estreito poder á unir-nos?”
“Vejo melhor cada dia — escreve ela — que ele é minha única felicidade, meu único Amor!. peço-lhe apenas Força para ser fiel.”
Durante a Ação de graças, oferece se àquela Presença que é tudo para ela.
“Vi-O agora mesmo, tão belo e tão Paternal!”
É assim que ela tenta exprimir a segurança que lhe dá seu Olhar.
“Estou em ti, Josefa, e te amparo a fim de que no meio do sofrimento conserves essa paz que ultrapassa todos os gozos da terra e que nada te poderá arrebatar: A minha Paz... Sim, a minha paz te inundará com santa alegria... te fortalecerá e te sustentará no sofrimento. ”
E como ela lhe pedisse auxilio, “porque — escreve — eu queria, antes de tudo, dar-lhe muita glória e muitias almas.” Jesus completa sua ideia:
“O Amor te purificará, consumirá as tuas misérias e é a própria Força desse amor puro e ardente que te conduzirá à santidade: Sou Eu que farei tudo!”
No sábado, 5 de maio, Nosso Senhor lhe recorda a cooperação de amor que seu Coração espera e como essa cooperação se nutre com o bel-prazer divino escondido sob as aparências de cada momento presente:
“Quero que aprendas a ser generosa — diz Ele — pois a generosidade é fruto do amor... Mais tarde te explicarei, mas aqui, dou-te lição prática; encontrarás muitas circunstâncias através das quais não olharás senão para Mim...
“E quando te manifestarem ou te disserem alguma coisa que te magoe ou que penalize teu coração, sorri com generosidade e amor como se fosse Eu que te falasse...”
E para encorajá-la, sem lhe estorvar o trabalho, continua a aparecer-lhe aqui e acolá, semeando-lhe, ao longo dos dias, evocações de seu Amor.
“O sofrimento passa, o merecimento é eterno.
Estás sempre em meu Coração... Não Me percas de vista... o Amor te conduz... deixa tudo a meu cuidado. Sou tudo para ti.”
Nossa Senhora não haveria de ficar afastada desse caminho mais árduo.
“É o de meu Filho — lembra ela — agradece-Lhe por te fazer palmilhá-lo com ele... Participarás muitas vezes das angústias de seu Coração, (mas em Sua Paz!”
“Não receies sofrer — recomenda Ela no domingo, 6 de maio — pois é assim que atrairás às almas novas graças... Mas fica na alegria e que tudo no teu exterior seja reflexo da Paz de tua alma.”
Na quarta-feira, 16 de maio, enquanto Josefa re¬ corda a seus pés as graças e as provações dos dez meses passados depois de seus Votos, aquela incomparável Mãe tornará a fortificá-la na confiança.
“Jesus te conhece, filha sabe o que és e é assim mesmo que te ama. Tuas misérias permanecerão, a fim de que tenhas sempre que trabalhar e lutar.
“Humilha-te, mas sem perder a coragem. Já conheces, por experiência, seu Coração... Se ele pede, se quer a miséria e o nada, é para dar ensejo à sua Misericórdia e à sua Bondade que consomem e transformam tudo. ele é tão Bom!...
“Ah! se as almas O conhecessem, como O amariam mais profundamente!”
E, abençoando a filha, acrescenta:
“Paz e alegria, filha querida, humildade e amor!”
A Santa Madre Madalena Sofia acompanha-a com vigilante proteção, naquela casa caríssima a seu coração e cujas pedras conhecia todas.
Sua cela, transformada em oratório, fica' sobre o “portail de la Crosse” e ali suas filhas recorrem frequentemente à sua intercessão materna... Josefa depressa aprende o caminho.
Na manhã de têrça-feira, 8 de maio, ela para ali corre num momento de liberdade.
“Eu não sabia como fazer — escreve no seu caderninho — entre as visitas de Jesus... as perguntas que me fazem sobre as razões da minha vinda, se estou doente... se vou ficar aqui? etc... Pedia-Lhe que me ajudasse, quando, de repente, Ela apareceu:
“Estás então aqui, filha!” É tão boa, que Josefa se expande com Ela com toda a confiança, e a santa Madre continua:
“Não te direi senão uma palavra que possas saborear durante todo o dia: o amor nunca encontra obstáculos e, se os encontra, transforma-os em meios para alimentar a chama... Explicar-te-ei isto a fundo, mais tarde. Aqui, filha, entrega-te a teu dever. Ama, ama, ama!...”
Na segunda-feira, 28 de maio, Josefa a verá de nôvo, no dia de sua festa, adiada para aquela data no ano de 1923. Implorará compaixão no fundo de sua miséria e de sua pequenez que estão sempre crescendo aos seus próprios olhos.
Santa Madalena Sofia não resistirá ao Apelo daquela humilde confiança.
Aparecer-lhe-á na capela e, traçando-lhe sobre a fronte o sinal da cruz, dirá:
“Filha querida! é assim que te amo, pequena e miserável... Eu também era pequena como tu, mas achei meio de utilizar a minha pequenez dando-a totalmente a Jesus que é Grande! Entreguei- me à divina Vontade e só procurei a glória de seu Coração. Procurei viver no conhecimento de minha baixeza e de meu nada, e ele se encarregou de tudo.
“Filha, vive de paz e confiança. Sé muito humilde e abandona-te a esse Coração que é todo Amor!"
É preciso voltar à segunda semana de maio, quando Josefa envereda por um caminho que se torna cada vez mais íngreme.
Pelas perguntas que lhe fazem, pela vigilância de que se sente alvo, compreende que uma dúvida se ergueu no espírito das superioras.
Não que diminuíssem a bondade e a delicadeza paro com ela, nem a caridade tão cordial das Irmãs.
Mas sua alma é delicada demais para não perceber as sombras, embora leves, que descem em torno de si.
Nada podia ser mais penoso a seu coração... Bem o sabe o Mestre... Não deixa persistir e crescer aquela angústia senão para apressar a carreira da filha para Si. É preciso que ela suba apoiada unicamente em Deus.
Mas para ajudar a jornada quotidiana, digna-se iluminá-la com um Desejo de seu Coração.
Cada dia, vai convidá-la a dirigir seus esforços na realização dêstes divinos desejos que, passo a passo, a encaminharão para a Cruz.
Certamente naquela Josefa, pequenina e desamparada, mais fiel e corajosa, Nosso Senhor contemplava muitas almas, às quais, abrindo o horizonte dos desejos de seu Coração, descobria o segredo do generoso esquecimento de si.
Na quinta-feira, 10 de maio, festa da Ascensão, vem, durante a ação de graças, “Resplendente — escreve ela — com a Chaga irradiando luz claríssima.
“Como sois belo. Senhor!”
“Eis o dia em que minha santa Humanidade entrou no céu — diz-lhe com ardor... Queres que faça de tua alma um outro céu, onde porei todas as minhas Complacências?”
Então, ela se confunde na sua miséria.
“Pouco importa! Tua miséria Me servirá de trono e serei teu Rei.. Minha Bondade apagará tuas ingratidões. Eu te consumirei e te destruirei! Responde-Me, Josefa, consentes em dar-Me teu coração, para que Eu nele faça meu céu de repouso?
Como exprimir a totalidade de sua doação?
“Respondi-Lhe — escreve ela — que m;u coração é dele... que toda a minha alma Lhe dou... que Ele só me basta... que O amo e que, para ele, estou pronto a deixar tudo no mundo”.
Jesus parece gostar deste protesto.
“Sim, viverei sempre em ti, esconder-Me-ei em tua alma para esquecer as ofensas dos pecadores ... e, cada dia, confiar-te-ei um dos desejos de meu Coração que te esforçarás por realizar.
"Hoje, meu Desejo é que vivas da minha Alegria.
“Rezarás, para que as almas saibam desprezar os prazeres da terra para adquirir os bens eternos.
Regozijar-te-ás com a vista de teu Esposo, ao entrar como Homem na Pátria Celeste e, com ele, muitas e muitas almas santas, que esperavam ansiosamente que se abrisse para elas a bem-aventurada Mansão.
“Adeus, guarda-Me e esconde-Me em teu coração.”
Josefa passa todo o dia com os olhos fixos na Alegria do Mestre: o céu em que triunfa para sempre... sua alma, que a divina presença se digna transformar noutro céu que nuvem alguma poderá obscurecer.
Na sexta-feira, 11 de maio, a ação de graças não termina sem que Nosso Senhor venha exprimir seu novo Desejo.
“Estás aqui, Josefa?” — pergunta.
“Respondi-Lhe dizendo que preciso déle mais do que nunca.”
“Eu também te esperava.”
Depois continuou:
“— Hoje dia de Paz... mas no sofrimento .. E como não podes grande coisa, sou Eu que te presentearei com múltiplas pequenas ocasiões que aproveitarás para Me ofereceres, esta tarde, um ramalhete de perfume delicioso. Não te assustes. Sou Eu a tua Paz! e como habito e reino em ti, viverás tu também de minha Paz.”
Na tarde daquele dia, em que Jesus, fiel à sua Palavra, não lhe poupara nem dificuldades, nem sacrifícios, ela O encontra no dormitório, no momento em que vai repousar.
“Vem descansar em Mim”, diz.
Depois, reanimando suas forças esgotadas:
“Tudo passa... e o céu não terá fim! Coragem!
Sou Todo para ti e, portanto tua Força... Agora, repousa e dorme em minha Paz!.”
.. Prossegue a etapa, de comunhão a comunhão.
É naquele encontro matinal que ela recebe a senha do dia.
“Abre teu coração, a fim de que nele desça o divino Prisioneiro — diz-lhe no dia seguinte, sábado, 12 de maio, no momento em que ela O vai receber. Abre-Me teu coração, Josefa, e deixa-Me entrar.”
Ela não sabe como repetir que seu coração Lhe está sempre aberto:
‘‘Sei — responde com ternura — mas desejo e quero que cada dia a minha entrada em ti seja mais solene e que tenhas tanto desejo, tanta fome de Mim, que desfaleças... Se soubesses quanto te amo.., Se pudesses compreender!... mas és muito pequena!”
Depois, nas efusões de seu Coração abrasado, acrescenta:
“Hoje, dia de Zelo... Derramarei em tua alma a sede das almas que devora meu Coração. Ah! Almas! Almas!”
esse desejo já inflama Josefa. As almas possuem todo o seu pensamento, toda a sua oração pois ela não vive senão para esta Obra redentora cujo sentido haurira no próprio Coração de Jesus.
Quando ele me disse aquelas palavras — escreve ela
— falei-Lhe das almas que me preocupam. e ele respondeu:
“Sim, reza... reza... não te canses, não temas ser importuna, pois a oração é chave que abre todas as portas: Dia de zelo, Josefa... Dia de zelo pelas almas!... almas... almas...”
“E desapareceu.”
Naquele dia, as almas não lhe saem do horizonte.
Para saciar a Sede do Mestre, que não faria eia?
No domingo, 13 de maio, Nosso Senhor a convida ao caminho redentor por excelência:
"Passaremos um dia de Humildade — diz-lhe depois da comunhão. Dar-te-ei Eu mesmo ocasiões, sem que as procures... Continua a rezar pelas almas e humilhar-te por elas, depois, em meio a tudo, sorri-Me sem cessar.”
Josefa, nada escreve nesse dia, mas à tarde, quando O está adorando no sacrário. Jesus, que lê no fundo da sua alma, vem em Pessoa responder à pergunta que ela formulava dentro de si mesma.
“Não compreendes, Josefa, por que te trouxe para aqui? Quis estabelecer-te num abandono completo à minha Von ade, num desapego absoluto de tudo mesmo do que te parecia mais necessário...
Quis ainda fazer-te tocar com o dedo a necessidade que tens de amparo, a fim de destruir para sempre em ti os últimos vestígios de orgulho... Pois também pelas almas que quis o sacrifício da separação — continua ele — e, além disso, farei com ele uma das pedras fundamentais que formarão o edifício da minha Obra."
Ela escuta o Mestre ,adora seu Amor e sua Sabedoria em cada uma das palavras caídas dos seus Lábios.
“Vamos Josefa — diz no momento de partir — Dia de humildade, mas de alegria! Eu sou tua alegria... que te importa tudo mais?
No dia seguinte segunda-feira, 14 de maio, Nosso Senhor lhe explica pela segunda vez mas de maneira mais ciara, o que ela terá que fazer num futuro próximo pela Obra de seu Coração.
“És toda Minha, pois não? — pergunte Lhe durante a meditação. — Não procuras somente a minha Glória?...
“Não tens tu um só desejo, o de que minha Obra se faça?...”
“A cada pergunta, eu respondia; “Sim Senhor!”
“Então _ continua Jesus solenemente — vou manifestar-te o Plano de meu Coração... Já te disse que, antes da tua morte, verás três vezes o teu Bispo (1). É necessário, para o bem de minha Obra, que lha entregues, um pouco antes de morrer, pois desejo que logo depois de tua morte minhas Palavras sejam conhecidas.”

(1) No dia 3 de dezembro precedente (1922), durante s Santa Missa celebrada pelo Bispo de Poitiers nos Feuillants, a SSma. Virgem viera dizer a Josefa, da parte de Nosso Senhor: — "É a este Bispo que tua Madre deverá transmitir as palavras de meu Filho. Falarás três vezes com ele, antes de morrer". Por três vezes, com efeito, Josefa teve que comunicar ao seu Bispo uma mensagem pessoal de Nosso Senhor. Mas ela o viu várias outras vezes fora destes encontros, por assim dizer Oficiais.

E a Josefa, toda trêmula, dá algumas precisões que mostram sua Vontade expressa:
“Nada temas! Tudo que tiveres que dizer dá-lo-ei a conhecer... Mas quero que, desde já, tua alma recolha o mérito desse ato custoso.”
Depois da santa comunhão, vem ainda reconfortá-la:
“Hoje, dia de Abandono e Confiança.
“Nada posso recusar à alma que espera tudo de Mim. As almas mal sabem como as desejo auxiliar e como me glorificam com sua confiança e seu abandono. Josefa, espera tudo de Mim. Fala-Me...
pede-Me... confia em meu Coração, pois te guardo.”
A subida dessa grande semana terminará com o amor: o amor que explica e ilumina tudo, mas também o amor que tudo exige na hora determinada por Deus Na terça-feira, 15 de maio, na meditação, Josefa que não pode afastar certo temor diante das perspectivas traçadas pelo Mestre, pede-Lhe este amor, pois bem sabe que é o único segredo e a Força para todas as oblações.
Jesus veio de repente — escreve ela — e, mostrando-me o Coração no meio das chamas:
“Josefa, contempla meu Coração, estuda-O, e aprenderás dele a amar... O verdadeiro amor é humilde, generoso, desinteressado... Se queres que te ensine a Me amar, começa esquecendo-te de ti mesma. Não te detenhas nos sacrifícios... Não olhes para o que te custam... não faças caso de teus gostos. Faze tudo por amor.”
É assim que Nosso Senhor fortalece a alma de sua Esposa: hoje um dia de Amor; amanhã, o sinal do amor, iluminando o horizonte... em breve, a prova do verdadeiro amor!...
Na quarta-feira, 16 de maio, Josefa nota pela primeira vez a aparição da Cruz em seu caminho.
“Era a de Jesus — escreve ela... porque, tendo-a carregado tão frequentemente, já a conhecia — Estava toda iluminada, como se uma luz do Céu nela se refletisse...
Durante muitos dias. o Coração abrasado de Jesus e sua Cruz resplendente iluminam-lhe alternadamente os passos, mas em silêncio, sem que o Mestre a ela se manifeste.
Na manhã de Pentecostes, 20 de maio de 1923, toda a meditação se passa em frente daquela cruz que lhe subjuga o olhar e lhe alimenta o amor, não sem lhe despertar no espírito um ponto de interrogação.
“Senhor! por que a cruz em tão bela luz e, entretanto sem Vós?”
Jesus vem responder, em Pessoa, àquela pergunta, durante a ação de graças.
“Josefa, não sabes que a Cruz e Eu somos inseparáveis? Se Me encontrares, encontrarás a minha Cruz, e quando encontrares Cruz, é a Mim que encontras.
“Aquele que Me ama, ama a Cruz, e aquele que ama a Cruz Me ama! Ninguém possuirá a Vida eterna sem amar a Cruz e sem abraçá-la com boa vontade por meu Amor.
“O caminho da virtude e da santidade é feito de abnegação e sofrimento. A alma que aceita e abraça generosamente a Cruz anda na verdadeira luz, segue uma trilha reta e segura, e não receará escorregar em ladeiras, porque não as encontra.
“A minha Cruz é a porta da Verdadeira Vida eis porque é resplendente. E a alma que souber aceitá-la tal qual lha dei, entrará por ela nos esplendores da vida eterna...”
“Compreendes, agora, quão preciosa é a Cruz! Não a receies...
“Ama-a, pois se sou Eu quem ta dá, nunca te deixarei sem a Força necessária para sustentá-la.
“Vê como a carreguei por amor de ti. Carrega-a tu por amor de Mim."
Josefa vai compreender de que modo terá que carregar a Cruz do Mestre. Até então, o Plano divino não levantara, senão uma ou outra vez, a desconfiança de suas superioras. Nosso Senhor havia previsto e garantido ele próprio, aquele apoio seguro e vigilante no caminho extraordinário que ela deveria trilhar. As perseguições diabólicas haviam exigido esse socorro, que não lhe tinha faltado.. A graça da oposição é, no entanto, preciosa demais para que Deus dela prive uma alma especialmente amada. Chegou para Josefa a hora de experimentá-la e a Mão suave e forte de Nosso Senhor vai colocar-lhe essa cruz sobre os ombros e enterrar-lha no coração.

 

A CRUZ E AS GRAÇAS DE ESCOL
20 de maio a 2 de junho de 1923

“Por mais obscura que te pareça esta hora, meu Poder a domina e minha Obra resplandecerá.”

(Nosso Senhor a Josefa — 20 de maio de 1923).

A 20 de maio, aproveitando as horas de folga do domingo, Josefa prepara-se para escrever para Poitiers, o que lhe fora permitido. Isto constitui para ela doce alegria e conforto, e ela a espera ansiosa, embora não possa confiar à carta o segredo de tudo que nela se passara desde a sua partida. Mas eis que, de repente, o Mestre intervém e a encarrega de transmitir da parte dele uma indicação às Madres dos “Feuillants”. Assustada com tal incumbência, Josefa tem um primeiro movimento de recusa. Declara que será impossível semelhante comunicação sob os olhos da sua Superiora atual, que nada suspeita do seu caminho extraordinário.
Jesus insiste:
“Por que temes, quando sou Eu que te ordeno?”
Ela implora compaixão e suplica-Lhe que não exija dela um ato que será certamente notado e que aumentará a dúvida que já pesa sobre ela... Não fora Ele que quisera o segredo... e não lhe prometera conservá-lo ele próprio?...
Mas o Mestre mostra-se inflexível desta vez, e sua Vontade impõe a Josefa obediência e abandono.
“Ama — diz-lhe — e terás Força.”
Josefa, angustiada hesita ainda e custa-lhe aceitar aquele ato cujas consequências, são fáceis de prever. Mas como resistir ao Senhor?...
Decide enfim obedecer e, em termos velados, insinua na carta o que Jesus expressamente lhe ordenara que dissesse.
A tarde se passa sem incidente, mas não sem inquietação, e seu temor não era vão. A bondade vigilante de suas Madres é logo despertada com aquelas linhas que não lhes escaparam e que lhes parecem, com razão, ultrapassar a competência de uma humilde irmã coadjutora... Desconfiando de alguma coisa anormal, ficam alarmadas com esse caminho, que, à primeira vista parece perigoso e temerário.
No dia seguinte, Josefa é chamada pela Superiora que a interroga, a princípio com bondade, mas depois a admoesta sobre o perigo da ilusão, que a tomará joguete da própria imaginação exaltada. ..
Ela escuta e aceita humildemente as severas repreensões que tentam preveni-la contra si mesmo ou contra o demônio. Mas sua alma fica descoroçoada. Não pode conter algumas lágrimas silenciosas, à medida que nela vai despertando o antigo cortejo de receios e apreensões, medo e repugnâncias, durante tanto tempo combatido e tão penosamente submetido à Vontade de Deus.
"Resisti tanto tempo contra este caminho — escreve ela naquela tarde — e minhas maiores tentações são ainda de lhe fugir... Como eu seria feliz, se pudesse caminhar na trilha simples e comum da minha querida vida religiosa! Quanta inquietação... quanta angústia... quanta luta!... Oh! meu Deus! que fazer? terei ainda que Vos resistir como fiz tanto tempo?”
Na tarde daquela segunda-feira de Pentecostes, 21 de maio, depois de um dia de dolorosa incerteza, ela pede ao Mestre que lhe perdoe se faltou à prudência e se mereceu de algum modo a repreensão que, aliás, aceita com toda a sinceridade de sua alma. Foi na capela, diante do Santíssimo Sacramento, que procurou resposta para esta prece e suavização para esta angústia.
“Jesus veio de repente — escreve. — Seu Coração estava abrasado; com o Braço direito segurava a Cruz resplendente, como a tenho visto nestes últimos dias."
“Não fizeste mais que obedecer, Josefa — disse Ele — nada temas da parte de tuas Superioras. Não vês como te ajudei até hoje? Acaso mudei? Amava-te antes e te amo agora.., Sou teu Pai, teu Salvador e teu Esposo, mas sou também teu Deus e tu Me pertences. O Criador é o Dono da sua criatura, eis porque és Minha.”
E animando-lhe a fé:
“Crês que alguma coisa possa acontecer sem que Eu permita? Eu disponho tudo para o bem de todas as almas e de cada uma delas. Por mais obscura que te pareça esta hora, meu Poder a domina e minha Obra resplandecerá.
“Sou tudo para ti, Josefa, nada receies, pois não estás só. Não te conduzi aqui para tua perdição, mas por amor porque convém que tudo seja assim.
Essas palavras pacificam a sua alma, sem lhe diminuírem o sofrimento. Fica a Cruz no horizonte, mas perdera a claridade. Josefa a abraça entretanto com todo o amor de que é capaz. Nada mudara na sua atitude exterior. Simples e confiante sempre, parece não se ter interposto sombra alguma entre ela e as Superioras. Seu perfeito espírito religioso já prova nela a ação de Deus. Meses depois a Superiora de Marmoutier contará com emoção a impressão sobrenatural que lhe dera a humilde atitude daquela filha, recebendo com mansidão as palavras severas com que julgara dever repreendê-la. E não receará confessar que, vendo-a transpor a sua porta, sentira, como numa espécie de intuição, que naquela alma repousava uma predileção divina.
Nos mesmos dias as Irmãs, que nada suspeitavam, podiam vê-la esquecida de si, serviçal, em tudo, amável no recreio em que irradiava sua virtude crescente.
A semana de Pentecostes assim se passou, no sofrimento e nas angústias íntimas que só Deus conhece.
"Teu coração ainda não sofreu como o Meu."
vem dizer-lhe Nosso Senhor na terça-feira, 22 de maio E, como Josefa explicasse que não poderia haver comparação entre seu Coração e o dela, “mesquinho e miserável ”...
“Entretanto — responde Jesus — na medida de tua capacidade e de tuas forças, quero que teu coração seja reflexo do Meu... Nada receies! Amo-te, e nunca te abandonarei!”
Então, na capacidade assim dilatada pela humilhação, Jesus vai lançar um fluxo de Graças.
Josefa já conhece toda a Força de sua Paternidade divina, mas na tarde de 25 de maio, sexta-feira de Pentecostes, recebeu uma certeza tal desta paternidade, que sua alma parece ter sido confirmada no espírito de infância e firmada definitivamente na atitude de segurança e abandono, que são os frutos próprios desse espírito.
“A noite — escreve ela — no momento de começar o repouso, quando beijei o Crucifixo, renovando os Votos com todo o fervor de meu coração, de repente Jesus veio, belíssimo... e ainda mais paternal!”
Ela não sabe como exprimir o que na realidade essa palavra é para ela.
“Nada receies — diz — guardo-te... guio-te... amo-te!”
Está aí todo o sentido da Paternidade de Deus...
“Como é tão bom — continua Josefa — chamei-Lhe “Pai” e disse toda a ternura que lhe tenho.” Então, responde com Ternura divina:
“Gosto que Me chames assim. Quando Me dás o nome de Pai, meu Coração se sente obrigado a cuidar de ti. Aqui na terra, quando a criança começa a falar e pronuncia esta palavra tão terna, “Pai” os pais transbordam de alegria, abrem-lhe os braços e apertam-na ao coração com tanto amor, que todos os prazeres do mundo nada são perto de tal felicidade. Se o pai e a mãe da terra são assim, como não será Aquele que é ao mesmo tempo Pai, Mãe, Deus, Criador, Salvador, Esposo! Aquele cujo Coração não tem rival em ternura e amor?
“Sim, Josefa, alma querida, pequenina e miserável! Quando te achas angustiada e oprimida, vem, corre a Mim, chama-me “Pai” e repousa em meu Coração.
“Se não podes, no meio de teu trabalho, lançar-te a meus Pés como gostarias, repete apenas isto: “Pai”. Então ajudar-te-ei, sustentar-te-ei, guiar-te-ei e te consolarei.
“Agora repousa em paz... Passou um dia mais, que contará para a eternidade.”
Esta primeira graça deixará em sua alma profundo vinco; é apenas prelúdio das que lhe seguirão.
O dia 26 de maio, véspera da Santíssima Trindade assinala o que poderiamos chamar auge de predileção divina. Josefa narra entretanto, essa graça insigne que lhe é feita, com uma simplicidade de expressão, que revela a que ponto é ignorante de si mesma e humilde.
Estas linhas não pvecisam de comentários:
“Depois da comunhão — escreve ela — vi Jesus perto de mim. Estava como um pobre que nada ousa dizer. Renovei os Votos e perguntei-Lhe porque estava assim.
Estendeu-me a mão:
“O que quero?... Não sabes? Não quero outra coisa senão o teu coração, Josefa.”
“Mas Senhor, bem sabeis que é todo vosso. Há tanto tempo que vo-lo dei e não tenho outro amor senão Vós.
"Ele se aproximou de mim e seu Coração estava incendiado. Então com ardor, disse:
“Sei, mas hoje quero arrancar-to!... e porei no seu lugar uma centelha do Meu que te devorará e te abrasará sem cessar.”
E continuando com ardor crescente:
“Sim, viverás de amor, e tua alma sofrerá com uma sede insaciável de Me possuir e Me glorificar, de Me dar almas!
“Teu coração se consumirá na Chama do Amor... esta Chama o abrasará de zelo pelas almas... Então nada mais porá obstáculo à tua carreira, no caminho que meu Coração te preparou com tanto amor...”
Empolgada pelo ardor com que Nosso Senhor pronunciara estas palavras, Josefa adivinha que alguma coisa importante se vai passar entre Jesus e ela. Sempre receosa e desconfiada de si mesma em presença de tais graças, ela escreve:
"Eu lhe respondi que quero amá-Lo sem medidas, mas queria tanto ser como a criancinha, que ama sem pensar que está amando, sem procurar ocasião nem prova, mas sempre e com toda simplicidade. Eu queria ser assim: amá-Lo e dar-Lhe almas, mas em coisas pequeninas, então eu não teria tanta responsabilidade.”
“Não tenhas receio, Josefa, nada se opõe a isto, pois não mais agirás por ti mesma, mas sim, guiada e movida por Mim.
“Quero, Eu também, que sejas como criancinha. Mas desejo utilizar esta pequenez. É preciso, justamente por seres pequenina que te deixes manejar e conduzir pela minha Mão paternal, poderosa e infinitamente forte. Se houver alguma coisa de bom em ti, não atribuas a ti mesma, pois as criancinhas nada sabem nem podem. Mas se forem dóceis, se se entregarem, será o Pai que as conduzirá em sua Sabedoria e Prudência...
“Vamos, minha Josefa, deixa-Me arrancar teu coração!”
“Sem me dar tempo para responder, Jesus o arrancou — diz ela. Senti uma dor violenta e logo, tirando uma Chama ardente do Fogo do seu Coração, deixou cair sobre o meu peito. Ah! Senhor, é demais!...
E enquanto a presenteava com aquele dom misterioso, o Senhor continuou:
“A Chama de meu Amor te servirá de coração, mas não te impedirá de amar nem de sentir. Pelo contrário! Quanto mais forte o amor, tanto mais delicado...
“E agora, partamos. Passemos juntos um dia de zelo, de ardor e delicadeza. Eu para ti e tu para Mim!”
E partiu — escreve Josefa — levando meu coração...”
Que se teria passado naquela troca mística tão simples e objetivamente narrada?.. . Na mesma tarde, Josefa, que não pode se expandir com ninguém, tenta escrever algo do que sente. Não se deve procurar nas linhas seguintes mais que um testemunho leal e sem pretensão alguma deste fato que ela não tenta compreender nem explicar:
“Desde aquele instante sinto no peito um fogo tal, que me parece por momentos não poder suportá-lo. E, desde então, tudo me parece insuficiente!
Eu desejam sair de mim mesma... queria atrair tantas almas a esse Coração!... Dar-Lhe tanta Glória!
Tenho fome dele e não possuí-Lo estar longe dele é um martírio! Não posso explicar o que está acontecendo em mim... Agora, mais que nunca, tenho um ardor, uma chama que me consome do desejo de meu Deus...
Ah! como desejaria amá-Lo e vê-Lo amado!...” Ela não sabe como exprimir esse exílio da terra, esse vazio de que ainda não tivera ideia. É-lhe preciso carregar sozinha o peso daquela graça que a aniquila em adoração e amor, e entretanto nada denota a chama que a consome.
No dia seguinte. 27 de maio, festa da Santíssima Trindade. Nosso Senhor acrescenta um outro favor, como aquele de que tivera experiência durante o Noviciado.
As Três Pessoas divinas se manifestaram a ela em beleza luminosa. São todas iguais e brilha a cruz estendida entre seus braços.
Jesus estava no centro — escreve ela: — conheci-O. Porque tinha o Coração... Renovei os Votos e rezei o Credo.”
Então ouve as palavras seguintes:
“O Pai Me ama — O Filho Me ama — O Espírito Santo Me ama.”
“Depois a Pessoa que pronunciara isto continua:
“Três somos Um em Santidade, em Sabedoria, em Onipotência, em Amor...
“o Pai e o Espírito são um com o Filho e por ele, se comunicam plenamente às almas, pois o Filho, unindo na sua divina Pessoa as duas naturezas, divina e humana, fez-se laço entre Deus e o homem, o homem, cuja natureza humana é divinizada pela graça, recebe a santa Eucaristia, identifica-se com Ele e se perde nele. Assim Deus reside na alma em que reside a graça. É morada da Santíssima Trindade, onde as Três Pessoas repousam e encontram delícia.”
"Então — acrescenta Josefa, depois de ter escrito apenas o que ouvira — não sei dizer o que se passou: dois raios de fogo escaparam, um da Pessoa que estava à direita outro da que estava à esquerda, envolvendo Jesus que estava no centro, com uma claridade ofuscante... e eu não mais vi senão a Ele só... Sustentando a cruz e estendendo a Mão esquerda, disse, com o Olhar voltado para o céu:
"Adorem os homens ao Pai. Amem ao Filho, deixem-se possuir pelo Espírito Santo, e resida neles a Trindade beatíssima. ”Depois com terna condescendência, baixa o Olhar sobre Josefa e dirigindo-se a ela:
"Sim, enquanto as Espécies eucarísticas permanecem na alma. o Pai ai reside como Deus o Filho como Homem, o Espírito Santo como Esposo e os Três, sendo um único Deus, divinizam a alma que se deixa possuir... Ah! se pudesses contemplar a beleza de uma alma em estado de graça!... Mas o que não podes ver com os olhos do corpo Josefa, olha com os da Fé e conhecendo o valor das almas, consagra-te a dar essa glória à Santíssima Trindade ganhando-Lhe almas onde possa fixar sua Morada.”
E, continuando a instruí-la com singeleza:
“toda alma pode servir de instrumento a essa Obra sublime — explica Jesus. — Não são necessárias grandes coisas para isso, as mais pequenas bastam: um passo dado, uma palha apanhada, um olhar retido, um serviço prestado, um sorriso - amável... tudo isso oferecido por amor é, realmente, de grande proveito para as almas, e lhes atrai efusões de graças. Inútil será lembrar-te o fruto da oração, do sacrifício, de toda ação oferecida para expiar os pecados das almas... para lhes obter que se purifiquem e se tornem também elas, santuários onde habita a Santíssima Trindade.”
Então Josefa Lhe-confia as Ordens apostólicas que trabalham nessa Obra e pede que as abrase de zelo e lhes abençoe os trabalhos e fadigas. Nosso Senhor responde a esse pedido, insistindo sobre o desinteresse dos operários de sua messe que os torna caros a seu Coração:
“Se alguém — diz — consagra a vida direta ou indiretamente à salvação das almas e chega a tal desprendimento de si que, sem descuidar a sua própria perfeição, se esquece de si até entregar aos outros o merecimento de suas ações, orações, sofrimentos... essa alma desinteressada atrai sobre o mundo graças abundantes.
"Sobe, ela própria, a um alto grau de santidade, maior ainda do que se tivesse procurado o seu próprio progresso.”
Josefa nota cuidadosamente essas certezas de fé.
Caídas dos lábios de Jesus, tomam a seus próprios olhos novo realce, que seu coração aprecia no alto grau “Depois partiu — continua ela. — Ah! como sofro quando me acho sozinha na terra depois de tal contemplação!... Eu, tão pequenina, não posso aguentar esta felicidade! Como aqui tudo pouco vale!.... e como me sinto indiferente a tudo o que é da terra! Não sei explicar: vejo com luz tão viva o que é Deus Só, que me vejo desprendida de tudo.
“Hoje, depois, desta comunhão, renovei os Votos com todo o ardor de meu coração e me entreguei de novo. .. ele já tomou meu coração, mas renovei o dom de mim mesma, com tudo o que mais amo: pátria, família, os Feuillants, tudo!... Só quero a ele e, se meu coração ainda tem que sofrer, ofereço-lhe esse sofrimento. Ah! como tenho sede dele!..."
A solidão e a pena. em que está mergulhada sua alma, há já oito dias, atiçam-lhe ainda mais a sede.
Continua a suportar tudo em religioso silêncio.
É certo que não pode resistir às predileções do Mestre, mas sua obediência se esforça por entrar nas intenções das Madres, com oração instante e vigilância ainda mais cuidadosa, se possível.
Na segunda-feira, 28 de maio, festa adiada de Santa Madalena Sofia Barat, grande solenidade em todas as famílias do Sagrado Coração, Nosso Senhor vai responder à sua fidelidade, coroando as graças insignes dos últimos dias com antegozo do céu.
“Depois da santa comunhão, pareceu-me — escreve ela — que o céu estava em minha alma!... Jesus apareceu subitamente, formosíssimo!... o Coração era resplendente como o sol e encimado por uma cruz de fogo... Ele disse:
“A alma que come da minha Carne possui a Deus, o Autor da Vida... e da Vida eterna... eis porque é meu Céu. Nada se lhe pode comparar em beleza. Os anjos a admiram e, como Deus está nela, prosternam-se e adoram... Ah! se as almas conhecessem o seu valor!...
“Tua alma é meu Céu e cada vez que Me recebes na Eucaristia, minha Graça cresce nela e seu valor e sua beleza aumentam ainda!”
Josefa não sabe senão humilhar-se aos Pés do Mestre, ela Lhe confessa seus pecados, suas misérias, sua fraqueza. pois se vê indigna daquela Santidade infinita, que se abaixa a ponto de chamar-lhe e tomá-la realmente céu de repouso.
“Senhor! — diz ela — dou-Vos meu coração, minha vida, minha liberdade... tudo!”
“É a única coisa que desejo — responde-lhe com ternura — que Me importa o resto?—Teus pecados? Apago-os!... tuas misérias? consumo-as!... Tua fraqueza? Amparo-a!... Fiquemos unidos.”
O Plano de Deus, sobre esse período que ele quis e cujos pormenores traçou, vai terminar com o mês de maio. Josefa deu provas do amor verdadeiro: foi desprendida, separada, purificada pela solidão onde a Vontade do Mestre se lhe tornou o único apoio. Entrou com a maior docilidade no Desígnio que a conduzia, passo a passo a uma nova experiência da cruz. Abraçou a cruz com toda a lealdade de seu espírito de fé e toda a generosidade de seu amor...
Livre nela, Deus derramou sobre a sua criatura o peso das graças de escol que transformam a alma e a colocou em pouco tempo em um nível que seus esforços somente nunca teriam atingido. E a obra do Amor, realizando-se nela antes de continuar a de se perfazer para o mundo...
A luz radiante que iluminou o fim de maio parece apagar-se pouco a pouco, como o crepúsculo de um belo dia. Só a cruz aparece de quando em vez no horizonte de Josefa. Mas ela a carrega mais ainda em todo o seu ser. Sem cessar de trabalhar em toda aparte em que se reclama o seu auxílio, ela sofre dores violentas cuja causa não procura, mas que a esgotam. Nunca se queixa, habituada a aguentar os limites da possibilidade de sofrer. Sua alma também fica sozinha sob a cruz.
“Para mim, que tanto bem quero a minhas Superioras e que aprendi a não ter para elas segredo algum — escreve dolorosamente, — nada poder agora lhes dizer é meu maior sofrimento... Se Jesus não se dignasse sustentar-me como pode ia suportar? Mas quando a angústia é maior faço-lhe o sacrifício de tudo e isso me fortifica.”
Este sacrifício total de si mesma, de sua reputação, do socorro das Madres, de uma possível volta a Poitiers, Jesus conhece-lhe a plenitude e a sinceridade. Num gesto de amor, vai restituir-lhe tudo...
No dia 1 o de junho escreve resumidamente:
Disseram-me hoje que eu retomaria o caminho de Poitiers já amanhã. Dei graças a Jesus, pois já havia feito o sacrifício e não pensava mais voltar para lá. ”
Alguns instantes depois, Nosso Senhor lhe aparece e confirma sua Vontade:
“Aceitei o sacrifício de tudo o que Me deste, Josefa. Hoje to restituo. E agora vou recomeçar a manifestar os meus Segredos.
“O demônio te assaltará de novo e, muitas vezes, tentará enganar-te e prejudicar-te! Nada temas! Eu te defenderei. Guarda teu coração na Chama do Amor e do zelo na alegria e no abandono!,..
Amo-te, e sou tudo para ti.”

 

LIVRO TERCEIRO


A MENSAGEM DE AMOR

II PARTE

X APELO AO MUNDO


VOLTA A POITIERS
Festa do Coração de Jesus 2 a 10 de junho de 1923.

“Falarei a ti e minhas Palavras irão às almas, e não passarão... Amar-te-ei e as almas descobrirão meu Amor no Amor que te tenho.
Perdoar-te-ei e as almas conhecerão a minha Misericórdia pelo perdão com que te envolverei!...”

(Nosso Senhor a Josefa — Festa do Coração de Jesus, 1923).

No sábado, 2 de junho, tornou Josefa a ver o convento dos Feuillants.
Essa volta, que ela não mais esperava e que a enchia de admiração e reconhecimento, trazia também grande alegria à família de Poitiers.
Era ela aí querida como a gente se quer na vida religiosa, mas. além disso, cercava-a alguma coisa especiai que ninguém saberia definir, e que tornou particularmente festiva a sua volta...
Encontrou o seu antigo lugar no círculo das Irmãs e logo tomou amplo quinhão no trabalho costumeiro.
Na segunda-feira seguinte, as noviças a encontraram novamente à frente da oficina e em breve pareceu a todas que ela nunca havia deixado os Feuillants. Entretanto, a elevação espiritual a que a havia conduzido o Coração de Jesus, durante aquele mês de ausência, impressionou fortemente as Madres: Josefa voltava marcada com um novo cunho divino.
“Que trabalho tem Nosso Senhor feito nesta alma escrevia sua Superiora à Reverendíssima Madre Geral...
Eu não seria capaz de explicar a que ponto a encontramos outra... e em tão pouco tempo! que distância entre ela e nós!... Estamos admiradas! É uma espécie de consumação que começou sob o manto de uma extrema simplicidade, obediência e desprendimento, que devem agradar à nossa bem-aventurada Madre Fundadora. Parece que Nosso Senhor continua essa transformação à passos de gigante. Ela tornou à vida de silêncio e de humilde trabalho, mas o corpo está esgotado pelos sofrimentos habituais e, mais ainda, pelo fogo interior que a consome, e que Nosso Senhor aumenta dia a dia...” Josefa escreve na data de segunda-feira, 4 de junho: “Desde o dia 26 de maio, quando Nosso Senhor me arrancou o coração, sinto em mim ardor constante...
desejos de amá-Lo... de consolá-Lo... e de Lhe dar almas... Tudo mais me parece tão pequenino que, apesar da facilidade que tenho para amar, sinto uma espécie de desapego de tudo... tão grande desejo de Jesus que queria sair de mim para alcançá-Lo... e estou como que aprisionada... É uma coisa inexprimível!...”
Depois, a vista da sua pequenez diante de tais graças, a assusta, e ela exclama: “Estou coberta de confusão, vendo-me tal como sou... Quem no mundo, cumulada com estas graças, não seria já santa? e eu, cada dia mais miserável! mais ingrata e talvez — Deus o sabe!
— mais pecadora!
Este pensamento é um pesar muito vivo que, sem me tirar a paz, me faz sofrer muito...”
Enquanto escreve esta humilde confissão, ajoelhada na pequena cela, onde, por obediência, recomeçou a tomar suas notas, Jesus aparece:
“Nada temas, Josefa, — diz-lhe com bondade — desejo que nada sejas, pois assim Eu serei tudo!
“Quanto mais pequenina é uma coisa, tanto mais facilmente a manejamos. É por seres nada que Me sirvo de ti como quero. Sabes que de nada tenho necessidade... Só te peço uma coisa, que te entregues a Mim. Tua miséria pouco me importa... Fica nesse nada, mas olha! e verás o que Eu, que sou Tudo, posso fazer com tua miséria.”
“Então, — acrescenta ela — vi passar diante dele uma multidão de almas que eu não podia contar, tão numerosas eram, e Jesus disse:
“todas essas almas virão a Mim.”
Na noite do mesmo dia 4 de junho. Nosso Senhor renova pela primeira vez a graça misteriosa do dia 26 de maio.
À hora das últimas preces, mostra-lhe o Coração que parece mergulhado num incêndio e, tomando uma chama daquele braseiro:
“Esta chama — disse — substituirá aquela que
já pus no lugar do teu coração.”
Ela garante ao Mestre que a primeira ainda a está queimando com tanto ardor para amá-Lo, que é seu maior tormento, pois — escreve — eu quereria... e creio que não sei amá-Lo!”
“Ah! Josefa, isto ainda nada é! Quero abrasar-te e consumir-te. ”
No mesmo instante, deixando cair a chama sobre o peito de Josefa desapareceu. Pica só o seu Coração, por alguns segundos ainda... da Chaga escapa um raio ardente.
“Meu Deus, — escreve ela — que sofrimento, não Vos poder amar como quereria!”
Essas graças insignes assinalam várias vezes o mês de junho de 1923. Ela as relata sempre com igual simplicidade, sem conseguir exprimir o estado de sua alma consumida pelo Fogo divino.
“Não sei que dor eu não estaria disposta a sofrer por Ele — escreve no dia 5 de junho — Sinto imensa paz na alma e, entretanto, tenho fome de alguma coisa...
creio que é de Jesus. de nunca me separar dele, de amá-Lo... não sei o que é, mas, em certas horas, minha alma não se pode conter...”
A terça-feira, 5 de junho, é o terceiro aniversário do dia em que o Coração de Jesus lhe aparecera pela primeira vez (5 de junho de 1920).
Durante a meditação, mostrar-se a ela e a conserva muito tempo no fogo que jorra da Chaga. Josefa se sente desfalecer sob a irradiação daquele Amor, que a acompanha à missa.
“Quanto mais O vejo tão bom e tão grande, tanto mais pequenina me sinto — escreve. — Ah! nunca ousaria aproximar-me dele, se não tivesse Nossa Senhora para me ajudar e me conduzir.
“Depois da comunhão. vi-O de novo, a Jesus, tão suave, tão Bom e tão Paternal, que Me é impossível exprimir!...
Abrindo-me o Coração, disse:
“Quanto mais desapareceres, tanto mais serei tua Vida e, tu meu céu de repouso...”
“Será possível. Senhor, miserável como sou?
“Não sabes, Josefa, que aqui na terra meu céu são as almas?”
Então, o coração apostólico de Josefa estremece: “Perguntei-the como poderemos obter que muitas almas O conheçam, O amem, e se abrasem em seu amor .. ”
“Rezar Josefa. suplicar! Sim, pede que as almas se deixem abrasar pelo Amor!”
O Mestre do Amor que tanto a aproxima de seu Coração quer porém conservá-la bem baixo na experiência viva de sua fraqueza. Continua a deixá-la sensível às dificuldades próprias à sua natureza e quer que censure a si própria as mínimas impressões imperfeitas.
“Sim, vi tua miséria,” diz-lhe Jesus, à tarde daquele mesmo dia. quando ela se acusava, durante a oração de alguns movimentos interiores que seu coração notara com tristeza.
Ele me disse todos os meus defeitos, — escreve ela — e depois continuou:
“Que és Josefa senão um pouco de poeira sobre a qual se sopra para que desapareça?”
E como ela pedisse perdão de todo o coração:
“Sabes que sempre perdôo... Se te previno de tuas misérias é por amor, a fim de que desapareças e que Eu possa viver em ti.
“E agora, vou mudar a chama de teu coração para te abrasar de novo, e dar novo impulso ao grande trabalho de tua destruição. ”
“Então — diz — ele fez como na véspera e fiquei em grande sofrimento. Meu corpo está sem Forças e sofre em todas as partes, de algum tempo para cá.
Minha alma está numa espécie de opressão que nem eu compreendo, mas que me deixa em paz cada dia mais profunda.
“Voltarei todas as tardes — repete Nosso Senhor na manhã de quarta-feira, 6 de junho — para consumir tuas misérias e renovar a chama que Eu mesmo pus no lugar de teu coração.”
Fiel à promessa, o Mestre ali está, na mesma noite, e depois de ter escutado atentamente a humilde confissão que ela Lhe faz de suas fraquezas:
“Sabes — responde com bondade — que a propriedade do fogo é destruir e abrasar. Assim, próprio de meu Coração é perdoar, purificar e amar...
Não creias que Eu possa cessar de te amar por causa de tuas misérias! não, meu Coração te ama e jamais te abandonará.”
Então, renovando o mesmo gesto divino Jesus toma .. a chama ardente de seu Coração e deixa-a cair sobre Josefa. Sob o golpe misterioso do Amor que a invade, de repente, ela estremece: leva a mão ao Coração, como que para lhe conter o calor ardente. Parece não mais poder tomar fôlego, enquanto os olhos fitam com expressão de desejos inefáveis o Coração Sagrado, ainda por alguns instantes visível. Dessas cenas comoventes, a pequenina cela será testemunha silenciosa durante muitos dias seguidos.
Assim se passa um quarto de hora. As duas Madres cercam Josefa de vigilante oração e só pouco a pouco ela volta do êxtase: a respiração se acalma, juntam-se-lhe as mãos baixam-se-lhe os olhos. Tudo desaparecera, mas sua alma fica mergulhada em ardor que consome, e o corpo em dores que se prolongam até à madrugada.
Foram as testemunhas desses instantes solenes que assim os descreveram.
Mas quem poderá dizer que novas capacidades de amor, de sofrimentos, de união à Obra redentora do Sagrado Coração de Jesus, cavam essas invasões divinas, na alma de Josefa?
Assim, no meio de favores excepcionais, sempre envolvidos em silêncio, começara, havia dois dias, na grande casa dos Feuillants, o Tríduo que precedia a festa do Coração de Jesus: dias de recolhimento, de oração mais intensa, onde, sem interromper o labor apostólico, as religiosas do Sagrado Coração se preparam para a renovação de seus compromissos.
Na noite da Vigília, quinta-feira, 7 de junho dê 1923, a Hora Santa as reuniu aos pés do Santíssimo Sacramento, e Josefa ali está, perdida no meio das Irmãs.
Só o Olhar divino a descobre e, no silêncio que enche a capela, Jesus se inclina e se manifesta à sua privilegiada.
“Eu gostaria de O consolar — escreve ela no dia seguinte. — Mas a vista de minhas próprias misérias me cobria de confusão e de pena. Tornei a fazer os meus desejos, já que não ouso pedir-Lhe perdão pelos pecados do mundo eu que cometi tantos!...
“Por que receias? Não sabes que meu desejo é perdoar? Crês que te escolhi por causa de tua virtude? Sei que não tens senão misérias e fraquezas, mas como sou Fogo purificador, envolver-te-ei na Chama de meu Coração e te destruirei...
“Ah! Josefa, não te disse muitas vezes que meu único Desejo é que as almas Me deem suas misérias?
“Vem... e deixa-te consumir pelo amor!” “Então uma chama escapou-lhe do Coração e, caindo sobre o meu, abrasou-me como nos dias anteriores.”
Passa ela um momento naquele ardor, que bem conhece agora, sem poder exprimi-lo.
“Depois — acrescenta — rezei por muitas almas que precisam de seu auxílio e Jesus responde:
“Quando um rei ou um príncipe desposa a filha de um súdito, compromete-se a lhe dar tudo que exige a posição à qual a eleva.
“Fui Eu que vos escolhi e me comprometi a vos dar tudo aquilo de que careceis... Nada mais vos peço senão o que tendes. Dai-me vosso coração vazio, e Eu o encherei... dai-mo despojado de tudo, e Eu o vestirei... dai-mo com todas as vossas misérias, e Eu as consumirei... Sou vosso Suplemento, vossa Luz. Mostrar-vos-ei o que não vedes. Sou responsável pelo que ves faltar.”
“Deu-me assim a entender como ele ajuda as almas que não desejam senão agradar-Lhe e como ele supre ao que lhes falta por este ou aquele motivo.”
Depois, dirigiu-se a Josefa pois gosta de convencê-la cada vez mais de sua baixeza e de seu nada:
“Quanto a ti — diz — se Eu pudesse encontrar sobre a terra criatura mais miserável, sobre ela teria fixado o olhar de meu Amor e, por ela teria manifestado os desejos de meu Coração. Mas como não encontrei, escolhi-te a ti...”
"Então ilustrando seu pensamento com uma comparação familiar:
Sabes o que acontece com uma flor desprovida de graça e perfume, nascida sobre uma estrada de grande trânsito. É logo pisada pelos transeuntes que não fazem o menor caso dela e nem sequer a veem.
“Pois tu, Josefa, se Eu te tivesse abandonado, miserável e frágil como és, aos rigores do frio e do calor ao poder dos ventos, a morte em breve te pegaria. Mas como quero que vivas, transplantei-te para o Jardim escolhido de meu Coração. Aí te cultivo, Eu mesmo, sob os raios do Sol que te anima e vivifica, sem que jamais sua Força te prejudique.
“Ah! Josefa, entrega-te a meu cuidado tal qual és. A. vista de tua miséria te confirme na humildade, mas jamais atinja a tua confiança...” Josefa torna a lhe dizer sua confiança e pede-lhe que a prepare à renovação dos votos, purificando-a no seu sangue divino.
“Ah! continua o Mestre com ardor — se teu desejo é assim tão grande, que não será o. Meu para com a tua alma?
“Lavar-te-ei Eu mesmo, e meu Amor te purificará. Se souberes que glória receberei amanhã!"
“Essas palavras lhe provocam uma interrogação e Jesus responde:
“Não sabes o valor que meu Coração dá ao dom total e público que a alma Me faz de si mesma?...
“Durante esta noite — acrescenta ele — velarei sobre ti e repousarás no meu Coração. Fica em minha Paz e vive eu meu Amor...”
Desde a madrugada da festa do Coração de Jesus, sexta-feira, 8 de junho de 1923, o Mestre divino ali está.
em pessoa, preparando a Esposa para o ato que vai renovar.
Esta renovação solene dos Votos que se faz diante da Santa Hóstia, no momento da comunhão, não é, no Sagrado Coração, um compromisso novamente tomado.
Os primeiros Votos, tanto quanto os últimos são definitivos, desde o dia em que os pronunciamos, mas esse ato de devoção é a afirmação renovada do dom irrevogável até o último suspiro, que cada uma repete na alegria de sua alma.
Aparecendo a Josefa só o Coração, durante a meditação, Nosso Senhor mergulha-a na Chama.
“Supliquei-lhe — escreve ela — que me desse verdadeira dor de minhas faltas. Quanto mais graças me dá, tanto mais indigna me vejo... De um lado, minha alma se vê impelida para ele, de outro, a consciência de minhas manchas me detêm e não ouso aproximar-me ... Pedi-Lhe com todo o ardor do coração que me purificasse, para renovar os Votos tão queridos!
Pouco depois, quando começa o Santo Sacrifício da missa na capela em que toda a família religiosa vai pronunciar a sua oblação, Jesus mostra-se a ela,'
“Abre tua alma — diz-lhe — e deixa-Me entrar, que Eu mesmo te purificarei.”
Depois, para que ela calculasse a plenitude da oblação que ele espera, chama-lhe a atenção para cada um dos Votos:
“Despoja-te de tudo — diz-lhe a princípio — a fim de nada guardares de teus desejos, gestos, juízos Depois, submete-te totalmente à Vontade daquele que amas. Deixa-me fazer de ti o que quero e não o que tu esperas. Tens que chegar a tal ponto que minha Vontade em ti se torne a tua. isto é, à total submissão e união de teu querer ao meu Querer e ao meu bel-prazer. Deste-me todos os direitos com teu Voto de Obediência.
“Ah! se as almas compreendessem perfeitamente que nunca são tão livres quanto 'entregando-se inteiramente a Mim e que nunca estou tão disposto a realizar seus desejos como quando as vejo decididas a cumprir a minha Vontade!...
“Sim, beija estas cadeias que te prendem a Mim. Vai e renova estes Votos que te pregam a meus Pés, e às minhas Mãos e que te introduzem no meu Coração.”
Josefa vai à santa mesa. Diante da Hóstia, que vai receber, renova o compromisso de amor, depois volta ao seu lugar. Então Jesus torna a aparecer e, em verdadeira efusão de Coração, pronuncia as seguintes palavras:
“Josefa, tu mesma acabas de dizer que não amas senão a Mim... que te despojas voluntariamente de tudo por Mim... que não terás outra liberdade, outra vontade senão a Minha... Meu Querer será o teu. Teu querer, o Meu. Serei dono de tuas palavras e de tuas ações. Se nada tens, dar-te-ei tudo. Viverei em ti, falarei em ti, amar-te-ei e te perdoarei”.
E, voltando a cada palavra, explica seu pensamento.
“Viverei em ti e tu em Mim.
“Falarei em ti, e minhas Palavras irão às almas, e não passarão...
“Amar-te-ei, e as almas descobrirão meu Amor no Amor que te tenho.
“Perdoar-te-ei, e as almas conhecerão a minha Misericórdia pelo perdão com que te envolverei.
“Há muitas que creem em Mim, mas poucas que creem em meu Amor... e entre as que creem em meu Amor, pouquíssimas que contam com a minha Misericórdia...
“Muitas Me conhecem como Deus, mas poucas confiam em Mim como Pai.
“Manifestar-me-ei... às minhas Almas, sobretudo àquelas que são objeto de minha predileção, farei ver em ti que nada peço do que não tenham.
Só exijo que me deem tudo o que possuem, pois tudo Me pertence.
“Ainda que só tenham misérias e fraquezas, Eu as desejo... mesmo se só tiverem faltas e pecados, suplico que Mos dêem: Dai-Mos, mas dai-mos todos, e não guardeis senão confiança em meu Coração: perdôo-vos, amo-vos e Eu mesmo vos santificarei."
Parece que visitas como essa deveriam amarrar para sempre a vontade de Josefa a esta Obra de que é Mensageira, como cada dia melhor verifica... Seu pequenino caderno de notas pessoais não cessa entretanto de registrar o segredo das lutas íntimas, que prosseguirão até o fim da vida. Nosso Senhor permitirá que esta repugnância pelo caminho que ele escolheu para Josefa desperte nela, continuamente, a generosidade para aderir à Vontade de Deus. E ao mesmo tempo, conservando-a em humildade e em esforço constante, esta repugnância será um dos mais seguros sinais da Ação divina.
“Sim, meu Jesus, — escreve naquele mesmo dia — aceito tudo. Farei e direi o que pedirdes, sem olhar para minhas inclinações, nem minhas repugnâncias.
Aceito este caminho por onde me conduzis, porque sei que é vossa Vontade. Renovo de todo o coração o oferecimento que Vos fiz de meus gostos, minhas inclinações, minha pessoa e minha vida”.
Quantas vezes foram. e serão ainda escritos semelhantes protestos, cheios de lealdade. O Mestre os recolhe e lhes calcula o valor, pois em cada um lê toda a alma ardente de Josefa. Esta alma tornou-se maleável sob sua Mão. Seu Coração vai pois retomar o instrumento e, por meio dele, sua Mensagem ao mundo.
“Amanhã — disse à tarde de sábado, 9 de junho, — amanhã tornarei a dizer-te meus Segredos para as almas, pois quero que venham todas a Mim! Ah! as almas!... — continua com ardor.
“Rezai, sim, rezai pelas almas, vós que sois as privilegiadas de meu Coração... vós que sois obrigadas, mais que os outros, a consolar-Me e a reparar! sim rezai pelas almas!”
Uma grande lição de amor servirá de conclusão às graças desta oitava.
Santa Madalena Sofia vem dá-la à sua filha, lembrando-lhe e comentando-lhe, na manhã de domingo, 10 de junho, a palavra de ordem que lhe dera em Marmoutier:
“O amor não conhece obstáculo."
Ela lhe aparece durante a missa e, abençoando-a diz-lhe leso:
“Filha, venho dizer-te hoje como deves amar sem que coisa alguma em ti se oponha ao amor verdadeiro.
“A base fundamental do amor é a humildade, pois é frequentemente necessário, para provar o nosso amor que sacrifiquemos nossa inclinação pessoal, nosso bem-estar, nosso amor próprio... e esse ato de submissão não é outra coisa senão um ato de humildade, que é. ao mesmo tempo, abnegação, renúncia, generosidade e adoração... Com efeito, para provar este amor em alguma coisa que nos custe, primeiro pensamos assim: se não fosse para Vós, meu Deus, não o faria. Mas é para Vós, não posso resistir-Vos; amo-Vos e me submeto. É meu Deus que me pede, devo obedecer-Lhe. Não sei porque Ele me pede isto, mas Ele sabe. E, assim, por causa do amor, nós nos humilhamos e nos submetemos a fazer até aquilo que não compreendemos, de que não gostamos senão com amor sobrenatural, e unicamente porque Deus nos pede.
“Filha, ama, e os obstáculos e as dificuldades que se apresentarem, converte-os em amor humilde e sacrificado, forte e generoso; que eles se tornem perpétua adoração do único Deus e Senhor que é Dono das almas. Nunca resistas, não discutas, não hesites. Faze o que Ele te pedir. Dize o que Ele quer que digas, sem temer, sem omitir, sem hesitar, Ele é Sábio e Santo, é o Mestre e o Senhor, é o Amor!
“Adeus, filha minha.”
Esta luminosa lição vem, bem a tempo, justamente quando Jesus está para exigir de Josefa novos sacrifícios a fim de completar sua missão na terra...

 

SABERÃO OS HOMENS?
10 a 14 de junho de 1923.

“Eis o meu Desejo: abrasar as almas! abrasar o mundo!...”

(Nosso Senhor a Josefa — 12 de junho de 1923).

Chegou o momento em que por Vontade divina, Josefa terá que transmitir ao bispo de Poitiers os Desejos do Coração de Jesus.
Com grande solenidade, no domingo, 10 de junho.
Nosso Senhor prepara a continuação da Mensagem.
Parece que ele quer cercar sua palavra de todas as garantias possíveis e, ao mesmo tempo, tranquilizar e fortalecer o frágil instrumento de seus Desígnios.
“Jesus veio, pela manhã, enquanto eu escrevia na minha cela — nota Josefa. — Sua Beleza estava impregnada de grande majestade, e seu poder soberano manifestava-se no tom da Voz.
“Josefa — disse — humilha-te e submete-te totalmente à Vontade de Deus. ”
“Prostrei-me até o chão, aniquilando-me diante Dele, e ele continuou:
“Oferece a meu Coração o amor profundo terno e generoso do teu.”
“Fi-lo, do fundo da alma. Depois Nosso Senhor ficou em silêncio, como se quisesse alguma coisa mais.., “Renovei os Votos. Tornei a dizer que Lhe pertenço e estou pronta para tudo que quiser de mim.
Creio que era o aue esperava, pois logo prosseguiu:
“Já que triunfei de teu coração e de teu amor, nada Me recusarás, não é?
“ Não, Senhor, sou vossa, para sempre. ”
"Então, amanhã virei comunicar-te o que terás de dizer em primeiro lugar a teu bispo.”
Josefa se assusta.
Não pude dissimulá-lo — escreve ela — e disse quanto essa ideia me custa!”
“Nada receies — continua o Mestre. — Meu Coração vos guarda e é para as almas.”
Essa garantia divina tranquiliza um pouco a sua ansiedade.
“Quando eu penso que terei de dizer todas estas coisas ao Senhor Bispo, grande é minha angústia — nota ela — mas tenho confiança em Jesus, que me dará a Força necessária.
“À tarde, quando Ele veio consumir meus pecados, tornei a dizer-Lhe meus receios. ”
“É preciso sofrer, sim, Josefa, mas é pelas almas; e não sofri Eu primeiro, para resgatá-las e salvá-las?”
Com palavras destas, Jesus provoca a generosidade da Esposa, colocando-a diante da Redenção das almas. É a união estreita com o Coração Sagrado que lhe dá sempre Força, para se oferecer a tudo que exige dela essa missão. Começa de fato uma grande semana. Logo pela madrugada de segunda-feira, 11 de junho, Nosso Senhor volta a lembrar a amplidão de seus Desígnios.
Aparece-lhe no recolhimento da ação de graças.
“Por que temes? —- diz-lhe. — Não sabes que te amo e velo sobre ti? É pelas almas!... É preciso que Me conheçam... que Me amem mais profundamente!... Aos filhos cabe tornar o Pai conhecido. Sois minhas filhas diletas. Eis porque vos escolhi, a fim de Me revelar por meio de vós e assim glorificar meu Coração... Nada temais. Sou a Força e vô-la comunicarei. Sou o Amor e vos sustentarei... Não vos deixarei sozinhas.”
Alguns instantes depois, Nosso Senhor a encontra na cela.
“O que te vou dizer. Josefa, é a primeira coisa que deverás mostrar a teu bispo. Beija o chão.” Ela renova os Votos e se prostra aos Pés do Mestre. Então Jesus toma a palavra e ela escreve:
“Sou o Amor! O Meu Coração não pode mais conter a Chama que O devora.
“Amo a tal ponto as almas que dei a minha vida por elas. Por amá-las, quis ficar prisioneiro no tabernáculo.
“Desde há vinte séculos, estou ali, de noite e de dia. velado sob as espécies do pão, oculto na pequenina hóstia, suportando por amor, o esquecimento, a solidão, os desprezos, as blasfêmias, os ultrajes, os sacrilégios...
“Por amor às almas, quis deixar-lhes o Sacramento da Penitência, a fim de lhes perdoar, não uma vez ou duas. mas tantas vezes quantas tiverem necessidade de recuperar a graça. É ali que as espero... ali desejo que venham lavar as suas faltas, não com água, mas no meu próprio Sangue.
“No decurso dos séculos, tenho revelado de diferentes modos o meu Amor aos homens: tenho-lhes mostrado quanto Me consome o desejo de sua salvação. Dei-lhes a conhecer o meu próprio Coração. Esta devoção tem sido como luz derramada sobre o mundo. Hoje é o meio de que se serve, para tocar os corações, a maioria dos que trabalham por estender o meu Reino...
“Quero agora mais alguma coisa; pois se peço Amor em correspondência ao que Me consome, não é a única resposta que desejo das almas: desejo que creiam na minha Misericórdia, esperem tudo da minha Bondade e não duvidem nunca do meu Perdão. Sou Deus, mas Deus de Amor! Sou Pai, mas Pai que ama com ternura e não com severidade.
“Meu Coração é infinitamente sábio, mas também infinitamente santo, e como conhece a miséria e a fragilidade humanas, inclina-se para os pobres pecadores com Misericórdia infinita.
“Amo as almas, depois que cometeram o primeiro pecado, se vêm pedir humildemente perdão...
“Amo-as ainda, quando choraram o segundo pecado e, se isso se repetir, não digo um bilhão de vezes. mas milhões de milhões. Amo-as e perdôo-lhes Sempre, e lavo no mesmo sangue o último como o primeiro pecado!
“Não me canso das almas, e o meu Coração espera sempre que venham refugiar-se nele, por mais miseráveis que sejam! Não tem um pai mais cuidado com o filho que é doente, do que com o que têm boa saúde? Para com esse filho, não são maiores as delicadezas e a sua solicitude? Assim também o meu Coração derrama sobre os pecadores, com mais liberalidade do que sobre os justos, a sua Compaixão e a sua Ternura.
“Eis o que desejo explicar às almas: Ensinarei aos pecadores que a Misericórdia do meu Coração é inesgotável: às almas frias e indiferentes que meu Coração é fogo, e fogo que deseja abrasá-las, porque as ama; às almas piedosas e boas.
que o meu Coração é caminho para se adiantarem na perfeição e chegarem com segurança ao termo feliz. Enfim, às almas que me são consagradas, aos padres, aos religiosos, às minhas almas escolhidas e preferidas, pedirei uma vez mais que Me deem a sua confiança e não duvidem da minha Misericórdia! É fácil esperar tudo do meu Coração!”
Jesus pára. Dá a Josefa algumas indicações sobre a maneira pela qual o Padre Diretor deverá pôr ; bispo de Poitiers a par de tudo e, como lê na sua alma as ansiedades que a assaltam:
“Por que? — insiste com bondade. Não sabes que te amo?. Não sabes que é pelas almas e para minha Glória?
“Não te preocupes de nada. Faze com simplicidade tudo o que Eu te disse, e dá-Me todo o tempo que te peço.”
Logo no dia seguinte, terça-feira, 12 de junho, entrando na sua cela, pelas oito horas da manhã, ela aí encontra o Mestre que a espera. Depois de alguns instantes de adoração, renova os Votos e os oferece à sua Vontade. Jesus continua a palestra da véspera.
“Quero perdoar. Quero reinar. Quero perdoar às almas e às nações. Quero reinar sobre as almas, sobre as nações e sobre o mundo inteiro. Quero derramar a minha Paz até às extremidades do mundo, mas de maneira especial sobre esta terra abençoada, berço da devoção a meu Coração .. Sim, quero ser a sua Paz, a sua Vida, o seu Rei! Sou a Sabedoria e a Felicidade, sou o Amor e a Misericórdia. sou a Paz, hei de reinar!
Para apagar a sua ingratidão, derramarei uma torrente de Misericórdia. Para reparar suas ofensas, encontrarei vítimas que alcançarão perdão...
Sim. há no mundo muitas almas generosas que desejam agradar-Me... Há ainda almas generosas que Me darão tudo o que têm, a fim de que delas Me sirva conforme meus Desejos e minha Vontade.
“Para reinar, começarei derramando Misericórdia, pois meu Reino é de Paz e Amor; eis o fim que quero realizar, eis a minha Obra de Amor!” Então, com divina condescendência, Nosso Senhor explica, a fim de que Josefa o transmita ao Bispo, por¬ que se dignara baixar o Olhar sobre a Sociedade do Sagrado Coração e escolhê-la como intermediária da Mensagem:
“Fundada sobre o Amor, seu fim é o Amor.
Sua vida é o Amor... e o Amor é meu Coração.” diz Jesus, marcando assim o estreito laço que deverá consagrar a Sociedade do seu Coração a essa Obra, para a qual a havia designado desde toda a eternidade.
“Quanto a ti — continua, — escolhi-te como ser inútil e desprovido de tudo, a fim de que seja Eu somente que fale, que mande, que opere.”
E, descobrindo o conjunto de seus Desígnios:
“Dirijo a todos o meu Apelo: às almas consagradas e às do mundo, aos justos e aos pecadores, aos sábios e aos ignorantes, aos que governam e aos que obedecem. A todos venho dizer: se quereis felicidade. Eu sou Felicidade. Se procurais riqueza Eu sou a Riqueza infinita... Se desejais paz, Eu sou a Paz. Sou a Misericórdia e o Amor! Quero ser o Rei!”
Então, fixando o olhar sobre Josefa que, de joelhos, acabava de escrever estas ardentes palavras:
“Aí está — diz — o que darás a ler a teu bispo em primeiro lugar”.
E, depois de ter acrescentado algumas palavras que ela terá que comunicar pessoalmente, continua:
“Não se admire êlo, diante dos instrumentos de que Me quero servir, pois meu Poder é infinito e basta por Si mesmo, confie ele em Mim, Abençoarei seus empreendimentos...
"E agora, Josefa, vou começar a falar diretamente para o mundo e, depois de tua morte desejo que minhas Palavras sejam conhecidas. Quanto n ti, viverás na mais completa e mais profunda obscuridade mas, por seres vítima escolhida por Mim, sofrerás e abismada em sofrimento, morrerás! Não procures repouso nem alívio: não o encontrarás pois fui Eu que assim determinei. Mas meu Amor te sustentará, e jamais te faltarei.” Nesses curtos instantes, Jesus descobriu a Josefa o caminho que lhe resta a percorrer: seu encontro com a primeira autoridade, cuja sanção será a certeza da bênção de Deus... a Mensagem que irá transmitir a toda» as almas sequiosas de misericórdia, paz e felicidade... sua missão de vítima, inseparável da Mensagem e que a fecundará até o fim... a obscuridade não cessará de envolver as dores de seus dias e suas noites.., e finalmente a morte, abismada em sofrimento. E tudo isso será por ele disposto, até nos mínimos pormenores, pedindo a Josefa apenas essa adesão total que, em tão pouco tempo, nela e por meio dela, terminará a Obra de Amor.
Na mesma noite, renovando o dom da Chama do seu Coração:
“Venho consumir-te e abrasar-te — repete-lho Jesus. — Eis todo o meu Desejo... abrasar a» almas, abrasar o mundo... Ai! as almas repelem a Chama! Mas triunfarei, serão minhas e serei seu Rei! Sofre comigo, a fim de que o mundo Me conheça e as almas venham a Mim: o sofrimento dará, trunfo ao amor.”
Na quarta-feira, 13 de junho, Nosso Penhor, como anunciara, dirige-se diretamente á multidão de que tem compaixão... a multidão daqueles que têm fome e sede, que sofrem e lutam, que choram sem esperança e sem amor... à multidão que procura, deseja, espera, e não encontra na terra resposta segura para a felicidade que almeia. a esses Jesus abre o Coração.
“Quero que o mundo O conheça — diz. — Quero que o mundo conheça o meu Amor. Saberão os homens o que fiz por eles?”
Ê o que lhes vai explicar.
Parece-nos voltar no tempo das parábolas quando, sentado no meio da multidão, no cenário tranquilo dos campos da Galiléia, o Senhor Jesus a mantinha sob o encanto de sua Palavra e, mais ainda, sob o jugo luminoso da Verdade. Então, pequenos e grandes justos e pecadores, sábios e ignorantes, todos o escutavam: perturbados uns até o íntimo das almas angustiadas, rebeldes outros, aos convites secretos do Amor... estes enlevados com a simplicidade das narrativas aqueles vencidos pela clareza das Lições. “Saiu o Semeador para semear, dizia, e a divina Semente, lançada em profusão caía... Seu Olhar a seguia, como só Ele podia fazer, e seu Coração discernia em cada alma a resposta esperada pelo Amor! Jesus continua hoje este grande método de educação e, por meio de uma parábola, vai descobrir mais outra vez ao mundo a imensidade do Seu Amor.
“Escreve, pois, Josefa:
“Um pai tinha um filho único. Poderosos, ricos, cercados de numerosos servos e de tudo o que constitui a honra, o bem-estar e a alegria da vida, nenhuma cousa nem pessoa alguma faltavam à sua ventura. O filho bastava ao pai, o pai bastava ao filho; encontravam ambos um no outro perfeita felicidade os seus corações, nobres e generosos inclinavam-se, cheios de caridade, para a menor miséria do próximo.
“Ora, aconteceu que um dia um dos servos deste bom senhor caiu doente. A sua doença, dentro de pouco tempo, tornou-se tão grave que. para o arrancar à morte, a única esperança era o emprego dos cuidados mais assíduos e dos remédios mais enérgicos.
“Mas aquele servo vivia em sua casa, pobre e sozinho.
“O senhor alarma-se com esta situação. Que fazer? Abandoná-lo? e votá-lo assim à morte?...
A sua bondade não pode concordar com isso...
“Enviar ao infeliz algum dos serves?... Mas poderia ficar em paz e tranquilo o seu coração acerca do cuidados prestados mais por interesse do que por afeição?
“Cheio de compaixão, o Senhor chama seu filho e confia-lhe os seus receios. Expõe-lhe o estado daquele pobre homem, a ponto de morrer.
Declara que alguns cuidados atentos e de todos os instantes poderiam curá-lo ainda, e assegurar-lhe vida longa.
“O filho, cujo coração pulsa a uníssono com o do pai, oferece-se, se tal é a vontade do mesmo pai, a cuidar do servo, com toda a dedicação sem se poupar nem a penas, nem a fadigas, nem a vigílias, até que lhe tenha restituído a saúde.
‘Então o servo, cheio de admiração por tudo quanto o seu Senhor fizera por ele, pergunta como poderá testemunhar-lhe o seu reconhecimento e corresponder a tão maravilhosa e insigne caridade.
“O filho aconselha-o a que vá ter com seu pai e, visto estar curado, se ofereça a ele, para ser desde então um dos mais fiéis servos.
"Este homem apresenta-se pois ao seu Senhor. Sentindo quanto lhe é devedor, exalta a sua caridade e, o que é melhor ainda, oferece-se para o servir sem a menor sombra de interesse, pois bem sabe que no serviço de tal Senhor não carece de ser pago como servo, quem foi tratado e amado como filho!
“Esta parábola é pálida imagem do Amor de que dei prova aos homens e da correspondência que deles espero.
“Explicá-la-ei pouco a pouco, para que todos conheçam enfim meu Coração...”
Jesus se cala um instante, depois, com ardor:
“Ajuda-Me Josefa, ajuda-Me a descobrir o meu Coração aos homens! Venho dizer-lhes que em vão procuram felicidade fora de Mim, não a encontrarão...
“Sofre e ama, porque temos almas a conquistar!”
Termina o dia no trabalho e na fidelidade que fazem Josefa igual a todas as Irmãs. Seu pensamento não pode, entretanto, distrair-se do Mestre.
A hora do descanso a troca de Chama excita-lhe ainda os ardentes desejos e Nosso Senhor, antes de ir-se, deixa-lhe este Apelo:
“Tenho sêde! Sim, tenho sede de uma alma que nesta noite acabará a vida na terra”.
Josefa pergunta se é um pecador a salvar. Não; é uma alma caríssima ao seu Coração.
“Mas quero — diz — que teu sofrimento supra as graças que, por fragilidade, não soube aproveitar, para que ela atinja, nestes poucos instantes de vida, um grau mais elevado de glória.”
Quem não admirará a Bondade onipotente de Nosso Senhor para com as almas que ama em cuja perfeição trabalha até o seu último suspiro... Quem não se comoverá com a delicadeza que emprega, abrindo esse horizonte à oração e à oblação apostólica? Os pecadores, sem dúvida, precisam de intercessão para salvar-se no último momento. A oração, que cerca as almas santas prestes a deixarem a terra, não é cooperação menos importante para a Ação divina, pois é nessa hora suprema que a graça dá a última demão ao acabamento de seu trabalho. As dores da noite sucedem, pois, às do dia, até o instante em que uma claridade atravessa a sua cela e Josefa sente subitamente grande paz. Desaparecera-lhe o sofrimento...
“Aquela alma entrou no céu”, dirá Nossa Senhora, no dia seguinte, no momento da ação de graças.
Alegrias apostólicas como esta reanima-lhe a coragem e a apegam cada vez mais aos Interesses do Coração de Jesus.
Na mesma quinta-feira, 14 de junho, pelas oito horas da manhã. Josefa espera-O na sua cela e âle aparece — diz ela — envolvido em grande Majestade.”
“Josefa. humilha-te até o chão. Adora teu Deus para reparar as ofensas e os desprezos que ele recebe da maioria dos homens... Ama-o para suprir à ingratidão das almas.
“E agora, continua a escrever.”
Voltando à parábola do servo, Jesus começa a explicá-la ao mundo:
“Deus criou o homem por amor. Colocou-o na terra em tais condições aue nada lhe faltava aqui para o seu bem-estar, até que chegasse a alcançar a felicidade eterna, na outra vida.. Mas, para ter direito a ela, devia observar a lei suave e sábia imposta pelo seu Criador.
“O homem infiel a essa lei, caiu gravemente doente: cometeu o primeiro pecado. “O homem” isto é, o pai e a mãe. a origem do gênero humano.
Toda a sua posteridade foi pois maculada com sua mesma culpa. Nele, a humanidade inteira perdeu o direito à ventura perfeita que Deus lhe havia prometido e, desde então, ficou sujeita a penar, sofrer e morrer.
“Ora, Deus, na sua beatitude, de ninguém precisa. Basta-se a Si próprio... A sua glória é infinita: cousa alguma pode diminuí-la.
“Todavia, sendo infinitamente Poderoso, é também infinitamente Bom. Deixará assim sofrer e depois morrer o homem criado por Amor?
“Pelo contrário, dar-lhe-á nova prova deste Amor e, perante tão grave mal empregará remédio de preço infinito: Uma das três Pessoas da Santíssima Trindade assumirá a natureza humana e reparará divinamente o mal causado pelo pecado.
“O Pai dá o Filho. O Filho sacrifica a sua glória: desce à terra, não como Senhor, Rico e Poderoso mas na condição de Servo, de Pobre e de Menino. A vida que ele levou na terra, todos a conheceis.
“Bem sabeis como desde o primeiro momento da minha Incarnação, me sujeitei a todas as misérias da natureza humana...
“Criança, comecei a sofrer frio, fome, pobreza e perseguições. Em minha vida de operário fui muitas vezes humilhado e desdenhado como filho de um pobre carpinteiro. Quantas vezes, meu Pai adotivo e Eu, depois de termos aturado o peso dum longo dia de trabalho, reconhecíamos, à noite, ter ganho apenas o suficiente para acudir às necessidades da família!
“E vivi assim trinta anos. Depois, renunciando aos cuidados e à doce companhia de minha Mãe, consagrei-Me a tornar conhecido meu Pai Celestial: a todos ensinei que Deus é Caridade.
“Passei fazendo bem aos corpos e às almas: dei saúde aos doentes; dei vida aos mortos; ãs almas? ah! a essas... dei-lhes a liberdade perdida pelo pecado, e abri-lhes as portas da verdadeira e eterna pátria. Porque chegou a hora em que, para comprar a salvação das almas, o Filho de Deus quis dar até a própria Vida.
“E como morreu ele? rodeado dos amigos?.
aclamado como Benfeitor? Não, almas queridas, bem sabeis que o Filho de Deus não quis morrer assim:
“Ele, que só tinha espalhado Amor, foi vítima do ódio... ele, que trazia Paz ao mundo, foi objeto da mais feroz crueldade. ele, que vinha dar liberdade ao homem, foi preso, atado, maltratado, caluniado e morreu afinal sobre uma cruz, entre dois ladrões, desprezado e abandonado, pobre e despojado de tudo!
“Foi assim que se entregou pela salvação do homem. Foi assim que levou a cabo a Obra pela qual voluntariamente deixara a Glória de seu Pai: o homem estava doente e o Filho de Deus desceu em seu socorro. Não somente, morrendo, lhe deu vida, mas mereceu-lhe as forças e os meios necessários para adquirir na terra o tesouro da sua eterna felicidade.
“Como correspondeu o homem a semelhante
favor? Seguindo o exemplo do servo, ofereceu- se ao serviço do seu Senhor, sem ou ros interesses que não fossem os dele?...
“Neste ponto, convém distinguir as diferentes respostas do homem ao seu Deus...
“Mas, basta por hoje. Fica em minha paz, Josefa, e não esqueças que és minha Vítima.
“Ama-Me e abandona- Me tudo mais.”

 

A RESPOSTA DOS HOMENS
15 a 19 de junho de 1923

“Minhas Palavras terão tanta Força e minha Graça as acompanhará de tal modo, que as almas mais obstinadas serão vencidas pelo Amor.”

(Nosso Senhor a Josefa — 19 de junho de 1923).

Decorre toda a sexta-feira, 15 de junho, sem que Jesus apareça. Josefa O esperava como todas as manhãs e “ele não veio” — escreve... Interroga à própria consciência, pois está sempre receando alguma fraqueza, e acusa-se de uma pequena resistência diante desse caminho sempre árduo para sua alma.
“Jesus me deu bem claramente a entender que foi não só uma mágoa para seu Coração, mas também a causa por que certas almas que esperam a graça destes pequeninos atos não são ajudadas a se aproximarem dele como desejava. Então quando veio, à noite, pedi-Lhe perdão pela minha falta de generosidade.
“Com muita bondade, respondeu:
“Sim. Josefa, deixa entrar luz em teu coração. Nada é pequeno, quando se faz por amor.
Não, para meu Amor não há coisas pequenas, pois a própria Força do amor lhes dá grandeza.”
É sempre a mesma lição que o divino Coração não se cansa de repetir, a fim de que as almas jamais se cansem de lhe oferecer os menores esforços.
Desde a volta de Marmoutier, Josefa não conhece mais o repouso da noite. Quando Nosso Senhor a deixa, depois de lhe ter dado a Chama do seu Coração, ela fica muito tempo sob a ação daquele fogo que a consome... Depois, as dores que lhe invadem o corpo e a alma não cessam de lhe lembrar, durante longas horas, seu papel de vítima escolhida para a Obra do Mestre. Logo de manhã, porém, ela chega pontualmente para a meditação, está na santa missa com todas as Irmãs e põe-se depois a trabalhar, sem que nada denote o mistério da noite. Sua energia continua invencível e seu sorriso tenta disfarçar o esgotamento que se lhe lê às vezes no rosto.
“Hoje — escreve ela no sábado, 16 de junho, — Nosso Senhor veio às oito horas e, mostrando o Coração, disse:
“Olha este Coração de Pai que se consome em Amor por todos os seus filhos. Ah! quanto desejaria que Me conhecessem!”
E o Senhor vai, em Pessoa, definir as diferentes res¬ postas aos convites e ao Amor de Deus.
"Uns Me conheceram verdadeiramente e, sob o impulso do amor, sentiram acender-se neles vivo desejo de se dar completa e desinteressadamente ao meu serviço que é o de meu Pai. Perguntaram-Lhe que poderiam fazer por Ele, e meu Pai respondeu:
“Deixa a vossa casa, abandonai os vossos bens, renunciai a vós mesmos, depois vinde após mim e fazei tudo o que Eu vos disser!
“Outros sentiram o seu coração comover-se à vista do que o Filho de Deus fez pela sua salvação.
Cheios de boa vontade, apresentaram-se a ele, procurando como poderiam reconhecer a sua Bondade e trabalhar pelos seus interesses, mas sem abandonar os próprios...
“A esses, disse meu Pai: “Guardai a lei que o Senhor vosso Deus vos deu. Guardai os seus Mandamentos e, sem desvio para a direita ou para a esquerda, vivei na paz dos meus servos fiéis.”
“Outros, pouco compreenderam quanto Deus os ama!
“Todavia, não lhes falta boa vontade e vivem sob a sua lei, mas sem amor, e são levados pela inclinação natural para o bem, que a graça deixou no fundo de sua alma. Estes não são servos voluntários, porque não se oferecem às ordens do seu Deus... Mas como não há neles má vontade, basta- lhes uma indicação, em muitos casos, para se prestarem ao seu serviço.
“Outros enfim, mais por interesse que por amor, não se submetem a Deus senão na medida estreitamente exigida para não perderem a recompensa final prometida à observância da sua lei.
“Mas, apresentam-se porventura todos os homens ao serviço do seu Deus?...
“Não há também os que ignoram o grande Amor de que são objeto e que não corresponderão jamais ao que Jesus Cristo fez por eles?
“Ai! se muitos O conheceram e desprezaram, muitos nem mesmo O conhecem!
“A todos, Jesus Cristo vai dizer uma palavra de amor:
“Falarei primeiro àqueles que não Me conhecem, sim., a vós filhos queridos, que, desde a mais tenra infância, vivestes longe de vosso Pai! Vinde! Eu vos direi porque o não conheceis e, quando souberdes quem é ele ; e que Coração amante e terno tem para vós, não podereis resistir ao seu Amor.
“Não acontece muitas vezes àqueles que crescem longe de seus pais, terem pouco ou nenhum amor para com eles?... Mas, se um dia, a esses filhos se revelam a doçura e a ternura de um pai e de uma mãe, não se prendem a eles talvez ainda mais do que aqueles que, desde a infância, nunca deixaram o lar?...
“A vós, que não somente Me não amais,, mas ainda Me odiais e até Me perseguis, perguntarei:
“Por que esse ódio tão grande?... Que vos fiz para que me maltrateis dessa maneira?”
•Muitos nunca propuseram a si mesmos esta pergunta e hoje que Eu próprio lha proponho, responderão talvez:
“Não sei”.
“Pois responderei Eu por vós:
“Se, desde a vossa infância, me não conheceis é porque ninguém vos ensinou a conhecer-Me. E ao passo que íeis crescendo, cresciam também em vós as inclinações da natureza viciada: o amor do prazer e do gozo, o desejo da riqueza e da liberdade...
“Depois, um dia, ouvistes falar de Mim, ouvistes dizer que, para viver segundo a minha Vontade, é preciso amar e suportar o próximo, respeitar os seus direitos e os seus bens, submeter e refrear a própria natureza; numa palavra, viver sob o jugo duma lei.
“E vós que desde os vossos primeiros anos, vivíeis seguindo a inclinação da natureza e talvez os incitamentos das vossas paixões, vós, que não sabíeis de que lei se tratava, protestastes bem alto: “Quero gozar! quero ser livre! Não quero outra lei senão o meu gosto!”
“Foi assim que começastes a odiar-Me e a perseguir-Me... Mas, Eu, que sou vosso Pai, Vos amava. E enquanto vos via tão cegamente revoltados, o meu Coração, mais que nunca se enchia de ternura por vós. Assim se passaram os anos de vossa vida, muitos talvez.
“Hoje, não posso conter por mais tempo o impulso do meu Amor! E, vendo que viveis em guerra declarada contra Aquele que tanto vos ama, venho Eu mesmo dizer- vos quem sou.
“Filhos queridos! Eu sou Jesus, e este Nome significa Salvador. Por isso é que as minhas Mãos foram traspassadas pelos cravos que me prenderão: à Cruz, onde morri por vosso amor.
“Os meus Pés ostentam o vestígio das mesmas feridas, e o meu Coração está aberto pela lança que o atravessou depois da minha morte!...
“É assim que Me apresento a vós, para vos ensinar quem sou e qual é a minha Lei. Não vos atemorizeis! é a lei de Amor!. E quando Me conhecerdes, achareis paz e felicidade. É triste viver na orfandade: vinde,, filhos meus, vinde a vossa Pai.
“Detenhamo-nos aqui, Josefa; continuaremos amanhã. Quanto a ti, ama teu Pai e vive desse Amor. ”
Assim dizendo, Nosso Senhor desapareceu. Josefa rica um instante mergulhada no recolhimento em que i penetrara a Presença divina. Depois, levanta-se e entrega às Madres o caderno em que notara rapidamente as palavras recolhidas dos Lábios do Senhor...
Logo depois é vista na oficina, sempre a mesma, no ativo trabalho que nada deixa transparecer do segredo da manhã.
Aumenta-se-lhe entretanto o esgotamento das forças. seu Amor a sustenta, mas sofre com a impossibilidade em que se encontra às vezes. de dominar o 'ensaco. Censura em si mesma essa impressão com toda a delicadeza de consciência que se alarma à vista das menores sombras.
“Nada receies — diz Nosso Senhor na visita da noite. — Se é grande a tua miséria, muito maior é o meu Amor por ti e é sobre a tua fraqueza que a minha Força trabalhará.
“Josefa, Esposa minha, — torna Jesus, na manhã de domingo, 17 de junho — dize-Me se não farias tudo para restituir a saúde a um doente prestes a morrer?... Entretanto a vida do corpo nada é em comparação com a da alma! e tantas e tantas almas a encontrarão nas palavras que te confio!... Sim, não penses mais em ti...”
E, voltando ao assunto interrompido na véspera:
“Vamos ás pobres almas que Me perseguem porque não Me conhecem. Quero dizer-lhes o que sou e o que elas são:
“Eu sou o vosso Deus e o vosso Pai! o vosso Criador e o vosso Salvador! Vós sois as minhas criaturas, os meus filhos, os meus resgatados também, porque foi à custa da Minha Vida e do Meu Sangue que vos livrei da escravidão e da tirania do pecado. Vós tendes uma alma grande, imortal, e feita para a felicidade sem fim, tendes uma vontade capaz do bem, um coração nobre que tem necessidade de amar e ser amado.
“Se procurais apagar com bens terrenos e passageiros essa sede de felicidade e essa necessidade de amar, tereis sempre fome e nunca achareis alimento que vos sacie. Vivereis continuamente em luta convosco, sempre tristes, inquietos e perturbados.
Se sois pobres e o vosso ganha-pão é o trabalho, as misérias da vida vos encherão de amargura.
“Sentireis crescer em vós o ódio contra aqueles que são vossos patrões e. talvez, ireis até ao ponto de lhes desejar a desgraça, a fim de que também eles se vejam como vós, sujeitos às mais duras necessidades... Sentireis cair sobre vós o cansaço, a revolta, o desespero, mesmo porque o caminho é áspero e, por fim é fatal a morte!...
“Sim, sob o ponto de vista humano, tudo isto é duro! Mas Eu venho mostrar- vos a vida soe um aspecto real, muito diferente daquilo que vêdes:
“Vós, que estais privados dos bens da terra e obrigados a trabalhar sob o comando de um patrão para viver, não sois todavia escravos mas fostes criados para ser livres na eternidade...
“Vós, que procurais amor e que nunca ves sentis saciados, fostes feito para amar, não o qus passa mas o que é eterno...
“Vós, que amais profundamente a vossa família e que trabalhais para assegurar a sua subsistência, o seu bem-estar e a sua felicidade na terra, não esqueçais que se a morte um dia vos separa dela será por pouco tempo...
“Vós, que servis um patrão e que deveis trabalhar para ele, amá-lo e respeitá-lo, cuidar dos seus interesses e valorizá-los com vosso trabalho e vossa fidelidade, não esqueçais que esse patrão não é vosso patrão senão por poucos anos, pois a vida passa rapidamente e vos conduzirá a um lugar em que não mais sereis operários, mas reis para toda a eternidade...
“A vossa alma, criada por um Pai que vos ama, não com qualquer amor, mas com amor imenso e eterno, encontrará um dia no lugar da felicidade sem fim que esse Pai vos prepara, resposta a todas as suas necessidades.
“Lá encontrareis a recompensa do trabalho cujo peso houverdes suportado aqui na terra.
“Lá, encontrareis a família que tanto amastes sôtore a terra e pela qual vertestes vossos suores..
“Lá, vivereis eternamente, pois a terra é apenas uma sombra que desaparece e o céu não passará nunca!
“Lá, vos unireis ao vosso Pai que é vosso Deus!
“Se soubésseis oue felicidade vos espera!...
“Mas. ouvindo-Me. talvez esteias dizendo: “Quanto a mim, não tenho fé! não creio na outra vida!”
“Não tens fé?... Então, se não crês em Mim, poroue Me nersegues?... Porque te revoltas contra as minhas leis, e fazes guerra àqueles que Me têm amor?... e, se queres liberdade para ti, porque não a dás aos outros?
“Não acreditas na vida eterna?... Dize-me se vives feliz na terra e se não sentes necessidade de alguma cousa que não podes encontrar aqui...
Procuras prazer e, se chegas a conseguí-lo não ficas saciado...
“Andas atrás da riqueza e, se consegues adquiri-la, nunca te julgas assaz rico...
“Tens necessidade de afeição e. se a encontras um dia, dentro de pouco tempo estás cansado!...
“Não! cousa nenhuma destas é o que tu desejas... O que desejas, certamente não o encontrarás na terra! Porque, aquilo de que tens necessidade, é de paz, não a paz do mundo, mas a dos filhos de Deus, e como poderias tu encontrá-la no seio da revolta?...
“Por isso é que Eu venho mostrar-te onde está essa paz, onde encontrarás essa felicidade, onde saciarás esta sede que há longo tempo te devora.
“Não te revoltes, se Me ouves dizer-te: Tudo isso, encontrá-los-ás no cumprimento da minha Lei.
não, te espantes desta palavra, a minha Lei não e tirânica: é Lei de amor!
“Sim, a minha Lei é de amor, porque eu seu teu Pai.
“Venho ensinar-te o que é essa Lei e o que - o meu Coração que vô-la dá, esse Coração que tu não conheces e que tantas vezes tens ferido! Procuras-me para Me dar a morte, ao passo que Eu te procuro para te dar a vida. Qual de nós dois triunfará? A tua alma ficará tão endurecida que se não renda Àquele que te deu a sua própria Vida e todo o seu Amor?
"Adeus, Josefa. Ama este Pai que é teu Salvador e teu Deus.”
Não é difícil a Josefa exprimir esse amor no meio de todos os pormenores de seu longo dia. O pensamento de tantas almas que sofrem na ignorância, no erro ou na ingratidão, sem ouvir o Apelo libertador do Salvador, não a deixa nem um instante, e é nessa prece ininterrupta que tenta começar o descanso da noite de domingo. Mal porém se deita, Nosso Senhor lhe aparece subitamente.
Ela se levanta e, prostrando-se-Lhe aos Pés, renova os Votos.
“Suas Chagas — escreve ela — estavam largamente abertas e nelas escapavam chamas. Trazia em uma das mãos a coroa de espinhos e os pregos: com a outra segurava a Cruz”.
“Josefa, queres que te diga meus Desejos?
“Olha para minhas Chagas! Eu quereria asa introduzir os pecadoras.
“Sim, nesta noite quero atrair para aqui muitas almas. Toma a minha Cruz, meus Cravos, minha Coroa. Eu irei procurar almas; quando estiverem a ponto de caírem no abismo, dar-lhes luz, a fim de que encontrem o caminho verdadeiro.
"Toma a minha Cruz, guarda-a bem! Sabes que é um grande tesouro!”
Logo senti pesar duramente a Cruz sobre meu ombro:
“A Coroa — e Jesus ma enterrou na cabeça — Eu mesmo cingirei a tua fronte e as feridas dos espinhos obterão luz para as inteligências cegas.
“Toma também os meus Cravos! guarda-os. Vê que prova de confiança te dou: são meus Tesouros!
Mas como és minha Esposa, não receio deixar-tos Sei que mos guardarás! E agora vou buscar as almas pois quero que todas Me conheçam e Me amem! ”
“Aqui, o Coração se Lhe abrasou ainda mais e continuou com grande ardor:
“Não mais posso conter o Amor que lhes tenho... e o Amor é tão forte que triunfará de todas as resistências! Vamos atraí-las para dentro das minhas Chagas, irei procurá-las... e quando as tiver encontrado, virei buscar a minha Cruz!
“Agora, sofre por mim, Josefa... Mas antes, deixarei cair sobre a tua alma a flecha de Amor que a purificará, pois é preciso que sejas bem pura como devem ser as Vítimas."
“No mesmo instante, jorrou uma chama do seu Coração sobre o meu peito, como todas as noites. Então, não vi senão o Sagrado Coração e depois tudo desapareceu.”
Josefa fica longas horas com dores indizíveis que lhe causam, na cabeça, nas mãos, nos pés, em todo o corpo, a coroa, os cravos e o pêso da Cruz.
“O tempo me pareceu comprido — escreve ela — pensei até que mais de uma noite assim decorrera.
“De repente, no meio de grande claridade, vi Nosso Senhor. Atrás dele, de cada lado, na luz de suas Mãos, vinham muitas almas.”
“Vê as que vieram após Mim! todas estas Me reconheceram! Pobres almas! Ter-se-iam perdido se Eu lá não estivesse... Mas Eu lá estava para salvá-las e dar-lhes luz no meio da escuridão! Agora, elas Me seguirão... serão minhas Ovelhas fiéis.
“Dá-Me de novo meus Tesouros e descansa sobre meu Coração.”
“Tomou a cruz e os pregos e deixou-me a Coroa."
É com energia que Josefa torna, desde a madrugada, à sua vida habitual. Ninguém suspeita os esplendores que, naquela noite, haviam iluminado a pequenina cela onde ela guardara os Tesouros do Mestre, enquanto ele corria à procura das almas. Que graça deve sustentá-la para suprir o esgotamento de suas Força; físicas!... Entretanto, nova empresa redentora a espera e é por uma alma que Nosso Senhor vem procurá-la em sua cela na manhã de segunda-feira, 18 de junho “Estava como um pobre — escreve ela. — Senhor que tendes? Por que estais assim? renovei os votos com todo fervor possível, e ele disse:
"Consola-Me O que Aflige meu Coração é que tenho de abandonar uma alma que me foi consagrada, um sacerdote!”
“Mas Senhor, é impossível! Lembrai-Vos do que me dissestes a respeito dos pecadores... que os amais e estais sempre pronto a perdoá-los!
“Olha em que estado essa alma pôs meu Coração!... Vou abandoná-la às suas próprias forças!”
“Tive tanta mágoa, vendo seu Coração todo coberto de feridas e, principalmente, pensando que ele poderia deixar aquela alma sozinha, que Lhe suplique: lembrasse a sua Misericórdia e o seu Amor. Jesus me disse:
“Se puderes suportar o sofrimento que esta alma Me causa, ta confiarei.”
“Sim, Senhor, se Vos dignardes ajudar-me! Então consolei-O como pude, oferecendo-Lhe o amor da nossa casa, do mundo, das almas santas, dos sacerdotes...
Beijei o chão várias vezes, recitei o Miserere e como não sabia mais que fazer, supliquei-Lhe que me dissesse o que poderia ele desejar”.
“Sim: vou dizer-te: não te poupes para Me consolar, já que aquela alma de nada se priva para Me ofender.”
“Continuei a oferecer-Lhe tudo o que pensava agradar-Lhe e, pouco a pouco, seu Coração se dilatou e pareceu menos triste.”
“A obstinação de uma alma culpada fere profundamente o meu Coração — disse, — mas a ternura de uma alma que Me ama, não somente fecha a minha Ferida, mas afasta a Justiça do meu Pai.”
Depois partiu, deixando-me, na alma e no corpo, grande sofrimento, que suportei durante o dia inteiro."
A noite seguinte será uma daquelas longas e dolorosas reparações às quais Nosso Senhor habituara Josefa, quando uma alma precisava de expiação.
Quando lhe apareceu na cela, para lhe consumir as misérias, como costumava fazer todas as noites, Jesus trazia a Coroa, a Cruz e os Cravos.
“Quero, não somente purificar- te — diz ele, — mas também abrasar-te com o zêlo que devora e consome o meu Coração.”
Depois, tendo-a envolvido na chama brotada da sua Chaga:
“Nesta noite ainda, teremos que sofrer por aquela alma que foge de Mim. Toma a minha Cruz, os meus Cravos, a minha Coroa. Fica assim unida a Mim, irei à procura dela."
“Partiu... quando voltou, muito tempo depois, encostou a minha cabeça sobre o seu Coração e disse com grande bondade:
“Tu sofres, Josefa, e aquela alma resiste... Eu a chamo, e ela despreza meu Amor!”
Guardou silêncio um instante; e continuou, como que falando de si para si:
“Não é precisamente a ofensa do momento que Me magoa, é a resistência obstinada daquela alma!
Se ela ficar surda à minha Voz, como não abandoná-la?...
“Repousa, agora, irei renovar o meu Apelo."
“Tomou-me a Cruz. Mas, como poderia eu dormir, pensando na sua Dor e naquela alma?...
Na hora da ação de graças do dia seguinte, terça-feira, 19 de junho, Nosso Senhor lhe apareceu na sua resplendente Beleza:
“Aquela alma ouviu a minha Voz — disse — e embora ainda não tenha tomado a resolução, já começa a voltar-se para Mim... Sabes que te encarreguei, não somente da salvação, mas da santidade dela. Quero que compreenda que todos os bens daqui da terra nada são para a eternidade... É preciso obter-lhe força para abraçar a austeridade do caminho em que a quero. Senão, ela ficará em grande perigo. Pobre alma! Precisa de luz!”
Josefa renova o oferecimento de si mesma por aquela alma que adivinha ser tão preciosa ao Coração do Mestre.
Depois, encorajada com sua Bondade, confia-lhe o que mais preocupa o seu coração... Desde que Jesus começou a transmitir a Mensagem para o mundo. Josefa indaga sem cessar, na oração, se as almas, todas as almas saberão recebê-la, escutá-la, como ele espera.
O pensamento de que um Apelo daqueles pudesse ficar sem eco a descoroçoa às vezes, e seu amor não pode aceitar para ele tal decepção. Há já muitos dias que ela traz essa ansiedade, sem ousar expô-la a Nosso Senhor. Hoje, não pode mais escondê-la.
Então, com Força inexprimível; que ela não sabe traduzir, mas que da à Voz do Senhor algo de solene e suave ao mesmo tempo, responde:
“Josefa, não temas. Não sabes o que acontece quando se abre um vulcão? o poder do fogo é tão grande que é capaz de arrancar as montanhas e de destruí-las, e conhece-se que uma Força irresistível por ali passou... Assim minhas Palavras terão Força tal, e minha Graça as acompanhará de tal maneira, que as almas mais obstinadas serão vencidas pelo Amor.
“A sociedade se perverte, quando os que a governam não agem de acordo com a verdade e a justiça. Mas se o Chefe souber dirigi-la, sem dúvida. muitos seguirão ainda vias tortuosas, mas a maioria virá, em massa, à luz e à verdade...
“Repito, minha Graça acompanhará as minhas Palavras e aqueles que as derem a conhecer; a Verdade triunfará, a Paz governará as almas e o mundo... e meu reino chegará!”
Josefa fica empolgada com o vigor com o qual Nosso Senhor pronunciou aquelas palavras. Ela não duvida mais da realização da divina Promessa, seu coração se fortalece e se abre à confiança: nada se poderá opor ao plano de amor Cuja amplidão Ele lhe descobre cada dia mais... Nenhuma oposição será capaz de quebrar aquele ímpeto divino das torrentes de Misericórdia que em breve, inundarão o mundo!... Alguns instantes depois, Nosso Senhor continua a lhe ditar o seu Aoelo às almas:
“Josefa, tu Me amas?” pergunta-lhe com insistência, encontrando-a na cela.
“Senhor, é meu único desejo!” — Então, com indizível ternura respondeu:
“Eu também' te amo porque tua pequenez é tõda minha!”
Depois disse:
“Escreve: “Vinde agora aprender. Filhos meus, o que vos pede vosso Pai, como prova de amor: bem sabeis que a disciplina é necessária no exército, e o regulamento na família bem ordenada.
Também na grande família de Jesus Cristo, impõe-se uma Lei mas uma Lei cheia de suavidade.
“Na ordem humana, os filhos usam sempre o nome do pai. sem o que não poderiam ser reconhecidos como da sua família. Assim, os filhos que são Meus usam o nome de cristão, que lhes e conferido pelo sacramento do Batismo, ao nascerem. Vós, que recebestes este nome, sois meus filhos tendes direito a todos os bens de vosso Pai...
“Sei que não Me conheceis nem Me tendes amor, antes, pelo contrário, Me odiais e perseguis.
Mas Eu, vos amo com amor infinito e quero dar-vos parte naquela herança a que tendes direito.
“Crêde no meu Amor e na minha Misericórdia!
“Vós Me ofendestes: Eu vos perdoo..
“Vós Me perseguistes: Eu vos amo!
“Vós Me feristes com palavras e com ações. Eu quero fazer-Vos bem e abrir para Vós os meus Tesouros!
“Não penseis que ignoro como até aqui vivestes: sei que desprezastes as minhas graças, talvez mesmo hajais profanado os meus Sacramentos. Pois eu vos perdôo!
“E agora, se quereis viver felizes na terra e assegurar ao mesmo tempo a vossa eternidade, fazei o que vou dizer-Vos:
“Sois pobres? esse trabalho, que vos é imposto pela necessidade, fazei-o com submissão e ficai sabendo que também Eu vivi trinta anos sujeito à mesma lei. porque fui pobre e até muito pobre!
“Não olheis aos vossos patrões como tiranos.
Não desejeis a sua desgraça, mas fazei valer os seus interesses e sede fiéis.
“Sois ricos? Tendes por vossa conta operários, servos? Não exploreis o seu trabalho... Remunerai o seu labor segundo a justiça e provai-lhes a vossa afeição e a vossa bondade. Porque, se tendes uma alma imortal, também eles a têm; se recebestes os bens que possuis, não foi somente para vosso gozo e bem-estar pessoais, mas a fim de que, administrando-os com prudência, possais exercer a caridade para com o próximo. Depois de terdes, uns e outros, aceitado com submissão a lei do trabalho, reconhecei humildemente a existência de um Ser que está acima de tudo o que é criado. esse Ser é o vosso Deus e, ao mesmo tempo, vosso Pai.
“Como Deus, exige que cumprais a sua Lei Divina. Como Pai, pede-vos filial submissão aos seus Mandamentos. Assim, depois de terdes passado uma semana inteira nos vossos trabalhos, nos vossos negócios, nos vossos recreios lícitos, pede-vos que deis meia hora ao menos, ao cumprimento do seu preceito. Será exigir muito?
“Ide pois à sua Casa, à Igreja. ele lá vos espera dia e noite; e, em cada domingo ou dia de festa, dai-lhe essa meia hora, assistindo ao mistério de Amor e de Misericórdia que se chama a Missa.
“Durante ela falai-Lhe de tudo; da vossa família, dos vossos filhos dos vossos negócios, dos vossos desejos... Apresentai-Lhe as vossas penas, as vossas dificuldades, os vossos sofrimentos...
“Se soubésseis como ele vos ouvirá e com que Amor vos atenderá!...
“Talvez me digais: “Não sei assistir à Missa!
Há tanto tempo que não entro numa igreja!”
“Não vos atemorizeis. Vinde! Passai simplesmente essa meia hora a meus pés. Deixai que a consciência vos diga o que deveis fazer, e não cerreis os ouvidos à sua voz. Abri vossa alma... Então a minha graça vos falará... Mostrar-vos-á, pouco a pouco, como deveis proceder em cada circunstância da vossa vida, como haveis de comportar-vos com vossa família ou nos vossos negócios... Como deveis educar os vossos filhos, amar os vossos inferiores, respeitar os vossos superiores. Ela vos dirá, talvez, que deveis abandonar esta empresa, quebrar aquela amizade má, afastar-vos energicamente daquela reunião perigosa.
“Ela vos dirá que odiais tal pessoa sem razão, e que, ao contrário, destoutra pessoa que frequentais e amais, deveis separar-vos e fugir dos seus conselhos... Experimentai e, pouco a pouco, vereis como se vai estendendo a cadeia das minhas graças. Porque acontece com o bem, como com o mal, basta começar. Os anéis da cadeia prendem-se uns aos outros. Se hoje ouvirdes a minha graça e a deixardes trabalhar em vós, amanhã a ouvireis melhor; mais tarde, ainda melhor, e assim, de dia para dia, a luz aumentará, a paz crescerá e preparareis a vossa felicidade eterna!
“Porque o homem não foi criado para ficar sempre neste mundo! É feito para a eternidade.
Sendo imortal, deve portanto viver, não para aquilo que morre, mas para o que permanecerá. Juventude, riqueza, sabedoria, glória humana, tudo isso passa e acaba. Só Deus subsiste por toda a eternidade .
“Se o mundo e a sociedade estão repletos de ódios e em lutas contínuas, novos contra novos, nações contra nações e indivíduos contra indivíduos, é por:u e o grande fundamento da fé quase desapareceu. Reanime-se a fé, e a paz voltará e a caridade reinará! A fé não prejudica a civilização e não se opõe ao progresso. Pelo contrário, quanto mais se enraíza nos indivíduos e nos povos, mais crescem reles a sabedoria e a ciência, porque Deus é Sabedoria e Ciência infinitas. Mas onde a fé já não existe, de:aparece a paz e, com ela, a civilização e o verdadeiro progresso... pois Deus não está na guerra... Já não há senão ódio entre os povos, lutas das opiniões entre si, levantamento das classes umas contra as outras e, no próprio homem, rebelião das paixões contra o dever.
“Desaparece então tudo o que constitui a nobreza do homem; fica a revolta, a insubordinação, a guerra!...
Ah! deixai-vos convencer pela Fé e sereis grandes! Deixai-vos esclarecer pela Fé e não morrereis eternamente!”
Findaram as últimas palavras da Mensagem ao mundo. Nosso Senhor baixa o olhar sobre Josefa:
“Adeus, — diz — sabeis que espero de Vós reparação e amor. — O amor se prova com atos.
“Tudo em vós deve dar provas de amor. Sede Mensageiras do Amor nas coisas mais pequeninas, como nas maiores. Fazei tudo por amor. Vivei de amor”.
E desapareceu.

 

XI À SOMBRA DA CRUZ


O ANIVERSÁRIO DOS PRIMEIROS VOTOS
20 de junho a 16 de julho de 1923

“Torna a dizer-Me tua alegria por ser Esposa minha”.

(Nosso Senhor a Josefa — 16 de julho de 1923).

O adeus do Senhor vai prolongar-se e o demônio recobra a liberdade tolhida por algum tempo. Calcula agora tudo o que representam contra o reino das trevas os divinos Projetos, cada vez mais claramente delineados.
Em vão se obstina o ódio infernal por destruí-los. Deus dele se serve para aprofundar o nada do instrumento.
A 20 de junho, Josefa nota humildemente que cedera às repugnâncias que lhe parecem às vezes invencíveis, diante do extraordinário caminho e de tudo que ele exige... Jesus não mais aparece... e essa ausência desperta em sua alma a conclusão evidente de que não pode fugir àquela Vontade divina, a que se entregara tão completamente. Mas, apesar das horas de fraqueza, sinceramente choradas, ela nada subtrai à sua oblação.
Sabe-o o Mestre e se a abandona novamente aos assaltos das tentações, defende-a e guarda-a no mais profundo do seu Coração.
Ela, porem, não tem disso sentimento nem consolo.
Enquanto o inimigo se ergue como outrora, sobre o seu caminho, ela sofre e luta na mais completa desolação. O belo mês de junho, tão luminoso no começo, extingue-se em noite escura.
Os primeiros dias de julho despertam, entretanto, recordações do ano anterior. Aproxima-se o aniversário dos Votos — 16 de julho de 1920, — e é um pequeno clarão que desponta no horizonte daquele túnel sombrio.
Josefa fixa o olhar sobre o dom que vai preparar e tornar a oferecer, uma vez mais, com toda a generosidade de sua confiança e de sua coragem. Como deve glorificar e comover o Coração de Jesus esse ardente desejo que tribulação alguma arrefece!
Na manhã da sexta-feira, 13 de julho, depois de uma noite mais provada que nunca, Josefa se acha, de repente, diante do Mestre. Nem ousa crer em tão inesperada ventura.
“Não receies, Josefa. Aproxima-te”, diz Éle, como hesitasse ainda:
“Se não ousas aproximar-te de Mim, sou Eu que Me aproximarei de ti. Não podes saber a que ponto te amo... e por maior que seja o número de tuas misérias, muito maior ainda é a Misericórdia de meu Coração!”
Bem o sabe, ela não pode duvidar de Jesus.
“É tão bom — escreve — que lhe supliquei me perdoasse, salvasse as almas e não me permitisse ser obstáculo a seus Desígnios e à sua Obra.”
É a sua primeira preocupação, no meio de tudo quanto suporta de tentações e sofrimentos.
“Já estás, há muito, perdoada, Josefa e as graças que preparo para as almas não se perderão!... não, não ficarão escondidas e as espalharei sobre o mundo.
“Quanto a ti, nada Me recuses. Deixa trabalhar meu Coração em ti e empregar, para te destruir, todos os meios necessários, mesmo os mais enérgicos. Faze e dize tudo que te peço e nada temas. Eu te amava antes da provação e te amo sempre. Meu Amor não muda!”
Esta certeza fortifica-a divinamente. De novo pode o demônio assediá-la: seu ódio há de quebrar-se de encontro ao rochedo da fé e do amor. Em vão tenta persuadi-la de que os ardis diabólicos saberão impedir a vinda do bispo, e “evitar — como diz — que essa Obra dê um passo definitivo”; não lhe abala a confiança.
Ela volta exausta dos abismos em que a maltratara durante longas horas, como antigamente, mas não cedera nem às ameaças, nem às torturas.
No sábado; 15 de julho; a Santíssima Virgem preside. desde a hora da missa, à vigília de recolhimento e de promessas que Josefa deseja oferecer a Nosso Senhor, para preparar o primeiro aniversário dos Votos. Havia já quase um mês que não A vira e grande é seu júbilo.
Entretanto, o primeiro movimento é sempre confiar a sua fraqueza àquela Mãe caríssima... Gostaria de prometer tudo, tão sincero e profundo é seu desejo de fidelidade à Obra de Jesus!... Mas, que não terá ela a temer de si própria, sobretudo quando Jesus exige que transmita suas Mensagens e indique as suas vontades?...
“Não te assustes filha — responde a Santíssima Virgem com terna compaixão — Jesus nada pede sem dar a graça. E além disso, para vencer tuas repugnâncias, lembra-te de que tudo que te comunica é efeito de sua Bondade e de seu Amor pelas almas.”
“Disse-Lhe — continua Josefa — o grande medo que me deixa tudo que vejo e ouço no inferno. Então descobrindo o sentido daquelas misteriosas descidas.
Nossa Senhora explica maternalmente à filha seu papel na Obra de Amor.
“Nada temas — diz Ela — Cada vez que Jesus permite que sofras aquelas penas, deves retirar um tríplice fruto:
“Primeiramente, grande amor e vivo reconhecimento para com a Majestade divina que, apesar de tuas faltas, te preserva de caíres eternamente no abismo;
“Em segundo lugar, generosidade sem limites e zelo ardente pela salvação das almas com desejo de salvar-Lhe muitas, por meio de sacrifícios e das mais pequeninas ações, pois bem sabes que é o dc- que ele mais gosta;
“Enfim, a vista daquele número incalculável de almas prisioneiras para toda a eternidade... almas incapazes, todas elas, de formular um só ato de amor!... deve animar-te, a ti que podes amar!
a elevar constantemente até Deus o eco perene de teu amor para cobrir o clamor daquela blasfêmia sem fim”.
Depois, resumindo em poucas palavras seu ensinamento:
“Grande generosidade pela salvação das almas e muito amor, filha!... Deixa-O fazer o que quer... Deixa-O terminar a sua Obra.”
“Abençoou-me, beijei-Lhe a mão e Ela desapareceu. ”
Foi na linha da generosidade e do amor que aquele dia de retiro prosseguiu. “Tomei minhas resoluções — escreve Josefa — vamos a ver se sou fiel até à morte.”
Desde então, a previsão de sua morte é bem clara, nota-a explicitamente no caderninho onde escreve só para si, de período em período seus desejos e promessas.
Com data de 15 de julho de 1923 lê-se:
“Véspera do primeiro aniversário de meus Votos.
“Sou a criatura miserável que Jesus quis tomar para sua Obra de Amor. Pouco importa se me custa, devo-lhe submissão completa... Se me mandar escrever, escreverei. Se me mandar falar, falarei, e assim tudo mais... Oh! Jesus, que tristeza em ter tão mal correspondido a vosso Amor! Bem conheceis, entretanto, os meus desejos, mas a minha fraqueza é maior, o demônio me engana e não sei resistir-lhe!” Depois, com o impulso habitual cheio de simplicidade:
“Vou corrigir-me e, com a vossa graça, tentarei viver os meses que me restam sem nunca mais me deixar perturbar nem nada vos recusar. Direi tudo o que quiserdes, imediatamente, mesmo se for ao Senhor Bispo e farei tudo o que me mandardes. Eis a minha primeira resolução.
“A segunda será obedecer em tudo às Madres, principalmente quando devo escrever, o que sempre me custa.
“A terceira será dizer imediatamente as minhas tentações e as ameaças do demônio pois muitas vezes começa com pouca coisa e, quando não digo, acabo deixando-me perturbar.
“A quarta será fazer muitos pequeninos atos de humildade e amabilidade, pois sei que gostais disso.
Vereis, meu Jesus, como vou tentar ser fiel até à morte...
quatro ou cinco meses depressa passarão! e espero que me levareis para o céu, pelo Natal ou, o mais tardar, na Epifania (1). Estou contente de morrer, porque a terra é triste e também tenho medo da minha miséria.

(1) Desde alguns meses, Nosso Senhor continuava a falar secretamente a Josefa sobre a época de sua morte.

“Lá em cima, ainda Vos salvarei almas e as ajudarei. E por isso que Vos peço hoje, de todo o meu coração, que esses poucos meses reparem o que faltou em toda a minha vida, e como sou tão pequenina e Vós sois meu Esposo, tomo vosso Coração e vossos méritos para neles mergulhar todas as minhas ações, a fim de lhes dar o valor que repara e que pode Vós salvar muitas almas”.
Então, deixando transbordar seu coração:
“Adeus, meu Jesus, pedi o que quiserdes e escondei-me em vosso Coração até o instante em que me conduzirdes ao céu. Não esqueçais a minha pequenez e não me abandoneis.
“Vossa pequenina e miserável Esposa, Josefa.
O domingo, 16 de julho de 1923, desponta sobre seus humildes e ardentes desejos.
Eu repeti, antes da santa comunhão, a fórmula de Votos como há um ano, com vontade de ser fiel até à morte," — escreve ela.
Instantes depois Jesus lhe aparece e, mostrando-lhe o Coração, abrasado:
“Josefa, — diz-lhe — e Eu? algum dia cessei de te ser Fiel?
Depois, lendo-lhe no fundo da alma, continua:
"Nada temas: tuas misérias, negligências, mesmo as tuas faltas, tudo suprirei, Meu Coração é Reparador por excelência. Como não o havia de ser por ti?
Josefa torna a dizer-Lhe as suas promessas e suplica-Lhe que termine, apesar das suas fraquezas, a Grande Obra pela salvação do mundo.
“Mesmo que Eu não a fizesse por amor de ti, Josefa, haveria de terminá-la por amor às almas, porque as amo!”
“Nada falta, sem dúvida, à minha Beatitude infinita, mas preciso das almas... Tenho sede das almas e quero salvá-las.”
Esta Sêde divina o Coração de Jesus iá há muito comunicara à sua Esposa e a intensifica cada vez mais.
“Perguntei-Lhe se havia muitas santas, entre as almas consagradas, e no mundo... muitas almas para O consolar e glorificar. Ah! como eu desejaria ser melhor a fim de obter esta graça”.
“Não te inquietes, Josefa, com o que podes ou não podes. Bem sabes que nada podes! Mas Eu sou Aquele que quer e pode. Tudo farei, mesmo o que te parece impossível. Deixa-Me somente ser- vir-Me de ti, a fim de transmitir às almas minhas Palavras e meus Desejos. Quanto ao resto, Eu Me encarrego de tudo. Suprirei tudo o que não tens, tudo o que não podes. Basta-te dar-Me tua liberdade.
Quanto a mim, basta-me ter a tua vontade. É a única coisa que não posso suprir, pois a vontade fica no domínio de cada alma.”
Então, inclinando-se para ela:
“Repete-Me tua alegria em seres minha Esposa!”
Como exprimir-lhe essa ventura?... Josefa não encontra palavra.
“Entretanto, — prossegue Nosso Senhor — tudo isso nada é! A verdadeira felicidade ainda não provaste. Mas virá brevemente... então a possuirás sem medo de perdê-la. Enquanto isso, voltaremos às nossas confidências.”
A perspectiva da próxima visita do bispo fica como nuvem, no horizonte de Josefa. Suplica ao Mestre que a ajude, que lhe explique tudo o que deverá dizer, pois não pode deixar de recear aquela hora.
“Eu indicarei tudo o que deves fazer — responde Nosso Senhor com bondade. — Nada temas.
Eu te direi tudo e te ajudarei em tudo. Deixa-Me agir!”
Então — escreve ela — repeti-Lhe as resoluções tomadas ontem, no retiro do mês. Ele escutou, realçando cada uma, com um breve comentário; depois disse:
“Abençoo estas resoluções, Josefa e se às vezes te sentes sem força para cumpri-las. vem a Mim. Dize-Me o que te perturba... o que receias...
Dar-te-ei Força, dar-te-ei paz. Vai açora, permanece no meu Amor, toda entregue à minha Vontade.”
É assim que se vai escoar este dia luminoso, na paz e na alegria de ser toda de Jesus:
“Estou tão feliz — escreve ela. — Só tenho um desejo, passar estes poucos meses que me restam na terra sem jamais Lhe recusar coisa alguma. Mas tenho medo de mim mesma e não cesso de pedir Força e amor.”
À tarde traz-lhe nova graça:
“Pelas sete horas, estava no oratório de nossa bem- aventurada Madre quando de repente via-a, sempre muito simples e humilde; eu não tinha ainda acabado de renovar os votos e ela disse:
“Filha, já há um ano que os fizeste!”
Josefa, cuja confiança para com a Mãe da sua alma não tem igual, expõe-lhe sua felicidade de pertencer para sempre a Nosso Senhor e sua tristeza por aquilo que chama ingratidões, “tão numerosas”, diz ela.
“Mas bem sabes, filha, que o Coração de Jesus é Fogo! E esse Fogo é para consumir as nessas misérias. Desde que Lhas entregas Jesus não mais delas se lembra. Em troca já te concedeu tantas graças e está pronto para te dar ainda mais. Seu Coração é fonte inesgotável: quanto mais dá, mais deseja dar. Quanto mais perdoa, mais deseja perdoar”.
E como Josefa repetisse a promessa de ser fiel até à morte, que, bem sabe, não tardará, a santa Madre a encoraja:
“Crê, filha, Jesus não se lembra mais de tuas misérias nem de tuas resistências. Mas tem sempre em mente teus bons desejos para neles se comprazer. Seu Coração é um abismo de Misericórdia que nunca se esgota perdoando. B um abismo de Riqueza que nunca se esgota dando. Ama-O quanto puderes. Não peças nada mais. Reconhece a tua pequenez e fica submissa e abandonada à vontade de Deus.
“Deixa-O descansar em ti e deixa-O repousar-te em Si. Quando recebes graças, és tu que nele repousas. Quando ele te prova de qualquer modo, é ele que em ti repousa.
Agradece-lhe, quanto puderes, o singular favor que te fez, escolhendo-te como Esposa de seu Coração. E embora te sintas indigna de pertencer-lhe, ama a “Sociedade” que é parte escolhida de seu Coração.
“...Adeus, sê muito generosa, muito humilde.
Não esqueças de que nada és. Somente a Misericórdia poderá amar-te assim, apesar de tua miséria. Mas, confiança! E já que nada podes, deixa-te conduzir. Vive em gratidão, paz e amor. Adeus, filha.”
Deu-me a bênção, beijei-lhe a mão e ela desapareceu.
Havia Nossa Senhora de faltar aos encontros dêste aniversário? Josefa não ousava duvidar, mas veio a noite e soou a hora do repouso. Sozinha, na pequenina cela, ajoelha-se diante da imagem da Mãe Imaculada para lhe oferecer a noite e colocar sua alma entre suas Mãos virginais. Esse adeus é a Força de cada noite.
Hoje está cheio de esperança.
De repente, invade o quarto grande claridade e Maria aparece à filha.
“Estou sempre contigo — diz:
E respondendo à prece de Josefa;
“Sim, serás fiel, minha filha, se nunca te apoiares em ti mesma, mas unicamente sobre Jesus.
Josefa nada pode esconder a essa Mãe incomparável e, deixando transbordar a sua alma, suplica-Lhe que não a abandone a sua fraqueza, principalmente quando se achar diante do demônio e das longas provações no inferno cuja só ideia a enche de temor.
“Lembra o que te disse tua bem-aventurada Madre — responde a Santíssima Virgem: — no sofrimento, é Jesus que repousa em ti. Então, que tens a temer? Entrega-te à Vontade divina. Não podes agora calcular a alegria que terás durante toda a eternidade, à vista de tantas almas salvas, com teus pequeninos atos e teus sacrifícios. Coragem! A vida nada é, e teus dias passarão como um instante! Aproveita e enche-os com merecimentos, dando ao Coração de teu divino Esposo a glória de te abandonares totalmente à sua Vontade e a seu bel-prazer. Vive de sua Paz e de seu Amor, vive sob seu Olhar e deixa O agir. Ela estendeu a mão para me abençoar e logo desapareceu”.

 

DIAS DE PROVAÇÕES
16 de julho a 24 de agosto de 1923

“Nada receies: tudo está disposto e governado pelo meu Amor.”

(Nosso Senhor a Josefa — 13 de agosto de 1923).

Raramente, na vida de Josefa, aparecem horas luminosas que não anunciem períodos dolorosos. E, embora o caminho de sua privilegiada nunca esteja isento de sofrimento, Nosso Senhor coloca de quando em quando, uns marcos em que a provação é mais intensa, a fim de que o amor ali se consuma.
À medida em que o termo desta vida se aproxima, confirma-se cada vez mais a invariável norma da conduta divina. É preciso que Josefa se apresse em completar em si o que falta à Paixão de Cristo; é preciso que seja vítima no mais amplo sentido da palavra e que a Mensagem de que é intermediária entre o Coração de Jesus e as almas passe ao mundo por meio de suas próprias dores. O demônio, até o fim. será instrumento dessas dores. Nenhuma oposição, nem perseguição humana alguma, melhor que as diabólicas, nem com a mesma intensidade e justeza, poderiam atingir as profundezas que Deus determinou santificar pelo sofrimento. Não nos espantem, pois, os dias tenebrosos que vão decorrer. Entram nos Desígnios do Amor, tanto quanto as graças que acabam de inundar as semanas radiantes de maio e junho. Admiremos as sendas secretas por onde o Senhor encaminha as almas, sem que o sintam, e prepara nelas, através da noite, os esplendores da próxima aurora.
Assim será para Josefa, desde o fim de julho de 1923.
Mal findara o aniversário dos primeiros votos sob a bênção da Santíssima Virgem, de repente, em brusca reviravolta, ergue-se de novo o demônio em seu caminho. Aliás, nunca a deixara durante muito tempo, mas durante o período que começa, Josefa o verá, como outrora o santo Cura de Ars, sob a forma de cão gigantesco, medonho, furioso, atirando-se sobre ela sem poder entretanto vencê-la.
Enchem-lhe a maior parte da noite longas sessões expiatórias no inferno e de novo, sua alma experimenta todas as dores. Como se fosse capaz de aniquilar os planos de Deus, o demônio, com ênfase audaz, expõe a Josefa os seus, contra a intervenção do Bispo de Poitiers que sabe próxima e cuja importância adivinha.
Josefa, tão frágil habitualmente diante das mentiras do inimigo, não fraqueja desta vez. E, como prometera a Nosso Senhor, procura força e socorro na humilde confissão de sua fraqueza. Os últimos dias de julho trazem, entretanto, um conforto e, mais ainda, a confirmação que Deus prossegue a sua obra e que a guarda na sua Mão.
Na sexta-feira, 27 de julho, São João Evangelista aparece-lhe enquanto ela reza diante do Sacrário (1).

(1) Aparições de São João Evangelista a Soror Josefa: 13 de abril de 1922 — 29 de novembro de 1922 — 27 de dezembro de 1922 — 27 de julho de 1923.


“Estava todo envolto em majestosa beleza — escreve ela. — Logo que o vi, renovei os Votos e ele disse:
“Alma caríssima ao divino Mestre, já que o Senhor se serviu de ti para dar a conhecer a muitas almas a sua Misericórdia e o seu Amor, prepara o caminho para sua Vinda.
“Tua vontade seja inflexível e inteiramente submissa a seu divino Querer. A Chama de seu Coração te purifique e te consuma. E, quando ele baixar os olho sobre ti, recebe as suas palavras com respeito e amor, pois Aquele que te fala é o Mesmo diante do qual a Corte celeste entoa, sem cessar, o Cântico do Louvor e do Amor”.
E, juntando as mãos:
“O Senhor te guarde e inunde tua alma com as celestes Delícias do seu Coração”.
“Desapareceu -— continua — e, um instante depois, vi o Coração de Jesus, só... Sua Chaga abriu-se largamente deixando cair uma chama sobre o meu peito, como outrora quando Nosso Senhor vinha cada tarde consumir as minhas misérias... Este fogo me queima e minha alma tem tanto desejo dele, que todo o resto nada mais me parece.”
Dois dias depois, é a Santíssima Virgem que vem na tarde do domingo, 29 de julho, anunciar-lhe a volta do Senhor. Segura na mão a coroa de espinhos e, colocando-a na fronte de Josefa:
“Filha, — diz-lhe — Venho revestir-te com as joias de teu Esposo, a fim de te preparar Eu mesma à sua vinda: Logo que acabares a adoração, sobe à tua cela. ele lá estará. Enquanto esperas, prepara-Lhe o caminho com atos de humildade de submissão e de amor”.
E como o coração materno adivinhava a ansiedade da filha, pensando no que a volta do Senhor ia exigir dela:
“Adeus — diz abençoando-a. Ele te ajudará, pois é Obra sua. Confiança e coragem... submissão e humilde de... amor e abandono.”
Josefa já não pode duvidar da importância da entrevista, preparada com tanta solenidade. Alguns instantes mais tarde. Nosso Senhor lhe aparece na sua cela. Ela se lhe prostra aos Pés e se oferece aquela Vontade soberana cujas exigências adora de antemão.
“Sim — diz Jesus, — sou Eu. Não temas, tudo está disposto e governado por meu Amor. ”
Então, no silêncio impressionante que a envolve, Jesus lhe dita tudo o que deverá ser feito e dito, a fim de que o Bispo de Poitiers sem tardar seja informado dos seus Desejos. Tudo é previsto com tal clareza em todos os pormenores, que nada será deixado ao acaso e a graça da conduta divina resplandece nesta ocorrência, mais ainda, se possível, que em todas as outras.
“Nada temas — torna Jesus, terminando. — Eu te ajudarei e guiarei. Ama-Me, confia em meu Coração; jamais te abandonarei.”
Na segunda-feira, 30 de julho em audiência muito paternal concedida ao diretor de Josefa. R. P. Boyer, O. P., o bispo de Poitiers recebeu a primeira Mensagem pessoal do Coração de Jesus.
De ora em diante nova segurança a mais preciosa de todas, cercaria as últimas graças e as últimas provas da vida de Josefa. Como era de esperar, a este progresso da Obra divina corresponde a perseguição diabólica em recrudescência de ódio. Julgara o demônio poder alguma coisa contra a Onipotência que zomba de suas astúcias... Poder-se-ia presumi-lo, lendo as páginas em que Josefa, de 30 de julho a 12 de agosto, nota seus múltiplos assaltos suas mentirosas afirmações, sua certeza de vencê-la, a ela ao bispo de Poitiers e ao próprio Plano de Deus!
Estou sofrendo tanto!... — escreve — pois embora prefira mil vezes morrer a ofender a Nosso Senhor, o mêdo do demônio, de tudo que me diz, das torturas com que me acabrunha, me perturba e me deixa sem Força!...
Depois a ideia de que em breve vou morrer me enche de tristeza... Entretanto, quando a tentação não vem, a minha maior alegria é saber que no céu já não ofenderei a Nosso Senhor e nunca mais o perderei. ”
É assim, balançada pela tempestade, que Josefa trabalha agora pela Obra de Amor.
“Não estás sozinha — repete Nosso Senhor, aparecendo-lhe no domingo, 12 de agosto, — Não sabes que sou tua Vida, teu Apoio, e que se Eu não estivesse contigo jamais poderias aguentar esse peso?”
Logo no dia seguinte, volta ele aos pormenores de tudo quanto havia de ser transmitido de sua parte ao Bispo de Poitiers. Essas palavras do Senhor, os conselhos que dá à sua Mensageira, o cuidado com que prepara o encontro, tudo isso denota a sua importância na realização dos Projetos Divinos. Ao mesmo tempo, com bondade tranquiliza Josefa. A perspectiva de ter que sair da obscuridade que a cercara até então, falar daquilo que é a alma de sua alma e, principalmente, comunicar os desejos do Mestre, seria para ela uma prova acima de todas as outras, se Jesus não lhe desse graça excepcional de Força e paz.
“Não te assustes — diz o Senhor novamente antes de se afastar. — O Amor te sustentará e te conduzirá sempre. Dir-te-ei tudo e te ajudarei. Não temas. Eu te guardo em meu Coração. Eu te amo.
È o bastante para te dar coragem.”
A festa da Assunção de Nossa Senhora, quarta-feira, 15 de agosto de 1923, abre parênteses luminosos no meio das lutas quotidianas. É uma nesga de céu azul, no meio das nuvens que tentam encobri-lo.
Na tarde daquele dia glorioso, Maria Santíssima aparece à filha no esplendor da sua beleza. Escuta maternalmente tudo o que ela lhe confia a respeito das atribulações presentes, das apreensões sobre o futuro e. principalmente, da sua fraqueza e da sua miséria.
“Filha, — diz-lhe imediatamente, — tua fraqueza não te deve desanimar, confessa-a humildemente, mas não percas a confiança, pois não podes mais duvidar que foi por causa de tua miséria e da tua indignidade que Jesus fitou em ti o Olhar... Muita humildade, mas muita confiança ”.
E, aludindo às perseguições redobradas do demônio:
“Nada receies, ele só pode multiplicar ocasiões de grande merecimento para tua alma. Eu te defendo e Jesus nunca te abandona”.
Então, afastando de si mesma o pensamento, Josefa não pensa senão na alegria da Mãe Imaculada, cuja entrada no céu o mundo inteiro celebra. Maria parece estremecer .diante da evocação da ventura que, para E.a, é um eterno presente. Inclina-se sobre a filha e, abrindo-lhe o Coração, traça diante de Josefa o itinerário que a conduziu, das sombras e dores da terra à claridade do Dia sem fim.
“Sim — diz ela — foi verdadeiramente nesta dia que a alegria plena e sem mistura começou para mim, pois durante toda a minha vida, minha alma foi traspassada por um gládio”.
“Perguntei-lhe — escreve ingenuamente Josefa — se a presença do Menino Jesus, tão pequeno e tá lindo, não lhe tinha dado muitas consolações.
“Escuta, filha, — continua a Virgem — desde a infância, Eu tive conhecimento das coisas divinas e das esperanças colocadas na vinda do Messias. Quando o Anjo Me anunciou o Mistério da Incarnação e Eu Me vi escolhida para Mãe do Salvador dos homens meu Coração, embora em grande submissão à Vontade de Deus, foi mergulhado numa torrente de amarguras. Pois Eu bem sabia tudo o que a terna e divina Criança deveria sofrer, e a profecia do velho Simão apenas confirmou minhas angústias maternas.
“Podes, por aí, imaginar quais seriam os meus sentimentos, contemplando os encantos de meu Filho, seu semblante suas mãos, seus pés, todo o seu Ser, sabendo que haveriam de ser cruelmente maltratados.
“Beijava-Lhe os pés e já os contemplava cravados na cruz. Cuidava-Lhe da linda cabeleira, e já a via coberta de sangue, emaranhada nos espinhos da Coroa.
“Beijava-Lhe as mãos e passeia que meus lábios já se ensopavam com o Sangue que um dia havia de jorrar das suas feridas.
“E quando, em Nazaré, ele deu os primeiros passos e correu para Mim com os bracinhos abertos, não pude reter as lágrimas, pensando nos braços estendidos sobre a Cruz. em que ele morreria.
"Quando chegou à adolescência, reunia em Si tal conjunto de beleza que ninguém O podia contemplar sem admiração... Somente meu Coração de Mãe ficava apertado, pensando nos tormentos cuja repercussão eu já sofria de antemão...
“Depois do afastamento dos três anos de Vida apostólica, as horas da Paixão e da Morte foram para mim o mais terrível martírio.
“Quando no terceiro dia O vi ressuscitado e glorioso, a provação mudou, é certo, de aspecto pois ele já não podia sofrer. Mas, quão dolorosa e triste seria a separação! Consolá-Lo, reparar as ofensas dos homens, seria então meu único alívio.
Que longo exílio, entretanto! Que ardor subia de minha alma para o cáu... Como eu suspirava pela hora de minha eterna união!... Que vida sem ele!... Que luz misturada de treva!... Que união desejada!... e como ele tardava a vir!...
“Foi no momento de chegar aos setenta e três anos que minha alma passou como um relâmpago da terra ao céu. No fim do terceiro dia, os anjos vieram buscar o meu corpo, e o transportaram em triunfo de júbilo, para o reunir à minha alma...
“Que admiração, que adoração e que doçura, quando os meus olhos viram, pela primeira ves na Glória e na Majestade, no meio do exército angélico, o meu Filho!... o meu Deus!...
“E que dizer, filha, da admiração que me empolgou à vista de minha extrema baixeza coroada de tantos dons e cercada de tantas aclamações! ...
‘•'Finda toda mistura de tristeza! Tudo é Suavidade, tudo é Glória, tudo é Amor!...
A Santíssima Virgem se exprimiu com entusiasmo dirá mais tarde Josefa, entretanto, um reflexo de humildade envolvia cada palavra sua.
Ela se calou por um instante, mergulhada na lembrança de sua magnífica entrada no céu. Depois, baixando seu olhar profundo:
“Tudo passa, filha, — diz Ela — e a beatitude não tem fim. Sofre e ama: meu Filho há de coroar brevemente teus esforços e labores. Nada temas. Ele e Eu te amamos!
E depois de mais algumas recomendações maternais:
“Fica-Lhe sempre fiel, nada recuses. Abre-Lhe caminho com teus pequeninos atos. pois ele virá em breve. Coragem, coragem! Generosidade e amor! O inverno da vida é curto e a primavera será eterna!”
Josefa nota que não podia lembrar-se dos próprios termos dessa longa efusão.
“Mas, na sexta-feira, 17 de agosto — continua ela, — quando ia à minha cela para tentar escrever alguma coisa, de repente, Nossa Senhora apareceu belíssima e resplendente de luz. Sorrindo suavemente, repetiu tudo o que dissera na tarde de sua festa, depois deu-me a mão a beijar e desapareceu”.
Durou essa paz ainda alguns dias. Na segunda- feira, 20 de agosto, Josefa ocupou-se na meditação da palavra seguinte: Jesus é a Luz do mundo”.
“E. de repente — diz ela — vi diante de mim uma grande cruz de madeira toda luminosa. No centro, resplandecia o Coração de Jesus traspassado e cercado de espinhos. Da chaga jorrava uma viva chama e eu ouvi a sua Voz que dizia:
“Eis o Coração que dá vida ao mundo. Mas dá-a do alto da cruz. Também as almas escolhidas como vitimas para ajudar-Me a espalhar luz e vida sobre o mundo, devem deixar com grande submissão que as cravem sobre a cruz a exemplo de seu Mestre e Salvador”.
A. cruz continuará a ser pois, até o fim, sua luz e sua segurança. Sabe-o Josefa oferece-se a ela.
Na mesma tarde, a Santíssima Virgem volta para fortalecer a sua generosa vontade. É no oratório do Noviciado, onde Josefa está ajoelhada, diante da imagem de Nossa Senhora, que Maria lhe aparece subitamente .
“Sim — diz-lhe — dá-Me teu coração e Eu o guardarei; dá-Me todas as tuas atividades e as transformarei; dá-Me teu amor, tua vida... e Eu passarei tudo a Jesus.”
Depois, aproximando-se dela e pondo-lhe na fronte a Mão virginal:
"De todo o meu Coração de Mãe, abençôo-te.
Esta bênção te dê coragem e generosidade para cumprires toda a Vontade de Jesus.
“Que poderás temer, filha; se confiares nele?
Não sabes que é todo Poderoso... que é Bom...
que é todo Amor?...”
Josefa o sabe, mas sua alma não pode deixar de recear a missão de que está encarregada. Os dias do Retiro anual aproximam-se porém, e neles concentra suas esperanças. Ela os confia à Mãe, pedindo socorro, pois não esquece que essa época de graças abrirá diante dela o último período de sua vida.
Maria responde à sua prece com os seguintes conselhos maternais:
“Se quiseres que a tua alma aproveite plenamente desses dias de graças, é preciso prepará-los, repetindo frequentemente a oração que meu filho Inácio dizia com tanto ardor:
“Tomai e recebei, Senhor, toda a minha liberdade, minha memória, meu entendimento e toda a minha vontade”.
“Sim, oferece tudo a Jesus, a fim de que se apodere e se sirva de ti segundo seu agrado. Multiplica teus pequeninos atos de humildade, mortificação e generosidade...
“É assim que a tua alma ficará pronta paia receber, nesses dias abençoados, as graças do Senhor. Não esqueças que são os últimos Exercícios espirituais de tua vida. Deixa, pois, Jesus trabalhar em ti e prepara-te, como Lhe aprouver, para a união eterna.”
Depois, lembrando o segredo do mais generoso abandono:
“Já que amas as almas, pensa nelas e deixa-te triturar como é necessário para que se salvem.” Estas últimas palavras tornaram Josefa ainda mais atenta. A Santíssima Virgem pousou sobre ela um longo olhar, como para prepará-la a alguma noa a oblação.
“Lembra-te, filha — diz finalmente — de que és completamente indigna dos favores de teu Deus Rende-Lhe porém graças, por se dignar servir-Se tua indignidade e de teu nada para salvar muita; almas; manifestando-lhes sua Misericórdia”.
Então com toda a autoridade materna, Maria descobre a Josefa o próximo futuro que a espera: tem que ir a Roma a fim de confiar, em pessoa, à Madre Superiora Geral a mensagem de que Nosso Senhor guarda segredo, e de comunicar-lhe diretamente seus Desígnios sobre a Sociedade do Sagrado Coração e sobre o mundo. Josefa fica aterrada ouvindo tais palavras A perspectiva da entrevista com o Bispo de Poitiers lhe causa viva apreensão, apenas dominada pela confiança em Deus. Será necessário sair ainda mais ca obscuridade e do silêncio que a protegeram até agora” Partir para longe; e principalmente dar a conhecer cí viva voz essas coisas que já lhe custam tanto a revelar só às Madres de Poitiers?... Sua alma fica desnorteada Mas a Virgem conserva-a por longo tempo a seus Pés Seu Olhar, que é a um tempo Força e paz, acalma pouco a pouco a tempestade. Josefa, no intimo da sua vontade. adere à de Deus. A graça poderosa que triunfa de todas as suas repugnâncias a entrega, uma vez ma:: de olhos fechados, a essa Obra de Amor que tudo por; exigir dela.
“Não temas — acrescenta por fim a Santíssima Virgem. — Jesus, que vos ama com tanta predileção, dir-te-a seus Desejos... tudo se há de fazer simplesmente e humildemente... Que graça para a Sociedade e como sois felizes, filhas, por serdes instrumento desta Obra entre as Mãos de vosso Deus! ”
Maria desapareceu e Josefa por muito tempo fica abismada na sua oblação.
“Como se fará isto?” Ela nem formula essa interrogação. O trabalho de abandono, que Deus nela opera já dera passos de gigante. É nesta, hora que se percebe. Transmitiu o projeto de Nosso Senhor a quem de direito e, até à partida, não fez a menor pergunta sobre isso. A palavra reveladora de sua vida inscreve-se hoje na sua alma, como no primeiro dia de sua chegada à França, (e quão mais profundamente!): “Deus me conduz.”
Na sexta-feira, 24 de agosto, durante a Ação de graças, Jesus a confirma naquela oferenda, que unicamente o amor pode explicar e estabilizar:
“Dize-me, Josefa. tudo que Me dirias se não Me visses. Não é sempre a ti que cabe escutar, Eu também gosto de 'e ouvir.”
Então, escreve ela, repeti-Lhe meu desejo de amá- Lo, de Lhe ser fiel, de nada Lhe recusar. Mas, bem sabe como sou fraca!... Jesus me fitava com aquele Olhar tão lindo e tão bondoso que me enche de confiança ”.
“Sim, dá-Me esta prova de teu amor, pois o amor torna tudo fácil. Segue o exemplo de meu Coração: criei as almas por Amor e quero salvá-las por Amor! Que as almas por sua vez, Me provem o seu! E se Eu desejo com tanto ardor ser amado pelas almas... quanto mais por aquelas que são minhas Esposas.
“E tu, Josefa! Sabes a loucura de Amor que tenho por ti, por tua pequenez e tua miséria?
“Paga-me com teus atos que são a moeda do Amor!”
“Meus atos, Senhor! são pequenos, tão miseráveis!”
"Pouco importa, dá-Me tua miséria, enriquecê-la-ei e, em troca de cada sacrifício que Me ofereceres, Eu te pagarei com delicadezas de meu Coração”.
Mas, aqui na terra, o Comércio divino se opera em plano diferente dos nossos planos humanos, Josefa o sabe e ainda vai aprendê-lo melhor. Sua fé viva saberá descobrir, à sombra cada vez mais escura da cruz, as provas do Amor infinita mente forte e delicado do Coração de Jesus.
Com efeito, antes de realizar a visita a Roma resta a percorrer uma dolorosa etapa que a preparará à maneira de Deus para aquela.

 

RETIRO NO SOFRIMENTO
25 de agosto — 2 de outubro de 1923

“Trabalho na obscuridade mas a minha Obra virá à luz de tal medo que se lhe possam um dia admirar todos os pormenores.”

(Nosso Senhor a Josefa — 30 de agosto de 1923).

Nove dias ainda faltam para a abertura do Retiro que ela tanto desejara! o último de sua vida!... nove dial de trovas e sofrimento, pois nenhuma claridade brilha sobre o caminho de que o demônio parece ter-se assenhoreado.
“Não posso dizer a que ponto me atormenta, noite e dia, corpo e alma — escreve Josefa... Muito sofri até o dia 2 de agosto, em que os Exercícios espirituais começam para a Comunidade”.
Estes dias de desolação tanto a perturbaram, que ela mal teve Força para afrontar novo esforço. Lê-se no seu caderno íntimo:
“ó Jesus, Vós me abandonastes? Vede como estou!
Entretanto Vos amo... sim, amo-Vos mais que tudo no mundo... Queria fazer tudo o que Vós quereis de mim, mas não estou certa nem do que farei dentro de um instante!... Sou um abismo de orgulho e de corrupção!... Sinto cada vez mais minha impotência... não sei o que me está acontecendo... é como se eu não tivesse mais vontade, pois faço e digo o que eu não queria nem fazer, nem dizer, e me sinto impelida para o mal...” ó Jesus, não posso mais responder por mim!,..
Mas conto convosco, abandono-me. Sei que me sustentareis e que me perdoareis, sei que me amais!”
“Que angústia! — escreve ainda. — Vós só, meu Deus sabeis a minha aflição! A cruz me pesa... a estrada por onde me levais parece superior às minhas forças... Senhor! vinde em meu socorro, levantai-me, iluminai-me.
“Hoje à tarde, quarta-feira, 29 de agosto, — continua Josefa, algumas linhas abaixo — Jesus veio por um instante. Vi seu Coração e compreendi que seu Amor por mim não tem medida, seu Olhar mo disse.
Lancei-me a seus Pés e desabafei meu coração no dele."
“Que importai — disse — Eu sou Rico, Poderoso, Amante e Fiel. Já não te disse, e quantas vezes, que te amo por causa de tua miséria e do tua fragilidade? crê em minha Palavra e fica em minha Paz! Aproveita estes dias de Retiro paru corresponder com muito amor às graças com que te cumulei. Recitarás todos os dias cinco Miserero, acrescentando-lhe um Pater para honrar cada uma das minhas Chagas. Esconde-te nelas... sejam elas sempre o teu refúgio. Humilha-te e nada temas, sou teu Amparo, tua vida e te defenderei sempre”.
“Ah! — exclama — como essas palavras bastariam para tornar santa outra que não fosse eu!... E minha alma fica insensível... O dia inteiro se passou em horríveis tentações. Oh, meu Deus! como estou sofrendo!... Só Vós sabeis e entretanto eu queria amar-Vos...
não me posso separar de Vós!”
Poderá Jesus resistir a um Apelo destes?... No amanhecer de quinta-feira, 30 de agosto, ela se encontra de novo a si mesma:
“Eis-me a vosso Pés, como sou, Senhor! Miséria, pecado, Ingratidão, um ser digno de todo o desprezo! Mas vejo-Vos, a Vós, tal qual sois: Amor, Bondade e Misericórdia!
Esta dupla afirmação é das que encantam ao Co ração do Mestre. A humilde confiança que não duvida dele O atrai, obriga-O a inclinar-se.
“Veio de repente — escreve Josefa — belíssimo e boníssimo! ”
“Nada temas. Não sabes que meu Coração não tem outro desejo senão consumir as tuas misérias e consumir-te a ti?... Conheço-te e amo-te! Nunca Me enfastiarei de ti.”
“Quanto mais dele me aproximo — prossegue ela: tanto mais sofro por não saber amá-Lo e meu único recurso é pedir-Lhe perdão.”
“Bem sabes, — respondeu — que estou pronto para ter perdoar, não uma vez, mas cada vez que a tua fraqueza sucumbir. Se és fraca, sou forte.
Se és miséria, sou o Fogo que consome. Aproxima- te de Mim com confiança e deixa-Me purificar a tua alma.”
“Então, a Chama de seu Coração jorrou sobre meu peito.
“E agora, toma a Coroa. Ela será testemunha de meu Perdão e de meu Amor. Deixa-te guiar, sê muito humilde e fiel. Eu te conduzo e minha Ação te governará.”
“Rendi-Lhe graças e supliquei-Lhe que não permitisse que eu fosse obstáculo à sua Obra.”
Jesus a tranquiliza com palavras que só dos seus Lábios podem sair:
“Nada temas! Eu trabalho na obscuridade, mas minha Obra virá à luz, de modo tal que se possam um dia admirar todos os pormenores. ”
A paz, na qual o Mestre a deixa, não é senão um intervalo. Sempre simples e atenta ao momento presente, Josefa tenta mergulhar nas meditações que se sucedem nos primeiros dias dos santos Exercícios. Continua a anotar seus desejos.
“Meditei sobre a morte — escreve a 1.° de setembro — e certo medo se apoderou de mim, pensando que está tão próxima. Mas criei coragem e mesmo fiquei consolada com o pensamento do passo definitivo que darei, daqui a quatro ou cinco meses. Por que temer?
Não tenho mérito algum, é certo, mas os méritos de Jesus não são meus? Não será preciso contar com Ele que pode tudo e é todo Misericordioso!
Sim. Jesus é Bom, Misericordioso e é meu Esposo.
Se eu viver nele, morrerei nele, para encontrá-Lo sem temor de jamais O perder! Oh! divina e eterna União, vinde vinde! Eu vô-lo digo sem mesmo Sentir esse desejo! pois minha natureza receia... tenho medo de que meu coração me atraiçoe... Oh! meu Deus! Bem sabeis que esse coração ama e se apega. Mas, abandono-vos tudo. Vós só, Jesus! Vosso Coração somente!'’
É certamente a hora de apoiar-se só em Jesus!
Este sábado, 1.° de setembro, lhe trazia o aviso de que no dia seguinte, o bispo de Poitiers, respondendo à comunicação que lhe fora feita, dignava-se vir ao Sagrado Coração para consagrar-lhe uma curta entrevista.
O silêncio do Retiro, que envolve toda a casa, encobrirá esta visita episcopal. Assim, no meio de circunstâncias humanas, o Mestre divino dirige todos os pormenores da sua Obra e mantém à distância, sob a Força de sua Vontade, os poderes infernais cuja irritação fica sufocada por algum tempo.
“Nada receies. Estás em minhas mãos, — repete a Josefa durante a Hora Santa. — Sê muito simples estarei contigo e te direi tudo”.
“Hoje, 2 de setembro, — escreve ela depois da visita do Bispo — falei pela primeira vez com Monsenhor. Eu estava muito comovida a principio, mas depois, pouco a pouco, fiz como se falasse a Nosso Senhor em pessoa e minha alma encontrou junto dele tanta paz que não posso exprimir.
Disse-lhe todas as minhas repugnâncias contra este caminho, minhas tentações de evitá-lo, minha pouca Força para resistir, e a angústia que se apodera às vezes de mim, quando vejo a minha impotência em manter as resoluções. Monsenhor me disse palavras tão bondosas, que muito me fortificaram e consolaram”.
Josefa nada mais escreve sobre esta hora bendita de Deus e que deveria ter tanta repercussão para a Obra do Amor. Observara fielmente as indicações minuciosas do Mestre, entregara ao bispo a Mensagem ditada só para ele e que ficará secreta. Comunicara-lhe os Desígnios de Nosso Senhor sobre o mundo e depois, respondendo com simplicidade a todas as perguntas do prelado, abrira sua alma, com o mais respeitoso e filial abandono, diante daquela paternidade que, para ela, era a do próprio Deus, No mesmo dia, a Superiora de Josefa escrevia à Reverendíssima Madre Geral:
“A entrevista desta manhã foi simples, fácil e consoladora. Monsenhor veio sozinho. A santa missa, no oratório de Santo Estanislau, no meio da Comunidade em retiro, com um belo canto polonês das noviças e algumas palavras de sua Excelência foi um verdadeiro momento de graça. Depois executamos, ponto por ponto, a linha de conduta traçada com tanto amor e clareza por Nosso Senhor, cujo Coração nos tem sido até aqui tão fiel. Depois, Sua Excelência, muito paternal e benevolente, — já a par de tudo por intermédio do R. Padre Boyer — ficou só com Josefa, durante uns quarenta minutos... Acabada a entrevista. Monsenhor dignou-se dizer-nos quão comovido estava com a simplicidade e a candura daquela filha que lhe falava despretenciosamente num francês pitoresco, mas com a alma cheia de Deus. Monsenhor levou as palavras que lhe haviam sido dirigidas pessoalmente, nos dias 11 e 12 de junho, pedindo-nos que muito rezássemos e dizendo que estava disposto a entrar nos Desígnios de Deus.
S. Excia. voltará talvez antes de novembro. Mas que conforto e paz deixou esta primeira visita!”
"Farei tudo”, dissera Nosso Senhor e mais uma vez se realizara sua Palavra. Josefa tornará frequentemente a ver Sua Excia. Monsenhor de Durfort. Até o fim, será ele o apoio e segurança de seu caminho. Lerá todos os seus escritos e dignar-se-á a interrogá-la o ampará-la. Ela receberá de suas mãos a Extrema Unção, e diante dele pronunciará os últimos compromissos da Profissão religiosa.
Muitas vezes, nos últimos dias de sua vida, conversará ele com Josefa. E quando ela tiver consumado sua oblação e terminado sua carreira aqui na terra, o bispo de Poitiers fará questão de dar à humilde privilegiada do Coração de Jesus as bênçãos supremas da Igreja. Mas, por enquanto, o divino Mestre se mostra cioso da humildade e do apagamento de seu Instrumento. As horas de desafogo só duraram no seu pensamento o suficiente para galgar uma encosta grave e decisiva. Não se prolongaram; e logo na segunda-feira, 3 de setembro, as trevas invadem de novo a alma de Josefa; secura, abandono desolação, tentação de desespero... nada lhe é poupado, nem mesmo a presença do demônio!... é nesse caos de sofrimento que ela continua os exercícios do Retiro... Seu caderno não traz mais que estas palavras que são um grito de angústia:
“Sexto dia... aqui perdi meu Jesus. Como tenho feito este retiro?... Só Deus sabe!”
Sim, Deus sabe. e é no meio desses sofrimentos Indizíveis que o Amor trabalha no aperfeiçoamento da Obra e na consumação da Vítima. Deixa-a roçar no fundo da sua própria miséria e esmaga-a sob o peso do rigor divino. Dá-lhe a viva impressão do fim que se aproxima, do vazio da sua própria vida, da responsabilidade das praças em que está mergulhada. Ao mesmo tampo, condena-a a total impotência e consome-a com a sede insaciável de amá-Lo.
Josefa não sabe como traduzir essa aflição, aumentada ainda pelo doloroso esgotamento físico e pelos assaltos noturnos do inimigo incansável.
Assim vai terminar o mês de setembro. Apenas algumas estiadas lhes sustentarão a coragem.
“Na sexta-feira, 14 de setembro — escreve ela — vi o Revmo. Padre Boyer.
Ele me colocou de novo no caminho da confiança e embora eu sofra tanto por não poder amar a Jesus como desejaria estou tranquila porque tudo espero, não de mim mesma, mas dos seus Méritos e da sua Misericórdia”.
Aquele Coração infinitamente Bom, que a ampara sem que ela o sinta, aparece-lhe de repente, na manhã de 18 de setembro.
Durante a Ação de Graças — escreve ela nesse dia, terça-feira — estava eu a adorá-Lo e a amá.Lo por meio do Coração de Maria Santíssima, pois de nada- sou capaz, quando subitamente 0 vi, belíssimo, com o Coração todo abrasado.
Com bondade indizível disse:
“Josefa! vem, aproxima-te deste braseiro de Amor. Traze aqui todas as tuas misérias para consumi-las neste Fogo.”
“Pedi-Lhe que tivesse compaixão de mim, pois cada dia sou mais indigna, não somente de suas Graças, mas de seu Perdão e de sua Misericórdia.”
“Nada temas! Aproxima-te! Quanto mais miséria acho em ti, tanto mais Amor acharás em meu Coração!”
“Então, encostou-me ao Coração e eu Lhe disse todos os meus desejos... e também todos os meus pecados a fim de que mos perdoasse”.
“Conheço tua miséria, Josefa, e encarrego-Me de repará-la. Em troca, consolaeMe e repara pelas almas.”
Convencida da sua própria indignidade, Josefa se admira que o Mestre conte ainda com ela.
“Já não te disse — continua o Senhor — que Eu me encarrego de tudo? Eu reparo por ti, repara tu pelas almas.”
E depois de ter reanimado sua confiança, e orientado o seu olhar para o horizonte das almas, recorda-lhe a proximidade de nova missão.
“E agora, — diz — escuta bem: tenho muitas coisas a confiar-te para o bispo e para a Madre Geral.
"Sem dúvida alguma, tu não és digna de receber e transmitir as minhas Palavras. Mas quando Me sirvo de ti, faça-o por amor às almas.
“Enquanto esperas, — acrescenta — conheces meus gostos: desejo muitos pequeninos atos de humildade. Deixa o Amor escolhê-los com delicadeza e generosidade.”
Ainda duas vezes, nas sextas-feiras, 21 e 28 de setembro, — no meio das trevas que escurecem seu caminho, a claridade do Senhor brilhará subitamente.
Ele virá para mandá-la escrever, sob seu ditado, a Mensagem direta, reservada à Sociedade do Sagrado Coração, que ela terá de entregar à sua Madre Geral.
“Quero que a digas tu mesma’’ — insiste Nosso Senhor.
São momentos solenes cujo alcance e gravidade Josefa compreende: a amplidão dos Desígnios de Deus ultrapassa de tal modo seus próprios pensamentos, suas previsões e mesmo seus receios, que o nada do instrumento se tornou para ela a mais evidente das realidades.
Nada mais há a fazer para corresponder aos Projetos divinos, senão abandonar-se na fé: Josefa atinge aquele cimo onde a fixará o Mestre:
“Deixa-te conduzir de olhos fechados — disse — pois sou teu Pai e tenho os Meus abertos para te conduzir e te guiar”. 18 de setembro de 1923).

 

XIII ROMA

A CASA MADRE: GARANTIAS DIVINAS
2 a 26 de outubro de 1923

“Assim como o sol resplandece ainda mais depois de um dia sombrio, do mesmo modo, depois deste grande sofrimento, minha Obra aparecerá com toda sua claridade”.

(Nosso Senhor a Josefa — 14 do outubro de 1923).

Pela segunda vez, Josefa vai deixar os Feulllants e, desta vez, para uma longa viagem. Depois que Nosso Senhor, apoiando a palavra de sua Mãe (20 de agosto de 1923), manifestara a vontade expressa de que Josefa transmitisse à Madre Geral uma Mensagem pessoal a respeito da Obra de seu Coração, muitas trocas de correspondência, e orações principalmente, prepararam a realização desse desígnio. Aliás, aquele que inclina os corações no sentido de seus caminhos misteriosos, Já havia muito inspirara à Superiora Geral do Sagrado Coração o pensamento de conhecer aquela filha. De Roma ela a seguia com maternal bondade é certo, mas também com a mais circunspecta e clarividente prudência. Agora, essa sabedoria sobrenatural que sempre dirige os amigos cio Deus procura, para o cumprimento desse projeto, o sinal das circunstâncias providenciais.
Em breve, um retiro vai reunir na Casa Madre grande número de superioras que virão de tõdns as casas do Sagrado Coração, na Europa, para uni-las no mesmo espírito e no mesmo fervor. Não será o sinal de Deus? Não poderia Josefa acompanhar a Superiora dos Feuillants convidada também a Roma?
A ida de Josefa não achará razão de ser no acréscimo de trabalho que trará à Casa Madre a afluência das retirantes? Decide-se a viagem, a partida é anunciada. Entra na ordem das oblações que a obediência pede frequentemente na vida religiosa, sem que o coração jamais a elas se habitue. O de Josefa é por demais conforme ao Coração de Jesus, para que sua delicada sensibilidade não sinta vivamente o sacrifício de tudo quanto amara nos Feuillants: Madres, Irmãs, a cela abençoada da Madre Fundadora, a capela, os corredores, todos os queridíssimos lugares que, para ela são o cenário de tantas graças insignes!
Será definitivo seu adeus? Ela o cré. Uma Madre de quem fora auxiliar dedicada durante quase dois anos escreverá, ao recordar essa partida:
“Encontrei-a diante da capelinha das Obras de que ela tanto gostava e da qual vinha despedir-se. No limiar da casa do Senhor, onde tantas vezes estivéramos juntas, fizemos um pacto de oração para ficar unidas em seu Coração. “Que pediremos uma pela outra?” perguntei-lhe. E como Josefa se calasse, acrescentei: "Que Jesus cumpra perfeitamente seus Desígnios sobre nossas almas”.
— Sim respondeu logo, a Vontade de Deus; tudo está nisso. Seja Ele perfeitamente livre em nós”. Depois continuou: “Por maior que seja o sofrimento de cada dia, a graça de cada dia nunca falta para carregá-lo”.
Pela expressão de seu olhar, adivinhei que um sofrimento intenso devia ser naquele momento para ela a expressão da Von/ade divina e, ao mesmo tempo, a prova atual do seu amor.
“No momento da partida, ela me disse ainda: — “Estou feliz por oferecer a Nosso Senhor o sacrifício desta casa. Custou-me deixar a Espanha; agora me custa deixar a França; é a Pátria da minha alma, o berço da minha vida religiosa, mas é a Vontade de Deus”.
Na terça-feira, 2 de outubro de 1923, ao meio dia, partiam para Roma, Josefa e sua Superiora. Jesus em Pessoa ia tornar-se companheiro divino da primeira jornada: mal o trem se põe em movimento, recolhida no compartimento repleto, Josefa mergulhou na oração. Tantas emoções diversas lhe enchiam o coração que só se podia acalmar em silencioso contato com o Hóspede interior. Não precisa ela procurá-Lo, o pendor da sua alma tende para aquela solidão, que ruído algum exterior pode perturbar. Logo se percebeu que estava absorvida pela Presença que é tudo para ela.
De repente, Jesus lhe aparece. Quem, entre os viajantes que a cercam, vão e vêm, entram e saem, suspeitaria aquilo que os olhos fechados da humilde Irmãzinha estavam contemplando?...
— Olha para meu Coração — diz Jesus, e jorravam-Lhe da Chaga centelhas ardentes. — As almas não sabem vir buscar neste Coração as graças que sobre elas desejo derramar. Tantas há que não se deixam atrair pelo ímã divino de meu Amor!
Eis porque tenho necessidade de Almas escolhidas.
Quero que espalhem este ímã por toda a terra. Não podes saber, Josefa como me glorificam e servir-Me-ei de ti para derramar sobre o mundo minhas graças e meu Amor”.
Jesus desapareceu... mas, pela tarde, um pouco antes da chegada a Paris, voltou e confirmou os seus Planos sobre esse período da vida de Josefa.
“Quero salvar o mundo — disse — e quero servir.
Me de vós, pobres e miseráveis criaturas, comunicando-vos meus Desejos, a fim de que, por vós, muitas almas conheçam a minha Misericórdia e o meu Amor, ”
E perguntando Josefa, ainda uma vez, o que faria lá, nesse “lá” que representava para ela a ansiedade do desconhecido:
“Nada receies, — responde Jesus. — Eu to direi. Sou Eu mesmo que te conduzo... Falarás sem medo, Josefa, pois é o meio pelo qual vão começar a realizar-se meus Desejos”.
Depois, torna a insistir:
Nada receies. Meus passos ficam às vezes como em terra arenosa e, a certas horas, minhas pegadas parecem desaparecer. Mas não é assim. Quanto a ti, sê muito dócil. De nada te preocupes e não te inquietes com o que se possa dizer ou pensar de ti. Sou Eu que tudo guio, e sei o que convém à minha Obra”.
Animada com essa Bondade paternal, Joseía ousa ainda confiar-lhe tudo o que a comove e perturba:
“Se não tivesses fé, Eu compreenderia — torna Nosso Senhor. — Mas se crês em Mim, por que te inquietas? Guarda estas palavras, Josefa! Eu trabalho na obscuridade e entretanto sou Luz. Já mais de uma vez te preveni que virá hora em que tudo parecerá perdido e minha Obra aniquilada. Mas hoje, declaro de novo: a luz tornará a brilhar e com maior intensidade ainda!”
Afirmações destas anunciam evidentemente o que Rama reserva a Josefa e à Obra cujo depósito precioso leva na sua alma. Será preciso sofrer muito, mas ficar certa no apoio de Jesus. Que sofrimento será esse, tão claramente predito? Nada o dá a suspeitar, quando as viajantes desembarcam em Roma, a 5 de outubro de 1923, primeira sexta-feira do mês, pelas doze horas e meia.
Já muitas superioras as haviam precedido; sucedem-se outras chegadas e, na alegria religiosa de tantos encontros, a Irmãzinha que vem para ajudar — pelo menos, é o que pensa — desaparece na sombra tão cara a seu coração. Depressa se perderá no meio das Irmãs e ficará familiarizada com o grande prédio tão bem chamado: “Casa-Mãe”. Sente-se logo à vontade, transbordante de alegria e confiança. Quer tanto bem às Madres!... A primeira entrevista com a Madre Geral foi mais uma prova de que Nosso Senhor lhe estava abrindo caminho. Sua bondade materna a confunde, seu acolhimento a cumula de gratidão.
Josefa já aprecia de antemão o prazer de despender suas Forças para colaborar, o mais que puder, no trabalho da casa, que em breve se tornará cenáculo.
Encontra ali também muitas superioras e jovens religiosas espanholas que conhece. Ouvir falar a sua língua, tomar assim algum contato com sua Pátria tão cara, é para ela uma surpresa deliciosa; não há sombras nessa felicidade singela e profunda, cujo segredo a vida religiosa conhece e nos proporciona, de vez em quando Josefa goza com simplicidade e com todo o seu coração ardente e delicado. Parece-lhe que as nuvens se dissiparam sob cálido sol e que, por uma vez pelo menos, ela é, nada mais, nada menos, do que uma humilde coadjutora da “Sociedade” que tanto ama!
Mas são outros os desígnios de Deus e, sem demora, lembrará à sua Mensageira que ela veio, não para gozar, mas para sofrer e ajudá-lo na sua Obra de Amor.
No sábado, 6 de outubro, marca uma entrevista, pois, — explica Ele — é preciso que ela escreva os Desejos de seu Coração para com a Madre Geral.
Sempre fiel, ela toma de novo o jugo das exigências divinas, tão contrárias a seus atrativos, e, enquanto a Casa Madre, na antevéspera da abertura do Retiro, enche-se de recém-chegadas e de alegria, ela recebe, no silêncio da cela ocupada por sua Superiora, a Mensagem que Jesus vem, em Pessoa, ditar. O segredo dessas páginas não poderia ser publicado; fica reservado à Sociedade do Sagrado Coração. Mas, colocada assim diante da sua missão, Josefa se assusta e sente subir a seu coração o surto nunca apaziguado de suas apreensões.
Durante a Ação de Graças, no dia seguinte, domingo, 7 de outubro, Nosso Senhor, respondendo à ansiedade de sua alma, lhe aparece.
— Por que estás triste?” — pergunta, como aos discípulos de Emaus.
“Senhor, — responde ela — estou triste por me ver neste caminho tão ex raordinário onde me parece às vezes que me vou perder.”
“Não sabes, Josefa, que nunca te deixo sozinha? Meu único desejo é revelar às almas o Amor, a Misericórdia e o Perdão de meu Coração. Foi para isso que te escolhi, miserável como és. Não te inquietes, amo-te e tua miséria é justamente a causa de meu Amor. Quis-te para Mim e, porque és miserável, fiz milagres para te guardar cuidadosamente... Sim, amo todas as almas, mas com que predileção as que são mais fracas e mais pequenas!”
E, apoiando com firmeza nas palavras:
“Amei-te e guardei-te, Josefa. Amo-te e guardo-te! Amar-te-ei e guardar-te-ei sempre! Esconde-Me em teu coração com amor. Quanto a Mim, conservo-te no Meu com Ternura e Misericórdia”.
Alguns instantes mais tarde, durante a missa de nove horas, o Mestre lhe aparece ainda. Nada denota a divina Presença. Ajoelhada no meio das Irmãs, depois de ter renovado os Votos e adorado Aquele que só sabe descrever dizendo: “Veio formosíssimo”, recolhe as se¬ guintes palavras:
“Procuro o amor de minhas Almas e venho tornar a dizer-lhes o que quero, o que peço, o que suplico que Me deem: amor, só amor. Quanto a ti, Josefa, sê bem fiel e dócil: dir-te-ei tudo à medida em que for necessário, e brevemente levar-te-ei para a claridade sem fim. Então minhas Palavras se lerão e meu Amor será conhecido!”
Pela tarde do domingo, Jesus como dissera, torna a continuar a sua Mensagem. Que silêncio, aqui como nos Feuillants, envolve essas maravilhas de Amor!
Na cela em que Josefa se reúne à sua Superiora, o Senhor se manifesta, não para ela, mas para a “Sociedade” da qual se dignará servir, para comunicar ao mundo as riquezas insondáveis de seu Coração.
Assim que ele desaparece, Josefa volta ao trabalho, humilde e simples como sempre, entregando à prudência das suas superioras os segredos de què é apenas frágil e inútil intermediária.
Frequentemente irá pessoalmente levar à Reverendíssima Madre Geral as folhas em que escreve os Desígnios do Mestre. Essas visitas, cercadas de completo segredo enchem-na de confusão. Josefa nunca se afasta de sua habitual reserva mas, esquecida de si mesma, acompanha-a com terna e respeitosa expansão filial.
Aliás, Nosso Senhor guarda a sua alma em doloroso sentimento da própria miséria. É a linha clara de sua ação e que oposição, que humilhação de ordem humana, poderia atingir a profundeza daqueles aniquilamentos a que o próprio Deus reduz a sua criatura quando Lhe apraz? ...
Josefa se deixa destruir por essa poderosa Mão.
“Mas — escreve na segunda-feira, 8 de outubro — estava dizendo a Nosso Senhor, durante a ação de graças, como tenho medo de seu julgamento, quando me vejo tão perto da morte e minha vida vazia diante dele!...
“Ele veio de repente formosíssimo, e olhou para mim com bondade imensa”.
Josefa gosta de notar o Olhar que, por si só já é a Paz. Quantas almas, lendo estas linhas, criarão ânimo com a certeza desse Olhar que penetra e purifica, fortalece e pacifica, desse Olhar do qual a fé viva não nos deixa duvidar. Quando os olhos de Jesus a sondaram até o fundo:
“Tudo isso é verdade, — diz Ele — se não vires mais que tuas obras. Mas serei Eu que te apresentarei diante da corte celeste. Sim, Eu mesmo preparo a túnica com que te vestirei. Está tecida com o linho precioso de meus Méritos e tinta com a púrpura de meu Sangue. Meus Lábios imprimirão em tua alma o ósculo de Paz e de Amor. Nada temas, não te abandonarei até que te tenha conduzido ao país da eterna luz”.
“Jesus me tirou o mêdo que eu tinha de morrer” — acrescenta simplesmente Josefa.
Na mesma manhã, Josefa, auxiliando as Irmãs na lavandaria sente um primeiro sintoma que nada levava a prever: um pequeno vômito de sangue, que ela esconde a princípio. A palidez de seu rosto revela, porém, o acidente. O médico não acha nada de inquietante. Mas, depois de longo exame, perguntando a sua idade — trinta e três anos — admira-se, “pois, diz ele, seu organismo acha-se tão gasto!” Não era para menos; o mistério das suas noites e de seus dias dolorosos basta para explicar esse esgotamento prematuro. Mas esta causa fica no domínio de Deus. Josefa será obrigada a descansar um pouco nos dias seguintes, sem abandonar por completo, nem o trabalho, nem a vida comum. A uma das Reverendas Madres Assistentes Gerais que bondosamente se informava de seu cansaço:
“Já que vou morrer, — respondeu ingenuamente, — é preciso que eu tenha qualquer coisa!”
O cansaço físico, entretanto, nada é diante do que a espera. Subitamente, volta à cena o demônio. Na mesma tarde, seu artifício infernal consegue enganar Josefa. — Sob as aparências de Nosso Senhor, tenta desnaturar o Plano divino, a princípio com palavras melífluas, que logo se transformam em afirmações orgulhosas e arrogantes. O próprio excesso da astúcia diabólica acaba por se revelar, pois não é a primeira vez que ele se disfarça em anjo de luz. Descobre-se então, muda de aspecto, ameaça, blasfema e desaparece no meio da fumaça escura, deixando Josefa, no primeiro instante, subjugada pelo poder satânico e depois desnorteada, apavorada e incerta.
“Entrei — escreve ela pouco depois — cm dúvida tão profunda que creio realmente ter sido joguete do demônio, desde o começo! Creio tão firmemente que tudo o que até agora vi foi obra sua, que só me resta suplicar a Nosso Senhor que dê luz a minhas Superioras para que conheçam a verdade.”
Na terça-feira, 9 de outubro, continua: “Sempre a mesma dor e a mesma ansiedade!
O pensamento de que todas essas coisas nunca foram de Nosso Senhor, mas somente do demônio, me lança em terrível angústia! Só peço uma graça, a de que as Madres também percebam isso!”
Um clarão de paz e de verdade ilumina um pouco a entrada nessa grande tribulação. Nesse dia, Nossa Senhora responde à súplica da filha. Josefa está tão perturbada que não crê na realidade daquela presença.
Mas depois de ter escutado a renovação dos Votos e repetido com ela os louvores divinos, Maria a tranqüi- Uza e diz:
“Sim, filha, sou Eu mesma, a Mãe de Deus, a Mãe de Jesus que é a Pureza e a Luz eternas. Sou Eu mesma, tua Mãe, que venho trazer-te paz.
"Nada receies, — acrescenta, — Jesus te defenderá e fará de modo que a astúcia do inimigo seja sempre descoberta, cada vez que tentar enganar-te.
Se estiveres em dúvida, dize-lhe com coragem: “Retira-te, Satanás, nada tenho a ver contigo, que és só mentira. Pertenço a Jesus que é Verdade e Vida”.
Nada temais, filhas minhas, o Coração de Jesus vos ama e vos há de guiar até o fim. Amo- te e te abençoo, Josefa, fica em paz!”
Essas palavras a confortam por algum tempo. Mas é chegada a hora das trevas. O demônio imprime-lhe tão fortemente no espírito a convicção de ter sido enganada durante três anos que, qualquer outra evidência, longe de pacificá-la, lança-a em ansiedade maior, porque, além dessa dolorosa certeza, acrescenta-se a de haver, sem querer, arrastado ao erro todas as pessoas que a sustentavam até então. Essa visita a mergulha em tão pungente agonia que parece nunca ter atravessado aflição semelhante. Só Deus pode avaliar esse sofrimento agudo que não tem onde se apoiar... mas só ele também calcula, nessa hora, o valor de uma fé e de um abandono que tocam talvez às raias do heroísmo: Josefa só procurou ser fiel dentro da verdade. O seu desprendimento do caminho que havia pensado ser de Deus, a humildade com que, no meio dessa obscura noite, aceitara todas as consequências do que chamava “seu desregramento”... a dolorosa paz que a prende, apesar de tudo, unicamente à Vontade de Deus, a entrega de si própria à misteriosa conduta cujos vestígios nem mais enxerga, a simplicidade na obediência que só espera segurança na palavra de suas Superioras: não é isso tudo, nela, sinal autêntico do Espírito de Deus?
Enquanto o demônio emprega o poder que lhe é concedido e todos os seus esforços parecem triunfar da Obra do Coração de Jesus, os olhares atentos que observam Josefa discernem, no meio da tempestade, a ação cada vez mais luminosa daquele que dá nessa filha prova indubitável de sua Presença e de seus Desígnios.
“Trabalho na obscuridade, e entretanto sou Luz”.
Nunca melhor que então se realizou esta declaração divina. Quanto a Josefa, julgando-se abaixo de qualquer compaixão e digna de todo o desprezo, continua humildemente seu trabalho, apesar do cansaço que a extenua.
O demônio não cessa de acabrunhá-la com mentirosas acusações, sem conseguir esgotar-lhe nem a fé, nem a energia. Encontra-o ela nos corredores e nas escadas daquela Casa Madre, onde supusera estar ao abrigo de seus ataques. Nem as noites escapam às perseguições diabólicas. Deus não permite que as afirmações das superioras possam acalmar-lhe a angústia. Parece tê-la abandonado; e sua prece, que é antes um grito de socorro, fica sem resposta. Passa-se assim uma longa se¬ mana. Raio algum de esperança desponta no horizonte; Josefa carrega, sem vergar, a sua cruz e sem que nada exteriormente denote seu intenso padecimento. Mas o rosto mostra-se-lhe abatido e as Forças esgotadas. Em vão, a bondosa compaixão da Madre Geral procura para ela algum alívio.
Mater Admirabilis, a milagrosa Madona da “Trindade dos Montes”, a verá a seus pés e lhe ouvirá o doloroso apelo. Sua Santidade Pio XI a abençoará e lhe dará a mão a beijar em uma audiência de passagem. A fé viva de Josefa se apoiará sobre essa graça inestimável. Sua alma de filha Cia Igreja estremecerá de gratidão e haurirá força para sofrer, sem que a cruz cesse um só instante de pesar rudemente sobre seus ombros. Aquele cuja Sabedoria assim dispõe de tudo, guarda para Si a hora da libertação.
No domingo, 14 de outubro, durante a Ação de graças, Josefa se encontra de repente em presença do Mestre, que serena as ondas e aplaca as tempestades. E põe-se a hesitar, teme, quer duvidar e afastar para longe de si a visão que pensa ser enganadora.
“Nada receies”, responde Jesus, com aquela Voz forte e suave, que desafia qualquer artifício diabólico. Ei como, tendo renovado os Votos, Josefa persistisse energicamente sua intenção de resistir a todo o engano;
“Nada receies, — repete o Mestre. — Sou Jesus, sou o Esposo ao qual te unem os votos de Pobreza, Castidade e Obediência que acabas de renovar. Sou o Deus de Paz!”
Essas palavras invadem-lhe a alma com tal poder, tal segurança, que é inútil, continuar a resistir.
Por mais que eu não quisesse, — escreve ela — uma claridade tão grande entrou em mim que fiquei convencida de que era Ele mesmo”.
Algumas horas depois o demônio tentará, em vão, persuadí-la do contrário.
Mas na adoração da tarde,
“Aquele — diz ela — que penso ser Jesus, voltou.
Pedi-Lhe que repetisse comigo que Ele era mesmo o Filho da Virgem Imaculada. Então, em meio da paz que Lhe irradiava do Semblante e da Voz, disse:
“Sim, Josefa. sou o Filho da Virgem Imaculada, a segunda Pessoa da Santíssima Trindade, Jesus, o Filho de Deus, e Deus Ele próprio, que revesti minha santa Humanidade para dar meu Sangue e minha Vida às almas. Amo-as e te amo, Josefa. Procuro-as agora para lhes manifestar meu Amor e minha Misericórdia e é por isso que me abaixei até a ti. Nada receies. Meu poder te defende".
Depois, com autoridade soberana:
“Não, não estás enganada”.
O espêsso véu que envolvia Josefa dissipou-se com essas palavras, e Jesus continuou:
“Dize a tuas Madres que quero que escrevas.
E assim como o sol resplandece ainda mais, depois de um dia sombrio, assim também, depois desse grande sofrimento, minha Obra aparecerá com tõda a sua claridade”.
Sucede a bonança à tempestade, mas não sem alguns remoinhos, como em mar que fora agitado até grandes profundidades.
Na segunda-feira, 15 de outubro, quando passava diante do oratório de santa Madalena Sofia, Josefa ouve uma voz muito conhecida a chamá-la. Sempre receosa, foge a princípio, mas a santa Fundadora a atrai à paz e confiança.
"Sou tua Madre — diz ela e, para lhe dar garantia acrescenta:
“Dir-te-ei apenas que durante a minha vida não procurei senão a glória do Coração divino. E agora que vivo nele e dele, o alargamento do seu Reino é, mais que nunca, meu único desejo. Por isso, peço que esta pequena "Sociedade” seja para muitas almas o meio de O conhecer e O amar cada vez mais.
“Nada receies! Se o demônio procura prejudicá-la é porque ela é objeto de predileção do Coração Sagrado de Jesus. Mas o Mestre divino não permitirá que ela caia nos embustes que lhe pre¬ para o inimigo.
“Vai, filha, vai para teu trabalho. Eu te abençoo.”
Na mesma tarde, no silêncio do retiro que prosseguira, enquanto Josefa conhecia tão grandes padecimentos, o Senhor vem continuar a Mensagem que fora dolorosamente interrompida.
“Não julgueis que vou falar-vos doutra cousa senão da minha Cruz. Por melo dela. salvei o mundo; por meio dela, quero reconduzi-lo à verdade da Fé e ao caminho do Amor.
“Manifestar-vos-ei os meus desejos: Salvei o mundo do alto da cruz, isto é, pelo sofrimento.
“Sabeis que o pecado é uma ofensa infinita e exige uma reparação infinita; é por isso que peço que ofereçais os vossos sofrimentos e os vossos trabalhos, unidos aos méritos infinitos do meu Coração.
“Sabeis perfeitamente que meu Coração é vosso.
Tomai-o e reparai por melo dele...
“As almas de quem vos aproximardes, inculcai o amor e a confiança. Banhai-as no Amor.
“Banhai-as em confiança na Bondade e Misericórdia do meu Coração. E, em todas as ocasiões em que puderdes falar e tornar-Me conhecido, dizei sempre às almas que não tenham medo, pois que Eu sou Deus de Amor.
“Especialmente vos recomendo três coisas:
“1.o O exercício da Hora Santa, porque é um dos meios de oferecer a Deus Pai, por intermédio de Jesus Cristo seu Divino Filho, uma reparação infinita;
“2.o A devoção dos cinco Padre Nossos às minhas Chagas, porque é por meio delas que o mundo recebe a salvação.
“3.o Enfim, a união constante, ou antes o oferecimento cotidiano dos Méritos do meu Coração, porque assim dareis a todas as vossas ações um valor infinito.
“Servir-se continuamente da minha Vida, de meu Sangue, do meu Coração... confiar-se incessantemente e sem receio ao meu Coração: é um segredo que muitas almas não conhecem assaz.
Quero que vós, ao menos vós, o conheçais e aproveiteis.”
E, depois de alguns pedidos claramente dirigidos à “Sociedade” acrescenta:
“Fica em minha Paz. Eu vos amo, vos guio, vos defendo. Não duvides jamais de minha Bondade.”
Surge pois mais pura, mais radiante a aurora depois da borrasca, e Josefa, sempre ignorante de si mesma, não suspeita que novas garantias da ação sobrenatural aprouve ao Senhor imprimir em sua Obra por meio da tormenta. A Madre Geral, que acompanhara de perto o descoroçoamento da filha, pôde ter prova palpável da seriedade da sua virtude e da sinceridade de seu desprendimento de si mesma. Nunca fora mais tangível nem parecera tão autêntico o cunho do Espírito de Deus, quanto naquelas horas em que, mergulhada na aflição, ela aceitara, com paz e total abandono, o desmoronamento de tudo quanto pensara ser a Obra do Amor, para a qual sacrificara a sua vida e entregara todo o seu ser.
A estada em Roma está para findar; Nosso Senhor ali realizara o seu Plano. Sucedem-se ainda alguns dias da graça: na sexta-feira, 19 de outubro, a santa Fundadora lembra ainda uma vez mais à filha o papel da cruz na Obra que se vai terminar.
“Nada receies, — diz-lhe — foi ele, foi o Coração Sagrado que sempre governou e dirigiu esta pequena Sociedade. Mas, às vezes é difícil reconhecer a sua Ação. Falta fé ao mundo e Jesus quer que as suas Esposas reparem essa falta de fé com atos de confiança. Nada receies e não te inquietes se não tens luz, Jesus a dará pouco a pouco. Ordenará que tudo se cumpra segundo seus Desígnios. Quanto a ti basta-te obedecer e te abandonares. Sim, sem dúvida há momentos de escuridão, é a Cruz de Jesus que se ergue diante de nós e nos impede de O ver. Mas Ele mesmo nos diz: “Não temais, sou Eu”. Sim é Ele quem há de guiar e completar sua Obra até o fim.
Nada temas, sê fiel e fica em paz”.
A festa de Mater Admirabilis, tão cara à Sociedade do Sagrado Coração — no sábado, 20 de outubro, não passa sem que a Mãe venha também confortar a alma da sua filha.
“Eu sou tua Mãe, a Mãe de Jesus e a Mãe de Misericórdia,”
diz Ela, insistindo para provar a sua identidade. E como Josefa lhe confiasse ainda os receios que nem sempre consegue dominar:
“Não voltes atrás, filha. Deixa Jesus glorificar-se na tua pequenez e na tua miséria. E assim que melhor resplandecerão seu Poder e sua Bondade. Vê como sua Mão paternal té conduziu e te guardou aqui. Nada temas. ele te ajudará até o fim. Conserva-te bem simples, pois não terás outra glória no céu senão a da tua simplicidade.
“As criancinhas não têm mérito algum adquirido. Assim se dá contigo. És filha dileta do seu Coração, sem nada teres feito para isso. Mas foi ele quem fez tudo em ti, que te perdoa, que te ama.”
No dia seguinte domingo, 21 de outubro, enquanto ela está em oração, Jesus lhe descobre seu Coração “todo abrasado” e lhe diz:
“Olha para meu Coração. E o livro em que deves meditar. Ensinar-te-á todas as virtudes, e principalmente o zelo pela minha glória e pela salvação das almas. Olha bem para meu Coração.
É o asilo dos miseráveis e, por conseguinte, o teu; por que onde encontrar alguém mais miserável do que tu?
“Olha para o fundo do meu Coração.
“É o cadinho onde os corações mais manchados se purificam e são depois inflamados no amor.
Vem aproxima-te deste foco. Deixa aqui as tuas misérias e os teus pecados. Tem confiança e crê em Mim que sou o teu Salvador.
“Olha ainda para o meu Coração, Josefa: é o Manancial d’água viva. Lança-te nele e bebe até saciar a tua sede. Desejo e quero que todas as almas venham a esta fonte para beberem nela o seu refrigério. Quanto a ti. coloquei-te no fundo do meu Coração. És tão pequena que não terias podido chegar ali sozinha.
Aproveita, pois, e bebe as graças que te dou.
Deixa que o meu Amor trabalhe em ti e continua a ser pequenina”.
Na tarde desse mesmo dia, a santa Madre Fundadora aparece à filha e as recomendações maternais acatam com este desejo ardente:
“Seja Jesus amado e glorificado de maneira especial pelas almas que compõem a pequena “Sociedade” de seu Coração.”
“Pedi-Lhe que me abençoasse — escrevo Josefa — já que é Minha Mãe. Foi a última vez que a vi em Roma. Os dias seguintes passam-se em paz e em verdadeira alegria para minha alma.
Na quarta-feira, 24 de outubro, deixamos Roma e no dia 26 chegamos a Poitiers.”

 

ULTIMA VOLTA AOS FEUILLANTS PURIFICAÇÃO
26 de outubro — 30 de novembro de 1923

“Até hoje a minha Cruz repousou sobre ti, quero que de agora em diante repouses tu sobre ela”.

(Nosso Senhor a Josefa — 27 de outubro de 1923).

Gênova... Paris... Poitiers! O rápido trajeto que traz aos Feuillants a humilde Irmãzinha Josefa termina pois, na sexta-feira, 26 de outubro; pelas cinco horas, e a grande família abre seu coração e seus braços às duas viajantes. Como em junho, depois das efusões da recepção e das narrativas da estada romana com que Josefa anima alegremente os primeiros recreios, desce de novo a sombra sobre ela. É o quadro em que Jesus gostava e gostará até o fim de esconder as predileções do seu Coração e as últimas Mensagens, tanto quanto os sofrimentos e as provações que terminarão a sua Obra. Será curto o período final. Bem o sabe Josefa. O extremo cansaço que traz em todo o seu ser bem o diz, mais ainda, o profundo Apelo que não engana, o do amor que a atrai, e desapega, a apressa irresistivelmente.
No sábado, 27 de outubro, depois de uma noite calma, escreve ela um agradecimento filial, à Madre Geral. Linhas simples e espontâneas, que devem encontrar aqui lugar pois revelam o fundo desta alma tão fresca e ingênua de sentimentos, ignorante de tudo o que é rebuscado e afetado na expressão.
“Minha Reverendíssima Madre,
E com grande alegria que vos escrevo hoje, para agradecer todas as bondades que tivestes para comigo! Jesus vos pague por tudo!... Peço-Lhe de todo o coração. E a vós, minha Reverendíssima Madre, prometo fazer tudo que me for possível para ser fiel nestes três ou quatro meses de vida que me restam...
Farei ou direi sempre tudo o que Jesus me disser, e tentarei ser um pouco mais humilde: creio que é o que mais me custa... É por isso que o prometo a Nosso Senhor com toda a sinceridade e é com estes esforços que procurarei reparar um pouco a minha vida passada. Por enquanto estou em paz e muito feliz, embora não tenha ainda visto Jesus, nem a Santíssima Virgem, nem nossa Bem-aventurada Madre.
Estou bem contente por me achar outra vez em Poitiers. mas não esqueço os dias passados na Casa- Madre e a afeição maternal que aí encontrei. Eu também nunca vos esquecerei em minhas orações e, principalmente, quando estiver no céu, procurarei fazer muitos “regalitos”, (presentinhos) às Madres a quem tanto quero e obter-lhes pequeninas alegrias nas coisas de que necessitam.
Abençoai-me minha Reverendíssima Madre. Sou sempre vossa pequenina e humilde filha no Coração de Jesus, Josefa Menéndez.”
Não tarda muito a volta do Senhor. Jesus parece ter pressa em descobrir-lhe seu Plano sobre às Ultimas semanas da sua vida.
"Veio formosíssimo, com a coroa de espinhos na Mão — escreve ela, ainda na tarde do mesmo 27 de outubro. — Tive grande alegria, pois não mais O vira desde Roma. Então disse-Lhe tudo o que enchia meu coração e Ele me respondeu com muita ternura.
"Crês Josefa, que Eu não sabia da tua volta para aqui?... Fui Eu que te trouxe.
“Não te assustes — continua lendo-lhe no rosto o temor sempre atual dos embustes satânicos — sou Eu mesmo. Jesus, o Filho da Virgem Imaculada, teu Salvador e teu Esposo”.
Depois, com tom de grave Bondade:
"Até hoje, minha Cruz repousou sobre ti.
Quero que de agora em diante repouses tu sobre ela. Sabes que é patrimônio de minhas Esposas, mas principalmente das Esposas de meu Coração”.
Como não se entregar sem reserva a esse Amor que a solicita para o sofrimento?... Josefa se oferece... e olhando para a coroa que tanto desejara, ousa pedi- la ao Mestre.
“Sim — responde — hoje. minha Coroa de espinhos, e em breve, minha Coroa de glória Deixa-Me operar... Deixa-Me trabalhar em ti e por ti, para as almas! Amo-te... Ama-Me...”
É sob esse misterioso trabalho divino que se hã ce consumar a Obra de Amor.
No dia seguinte, 28 de outubro, Josefa voltou aos; seus hábitos que, aliás, nunca abandonara inteiramente. Pela tardinha, segundo o costume, foi fazer a via sacra naquela capelinha das Obras de que tanto gostava e da qual com delicias se viu de novo encarregada.
Jesus lhe aparece:
“Tendo acabado — escreve ela — recitei os cinco Padre Nossos em honra das suas Chagas e, mal começara o primeiro, Ele veio. Estendeu a Mão direita, 'depois a esquerda e, à medida em que eu ia dizendo os cinco Padre Nossos, um raio de luz jorrava de cada Chaga.
“Renovei os Votos e, no fim, disse Ele:
“Sim, Josefa, sou Jesus, o Filho da Virgem Imaculada. Eis as Chagas abertas sobre a Cruz para resgatar o mundo da Morte eterna e lhe dar a Vida. São elas que obterão misericórdia e perdão para tantas almas que irritam a Cólera do Pai. São elas que, de ora em diante, darão Luz, Força e Amor”.
E, mostrando o Coração chagado:
“Esta Chaga é o Vulcão divino onde quer: que se abrasem as minhas Almas escolhidas e principalmente as Esposas de meu Coração. Esta Chaga, é delas e todas as graças que encerra delas são, a fim de que derramem sobre o mundo, sobre tantas e tantas almas que não sabem vir buscá-Las e sobre tantas outras que as desprezam”.
Então — escreve Josefa — pedi-Lhe que ensinasse a essas almas como torná-lo conhecido e amado.
“Dar-lhes-ei toda a luz necessária, a fim de que saibam utilizar este tesouro e, não somente tornar-me conhecido e amado, mas também, reparar os ultrajes constantes com que Me acabrunham os pecadores. Sim, o mundo Me ofende, mas será salvo pela reparação das Almas escolhidas.
“Adeus, Josefa! Ama, pois o amor é reparação, e reparação é amor”.
Os dias seguintes vão corresponder a esse Apelo.
Com a semana que começa, Josefa volta à oficina que a festeja. Trabalhou-se muito sem ela durante o mês de outubro, pois a abertura das aulas multiplicara a tarefa da confecção dos uniformes. Josefa se alegra em admirar os esforços das suas irmãs, princialmente verificando que será bem substituída e que soa partida para o céu não deixará as Madres em aperto. É preciso habituar suas auxiliares a não mais lhe deixarem a responsabilidade do serviço: por isso, nas longas horas que consagrará a esse trabalho tão caro, reservará para si os mais humildes remendos, deixando toda iniciativa à sua jovem substituta, que jã não será guiada senão por algum olhar de encorajamento. O lugar secundário que a desapega de sua atividade tão querida, é-lhe precioso. Sua alma lhe cria afeição, sua bondade se torna mais auxiliadora e seu sorriso mais radiante, apesar do esgotamento que o semblante revela. Por meio desses últimos esforços, o Senhor acaba de esculpir, em segredo, a configuração do instrumento com a sua Paixão e sua Cruz. Nos primeiros dias de novembro, o demônio tenta renovar a prova temível que Josefa conhecera em Roma.
Aparece-lhe com os traços de Nosso Senhor e a deixa renovar os Votos. Mas recusa repetir os Louvores divinos e a afirmação que Jesus pronuncia de cada vez, com tanto ardor! “Sou Jesus, o Filho da Virgem Imaculada!”
“Dize-o tu, é quanto basta”, responde o infernal enganador. Em vão tentará simular as palavras do Mestre. Josefa, não lhe vendo nas mãos traço algum de ferida, não se deixa seduzir e o repele com indignação. Mas sua alma fica perturbada e inquieta. O pensamento da morte próxima aumenta-lhe a aflição e os dias passam em dolorosa angústia.
“Foi assim — escreve ela — que, de 28 de outubro a 13 de novembro, não mais vi Nosso Senhor.'’
A festa de santo Estanislau, padroeiro do Noviciado, na terça-feira, 13 de novembro, traz, porém, celeste Claridade sobre a escuridão do caminho.
“Hoje de manhã, depois da comunhão — escreve ela — Jesus veio belíssimo as chagas brilhavam com chamas e, antes mesmo que eu pudesse pronunciar uma palavra, disse:
“Nada temas, sou Jesus, o Filho da Virgem Imaculada. ”
E condescendendo bondosamente em repetir com ela louvores divinos, acrescentou para tranquilizá-la completamente:
“Sim, sou o Amor! Sou o Filho da Virgem Imaculada; sou Esposo das Virgens, a Força dos fracos, a Luz das Almas, sua Vida, sua Recompensa e seu Fim!
“Meu Sangue apaga todos os pecados, pois sou o Reparador e o Redentor!”
Tanta bondade encoraja Josefa, confia ao Mestre os sofrimentos dos dias precedentes, o extremo cansaço que já não lhe deixa Força para trabalhar e lhe dá a sentir a proximidade do fim.
“Pois então, minha Josefa — responde com ternura — não desejas possuir-Me e gozar de Mim, para sempre? Quanto a Mim, Eu te desejo! Eu Me glorifico nas almas que cumprem a minha Vontade sempre e em tudo, e escolhi-te por causa disso.
Deixa-Me fazer de ti o que sei que convém à minha Glória e a teu bem. O inverno desta vida passa... e Eu sou tua Felicidade!”
Depois, Jesus marca uma entrevista, a fim de lhe comunicar o que ela deverá transmitir, pela segunda vez, ao bispo de Poitiers.
Alguns instantes mais tarde, Ele a encontra na cela e Josefa toma de novo a pena. Jesus fala a princípio para o bispo, pois seu Amor quer torná-lo o primeiro apoio da sua Obra. Depois, alargando o horizonte, acrescenta:
“Quero que meu Amor seja o sol que clareia e o calor que aquece as almas. Por isso, desejo que dêem a conhecer as minhas Palavra".
“Quero que o mundo inteiro leia o meu Desejo ardente de perdoar e de salvar, que os mais miseráveis nada receiem!... que os mais culpados não fujam de Mim... venham todos!
“Espero-os como um Pai, com os Braços aber.
tos, para lhes dar a Vida e a verdadeira Felicidade!
“Para que o mundo conheça a minha Bondade, preciso de apóstolos que revelem o meu Coração, mas que primeiro O conheçam... pois pode-se ensinar o que se ignora?
“Eis porque falarei durante alguns dias para meus Padres, meus Religiosos, minhas Religiosas.
Então se há de ver claramente o que peço: quero formar uma liga de Amor entre as minhas Almas consagradas, a fim de que ensinem e publiquem, até às extremidades do mundo, minha Misericórdia e meu Amor.
“Quero que o desejo e a necessidade de reparar desperte e cresça entre as almas fiéis e as almas escolhidas pois o mundo pecou...
“Sim, o mundo, as nações excitam neste momento a Cólera divina. Mas Deus quer reinar por Amor, e dirige-se às suas Almas escolhidas, especialmente às desta Nação. Pede-lhes que reparem, primeiro para obterem perdão, mas principalmente para atraírem novas graças sobre esta Terra que foi a primeira, torno a repetir, a primeira a conhecer meu Coração e a espalhar esta devoção.
“Quero que o mundo seja salvo... que a paz e a união nele reinem. Quero reinar e reinarei pela reparação de minhas escolhidas e por um novo conhecimento de minha Bondade, de minha Misericórdia e de meu Amor”.
“Minhas Palavras serão Luz e Vida para um número incalculável de almas, todas serão impressas, lidas e pregadas, e dar-lhes-ei graça especial, a fim de que esclareçam e transformem as almas.” O Senhor calou. Falara com tanta força e tanto ardor, que Josefa fica empolgada. Adora aquela Vontade que. mais uma vez, delineia seus planos e cuja segurança divina afasta todo o temor.
“Pedi-Lhe perdão por duvidar ainda, — escreve ela — mas ele conhece os embustes do demônio!.,.”
“Crês que Eu possa deixar-vos à mercê desse cruel inimigo? Amo-vos, e jamais permitirei que sejais enganadas. Nada temais, tende confiança em Mim que sou o Amor. ”
Como admirar que semelhantes Mensagens só se possam comprar por elevado preço!... Aquela que as transmite deve ser a primeira a pagá-lo com toda a sua capacidade de sofrer. Ela o sabe, e sua oblação torna-se cada vez mais profunda, diante do mundo que é preciso oferecer a esses tão grandes, tão ardentes, tão urgentes Projetos de Misericórdia e Amor!
Desde os primeiros dias de novembro, durante as noites principalmente, dores físicas parecem destruir pouco a pouco todo o seu ser, dores intensas, cuja origem não se encontra e que aumentam em cada sexta- feira.
Ela passara a sexta-feira, 9 de novembro, estendida e quase sem movimento possível, a cabeça, o peito os membros abalados com violento sofrimento... Nova hemorragia a deixa em extremo abatimento sem que a consulta médica lhe descubra a causa.
Na quinta-feira, 15 de novembro, pelas oito horas da noite, atravessa uma crise dolorosa que parece levá-la, à agonia e que se renova durante a noite.
Entretanto, na manhã de sexta-feira. IS, Nosso Senhor visita-a pela Santa comunhão e lhe aparece durante a ação de graças: momentos abençoados; Josefa neles encontra Força para continuar a rude subida do Calvário.
“Nada receies — diz.lhe. — Sou tua Vida e tua Força. Sou Tudo para ti e jamais te abandonarei.”
Depois tendo-lhe lembrado a próxima visita do bispo:
“Quanto a ti, — acrescenta — fica à minha disposição, a fim de que Eu te possa ocupar cada vez que precisar de ti, pois quero falar às minhas Almas escolhidas.
Deixa-Me toda a liberdade. É assim que Eu me glorifico”.
É sobretudo pelo sofrimento que se exprime, a essa hora, a Liberdade divina. Ainda na mesma sexta-feira, a crise terrível, que a acabrunhara na véspera, renova-se três vezes, às nove horas, ao meio dia e entre três e quatro horas, como se Jesus Crucificado quisesse associá-la estreitamente às Dores da sua Cruz.
Mas, logo que ela cria alguma Força, levanta-se e tenta pôr-se a trabalhar com energia. É assim que de dia para dia, de noite para noite, por meio de sofrimentos misteriosos que aumentam sem cessar, Josefa, oferecida Àquele que a imola, se encaminha para a sua consumação.
Na quarta-feira, 21 de novembro, na Apresentação da Santíssima Virgem, renova publicamente os Votos ao meio de suas jovens Irmãs... Seu fervor prepara esta festa da oblação com um amor que o sofrimento não cessa de alimentar. Sabe que é a última vez que sua voz repetirá, nessa capela, o compromisso que a ligara ao Coração de Jesus e à sua Obra de Amor. Durante a Ação de graças, o Esposo fidelíssimo lhe aparece e diz:
“Eu também, Josefa, renovo a Promessa que te fiz de te amar e de te ser fiel. Embora Eu te faça sofrer, não creias que te ame menos por isso: amo-te, e não cessarei de te amar até o fim. Mas, preciso de sofrimento para curar as chagas das almas! Adeus, fica comigo, assim como Eu estou contigo”.
Alguns dias depois, no sábado, 24 de novembro, S. Excia. Mons. de Durfort, respondendo ao Desejo de Nosso Senhor, torna a ver longamente Josefa; essa visita paternal é uma graça imensa que sua fé recebe com comovida gratidão e humilde simplicidade Impressiona ela fortemente ao venerável prelado com sua Ignorância de si mesma. Só se ocupa dos interesses do Coração de Jesus. A parte que ela ocupa nesta Obra, seus próprios sofrimentos revelados pelo abatimento do rosto, tudo isso nada vale, para ela diante dos Desejos do Mestre. Transmite-os com clareza e precisão objetivas, pormenor nenhum é deturpado pela sua linguagem incorreta. Depois, tão simplesmente quanto saíra da sombra por alguns instantes, mergulhada de novo na via dolorosa e purificadora que é a sua mais que nunca.
Uma vez ainda, no fim de novembro, terça-feira, 27, Nosso Senhor mostra-se a ela como Visão de Paz.
Ela a descreve nos seguintes termos:
“Hoje à tarde, durante a adoração do Santíssimo Sacramento, não achava nada que dizer a Nosso Senhor e, para não perder tempo, recitei lentamente as Ladainhas do Sagrado Coração. Depois, como a hora não havia passado, comecei as invocações da novena, da primeira sexta-feira (1), e quando cheguei a esta: “União íntima do Coração de Jesus com o Pai celeste, eu me uno a Vós”, Jesus veio de repente, resplendente: de beleza.
(1) Essas invocações que se dizem todos os meses nos conventos do Sagrado Coração, sob forma de novena preparatória à primeira sexta-feira, são protestos de união aos sentimentos; e afetos do Coração de Jesus.

Sua túnica parecia de ouro, seu Coração era como um incêndio, de sua Chaga jorrava uma luz ofuscante.
Renovei os Votos e pedi-Lhe perdão por estar tão fria; a seus Pés. Parece. me entretanto que não era falta, de amor, pois O amo mais que tudo no mundo. Escutava-me e olhava para mim, depois disse:
“Escuta, Josefa, esta prece Me é tão agradável e tem tanto valor que ultrapassa muito as orações mais eloquentes e mais sublimes que as almas; possam oferecer-Me. Que haverá com efeito, de maior preço que a união de meu Coração com o Pai celestial?... Quando as almas pronunciam essa prece elas penetram, por assim dizer, no meu Coração e aderem ao beneplácito divino, seja ele qual for para com elas. Unem-se a Deus e é o ato mais sobrenatural que se possa fazer na terra, pois começam a viver algo da vida do céu, que consiste na perfeita e íntima união da criatura com o seu Criador e seu Deus.
“Continua, Josefa, continua a tua prece. Por meio dela adoras, reparas, mereces e amas. Sim, continua a tua prece. E eu continuo a minha Obra”.
“Confiei-Lhe todas as minhas aflições — escreve ela em, seguida a esta narrativa — ele respondeu:
“Não te inquietes. Sou Eu que conduzo tudo”.
A hora é certamente da fé viva na conduta do Amor em meio de tantas obscuridades. Josefa, acabrunhada pelo sofrimento físico, parece abandonada às suas próprias forças. Sua alma está em abatimento tão grande que a sua coragem não consegue dominar, e o demônio explora-lhe a fraqueza, reduzindo-a a uma espécie de agonia moral no terror e na angústia. Entretanto, sua fé não duvida daquele que permite horas tão dolorosas e a ela se entrega à ação purificadora do Amor, em quem tem confiança absoluta.

 

XIII — IN FINEM DILEXIT!...

O SELO DE DEUS

“O Sinal, da-lo-ei em ti.”

(Nosso Senhor a Josefa — 20 de setembro de 1923).

Dezembro de 1923. É o último mês que Josefa passa aqui na terra. Num conjunto de paz, ordem, sabedoria, poder e soberana liberdade que só a Ele pertence, o Rei de Amor vai terminar a sua Obra por meio da fragilidade do seu Instrumento.
Não será hora de lançar um olhar sobre a alma de Josefa e de procurar nela o Selo divino que parece autenticar a sua missão?
“Conhece-se a árvore pelos frutos”. É à luz desse princípio evangélico, saído dos lábios da Sabedoria divina, que se mede toda a virtude e que toda ação sobrenatural se confirma aqui na terra. Respondendo um dia a uma instante e secreta súplica dos guias de Josefa, Nosso Senhor dissera, lembramo-nos, à humilde Irmã que não suspeitava essas perplexidades: “Não me peçam mais sinais, Josefa. O Sinal, dá-lo-ei em ti”. Resposta divina que, de fato, se havia de imprimir dia a dia nos quatro anos desta curta vida religiosa, marcando-a com um vinco que não parece suscetível de engano.
O Selo divino está certamente na SIMPLICIDADE de criança que a faz entrar em cheio no reino de Deus. E uma dessas almas pequeninas e muito simples que arrebatam o Coração do Rei e lhe desvendam os segredos.
A sua ignorância de si mesma, a sua docilidade confiante, sua espontaneidade sem rodeios, impressionam logo a quantos dela se aproximam.
Não há afetação na sua piedade, nem complicações na sua vida. As bases firmíssimas de sua fé a preservam contra vãos exageros e entusiasmos passageiros. Vai direita a Deus. Esta simplicidade que, sem esforço, a põe ao nível das comunicações divinas a leva a atravessar provações sem lhes aprofundar o alcance extraordinário, coloca-a logo depois, e sem dificuldades, no plano normal da vida ordinária.
A maneira de prestar contas de seus atos é duma criança despretenciosa que, sob forma ingênua e cândida, mas sempre respeitosa, deixa transparecer o olhar interior que só procura a Deus. Até o estilo e a caligrafia das notas deixadas por Josefa revelam uma alma límpida sem refolhos.
A HUMILDADE e a CARIDADE, duplo traço do Coração de Jesus que a Igreja reconhece como sinal, distintivo da santa fundadora do Sagrado Coração são também uma das garantias com as quais Deus marca a virtude de Josefa.
A HUMILDADE acrescenta à sua simplicidade certa maturidade que provinha da sua pequenez verificada à luz da verdade. Sua natureza briosa e viva sentiu durante muito tempo, é certo, quanto custam os atos exteriores que a vida religiosa impõe. Permitiu-o Nosso Senhor, talvez, a fim de que ela tivesse incessantemente que exercitar o seu amor em pequeninas coisas e, experimentando a sua fraqueza, pudesse julgar-se a última de todas. Mas a sinceridade de sua humildade pode-se avaliar com outras medidas. O esquecimento e o sacrifício habitual de si mesma são consequências lógicas da convicção do seu nada, convicção tão real e efetiva, e que foi origem das lutas que lhe sulcam o caminho.
Ela só aceita esse caminho por submissão heroica às vezes. à Vontade divina, sendo a sua própria vontade inteiramente oposta. A desconfiança de si mesma, o desprendimento do seu próprio sentir, a humilde confiança na autoridade, marcam cada um dos seus passos.
A humildade de Soror Josefa parece ainda mais autêntica, pois desabrocha em CARIDADE toda sobrenatural que, dia a dia, lhe dilata o coração no Coração de Jesus. Uma virtude menos sólida poder-se-ia aproveitar de graças excepcionais para se manter afastada de seu meio, fugir do caminho das outras e fechar-se em certa complacência de si mesma.
Nada disso aconteceu. Quanto mais o Coração de Jesus lhe descobre seus Segredos e a enche com a sua Vida, tanto mais abrem-se nela novas fontes do caridade que brotam ao menor contato. Josefa, vivendo tão perto do invisível e mergulhando tanto no divino, parece cada dia mais prestimosa e boa no meio das suas Irmãs. Não há nela limite para o dom de si mesma, de seu interesse e de suas orações, é coisa sabida em torno dela. O mundo inteiro que ela quer ganhar para Deus tornou-se seu horizonte habitual...
Mas ao mesmo tempo, seu olhar atento não deixa escapar nenhuma ocasião de dar prazer. Além do mundo das almas e da família religiosa, há ainda lugar em seu coração para esse outro mundo, reflexo de Beleza do Pai e dom de sua Bondade, que chamamos a natureza: pássaros insetos, flores, o céu e as estrelas...
Ama tudo e tudo abraça com esta afeição larga, forte, simples e ingênua que encanta o Coração do Mestre, pois ela não é outra coisa em Josefa senão manifestação de seu amor para com Ele.
A OBEDIÊNCIA é, entretanto, o Sinal dos sinais e por meio dela é que Nosso Senhor mostra a sua Escolha. Esta obediência, notada várias vezes pelas testemunhas de sua vida cotidiana como característica da alma religiosa de Josefa, melhor ainda se confirma no Plano sobrenatural ao qual a fixava a Vontade do Deus, O exame da Ação e do Espírito que a conduziam faz sobressair admiravelmente a sua perfeita submissão de juízo e de coração: Nem um desejo, nem um apego, nem um retrocesso... mas sempre uma aquiescência total à linha de proceder que lhe era traçada, e um desprendimento perfeito que nunca lhe permitiu o exame das graças recebidas para nelas se comprazer. Josefa, que só por obediência e com muita repugnância as escrevia, nunca pedia que a deixassem reler essas notas.
Era tudo entregue e abandonado aos seus superiores. Desde o princípio, Nosso Senhor lhe ensinara esta dependência absoluta no caminho em que a queria: Basta lembrar estas palavras já citadas: Atrai-te ao meu Coração, dizia-lhe ele, a fim de que não respires senão para obedecer... Fica sabendo que se Eu te pedir uma cousa e a tua Madre outra, gosto que antes obedeças a ela do que a Mim”.
“Vai e pede licença”, insiste o Mestre para conservá-la fiel à direção recebida, e ele, em Pessoa, lhe explica a que grau e com que minudência ela deveria ser franca e transparente, dócil e maleável.
Quantas vezes, sob uma ou outra forma, lhe fez ouvir esta grande lição religiosa:
"Procura-Me na tua Madre. Recebe as suas palavras como se caíssem dos meus lábios... Estou nela para te guiar”. Foi neste espírito de fé que Josefa sempre considerou a obediência.
O AMOR DA REGRA E DA VIDA COMUM enquadrou nela, as graças de Deus e defendeu-a contra as ilusões e as ciladas do demônio. Josefa prestava-lhes culto, e provou-o com a sua generosidade.
Este amor da vida comum e ordinária que, à falta duma prova bem clara da Vontade de seu Mestre, a levou a abandonar mais de uma vez o caminho traçado pelo seu Coração Divino, serve para afirmar quanto ela era tenaz em seguir o caminho seguro da sua vida religiosa.
A Regra, que observava com esmero e cuidado, exigiu dela, em certas horas, uma vontade e uma coragem, cuja intrepidez passou despercebida aos que a rodeavam.
Sob ameaças do demônio, apesar da certeza moral das lutas que a aguardavam, logo que a sineta a chamava, vencendo a sua natural timidez (e quem não tremeria diante do poder de tal inimigo!), Josefa não hesitava: o seu amor, indo além da medida ordinária afrontava tudo para se manter fiel.
Não é necessário acrescentar que o sinal divino parece ver-se também ha perfeita CONCORDÂNCIA entre a Regra tão querida de Josefa e as lições do Coração de Jesus, entre o Espírito que as anima e o que a santa Fundadora legou às suas Filhas: Espírito de amor, de generosidade, espírito de reparação e de zelo, que há de gravar em cada um dos membros da Sociedade do Sagrado Coração o caráter de Esposa, de Vítima e de Apóstolo. Soror Josefa, que possuía esse espírito em alto grau, foi nele radicada pelo seu próprio Mestre.
À luz de Deus, nunca lhe parece que se deva pôr em confronto as graças que recebeu com a da sua vocação, a direção da obediência e a segurança da Regra.
O sinal prometido foi, pois, dado nela; dia a idia, hora a hora, nos pormenores da sua vida religiosa, enquanto sobre ela pairava o silêncio e ninguém suspeitava a soma de generoso amor oculto sob aquela obscuridade.
Houve, porém, horas, dias e até meses, em que a sua obediência e o espírito do dever, a sua coragem e submissão à Vontade de Deus, a sua fé e abandono à direção divina pareceram ascender até ao heroísmo.
Quantas vezes as testemunhas dessas lutas e desses sofrimentos transpondo a experiência humana, puderam admirar naquela alma tão simples, tão ignorada de si mesma e tão fiel, a liberdade e a onipotência da graça, gravando no frágil instrumento o cunho duma virtude que não engana!...
A história da sua vida ia finalmente fechar-se com o selo de Deus: o da morte que Ele tinha predito. Nosso Senhor e a Santíssima Virgem lha haviam anunciado em várias ocasiões e, embora conservando-a no abandono, desvendavam-lhe de vez em quando o tempo e as circunstâncias, para que já dúvida alguma pudesse subsistir (1).

(1) 12 de janeiro de 1922 — 7 de agosto de 1922 (nota)
— 14 de março de 1923 — 16 de Julho de 1923 — 20 de agosto de 1923 — 15 de outubro de 1923 (nota)

Josefa, apoiando-se na certeza dessa palavra divina, avisou às Madres de que já não passaria na terra os últimos dias do ano de 1923. Com efeito, na época que tinha marcado e pelo modo que havia fixado, o Senhor da vida e da morte veio, como só Ele pode fazê-lo, a selar com suas divinas Mãos a Obra do seu Coração.

 

A CONCLUSÃO DA MENSAGEM
1 a 9 de dezembro de 1923

“Quero dirigir-Me agora, às minhas almas consagradas.”

(Nosso Senhor a Josefa — 4 de dezembro de 1923).

O Advento desponta com o mês de dezembro, último e solene Advento, o mais belo e significativo da vida de Josefa: a espera, no verdadeiro sentido da palavra. Esta feliz perspectiva atravessa de quando em quando a noite que lhe envolve a alma. Vibra então, às proximidades do dia eterno, para o qual a sua alma se sente impelida com tão veementes desejos, a seguir, fechar-se de novo o horizonte com trevas que parecem mais espessas depois de um rasgo de luz.
As últimas linhas da Mensagem divina vão, a princípio, inscrever-se durante a primeira semana de Dezembro, e na segunda-feira, 3, santa Madalena Sofia prepara a filha para o fim da sua missão.
“Vem à minha cela,”
diz-lhe pela manhã — Josefa vai: a santa Madre ali está e a tranquiliza:
“Sim, sou tua Mãe, a pobre criatura da qual o Senhor se dignou fazer primeira pedra desta pequena Sociedade”.
E depois dessa afirmação que pacifica a alma da filha, prossegue:
“Jesus vai voltar! Espera-O com grande humildade, mas também com alegria e confiança. Ele é o Pai de Misericórdia sempre disposto a derramar Bondade sobre todas as suas Criaturas, mas principalmente sobre as que são mais pequeninas e miseráveis.
“Recebe seus Desejos, suas Recomendações, suas Palavras, com grande respeito e a Sociedade as guarde preciosamente.”
Depois, lembrando a essa caríssima Sociedade o Sinal autêntico de Deus:
“Não tema ela o sofrimento, não recue diante do sofrimento e sobretudo — é recomendação de meu coração materno — as graças com que é cumulada jamais diminuam nela o precioso tesouro da humildade. Quanto mais humilde for, mais o Senhor a favorecerá.”
Chegou a hora em que Jesus vai descobrir a suas Almas escolhidas os últimos apelos do seu coração.
Na manhã de terça-feira, 4 de dezembro, Josefa trabalha, rezando na sua pequena cela, quando, de repente, a Santíssima Virgem lhe aparece como a aurora antes do levantar do sol. Josefa renova os Votos e Lhe pede que repita com ela o que o demônio nunca pôde dizer: “Meu Deus, eu Vos amo e desejo que todo o mundo Vos conheça e Vos ame”. Com maternal condescendência e virginal ardor, Maria anuiu ao pedido da filha. Repetiu as palavras — continua Josefa — e acrescentou:
“... porque sois infinitamente bom e misericordioso.
“Sim, filha, Jesus tem compaixão das almas pequeninas e miseráveis. Perdoa-lhes e ama-as.
Sua Bondade o inclina para os pequeninos e sua Força ampara os fracos. Deixa tua pequenez perder-se em sua Grandeza. Espera-O com amor.
Está para vir...”
Desapareceu e, instantes depois, Nosso Senhor ali estava. Renovei os Votos e ele logo disse:
“Sim, Josefa, sou Eu mesmo. Nada temas. Sou o Amor, a Bondade e a Misericórdia.
“Sou o Filho da Virgem Imaculada, sou o Filho de Deus e Deus em Pessoa. ”
Depois dessas garantias, diante das quais toda hesitação se esvai, Jesus fala e ela escreve:
““Quero dirigir-Me agora às minhas Almas consagradas, a fim de que possam dar- Me a conhecer aos pecadores e ao mundo inteiro. Muitas dessas almas ainda não sabem aprofundar os meus sentimentos. Tratam-Me como alguém de quem vivem afastadas, como alguém que conhecem pouco e em quem não depositam bastante confiança.
Quero que reanime a sua fé e o seu amor, e vivam de confiança e de intimidade com Aquele a quem amam e que as ama.
"Numa família, em geral é o filho mais velho quem melhor conhece os sentimentos e os segredos de seu pai. É nele, com efeito, que o pai confia mais completamente, visto como os mais novos ainda não são capazes de se interessar pelos negócios sérios nem ver mais do que a superfície das cousas.
Por Isso é ao mais velho que compete transmitir aos seus irmãos mais novos os desejos e as vontades do pai, quando êste vem a morrer.
“Na minha Igreja. Eu tenho filhos mais velhos: são almas que escolhi para Mim. Consagradas pelo Sacerdócio ou pelos Votos religiosos, são elas que vivem mais perto de Mim, que participam das minhas graças de eleição, e a quem Eu confio os meus segredos, meus Desejos. meus sofrimentos também! São elas que Eu encarrego, por meio do santo ministério, de velar pelos meus filhinhos, seus irmãos, e, direta ou indiretamente, de os instruir, de os guiar e de lhes transmitir os meus desejos.
“Se estas almas escolhidas Me conhecem bem, facilmente poderão tornar-Me conhecido, e se Me amam, me farão amar. Mas, que hão elas de ensinar aos outros, se pouco Me conhecem?... Ora, pergunto-lhes: Pode amar-se muito Aquele que se conhece mal? falar com verdadeira intimidade Aquele de quem vivemos afastados? ou em quem temos pouca confiança?
“Eis precisamente o que quero recordar às minhas almas de eleição. Não lhes digo nada de novo, mas têm ela necessidade de reanimar a sua fé, o seu amor e a sua confiança... Quero que elas me tratem com maior intimidade, que Me procurem dentro de si mesmas, pois sabem que a alma em estado de graça é morada do Espírito Santo. E, alí devem ver-Me tal como sou, isto é, como Deus de amor.
“Tenham mais amor que temor, creiam que Eu as amo e nunca o esqueçam. Muitas com efeito, sabem perfeitamente que Eu as escolhi porque as amei. Mas quando as suas misérias, talvez mesmo as suas faltas, as confundem, então a tristeza as invade, porque pensam que o meu Amor já não é o mesmo que foi antes.”
Josefa pára exausta. Pede ao Mestre licença para sentar-se e Jesus, cheio de compaixão, lho permite.
Reconforta-a, como sabe fazer, sempre com o fito nas almas, e desaparece.
Na mesma hora na quarta-feira, 5 de dezembro, ele a encontra na sua cela. Ela toma de nôvo a pena e, sempre de joelhos diante tía sua mesinha, escreve, enquanto Jesus continua:
“Eu dizia ontem que essas almas não Me conhecem. Essas almas não compreendem o que o meu Coração Divino é. São precisamente as suas misérias e as suas faltas que inclinam a minha Bondade para elas. E, quando, reconhecendo a sua impotência e a sua fraqueza, se humilham e vêm a Mim com toda a confiança, é então que Me glorificam muitos mais do que antes de haverem caído. O mesmo acontece, quando oram por si mesmas ou pelos outros. Se hesitam e duvidam de Mim, não honram o meu Coração; mas quando esperam com certeza o que Me pedem, sabendo que não lhes posso recusar senão o que não convém ao bem estar de sua alma, então glorificam ao meu Coração.
“Quando o Centurião veio suplicar-Me a cura do seu servo, disse-Me com profunda humildade:
“Não sou digno de que entreis na minha morada...”
“Mas, cheio de fé e de confiança, acrescentou:
“Todavia, Senhor, dizei uma só palavra e o meu servo será curado.”
“Este homem conhecia o meu Coração. Sabia que não posso resistir à súplica duma “alma que espera tudo de Mim... Este homem deu-Me grande glória, porque à humilhação juntou firme e inteira confiança... Sim este homem conhecia o meu Coração. El. no entanto, Eu não Me tinha manifestado a ele como Me manifesto às minhas almas escolhidas. Pela confiança é que alcançarão copiosissimas graças, não somente para si mesmas mas também para os outros. É o que Eu quero que compreendam a fundo, porque desejo que re¬ velem o meu Coração às pobres almas que Me não conhecem.”
Aqui, o Mestre interrompe a Mensagem e diz:
“Torno a repetir: o que estou dizendo agora nada é de novo. Mas assim como a chama tem necessidade de alimento para não se apagar, também as almas precisam de novo impulso que as mova a avançar e de novo calor que as reanime.
Entre as almas que Me são consagradas, poucas são as que têm em Mim confiança verdadeira, porque poucas vivem em união íntima comigo. Quero que saibam que amo as almas tais quais são. Sei que sua fragilidade as levará a cair mais de uma vez. Sei que em muitas ocasiões não cumprirão o que Me prometem. Mas a sua determinação Me glorifica, o ato de humildade que fizeram depois da queda, a confiança que em Mim depositam Me honram tanto que Meu Coração derrama sobre elas torrentes de graças.
Quero que todas saibam quanto desejo se reanimem e renovam nesta vida de união e intimidade. Não devem contentar-se com falar-Me só quando estão ao pé do Tabernáculo. Estou lá, é certo, mas também vivo nelas e apraz-me viver em união com elas.
É preciso que Me falem de tudo!... Consultem-Me em tudo!... tudo Me peçam!...
“Vivo nelas para ser a sua vida, moro nelas para ser a sua Força. Sim. repito, não esqueçam que Me agrada ficar unido a elas, lembrem-se que estou nelas... Ali as vejo, as ouço, as amo. Ali.
espero que correspondam ao Amor que lhes tenho.
“Há muitas almas que, todas as manhãs, fazem oração. Mas esta é mais uma fórmula do que uma entrevista de amor. Ouvem ou celebram Missa e recebem-Me na comunhão, mas saídas do Lugar Santo, não se deixam elas absorver pelas suas ocupações, a tal ponto que mal pensam em Me dirigir uma palavra no resto do dia?...
“Estou nessa alma como num deserto, ela nada Me diz, nada Me pede... E quando tem necessidade de consolação, o mais das vezes vai pedi-la a uma criatura que tem de ir procurar, e não a Mim, seu Criador, que estou e vivo nela!...
“Não é isto falta de união, falta de vida interior ou, o que dã no mesmo, falta de amor?
“Quero também repetir às almas que Me estão consagradas, como Eu as escolhi de modo especial para que, vivendo em íntima união comigo, Me consolem e ofereçam reparações por todos aqueles que Me ofendem. Quero recordar-lhes que devem estudar o meu Coração, a fim de partilharem os seus sentimentos e realizarem os seus desejos, tanto quanto lhes fôr possível.
“Quando um homem trabalha no campo que lhe pertence, aplica-se a arrancar todas as ervas daninhas e não se poupa nem a trabalhos, nem a fadigas, até que o consiga. Assim quero Eu que as minhas almas escolhidas, desde que conheçam os meus desejos, trabalhem com zelo e ardor no seu cumprimento, não recuem diante de nenhum esforço, de nenhum sofrimento, para aumentar a minha glória e reparar as ofensas do mundo.
“Dir-te-ei isto amanhã. Agora, vai com minha Paz”.
As notas de Josefa acabam, nesse dia, com uma história muito simples.
“Ontem depois de um dia de grande sofrimento de alma e de corpo — escreve ela — atravessei uma angústia tal que pensei que fosse morrer. Todas as faltas da minha vida passada se apresentavam aos meus olhos de maneira impressionante e eu estava na impossibilidade de fazer o menor ato de confiança e de amor.”
Ela experimentou frequentemente estas impotências com as quais o demônio tentava paralisá-la e fazê-la desesperar.
“O sofrimento era tão vivo que minha vida parecia escapar-se. De repente em minha cela, vi, a uma certa altura, uma pombinha branca com a cabeça resplendente de luz. Empreendia esforços por levantar voo, mas uma das asas, ainda um pouco escura parecia atada. Ficou assim um instante, depois bateu asas e voou... Pensei que era aquela que eu já vira uma vez e da qual Jesus me dissera: "Esta pomba é a imagem de tua alma”.
“Mas quando ele veio hoje pela manhã, exprimi-Lhe desejos de morrer no dia 12 deste mês. £ festa de Nossa Senhora de Guadalupe (1), aniversário do nascimento de nossa Madre Fundadora e quarta-feira, dia consagrado a São José, meu Padroeiro Jesus com grande bondade me disse:
“E que faremos da asinha que ainda está toda escura?”
Josefa lhe expõe então seu temor de ofendê-Lo, o afastar-se dele, de ceder às ciladas do demônio que sente enfurecido contra ela.

(1) Padroeira do México invocada na “Sociedade do Sagrado Coração”, em favor dessa nação oprimida, invocação cara a Josefa, como todas as invocações da Santíssima Virgem.

“Escuta — responde o Senhor. — É preciso que sejas ainda purificada no Amor. Abandona-te sem outro desejo senão o de cumprir a minha Vontade. Bem sabes que te amo. Que podes querer mais?
Este dia 5 de dezembro continua, como na véspera. com a mesma angústia de alma e negras tentações do demônio. Corajosa e dócil, Josefa procura estabelecer-se na fé e no amor. Estas horas tenebrosas que a conduzem, bem o sabe, rapidamente ao ter¬ mo, deixam-na desalentada e sem Força. A obediência é sua segurança e comove verificar a que ponto ela lhe está apegada, até nas menores recomendações.
A quinta-feira, 6 de dezembro, a encontra na pequena cela onde tantas vezes espera o Mestre. ele é fiel à entrevista e escuta-a com bondade.
Ela não lhe pode esconder sua esperança de morrer no próximo dia 12 de dezembro, sob a proteção dos três maiores amores de sua alma religiosa.
“Que fizeste, Josefa, para merecer o céu?”
“Nada Senhor, mas Vós prometestes dar-me Vossos Méritos”
“Não te basta viver em meu Coração?” — continua com bondade.
“De certo — escreve Josefa — mas não me tira o desejo do céu, porque lá vê-Lo-ei sempre e nunca mais O ofenderei!”
ímpetos do amor como estes arrebatam o Coração do Mestre.
“As almas que escolhi para viver na Sociedade de meu Coração — diz — já começaram a viver no céu.”
“Somente aqui na terra sofrem e merecem. Lá no céu gozarão sem merecer. Deixa-Me escolher a hora.
“E agora, escreve para minhas Almas consagradas.”
É a última vez que Josefa vai recolher para elas os Desejos ardentes do Coração de Jesus;
“Chamo-as todas: meus Padres, minhas Religiosas, meus Religiosos, a viverem em íntima união comigo.
A elas pertence conhecer os meus desejos e participar das minhas alegrias e das minhas tristezas. A, da?, cumpre trabalhar pelos meus interesses, sem se pouparem a esforços nem a sofrimentos.
“A elas, compete reparar, com as suas orações.
trabalhos e penitências, as ofensas de tantas e tantas almas! Devem, sobretudo, redobrar sua união comigo e fazer-Me companhia... e não Me deixar só!... Ah! Muitas não compreendem isto e esquecem-se de que lho:i compete fazer-Me companhia e consolar-Me!..,
“Devem, enfim, formar uma liga de Amor e, unindo-se todas no meu Coração, implorar para as almas o conhecimento da verdade, a luz e o perdão.
E quando, cheias de dor, à vista das ofensas que recebo de todos os lados, elas, as minhas almas escolhidas, se oferecerem para reparar e para trabalhar na minha Obra, é necessário que todas elas tenham inteira confiança, porque Eu não poderei resistir às suas súplicas e as despacharei da maneira mais favorável. Apliquem-se, pois, todas a estudar o meu Coração e aprofundar os meus sentimentos. Esforcem-se por viver unidas comigo, por Me falar, e por Me consultar.
“Sejam as suas ações revestidas dos meus Méritos e cobertas do meu Sangue. Consagrem a sua vida à salvação das almas e ao aumento da minha Glória. Não se diminuam, considerando a si mesmas. Mas dilatem o coração, vendo-se revestidas do poder do meu Sangue e dos meus Méritos. Porque, se trabalharem sozinhas, nunca poderão fazer grande cousa. Mas, se trabalharem comigo, em meu Nome e para minha Glória então serão poderosas.
"Reanimem as minhas almas consagradas o seu desejo de reparar, e peçam confiadamente que se erga sobre o mundo o dia do Divino Rei, isto é, o Dia do meu Reino universal!...
“Não temam, esperem em Mim, confiem em Mim.
“Devore-as o zelo e a caridade pelos pecadores!
“Tenham compaixão deles, orem por eles e tratem-nos com mansidão!
“Narrem ao mundo inteiro a minha Bondade, o meu Amor e a minha Misericórdia! Em seus trabalhos apostólicos, armem-se de oração, de penitência, e sobretudo de confiança, não em seus próprios esforços, mas no Poder, na Bondade do meu Coração que os acompanha!
“Em vosso nome, Senhor, farei isto e sei que serei poderoso”. Esta foi a oração dos meus Apóstolos homens pobres e ignorantes, mas ricos e sábios de Riqueza e Sabedoria divinas!
“Peço três coisas às minhas almas consagradas:
“Reparação: quer dizer, vida de união com o Reparador Divino: Trabalhar por Ele, com Ele, nele, em espirito de reparação, em estreita união com os seus sentimentos e com os seus Desejos.
“Amor: quer dizer, intimidade com Aquele que é todo Amor e que se põe ao nível das suas criaturas para lhes pedir que não O deixem só e que Lhe dêem amor.
“Confiança: isto é, segurança naquele que é Bondade e Misericórdia, naquele com quem vivo dia e noite... que me conhece e que eu conheço... que me ama e que eu amo... naquele que, chama de maneira especial suas almas escolhidas, a fim de que, vivendo com Ele e conhecendo seu Coração, tudo esperem dele”.
Estão escritas as últimas linhas da Mensagem! Josefa nota ainda o que o Mestre deseja que ela transmita da sua parte ao bispo de Poitiers, cuja visita, como sabe.
não tardará; depois, pousa a pena. Passa-se um instante em trocas de amor que ficam no segredo de Deus. Que hora solene essa que marcou o fim deste Apelo às almas! ...
É uma data notável na história das provas do Amor Infinito. É uma nova abertura no tempo, sobre as “insondáveis Riquezas de Cristo”.
É uma curva do caminho da Redenção. É o manancial escondido, de onde em breve se escapará a torrente de Misericórdia que há de submergir a iniquidade da terra. É o vulcão, de onde amanhã jorrará a Chama que aquecerá o mundo.
Ê o ponto de partida, da aurora que se levantará sobre o grande “Dia do Rei divino!”
Jesus desaparece. Josefa fechou o caderno e pegou da agulha... Ainda algumas páginas se hão de escrever sobre aqueles cadernos prestes a chegarem ao fim.
Na sexta-feira, 7 de dezembro, Sua Excelência Mons. de Durfort dignou-se de vir ao “Feuillants" e la receber as últimas Palavras transmitidas para ele da parco de Nosso Senhor. Com simplicidade de criança, Josefa lhe fala de seu ardente desejo do céu e de sua morte próxima. São comoventes afirmações, pois, embora sua fisionomia traga sulcos de sofrimentos que a esgotam dia e noite a vida ardente de sua alma a anima a tal ponto que não parece ainda estar próximo o desfecho que ela anuncia. Contudo, está certíssima dele e torna a dizê-lo ao bispo de Poitiers, com uma convicção que seu desprendimento torna ainda mais impressionante.
O dia 8 de dezembro (sábado) passa-se na alegria, Josefa reúne as últimas Forças para ajudar a preparação da procissão tradicional ao “Sagrado Coração'’. Com que cuidado reveste a Virgem do oratório do Noviciado com os ornamentos de festa. Alegra-se-lhe o coração com o triunfo de sua Mãe Imaculada.
Entretanto, ela não terá força para participar do cortejo de amor, mas, escondida no ângulo de um corredor da enfermaria, unir-se.á aos cânticos, às orações e contemplará pela última vez o desfile alvinitente das meninas levando lírios para oferecerem à Virgem Puríssima.
À tarde, escreve as suas despedidas à mãe e às irmãs, cartas comovedoras que serão guardadas como relíquias, e que ela pede às Madres não enviarem senão depois de nua morte. Não será inoportuno citá-las aqui, pois põem em evidência a afeição terna e ao mesmo tempo sobrenatural, que o Amor de Jesus, longe de destruir, transforma e vivifica!
Dizia à mãe: “Estou contente de morrer, porque sei que é a vontade daquele que amo. E também minha alma deseja tanto possuí-Lo e vê-Lo sem o véu que no-Lo esconde aqui na terra! Não chorem e não fiquem tristes, a morte é o começo da vida para a alma que ama e espera. Nossa separação será curta, pois a vida passa depressa e em breve nos acharemos reunidas para a eternidade. Do alto do céu, cuidarei da minha mamãe e rezarei para que tenha o necessário e que morra na paz e na alegria daquele que é nosso Fim, nossa Felicidade, nosso Deus. Não ponha luto por mim mas reze muito para que eu vá para o céu. Não sei qual será o dia de minha morte, mas meu desejo e morrer a 12 deste mês. Será também esta a vontade de Jesus?
Estou disposta a tudo o que Ele fizer. Não pense que estou triste! Estes quatro anos de vida religiosa foram quatro anos de céu. A única coisa que desejo para minhas irmãs é que sejam felizes como eu fui, e que saibam que nada dá tanta paz quanto fazer a vontade de Deus. Não pensem que morro de sofrimento ou de tristeza, antes pelo contrário; minha morte?... creio que é de amor!
Não me sinto doente, mas tenho qualquer coisa que me leva a desejar o céu, pois não posso viver sem ver a Jesus e Nossa Senhora.”
A sua irmã Mercedes (1), religiosa coadjutora na Sociedade do Sagrado Coração, abria-se mais intimamente: “Morro feliz e nada me dá esta alegria senão saber que fiz a Vontade de Deus. Conduziu-me por caminhos de todo contrários a meus atrativos e meus desejos, mas recompensa-me nestes últimos dias em que me acho envolvida com uma paz do céu. Tu, também, minha irmã querida, suplico-te que sirvas a teu divino Senhor e à Seriedade nossa Mãe com alegria e fervor, no emprego que ele te der e na casa em que te colocar, sejam quais forem as tuas Superioras, sem olhar nem para tuas simpatias, nem para tua repugnância.
Nada dá tanta paz na hora da morte quanto ter renunciado a si mesma, para fazer a Vontade de Deus.

(1) Morta no Convento do Sagrado Coração de Montpellier, no dia 19 de novembro de 1942.

Não te entristeças com as tuas misérias, Jesus é bom e nos ama como nós somos. Vejo-o bem por experiência: confiança em sua Bondade, em seu Amor, em sua Misericórdia. Morro na felicidade. A Sociedade foi para mim terna e verdadeira mãe. Jesus me deu Superioras que me cercaram com as maiores delicadezas. sobre a terra não lhes posso pagar, mas no céu terei Nossa Senhora que me dará tudo o que por elas eu pedir. Fui muito feliz na França, é a Pátria de minha alma e o Senhor me deu aqui graças numerosas." Termina com as seguintes linhas:
“Sempre nos quisemos tanto, irmã querida, e agora esta separação de alguns anos há de nos unir mais intimamente e mais fortemente ainda. Adeus, espero-te no céu, onde seremos unidas por nossos laços de irmãs e, mais ainda, por nosso amor de religiosas”.
Estas despedidas, profundamente sentidas, não lhe tiram entretanto a Força. Depois de as ter acabado, Josefa vai entregar a sua oblação à Hóstia exposta diante da qual passa a maior parte da tarde. Era ali que a Santíssima Virgem a esperava para lhe dar um antegozo do encontro eterno. Como havia hoje de resistir, aquela Mãe incomparável, aos desejos da filha? Josefa escreverá o que se segue, e serão as últimas páginas traçadas em seu caderno.
“Hoje à tarde, quando eu estava na capela, a Santíssima Virgem veio de repente. Estava de pé sobre um crescente feito de nuvens azuis muito leves. Rocava- lhe apenas a cabeça um longo véu azul muito pálido, que se perdia nas nuvens sobre as quais repousavam seus pés. Estava tão formosa que eu nada ousava dizer.
Minha alma se perdia, só em olhar nara aouela beleza!
Afinal, renovei os Votos e ela me disse com voz doce e solene:
“Filha, a Igreja me louva e honra contemplando a minha Imaculada Conceição. Os homens admirem os prodígios que o Senhor operou em mim e a beleza com que me revestiu, antes mesmo que o pecado original pudesse atingir a minha alma. Sim, aquele que é Deus eterno, me escolheu para Mãe e me cumulou de graças singulares, com que jamais favoreceu criatura alguma.
Toda a beleza que resplandece em mim é reflexo das perfeições do Onipotente e os louvores que me são dirigidos glorificam Aquele que sendo meu Criador e meu Senhor, quis tornar-me sua Mãe. O mais belo título meu de glória é ser Imaculada ao mesmo tempo que Mãe de Deus. Mas alegra-Me principalmente unir a este título o de Mãe de Misericórdia e de Mãe dos Pecadores.”
Quando acabou estas palavras, desapareceu e não mais a vi!”
As notas de Josefa acabam definitivamente sobre esta dupla afirmação da sua Mãe do céu. É como a assinatura da Virgem Santíssima rubricando a Mensagem divina... o eco da Obra do Amor do Filho nos lábios virginais da sua Mãe... o Coração Imaculado daquela que é Mãe de Misericórdia e Mãe dos pobres pecadores, conduzindo o mundo ao Coração Sagrado daquele que se nomeou a Si mesmo, Bondade, Amor e Misericórdia.”

 

UNIÃO SOBRE A CRUZ
9 a 16 de dezembro de 1923

“Em breve surgirá o dia eterno”

(Nosso Senhor a Josefa — 12 de dezembro de 1923).

Chegaram os últimos dias da vida de Josefa; vinte dias a separam ainda da união eterna; vinte dias de sofrimento, de graças e de provas através das quais se completa a sua missão aqui na terra.
Ela já não mais escreverá senão as Mensagens pessoais ditadas pelo Mestre e as últimas recomendações que a Madre Fundadora transmitirá às filhas por seu intermédio. Mas, até o fim, alma de obediência, depois de cada visita do Senhor ou da Virgem Imaculada, confiará Josefa fielmente às suas Superioras o segredo dessas entrevistas cujas palavras serão todas guardadas. O fervor de sua alma se exalará frequente, mente em simples colóquios recolhidos sem que ela perceba. Assim se continuarão a registrar, dia a dia, as Riquezas do Coração de Jesus escondidas nessa alma, por meio da qual o Senhor houve por bem realizar tão grandes cousas para o mundo.
A festa da Imaculada Conceição terminou com uma noite de sofrimentos agudos. Sob a Força da dor.
Josefa perde os sentidos várias vezes, estado misterioso aliás, no qual ela conserva a consciência daquela dor que se lhe lê nos seus traços alterados. Assim vê-la-emos frequentemente durante as última semanas, sem que nada a possa aliviar.
Na manhã de domingo, 9 de dezembro, a muito custo, consegue levantar-se para ir buscar a graça da Santa Missa e da Senta Comunhão de que tem sede.
Mas, na volta, acabrunha-a um longo desmaio e a deixa exausta. Entretanto, tão corajosa a tornara o hábito de sofrer, que passou ainda uma parte da tarde diante do Santíssimo Sacramento exposto: foram as suas despedidas ao tabernáculo daquela capela, testemunha de tantas graças e tantas oblações.
Depois da bênção do Santíssimo Sacramento, Josefa extenuada, entrega as armas e se acama para não mais levantar-se. Então começam crises de dores intensas que se prolongam por toda a noite. Nos raros instantes em que toma consciência do que a cerca, encontra ainda Força pera sorrir e beijar o crucifixo que não larga. Só fala com esforço e mal se ouve antes se adivinha o que diz. Ergue penosamente a mão, e acenando com três dedos, articula lentamente “Três dias... nada mais que três dias!”
A esperança da próxima partida para o céu lhe ilumina o resto contraído pelo sofrimento.
— “Tem certeza?”
— “Não, mas tenho esperança... espero... Jesus é tão bom e é raro que uma só data reúna meus três amores: a Santíssima Virgem, nossa bem-aventurada Madre, e São José”. E depois se cala para sofrer melhor.
Ao amanhecer de segunda-feira, 10 de dezembro, está sem Força; procura entretanto erguer-se com esforços heroicos, na esperança da, saleta comunhão. Mas cai inerte e a fome de Jesus lhe arranca lágrimas.
Não pode falar, nem engolir uma só gota d'água, e perde os sentidos de vez em quando... Seria tão próximo o fim quanto ela desejava e esperava? O dia 12 de dezembro lhe abrirá o céu? Começa-se a acreditá-lo em torno dela.
Pelo fim da manhã, ligeira melhora permite chamar um padre que lhe dá a santa comunhão. Aliás, até o último dia, o Mestre divino tudo disporá Dara que jamais falte a Eucaristia à sua pequenina Vítima. Poderia ela, sem esse pão que dá Força, atravessar as sombras e os perigos dos últimos combates?
Hoje, durante a Ação de graças, file lhe apareceu, e Josefa não sabe como exprimir seu reconhecimento.
“Josefa, — disse — venho pessoalmente preparar, te para entrares na Pátria celeste.”
“Será no dia 12, Senhor?...” pergunta ingenuamente.
“Se quiseres, estou disposto a dar-te essa alegria — responde. — Mas não serás bastante generosa para Me dares alguns dias a mais, dos quais tenho necessidade para as almas?”
Perguntas destas são provocações ao amor, diante das quais Josefa não tem mais desejos.
“Bem sabeis que sou vossa e que vos entreguei tudo.”
“Sim — prossegue o Senhor com bondade indizível:
— guardo-te, tomo cuidado de ti. Deixa-Me fazer a minha Vontade e escolher a hora.”
Depois acrescenta:
“Volarei hoje à tarde, e escreverás aqui mesmo.”
Pelas duas e meia da tarde, o Mestre ali estava.
Recostada em travesseiros, pois está sem Força, Josefa O espera.
“Veio belíssimo — dirá ela instantes depois — com o Coração aberto e todo em chamas.
“Olha a morada que te preparei para toda a eternidade... E tu, Josefa, que Me preparas?”
“Ah! Senhor! meus pecados... minhas misérias, minha mágoa de tão pouco ter feito por Vós. ”
“Que importa! dá-Me tudo e tudo consumirei no Fogo de meu Coração! Agora escreve”.
Ditada pelo Mestre, ela escreve, com mão trêmula a mensagem que será transmitida, depois de sua morte, ao Reverendo Padre Rubio, S.J. diretor espiritual de sua infância.
“Voltarei amanhã” — acrescenta Nosso Senhor que desapareceu pouco depois.
Na mesma tarde, num momento de sofrimento agudo, Josefa, estando só, sente as forças lhe faltarem e a vida se lhe escapar. Não tem mais voz para chamar por socorro, mas o céu vela: Santa Madalena Sofia lhe aparece de repente, mais maternal do que nunca, e segurando-a nos braços, conforta-a e ampara-a. Depois, descobrindo-lhe alguma coisa do Plano de Nosso Senhor:
“Não, — diz — não morrerás no dia 12, mas é Jesus que virá para te unir a si com laços mais estreitos para a eternidade!”
Então, a santa Madre comunica à filha que ela receberá os últimos sacramentos e fará a profissão religiosa naquele dia abençoado.
“Venho dizer-to da parte dele” diz ela.
Josefa deverá preparar-se com alegria:
“Foi Jesus que abriu assim o caminho — acrescenta santa Madalena Sofia — e por mais difícil que isso pareça às criaturas, ordena tudo da maneira que melhor convém a seus Desígnios.”
E, respondendo à pergunta da filha:
“Sim, virei com a Santíssima Virgem e Jesus que nunca te deixa sozinha... Estaremos aqui, todos três... coragem! Ainda alguns dias a passar na terra para mereceres a Pátria celeste. Mas, viver com Jesus, já é viver no céu! Repousa em paz, pois eu velo sobre ti.”
E desapareceu.
Alguns instantes de sono reparador seguem-se a esta visita maternal, e, embora não seja de muita duração esta trégua a lembrança das graças tão próximas, do dia 12 de dezembro envolvem em paz e abandono os sofrimentos da noite e do dia seguinte.
Na tarde de terça-feira, 11 dezembro. Nosso Senhor, fiel à Palavra da véspera volta a Josefa. É nara lhe ditar desta vez uma última mensagem dirigida à Madre Geral do Sagrado Coração e termina por es~as palavras:
“Amo a minha Sociedade e guiarei a minha Obra.”
Não bastam entretanto estas indicações celestes para determinar as decisões que dizem respeito a Josefa.
Na manhã da quarta-feira, 12 de dezembro, ligeira melhora de seu estado traz uma traz um ponto de interrogação.
Estava ela realmente em perigo bastante para ter direito às graças da Extrema Unção e da Profissão “in articulo mortis?” A própria Josefa fica desorientada diante das hesitações que adivinha em torno dela.
O Padre Diretor a tranquiliza mandando-a fazer, depois da santa comunhão, um ato de entrega total de si mesma a tudo que for decidido a seu respeito. Enquanto isso chama-se o médico. Mais uma vez, o Senhor faz ratificarem-se seus Planos por instrumentos humanos, mesmo inconscientes do papel que desempenham. Ignorando tudo acerca das graças extraordinárias que acompanham a vida da sua doente, o médico, depois de tê-la examinado, conscienciosamente, mostra-se inquieto diante da moléstia que não consegue definir. Quem o conseguiria? Entretanto, a extrema fraqueza, as longas heras sem sentidos, o inclinam pela afirmativa e aconselha não atrasar de nem mais um dia a recepção dos últimos Sacramentos. Como não sentir a Ação daquele que tudo conduz, afasta as dúvidas e obriga as suas criaturas a tomarem o rumo de suas indicações sobre, naturais? Passa-se o dia em espera cheia de recolhimento, de fervor e de paz. S. Excia. Mons. de Durfort decidira presidir em pessoa à cerimônia que consagrará Josefa duplamente. toda a família religiosa, informada desde alguns dias da sua grave doença, fora convidada a cercá-la de preces mais instantes, enquanto tudo se prepara na pequena cela. testemunha de tantos favores divinos.
Declina o dia, quando, pelas cinco horas da tarde, começa a tocante cerimônia. Josefa está radiante e recolhida. As religiosas se espalham no corredor e nos quartos vizinhos ao dela, muito pequeno para que ali possam caber. Somente S. Excia. Mons. de Durfort, o Sr. Cônego de Castries, capelão do “Sagrado Coração”, e o Reverendo Padre Boyer ali entram com as Madres que cercam o leito de Josefa
Parece estar-se num santuário. Perto da estátua da Santíssima Virgem, arde o grande círio da Profissão; o Santíssimo Sacramento é colocado sobre um altar improvisado e, no silêncio que reina em torno dela, Josefa com voz firme se acusa humildemente das faltas de sua vida religiosa para solicitar perdão das Madres e Irmãs. Então, o bispo se levanta e começa as orações da Extrema Unção. Tudo porém já se apagou aos olhos da doente; a Santíssima Virgem e a Madre Fundadora lhe apareceram. E. enquanto se procede às unções, ela está presente a todos os ritos, mas não vê senão as Mães do céu a vesti-la com uma túnica branca que os anjos lhes haviam posto nas mãos.
“Vê, filha, — diz-lhe a santa Fundadora do “Sagrado Coração” — o que o Senhor, na sua Misericórdia infinita, fez por sua pequenina Esposa, não por causa de teus méritos mas graças aos de seu Coração.”
“E agora que estás revestida com essa túnica puríssima — continua Nossa Senhora — teu Esposo vai dar-te o beijo da Paz e do Amor. Entrega-te totalmente a ele; em suas mãos divinas, estás em segurança. É ele que te há de acompanhar para, te conduzir à Pátria eterna e é ele que te apresentará aos habitantes do céu!”
Terminam-se as santas unções: o bispo dirige então a Josefa algumas palavras cheias de fervor e delicadeza.
Mas ela nem o suspeita, está mergulhada em profundo êxtase, como sua atitude denota. O Veni Creator, as orações litúrgicas com as quais a Igreja benze as insignias da Profissão, a cruz e o anel tudo isto se sucede sem que Josefa saia daquele recolhimento.
Jesus, aproximando-se de sua Mãe e de Santa Madalena Sofia, aparece-lhe então e, diante das três Testemunhas celestes, ela responde com voz firme às perguntas que o celebrante propõe à nova, Professa do Sagrado Coração, antes de lhe entregar o duplo penhor da União eterna:
“Consentis em tomar a Jesus Cristo crucificado por vos 0 Esposo?
— “Sim, Padre, consinto de todo o coração.
“Recebei pois este anel como sinal da Aliança eterna que com eles ides contrair.”
Depois, entregando a pequenina cruz de prata que lhe vai brilhar no peito:
“Recebei minha filha, este precioso penhor do Amor de Jesus Cristo e lembrai-vos de que, tomando-vos Esposa sua, deveis, de ora em diante, viver em união e conformidade com o seu divino Coração. Seja o vosso Bem-Amado para vós como um fascículo de mirra, colocai-o sobre o vosso coração em sinal de Amor e União eterna.”
Então, no silêncio que envolve aquele leito, que mais parece um altar, o bispo se aproxima, segurando a santa Hóstia. Josefa lê em voz alta a fórmula dos votos perpétuos e comunga. Nossa Senhora e Santa Madalena Sofia desaparecem deixando-lhe como adeus:
“Viremos ambas buscar-te para te levar para o céu, Jesus, o Esposo divino, fica só!...
“Josefa, por que Me amas?”
“Senhor, porque sois Bom.”
“E Eu, amo-te porque és miserável e pequenina.
Por isto te revesti com os meus Méritos e te cobri com meu Sangue, a fim de te apresentar assim aos meus Eleitos no céu. Tua pequenez deixou lugar à minha Grandeza... tua miséria, e mesmo teus pecados, à minha Misericórdia... tua confiança, ao meu Amor e à minha Bondade."
“Vem, reclina-te sobre o meu Coração e repousa nele, já que és Esposa minha. Em breve entrarás nesta morada, para nunca mais saíres”.
Josefa deixa transbordar sua alma. Conta-Lhe toda a sua felicidade e sobretudo seu desejo ardente: que a Bondade de seu Coração seja conhecida até às extremidades da terra, pois não o é bastante.
“Sim, bem dizes: sou Bom! Para compreendê-lo, só falta uma coisa às almas: união e vida interior.
Se minhas almas escolhidas vivessem mais unidas a Mim, haveriam de me conhecer melhor”.
“Senhor, — responde Josefa ingenuamente — é difícil... porque às vezes elas têm tanto que fazer para Vós!...”
“Sim, bem sei, e é por isso que, quando se afastam, Procuro-as para as aproximar de Mim.
“Eis nosso trabalho do alto do céu; ensinar às almas a viverem unidas a Mim, não como se Eu estivesse longe delas, mas nelas, pois pela graça vivo dentro delas e durante o tempo da comunhão minha santa Humanidade, por assim dizer, nelas se incarna.
“Se as minhas Almas escolhidas assim vivessem unidas a Mim e Me conhecessem em verdade, que bem não poderiam fazer a tantas pobres almas que vivem longe de Mim e não Me conhecem!
Quando as minhas Almas escolhidas se unirem estreitamente ao meu Coração, compreenderão os meus Sentimentos. Então, Me consolarão, repararão e, cheias de confiança em minha Bondade, pedirão perdão e obterão graça para o mundo!”
Jesus para, como para deixar Josefa diante dessas magníficas perspectivas de Misericórdia e de Salvação.
Depois, torna a dizer:
“Josefa, por que Me amas?”
“Senhor, perque sois Bom!”
“E Eu, amo-te porque és pequenina e porque Me deste a tua pequenez! Cuidei de ti com ternura. Guardei-te fielmente!... Nada temas. Em breve há de surgir o dia eterno. A Deus, fica em Mim.”
E desapareceu.
Durante este divino colóquio a cerimônia findara, as religiosas, depois da. salmodia do Te Deum, cantaram um dos cânticos preferidos por Josefa, os sacerdotes se retiraram. Ficou só Mons. de Durfort em oração, naquele quarto que parecia vestíbulo do céu. Recostada, com os olhos fechados para a terra, apertando o crucifixo entre as mãos, em gesto de ardor indizível, com o semblante sorridente e plácido. Josefa continua em êxtase ... Depois de a ter abençoado, o bispo se retira, mal dissimulando a emoção que dele se apoderara. As religiosas se dispersam, levando a lembrança daquela hora cujo mistério aliás não haviam percebido. Somente a prece das duas Madres a acompanha agora. Passa-se ainda um quarto de hora e, quando volta à terra, está em serena e radiante alegria. que lhe ilumina o resto da tarde.
Ficam-lhe o anel e a cruz como legítimos penhores do amor mútuo que para sempre foi prometido. Aliás, a oblação vai continuar sobre a cruz.
À noite, crises de dores intensas se renovam, deixando-a aparentemente desacordada sob a violência da dor. Contudo, pode comungar na manhã de quinta, feira, 13 de dezembro e, durante a Ação de graças, o Senhor lhe aparece. Mostra-lhe, mergulhado na chama de seu Coração divino, o coração de Josefa, que lhe parece tão pequenino.
“Tomei-o, Josefa, bem sabes, e com ele todos os teus afetos; confia-os, a mim, pois amo tudo o que tu amas e cuido de tudo aquilo de que gostas aqui na terra.”
Então, Josefa fala da mãe e das irmãs, da Sociedade do Sagrado Coração e de suas Superioras, da casa e das almas que lhe são caras. Jesus a tudo responde com divina condescendência. Depois, antes cie deixá-la:
“Espera-me atada alguns dias, Josefa.”
E, aludindo à pombinha:
“É preciso quebrar os laços que lhe prendem as a as — diz — mas já está bem branquinha agora.”
E desapareceu.
Essa alusão a conforta no meio dos sofrimentos que se tornam mais agudos naquela manhã. A, alegria do céu ainda é maior e Josefa beija, no Crucifixo, a Mão de Jesus, que, diz ingenuamente, cortará os laços e libertará afinal a palomita”.
A Comunidade que não pudera na véspera exprimir a união dos sentimentos com ela foi convidada a visitá-la durante o dia. Sucedem-se as religiosas aos grupos, e todas saem encantadas com aqueles curtos instantes.
Josefa fora pouco conhecida, pois sua fidelidade e seu trabalho sempre a haviam envolvido em silêncio. Hoje, descobrem-na tão simples e tão feliz que faz bem a quem dela se aproxima. O Reino de Deus irradia e transparece nela. De vez em quanto não pode dominar a felicidade e, quando está só com uma das suas duas Madres, expande-se sem constrangimento. São ímpetos da amor e de fervor, que foram anotados sem que ela soubesse e que revelam por demais a sua vida profunda e a sua simplicidade de criança, para não serem citados, ao menos em parte;
“Jesus está à minha espera... estou pronta para partir, estou na estação, na plataforma... os bilhetes reservados... as bagagens registradas... são os Méritos do Coração de Jesus.”
"Sei para onde vou... nada receio, nada desejo.. dei tudo!”
E lembrando a pombinha, escreve a lápis estes "versitos”, como dizia, em que expande a frescura e a poesia de sua alma:
“Pobre pombinha, tem sede!
“Mas, a asinha está atada e não pode correr à fonte para saciar a sede.
“Jesus é tão Bom que veio e ele mesmo a tomou,
“Ela bebeu de seu Sangue!
“Pobre pombinha, não pode voar!...
“E Jesus disse: Deves esperar...”
“Ela se conforma com o que Jesus quer.
“Mas tem medo que a esqueça,
“E sem aparecer, murmura-Lhe ao ouvido:
“Vinde, meu Jesus! Cortai esses laços, a fim de que a pombinha
“Possa voar, para os pomares floridos...
“Vinde buscá-la. Tem os olhos fixos em Vós!
“E no dia e na hora em que a libertardes,
“Como ficará contente em Vos contemplar!”
Assim passa a tarde, fortificada pela visita do Reverendo P. Boyer que a entretém por longo tempo e sai maravilhado com a obra de Deus naquela alma, tão plenamente entregue à sua Ação: é uma consumação que continua sem obstáculos.
A note traz uma recrudescência de dores, Josefa parece de novo entrar em agonia.
Pode, porém, comungar no dia seguinte,e dia nenhum lhe faltará esta graça.
A sexta-feira, 14 de dezembro, continua iluminada com a paz e alegria que apesar de sofrimentos agudíssimos, parecem mais do céu que da terra.
Josefa guarda silêncio, reza, procura evitar a menor mágoa, todo cansaço às duas Madres que se reyezam ao pé dela para nunca a deixarem sozinha! De tempos a tempos, continua seus colóquios tão ferventes e simples. Parece, antes pensar em voz alta. A lembrança de sua entrada no Sagrado Coração, do seu Noviciado das lutas para ficar fiel à vocação, enchem-na de gratidão.
Pára e se recolhe; beija o crucifixo, ou então, contempla demoradamente a imagem de Nossa Senhora que diante da sua cama, parece velar sobre ela, depois de ter presidido a tudo que se passara naquela pequena cela. Depois, continua em voz alta o seu pensamento.
“Fico bem contente quando me vejo pior, porque compreendendo que a Vontade de Deus se está cumprindo.
Nada há que dê paz e consolo como a Vontade de Deus
“Vou morrer porque é Vontade sua... Desde a minha entrada aqui nunca fiz a minha... porque todas essas coisas não foram minha escolha! Mas o que agora me dá paz é ter lutado e sofrido para fazer a Vontade de Deus e morrer fiel”.
Muitas intenções lhe eram confiadas para o céu, vocações, pecadores...
Sua natureza ardente desperta:
“Gosto tanto de trabalhar — diz. — Irei, e virei de todos os lados para obter muitas graças”. E como lhe falassem da França:
“Certamente — responde — é a Pátria da minha alma, foi ela que me deu a vida religiosa... esta casa de nossa bem-aventurada Madre Fundadora... este cantinho de terra para viver e morrer”. Depois, volta ainda àquilo que lhe enche a alma no momento. “Se soubessem... não procurariam outra coisa na terra senão a Vontade de Deus. Ninguém pode calcular esta felicidade... é a única coisa que dá paz... Ah! morrer religiosa, nesta Paz, compensa mil vezes e ainda mais, tudo o que sofri!”
Fica recolhida com essa felicidade:
“Jamais nos devemos inquietar porque Jesus 0 Bom!... ele supre...”
E, beijando o Crucifixo: “Os pés divinos... as mãos paternais... sim, paternais! Seu Coração!... como Jesus é Bom! — repete. — Compreendo como Jesus é Bom e é o que me dá tanta alegria... ele perdoa, repara, ama!... Assim que tenho alguma coisa que me magoa, sinto que me diz logo: “Nada receies, Eu sou Bom e te amo.”
“Ele é tão bom porque eu sou a mais pequenina, a última, a mais miserável... Estou contente de não ser nada...
“Jesus é Bom! É a palavra çue enche meu coração.
Eu poderia ter remorsos de minhas faltas... Mas não!
Só tenho gratidão por ter sido perdoada!
“Meu Jesus! — exclama de repente — há vinte e três anos que Vós me dissestes: “Quero que sejas toda Minha...” Eu O amava sem O conhecer! Oh sim! eu ainda não O conhecia, mas já o amava. Tinha-O sempre comigo... Bem sei o que sou... mas sei principalmente o que Ele é... deu-me o seu Coração, é uma realidade!”
“Meu Deus, — diz depois de longo silêncio — faço-Vos o sacrifício de minha vida em união com o Coração de Jesus, com submissão e alegria, porque Vos amo.
“Quero tudo o que ele quer: se quiser que eu viva, sim; se quiser que eu morra... sim... Trinta e três anos... anos de graças, sobretudo estes quatro anos de vida religiosa. Como estou contente... morrer com pleno conhecimento, saber que o momento se aproxima... Que alegria! que morte feliz! Que Esposo fiel!”
As horas assim se escoam. O Reverendo Padre Boyer vem visitá-la com paternal bondade e lhe renova a santa absolvição. Sua porta está aberta, e muitas religiosas aproveitam para vir recomendar-lhe muitas intenções.
Sua delicada caridade ainda encontra forças para prestar o socorro de sua habilidade à Irmã que lhe sucedera na oficina, e, sentada no leito de dores, talha uma roupa com a destreza de sempre. Quando chega a tarde e o silêncio lhe enche a cela só com as suas Madres, repassa ainda na memória as etapas de sua vida e, mais que uma conversa, essas recordações são uma prece de ações de graças. Entretanto, suas Forças declinam, já nada pode tomar senão algumas gotas de água a preço de vivas dores.
No amanhecer de sábado, 15 de dezembro, durante à Ação de Graças, Jesus aparece:
“Vê como nunca te deixo sozinha — diz-lhe com indizível bondade. — Fui tua força durante a tua vida, Sou teu consolo na hora cia morte. Sê-lo-ei por toda a eternidade! E como encontrei minhas delícias em tua pequenez, acharás em Mim felicidade sem fim!”
Josefa não pode conter o desejo de ir em breve para o céu, contemplá-Lo para sempre, e também — acrescenta ela com simplicidade de criança — “ terei tantas intenções a confiar-Vos, tantos recados que me dão nestes últimos dias! ”
“Sim, sim — responde o Mestre, com ardor cheio de condescendência. — Havemos de lhes fazer pequenas surpresas. O que aqui se chama “petits plaisirs”.
Repousa-Me ainda em ti, Josefa, em breve te repousarei em Mim. A Deus! Estou contigo!”
Alguns instantes depois, uma violenta crise conduz a querida doente à extremidade, perde os sentidos demoradamente, mas o rosto contraído conserva vincos de agudo sofrimento. Quando volta a si, não se lhe perturba a profunda alegria. Acaricia ingenuamente, sobre o Crucifixo, a chaga da mão direita, “aquela — diz com, voz quase imperceptível — que libertará a “palomita”. E beija com amor a chaga do lado divino.
“Estava muito feliz no dia dos primeiros Votos — continua — mas eu não sabia se iria ser fiel até a morte. Hoje Jesus me uniu a Si para sempre e não permitirá que jamais O perca!”
Na mesma manhã, o Reverendíssimo Padre lhe confere a indulgência “in articulo mortis”, pois Josefa parece tão mal que tudo é para se esperar.
Pelas dez horas, a santa Fundadora do Sagrado Coração lhe aparece. Vem confiar à filha as últimas recomendações para a Madre Geral e para a Sociedade.
Embora a muito custo, Josefa escreve ainda o que lhe dita.,, que acaba assim:
“Todos os membros desta pequena Sociedade vivam unidas a este Coração que se entregou a elas por Amor.
Trabalhem sem descanso e não esqueçam jamais que são esposas e vítimas!
“Agora, uma alma a mais protegerá a “Sociedade” da terra, porque os humildes e os pequeninos acham graça diante de Deus.”
A tarde começa em paz. Mas, de repente, a cara Irmãzinha parece piorar, a fisionomia se lhe altera, a respiração torna-se ofegante, os olhos abertos se velam pouco a pouco, entra na noite da agonia, embora consciente de tudo o que a cerca. Estará próximo o Fim?.. virá a Santíssima Virgem buscar a filha neste lindo sábado? A Comunidade se reúne nas proximidades da pequenina cela. É um espetáculo do céu. Josefa exulta com o pensamento desta felicidade. Sua alma exulta com um ardor que ela já não mais pode conter. Com os olhos fechados para a terra, está radiante de alegria, une-se a tudo pede que lhe recitem as orações preferidas: ladainhas de Nossa Senhora, do Sagrado Coração, invocações da novena da primeira sexta-feira, o “miserere”. os cinco Padre Nossos às santas Chagas, as Ave Marias às Sete Dores de Maria Santíssima se vão sucedendo, enquanto ela aperta sua cruz de Professa sobre o peito em fogo.
Mostra desejo de ouvir os cânticos preferidos: “A la source benie qui jaillit de ton Coeur je viens puiser la vie ô mon Divin Sauveur...
Cache-nous dans ta Blessure montre-nous sa profondeur...”
Mas prefere ainda o canto que, naquela hora, exprime todo seu desejo.
“J‘irai la voir un jour... Oui, j‘irai voir Marie...
Au ciel, au ciel, au ciel, j’irai la voir un jour...”
É preciso dizer: “Irei vê-la nesta tarde". diz ela.
O Reverendo Padre Boyer recita as orações dos agonizantes. Josefa as interrompe com reflexões simples e ferventes. Sua voz entrecortada exprime a felicidade de morrer toda de Jesus, sua confiança sem sombra, sua alegria por ser tão pequenina, tão pobre de tudo sua fé na Misericórdia, a certeza do Perdão e dos Méritos daquele cujo Amor lhe é absolutamente certo. Passam-se assim as horas uma febre ardente a queima, mas as dores não lhe diminuem a alegria... Fala do céu e das almas santas que lá encontrará, promete ocupar-se dos pecadores, das vocações, de todas as intenções que lhe recomendam... São diálogos ferventes entre ela e o Padre, entre ela e as religiosas que se aproximam, uma a uma, diálogos tanto mais simples que os seus olhos apagados não lhe permitem perceber a emoção e a admiração das pessoas que a cercam na pequena cela.
Pelas cinco horas, parece seguir com o olhar velado um objeto que passa diante dela.
“Pobre pombinha! — diz duas vezes. — Está toda branquinha, sem mancha nenhuma — confia baixinho às Madres. A cruz brilha no seu peitinho, ela se esforça por levantar voo mas a asa ainda esta presa com duas cordinhas.”
Será preciso ainda esperar muito pela libertação?...
Alguns instantes depois, Nossa Senhora aparece à filha.
“Ainda, não é hora, Josefa, — diz-lhe. — É preciso sofrer. Em breve, não haverá mais tempo.
Passaram-se três horas como um relâmpago, e é com pena que as pessoas se afastam deste lugar abençoado. Celeste paz se apodera realmente das almas que sentem estar no limiar de um mistério cujo segredo não se desvendou ainda.
Toda a casa fica sob a impressão das graças daquela tarde.
No quarto de Josefa, é o Calvário depois do Tabor, sinal autêntico do Amor!... Intenso sofrimento sucede à calma relativa do dia e Josefa continua em agonia.
Já não parece consciente senão da dor e escapam-lhe gemidos entrecortados pela respiração ofegante. Os olhos abertos estão sempre apagados, o pobre corpo sacudido pela febre, e o suor lhe inunda o rosto. Assim se passa a noite sem que se lhe possa prever o desfecho.
Surge o domingo, 16 de dezembro. É o décimo sétimo mês depois dos primeiros Votos de Josefa. Pela seis horas, ela volta a si e pode engolir algumas gotas de água. Isso a enche de alegria porque lhe mostra que ainda pode comungar. Jesus, precedendo o encontro eucarístico, aparece à sua pequena Vítima com toda a efusão da sua bondade. Virá buscá-la?
"Não, — responde; — não morrerás antes que tua superiora tenha recebido da Madre Geral a linha, de conduta a seguir depois da tua morte. E — continua para lhe guardar todo o merecimento do abandono — não será nem hoje nem amanhã...”
Josefa pergunta a si mesma se os seus gemidos o teriam magoado ou talvez mesmo ofendido.
“Não — responde logo com compaixão. — Eu sei o que tu sofres e faço Minha a tua dor.
“Cai sobre meu Coração como bálsamo precioso que cicatriza as minhas Chagas e sobre meus Lábios, como um mel que me delicia.
“Palomita mia” é meu amor que te amarra para teu bem e para o bem de muitas almas!
"Mas será o Amor também que .brevemente te há de inebriar com puras e celestes doçuras, o Amor te reveste com meus Méritos e te dará a saboreai a beatitude das almas virgens.
“Sim, “palomita amada”, durante a tua vida te nutri com florinhas agrestes que Eu mesmo semeara para ti. Na eternidade, te alimentarei com flores puríssimas que embelezam o canteiro das Virgens. A Deus!
não é por muito tempo que Me separo de ti, pois bem sabes que encontro minhas delícias na tua pequenez’.
E Jesus desaparece, É a última vez que Josefa O contempla aqui na terra!

 

CONSUMMATUM EST!
16 — 29 de dezembro de 1923

De ora em diante, a espera não terá mais luz. Ainda alguns dias de paz e logo depois as trevas medonhas do inferno se abaterão sobre Josefa para tentar contra ela um supremo esforço. Mas a audácia infernal do demônio não servirá senão para a vitória de Deus e as últimas dores da pequena vítima selarão para sempre a eterna união. Quando soar a hora determinada, Jesus, com a soberana liberdade do seu Amor, virá quebrar os últimos laços.
"Levanta-te, minha pomba, e vem!...” dirá ele, E, na solene solidão de sua última oblação Josefa partirá. Terminará aqui na terra a Obra do Amor!...
Mas esta consumação será a nova alvorada do Amor Infinito que vai surgir sobre o mundo.
A manhã do domingo 16 de dezembro continua em grande sofrimento que se abranda pouco a pouco, depois do meio dia, quando ela vai recobrando á vista, lentamente. Pela tardinha, seu estado piora de repente e o Bispo de Poitiers, que se digna então visitá-la, a vem encontrar desacordada. Fica longamente ajoelhado em oração ao pé daquele leito que mais parece um altar em que se oferece uma vítima pura. A noite e os dias seguintes se passaram em alternativas de dores agudas e de intervalos de relativo descanso. Isso mantém Josefa e as pessoas que a cercam no abandono tão caro ao Coração do Mestre.
Devora-a uma sede ardente e, entretanto, cada gota de água, que consegue engolir, a queima e a consome em vez de aliviá-la.
“Parece — diz — que esta gotinha d'água cai num braseiro ardente e corrompido.” É a penosa impressão que sente. Jesus a associa à sede de sua Cruz e ao fel que lhe apresentaram. Não tem mais Força alguma, e perde o fôlego ao menor movimento. Juntam-se duas ou três pessoas para soerguê-la de vez em quando com infinitas precauções. A certas horas, domina-a uma espécie de entorpecimento geral sem lhe dar o benefício do Sono...
De outras vezes sofre em todo o corpo sem exceção de um só membro.
Contudo, no meio desses intensos padecimentos não perde a simplicidade delicada e expansiva.
Assim que a dor lhe dá uma trégua, continua os colóquios embalsamados de paz radiante.
"Estou tão feliz — diz sabendo o que Jesus me prepara, porque eu nada fiz, tudo será preço de seus Méritos e fará com que sua Misericórdia resplandeça. Não posso rezar porque não tenho mais Força mas digo-Lhe só como estou contente de ir para ele”. ,
Uma carta de Espanha, desperta nela a lembrança da Mãe e das irmãs.
“Antigamente, — diz — as notícias da família me emocionavam, mas agora não!
Estou tranquila a respeito delas, estou segura porque sei que Jesus é Bom, as ama. as guarda e as consolará. Conheço-O! Entretanto quero-lhes com toda a minha alma — Mamãe, Mercedes, Ângela — não podem saber quanto bem lhes quero! É o que me leva a compreender quanto sofre o Coração de Jesus, quando vê que as almas não sabem até que ponto são amadas por ele”.
Este pensamento a preocupa ainda na quarta-feira* 19 de dezembro.
As almas não compreendem como Jesus as ama — repete como que falando de si para si. — Quanto mais tiverem vivido na obscuridade da fé, dirá em outro momento — tanto mais Jesus se vê obrigado a ajudá-las e recompensá-las na hora da morte.
“Nunca fui tão feliz! minha paz é tão grande, minha alegria completa... nem a mais leve sombra..,.
Estou certa do Perdão, da Ternura de Jesus... Nada desejo... abandono-me a ele... não posso mais falar-Lhe com os lábios, mas com o coração lhe digo que é Bom e que O amo.”
A lembrança das crianças a encanta. Nas horas de recreio, as vozes alegres e o eco dos jogos animados sobem até ela.
“Como gosto delas,” — exclama. Revela seu coração apostólico no acento cheio de ardor. Sente-se que está tão interessada pelas almas e tão pouco ocupada consigo mesma.
Na tarde da quinta-feira, 20 de dezembro, Sua Excia. Monsenhor de Durfort volta a vê-la. A entrevista é demorada, paternal, entremeada de orações que Sua Excelência recita com ela e de pensamento cujo o segredo ele leva com emoção bem visível. Tudo é paz do céu, em volta desta cama onde se acumula tanta dor, mas também tanto amor!... Josefa, nessa espera e nesse abandono, acaba sem dúvida de saldar aqui na terra o preço das almas que a sua intercessão celeste continuará a ganhar para o Coração de Jesus, “usque in finem”.
Convém citar o testemunho das Irmãs que tratam dela e a visitam nesses últimos dias de vida.
“Era preciso adivinhar, escreve a irmã enfermeira, o que a pudesse aliviar ou o que lhe agradasse. Ela só tinha um desejo: o céu e a Vontade de Deus.
Ficava tão agradecida pelo menor serviço e prestava especial atenção para que as pessoas que se ocupavam dela não faltassem à pontualidade dos exercícios comuns.”
“Durante as três semanas de doença ela me edificou a um ponto que não saberei dizer, escreve outra. Era preciso que ela estivesse morta, para si mesma e muito perto de Nosso Senhor para ficar assim tranquila, feliz, e toda entregue e abandonada ao beneplácito divino. Nunca uma palavra sobre seus sofrimentos, nunca teria pedido de beber e, entretanto, devia estar queimando-se interiormente; aceitava o que se lhe oferecia, mas nunca se queixava.
A religiosa que a tivera como auxiliar na capela das Obras dá o seguinte testemunho:
“Durante os últimos dias de sua vida, tive, uma vez, a graça de vê-la. Acolheu-me com sorriso incomparável pois eu evocava a lembrança da sua querida capelinha. “Como se compreende, — acrescentou ela — quando se chega ao ponto em que estou, que Deus é tudo e o resto nada... Como passam depressa quatro anos de vida religiosa! Parece que estou apenas chegando aqui como postulante... depois, o noviciado...
Sofri muito durante o meu noviciado! Há! como sofri!
pensei que seria preciso partir e, no entanto, gostava tanto da Sociedade!”
Ouvindo essas palavras lembrou-me o olhar de triunfo sobre o seu Crucifixo, na manhã dos seus Votos: aquele olhar e aquele gesto pareciam traduzir uma conquista, não pude esquecê-los.
“Então ela voltou como que naturalmente às recordações da infância.
“Quando eu era pequena — disse-me — queria dar muito amor a Jesus... Ouvia em mim como que Apelos a amar e a me entregar. No dia da minha Primeira Comunhão fizeram-nos uma instrução sobre Jesus Esposo das Virgens... não compreendi tudo, meu coração estava arrebatado... os apelos se tornavam mais prementes”.
“Na tarde radiante da sua Extrema Unção e também dos seus Votos perpétuos, reconhecendo a minha. voz, chamou-me para perto de si: “No céu, hei de rezar por todas as suas intenções.” Depois acrescentou, várias vezes: “Nosso Senhor é tão Bom! Quando a gente faz o que pode — quase nada, — Ele se encarrega do resto. Pouco importa se não sentimos que progredimos em perfeição.”
A Mestra Geral do Internato dos Feuillants, falecida alguns anos depois, — notava assim as recordações daquele fim de dezembro:
“Afastava-se o véu de sobre aquela filha dileta que havíamos ignorado até então.
“Sua cela era mais um oratório do que um quarto de enfermaria e, sobre o leito de agonia, ela nos parecia radiante de paz celestial. Ao pé dela e sem saber ainda porque, sentia-se algo de especialmente grande e sobrenatural. Nos dias seguintes, tornei a vê-la várias vezes, recomendei-lhe o próximo retiro das meninas; “Quero-lhes tanto! — disse ela — fico feliz quando as ouço brincar e, mais ainda, quando as vejo comungar e penso que Nosso Senhor é recebido em cada uma delas! Sim, hei de rezar e continuarei no céu... Nosso Senhor — torna ela, como que falando de si para si — deu-me um coração que ama tanto! — Amo tanto a Sociedade, todas as Madres, as Irmãs, as meninas! Oh! tenho um coração tão amante!” Seria difícil exprimir o tom de sinceridade e de caridade profunda que acompanhava essas palavras.
“Oh! — disse em outro dia — como é necessário que as noviças sejam fervorosas e enérgicas em sua vocação! Eu tive tantas lutas que parecia, às vezes, não poder perseverar. Ia então procurar a Madre Assistente e criava Força. Fiz um grande sacrifício deixando a Espanha é verdade, mas por minha vocação não hesitei, fi-lo mesmo com todo o coração”. E acrescentou; “O que é preciso ensinar muito bem durante o noviciado para que fique gravado para sempre é a obediência. Oh! se se compreendesse bem o valor da obediência por espírito de fé!”... E repetiu muitas vezes recolhendo-se e como que revendo em sua própria alma a segurança de seu caminho;
“O valor da obediência por espírito de fé”.
“Outro dia, em que parecia sofrer muito: “Nosso Senhor quer que a gente sofra um instante, e depois continuou: Sofri muito... mas — e aqui sua voz tomou firmeza inesquecível — a gente esquece o sofrimento... sim, a gente esquece o sofrimento... E agora Nosso Senhor vai me...” Ela interrompeu a frase, como que escandalizada do que dissera; oh! não! continuou — oh! não, ele não vai recompensar-me porque nado fiz... ele... vai... tornar-me bem-aventurada!...” Ela se calou, como que emocionada com essa felicidade. Depois, continuou com ardor; “Nosso Senhor é Bom! É verdadeiramente Bom” e parecia saborear esta palavra que repetiu muitas vezes.” Todavia, a hora do Príncipe das trevas vai passar sobre esta felicidade tão pura, e Josefa será esmagada sob a pressão satânica como a uva no lagar. Por algum tempo, o demônio julgará triunfar definitivamente subjugando-a, a ela e aos Planos de Deus sobre o mundo. O último assalto, o mais tremendo de todos, se travará em sua alma e cm seu corpo que serão possuídos e dominados por uma força invencível.
Na sexta-feira, 21 de dezembro, começa a sombra a descer. Um súbito fastio do sofrimento invade Josefa' que desejaria morrer, mas domina-se aderindo à Vontade de Deus; é a atitude profunda de sua alma. Na manhã de sábado, 22, a carta, anunciada por Nosso Senhor. chega de Roma e a bênção da Madre Geral fortifica a querida doente à entrada do túnel sombrio que ela já adivinha. Na tarde desse dia uma crise terrível n conduz às últimas e lhe tira, por longo tempo, a consciência. Que se passara nessa noite misteriosa em que sua alma entrara? Josefa contará mais tarde; naquela hora recebeu o demônio faculdade para se apoderar tão fortemente da liberdade de Josefa, que ela sente estar, dominada por uma força estranha e irresistível que a obriga a pensar, querer, experimentar, mesmo fisicamente, o que ela não queria nem pensar, nem querer, nem experimentar. Uma repentina convicção que não vem dela se lhe impõe ao espírito com tal evidência que lhe pode fugir: a sua morte próxima, não é senão a consequência daquele caminho extraordinário. Quem a força aceitá-lo? Ela pode ser fiel sem se submeter a um tal caminho, que não é obrigatório... recuse-o e ficará sã. No mesmo instante e subitamente (explicará Josefa, mais tarde, quando a pressão diabólica tiver cessado)- todo o sofrimento desaparece; invade-a uma espécie de bem-estar físico e de gozo de viver. Ao mesmo tempo, seu espírito é enjaulado com a mais tenaz obsessão-que ela jamais conhecera, obsessão tanto mais angustiosa; quanto o demônio a fecha num mutismo completo; do qual só sai para declarar que está curada e livre daquele caminho.
Josefa nunca sofre mais que nessa hora, de tal gênero de padecimento.
No intimo de sua alma não cessa, no entanto, de amar Aquele que permite tão dura prova. Por um instante, no dia de Natal, terça-feira, 25 de dezembro ela acha liberdade bastante para explicar ao Padre Boyer o que se passou e se está passando nela, alguns minutos de alívio doloroso que lhe permitem tomar consciência daquele estado de obsessão diabólica mas que dão ensejo ao R. Padre Boyer de fortificá-la tanto quanto pode... Fora aliás um fugitivo relâmpago, e Josefa cai novamente prisioneira daquele abraço diabólico, e cuja violência é difícil calcular. A ação do demônio mostra-se tão poderosa com efeito, que, se por um lado uma espécie de saúde fictícia parece lhe ter sido restituída, por outro seu espírito fica obscurecido e sua vontade dominada a tal extremo que não pode mais fazer um só ato de abandono.
De quando em quando, ela percebe que a Força a subjuga, e com isto sofre cruelmente, pois, no ma's profundo de sua alma, Nosso Senhor, a sua Vontade fica sendo seu único Amor sem que ela nem ao menos possa dizê-lo.
De outras vezes ela já não é a mesma e parece até, a quem dela se aproxima, que “um outro” a possui: no prazer de se julgar curada, de fugir a esse caminho, de reviver em liberdade, de gozar a vida... até no tom da voz, há uma segurança, uma ironia... no olhar, uma expressão tão pouco dela, que descoroçoam!...
A certos momentos, ela própria fica desnorteada...
sua alma, tão mortificada, nunca conhecera aquele gênero de impressões nem jamais falara daquele modo.
Adivinha-se a luta interior que a despedaça e torna o seu silêncio mais pungente. Quantas preces, súplicas a cercam sem poderem esclarecê-la nem libertá-la.
Só o sofrimento é eficaz nessa hora.
Passa-se o Natal e a quarta-feira, 26 de dezembro, se escoa lentamente sobre aquele Calvário. O Reverendíssimo Padre que segue de perto o misterioso assédio diabólico pronuncia várias vezes as orações do exorcismo. Mas o demônio não larga a presa e Josefa fica insensível a tudo.
A fé naquele Amor é fiel e forte, a confiança na intercessão de rua Mãe, são o único apoio dessas horas trágicas. Como duvidar da Obra que está prestes a terminar. .. do Poder divino que a dirige... do Coração Sagrado que não pode abandonar seu frágil instrumento à beira do abismo?
Em nome das Dores de sua Mãe, ele há de intervir na hora determinada; à tarde dessa quarta-feira perto do leite em que o demônio mantém Josefa sob seu poder em morno silêncio e atitude glacial, as Madres de joelho invocam as Dores do Coração Puríssimo, repetindo Ave-Marias, umas após outras. Apenas pronunciam, pera não excitar ainda mais o ódio do demônio que pesa sobre todo o ser de Josefa. Só se ouve um leve murmúrio em voz baixa. Mas, que instâncias sobem até à Virgem das Dores, à qual nada jamais se pede em vão!
Subitamente, torna-se sereno o semblante de Josefa baixam-se os olhos... cruzam-se-lhe as mãos... os lábios se descerram e, pouco a pouco, veem-na a murmurar a mesma prece que era ainda mais instante ao pé dela. Passa-se um quarto de hora naquela emoção.
Então os Pai Nossos sucedem-se às Ave-Marias.
“Venha a nós o vosso Reino... seja feita a vossa Vontade assim na terra como no céu...”
Escorrem-lhe dos olhos lágrimas silenciosas e com toda a alma repete, palavra por palavra., a oração tão cara a Santa Madalena Sofia:
“Coração Sagrado de Jesus, corro e venho a Vós porque sois meu único refúgio, minha única, mais segura esperança. Sois remédio para todos os meus males, alívio para todas as minhas misérias, reparação para todas as minhas faltas, suplemento para tudo de que careço, certeza para todos meus pedidos, fonte infalível e inesgotável de luz, Força, constância, paz e bênção.
Estou certa de que não Vos cansareis de mim e que não cessareis de me amar de me ajudar e de me proteger porque, me amais com Amor Infinito. Tende, pois, piedade de mim Senhor, segundo vossa grande Misericórdia e fazei de mim e em mim tudo o quiserdes, pois me abandono a Vós com certeza plena e inteira de que nunca me abandonareis.”
Diante desta afirmação do mais completo abandono; o demônio fugiu para sempre! Sob o pé virginal de Maria, seu poder se aniquilou. O sofrimento invade de novo todos os membros de Josefa: ela se encontra a si mesma, de novo sobre a Cruz de seu Salvador! Quem poderia duvidar da intervenção maternal da Santíssima Virgem e da fidelidade onipotente do Coração de Jesus, em presença de tão súbita e tangível libertação?
Passa-se a noite em ação de graças cuja intensidade não se pode avaliar. Josefa está exausta, mas sua alma toma contato pouco a pouco com as graças dessa dor bendita... com as suas Superioras, que não a deixam e às quais ainda não pode dizer senão com o olhar, os sentimentos de humildade, de gratidão e de abandono, que vão despertando nela à medida que se vai afastando a lembrança daqueles dias terríveis.
Desde a alvorada de quinta-feira, 27 de dezembro, ela comunga, com uma paz que nada mais perturbará.
Era festa de São João, o amigo das almas virginais, que fora muitas vezes junto a ela embaixador do Coração adorável de Jesus. Josefa não pode esquecê-lo.
O diretor espiritual torna a vê-la demoradamente, depois da ação de graças... Melhor que qualquer outra pessoa," pôde ele então calcular o poder diabólico que, a escravizara. Com clareza e admirável precisão, Josefa, relata o estado misterioso que atravessara, guardando apenas a consciência da sua vontade própria, mas não podendo nem. exprimi-la nem dirigi-la. Parece que sua alma atingira ao abismo da aflição, mas também experimentara as profundezas da humilhação e do aniquilamento que, na realidade, são as profundezas do amor!
Tudo isso passou... fica o Magnificat como a expressão mais pura dessas horas inesquecíveis e é. repetido em volta da cama de Josefa, radiante sobre a sua Cruz. Voltaram todas as dores, as forças fictícias dos últimos dias desapareceram e o dia se escoa sem nuvem, na felicidade do sofrimento e do abandono, de novo conquistados.
Na sexta-feira, 28 de dezembro, a visita matinal do R. Padre Boyer traz ainda uma absolvição. Vem dizer-lhe, pensa ele um até breve, pois precisa partir para ministério fora da cidade e afasta-se tranquilo ela encontrara a paz e a alegria sem nuvem.
- A uma hora da tarde, longa e dolorosa crise parece levá-la à agonia.
Pica inconsciente do que a cerca até às três horas, acabrunhada pela dor. Contudo, pela tarde, recobra alguma vida. O corpo macilento provoca compaixão, umedecem-lhe os lábios com algumas gotas d'água e mal se pode tentar soerguê-la para lhe facilitar a respiração. Mas, sempre esquecida de si, simples e sorridente, torna tudo fácil, desejaria poupar qualquer incômodo aos que cuidam dela e não cessa de exprimir sua gratidão.
A noite a última noite, se passa nessas alternativas, e na manhã de sábado, 29 de dezembro Jesus Hóstia vem a ela pela última vez. Que se passaria durante essa entrevista de amor tão próxima da entrevista eterna?
Sem dúvida alguma, Josefa o ressentiu, mas sua extrema delicadeza, afinada pela união e pela conformidade com o Coração infinitamente delicado de Jesus, não teria querido causar pena com a perspectiva da separação tão próxima... O recolhimento mais profundo que a envolve, seu silêncio no sofrimento que aumenta de hora para hora, parecem anunciar o fim, mas nada ainda o dá a prever e a manhã se passa, como na véspera, em paz toda celestial.
Uma pequena estátua de Jesus adormecido no presépio repousa-lhe sobre a cama e Josefa a contempla com amor e ternura. Desfia as contas do terço e seu olhar diz em volta dela o que suas forças já não podem exprimir.
A tarde continua naquele abandono. Recostada sô- bre a cama está sofrendo muito, mas nada lhe altera a serenidade. Torna a ler o capítulo décimo do terceiro livro da Imitação — seu capítulo preferido — e troca ainda com suas Superioras algumas palavras cheias do fervor e de terna gratidão.
Sente-se que está toda ocupada com Jesus e com as almas, em meio às dores que somente a sua fisionomia revela. Declina o dia cai o silêncio envolvendo cada vez mais a oblação de Josefa. A simplicidade daquela tarde, tão parecida com as outras, esconde mesmo aos olhos das suas Madres a eminência do sacrifício. Jesus assim permite para guardar para Si o segredo desta última preparação, deste acabamento, desta suprema consumação.
É noite. Pelas sete e meia, a Irmã enfermeira pergunta à querida doente se alguma coisa poderia aliviá-la. “Oh! Tudo o que quiser, Irmã... Estou bem — acrescenta — posso ficar sozinha", pois tocam as Ave-Marias e ela sabe que a hora regular chama a Comunidade à refeição da tarde.
Misteriosa conduta de Deus e de sua Vontade adorável! Por um conjunto de circunstâncias imprevistas Josefa, que suas Madres nunca haviam deixado, revezando-se uma a outra, noite e dia, desde 9 de dezembro fica só!...
E nessa solidão e nesse abandono querido por ele, o Mestre divino passa de repente, imprimindo na alma de sua privilegiada o Selo da Suprema configuração com a sua Cruz e sua Morte, no mais inteiro desprovimento de tudo!...
Quando alguns instantes depois, a Irmã enfermeira volta à pequena cela, Josefa cessara de viver!... Está estendida, com a cabeça ligeiramente inclinada para trás os olhos semicerrados, dolorosa expressão contraindo-lhe a fisionomia: tudo nela parece lembrar Jesus crucificado, morrendo no abandono de seu Pai.
“Deixa-me escolher o dia e a hora” dissera ele.
“Estaremos aqui, ambas, para te conduzir ao céu”, afirmaram Nossa Senhora e Santa Madalena Sofia.
Não seria o cêntuplo dessa hora em que, no abandono da terra, na solidão... na aflição talvez, se realizava a Palavra de Nosso Senhor?
“Sofrerás e, abismada no sofrimento, morrerás!”
Jesus quis revelar esta passagem do céu na pequena cela solitária com um sinal evidente, testemunha da sua incomparável, delicadeza: pelas onze horas da noite, quando se tratava de vestir a cara irmãzinha com o hábito religioso, qual não foi a surpresa das Madres desoladas, verificando que “alguém” já tinha cuidado dela.
Sob as cobertas, bem esticadas até em cima e melhor que ninguém o poderia ter feito, Josefa, com os braços estendidos ao longo do corpo, está vestida com seu saiote cinzento amarrado na cintura e cuidadosamente esticado até os pés.
— Quando? — Como? — Quem fizera aquilo?... Que responder a estas perguntas...
Ninguém entrara na sua cela, como atesta a vizinha de enfermaria e a querida doente, incapaz do menor movimento e de qualquer esforço ignorava onde estava dobrada aquela roupa.
O fato — aliás incontestável e concordando com a virginal modéstia de Josefa que sempre receara ser tocada depois da morte — não nos permitirá pensar que Nossa Senhora e Santa Madalena Sofia, fiéis à sua promessa, tinham querido, ao lhe receberem a alma para a levarem ao céu, deixar essa prova de presença materna mais eficaz que outra qualquer? O saiote cinzento ficou, pois, sem que ninguém lhe tocasse e Josefa o levou para o túmulo.
Assim acaba a história do Amor fidelíssimo, naquele sábado, 29 de dezembro de 1923.
Depressa a fisionomia de Josefa se iluminou de paz e serenidade, enquanto uma impressão sobrenatural de graça se derramava por toda a casa.
Na manhã de domingo 30 de dezembro, as religiosas souberam, com emoção indizível o Segredo divino daqueles quatro anos, segredo que ninguém suspeitara.
“É justo, escrevera a Madre Geral, que sejam elas as primeiras a recolherem as graças”. É-lhes imposta a maior discrição, pois ninguém, fora da casa dos Feuillants, deveria ainda saber coisa alguma acerca dos favores e da missão de que fora depositária a humilde irmãzinha. Mas que sopro de fervor excita as almas à generosidade e às ações de graças!... A cela em que Josefa repousa, cercada de lírios, é um santuário. O céu parece ali estar presente, todas as religiosas correm pressurosas, em veneração e prece.
O belo semblante reflete a serena estabilidade da eternidade, com impressionável majestade.
“Não me parecia estar diante de um leito fúnebre, escreve uma religiosa que a velara durante a noite seguinte, mas diante de um altar todo branco, em volta do qual as palmeiras e os lírios já cantavam o triunfo da pequena vítima tão bela que ali estava estendida, numa derradeira atitude de oblação. Durante as horas silenciosas da noite, minha oração procurava fazer eco à sua. Abraçava o mundo, as almas, os pecadores, nossa caríssima Sociedade e a ação de graças misturava-se à súplica”.
Já se nos afigurava o Coração de Jesus, a irradiar por meio dos despojos do pequeno Instrumento tão divinamente escondido até então, e a soerguer o véu, começando a descobrir às almas os apelos ardentes de seu Amor.
“Na noite da sua morte, e não sabendo que estava pior, escreve a Irmã encarregada da cozinha, via-a em sonhos. Estava muito formosa e repousava num leito cheio de flores. Acenou com a mão que eu me aproximasse e disse: "Oh! Irmã não tenha medo do sofrimento e não perca nem uma parcela do que Jesus lhe manda. Se soubesse o que é sofrer por Éle! É preciso que transforme o seu trabalho em oração.
A cada coisa, diga: “Meu Jesus, é para Vós, eu vô-lo ofereço de modo que ele veja que sua vontade é estar com ele e amá-Lo. Oh! Se a Irmã soubesse!...
ele tem tanta necessidade de amor!” Ela frisava cada palavra fortemente e isto me impressionou tanto mais vivamente quanto, domingo de manhã ao descer para a meditação, soube que havia partido para o céu".
Na tarde do domingo, 30 de dezembro, o bispo de Poitiers vem rezar diante dos seus restos mortais.
Envolve aquela última e demorada entrevista, solene silêncio.
Depois, Sua Excelência abençoa de novo com efusão a pequena Josefa confiada à sua vigilância paternal pelo Coração de Jesus em Pessoa, e seu olhar neste momento dela se afasta com grande pena. Ao deixá-la, não pode conter os sentimentos que lhe transbordam da alma. Assina a ata da Profissão de Soror Josefa e promete vir dar a absolvição depois da missa de Requiem marcada para terça-feira 1.° de janeiro.
O ano de 1923 termina, pois, sob a efusão das graças de que a humilde cela parece ser manancial fecundo. Uma atração sobrenatural para ali chama e ali retém as almas e, durante toda a segunda-feira, 31 de dezembro a, unanimidade de ações de graças, de oferecimento e de súplicas que ali se encontra, deve consolar e glorificar o Coração adorável de Jesus: já é a Obra de seu Amor que começa a realizar-se. Pelas quatro e meia Josefa é colocada com veneração e amor, no caixão de madeira branca que a esconderá a todos os olhares. Seu semblante plácido conserva sempre aquela irradiação de doçura e paz que não nos cansávamos de contemplar desde a véspera. Trans- portamo-la através dos claustros dos “Feuillants” até à capela, ao mesmo lugar em que, dezoito meses antes Jesus lhe dissera:' “Vê como te fui fiel”, é o último encontro destas duas fidelidades de amor.
Enquanto a Comunidade passa a noite em adoração diante do Santíssimo Sacramento exposto no oratório de Santo Estanislau, para encerrar aos pés de Jesus Hóstia aquele ano incomparável, Josefa está sozinha, em guarda, diante do tabernáculo dos seus primeiros Votos.
Na terça-feira, 1.° de janeiro, teve lugar o sepultamento. “Eu receava escrevia a Superiora de Josefa à Madre Geral, tão próxima pelo pensamento e pela oração a todos aqueles acontecimentos, receava que as festas de Ano Bom, a ausência das meninas em férias, deixassem a capela muito vazia para a cerimônia. Tal não aconteceu. Monsenhor, visivelmente comovido seis sacerdotes, ocupavam o santuário. Religiosas de várias Ordens, as pequeninas do Bom Pastor, nossas protegidas, as alunas do semi-internato a quem havíamos participado, as Filhas de Maria da Congregação do Sagrado Coração, bom número de amigos, atrás de todas as Madres e Irmãs, formavam o belo séquito da nossa Josefa tão humilde e tão desconhecida ”,
A missa de “Requiem”, piedosamente cantada, termina no recolhimento ao qual tudo concorre para tornar mais emocionante. O bispo dá solenemente a absolvição e o cortejo se põe a caminho, enquanto o canto “in Paradisum” eleva os pensamentos até o lugar em que devemos, de ora em diante, contemplar a querida Irmãzinha. Chove, e o tempo sombrio de 1.° de janeiro contrasta com a paz serena das almas.
Descemos as alamedas do jardim, passando não longe do oratório de São José, a soledade em que Santa Madalena Sofia se recolhia durante os Retiros. Uma parada inesperada do carro diante da cruz que domina a encruzilhada das alamedas parece pôr, pela última vez, a filha sob a bênção da Madre Fundadora; depois atinge-se o grande portão da clausura. Josefa deixa os Feuillants! Como é pungente a emoção, quando o carro transpõe o limiar e desaparece.
A sepultura das Religiosas do Sagrado Coração acha-se numa das extremidades do cemitério da cidade. Lá, uma grande concessão encerra os numerosos túmulos em torno da cruz. Diante da grade da entrada, na fossa preparada cuidadosamente, algumas semanas antes da sua morte, os preciosos restos de Josefa são depositados. Seu túmulo em nada difere do das outras religiosas, mas parece abrigar-se sob o manto virginal de Maria, estando próximo de uma estátua de Nossa Senhora que domina um antigo jazigo.
Ali repousa a humilde privilegiada do Coração Sagrado de Jesus, aquela que, de ora em diante será conhecida com o nome de: “Mensageira da sua Obra de Amor”.

 

CONCLUSÃO


Não me competiria dar uma conclusão aos admiráveis entretenimentos de Nosso Senhor com a Irmãzinha coadjutora da Sociedade do Sagrado Coração de Jesus.
Convidado porém (e com tal insistência que não me pude esquivar) a exprimir meus sentimentos sobre estes novos apelos da Misericórdia de Deus. Seja-me perdoado não trazer senão uma resposta de “pobre pecador”. Ter-se-á a sensatez de tomá-la não como o juízo de um entendido no assunto. mas apenas como testemunho de gratidão para com Jesus Cristo, que foi Vítima do seu Amor por nós, e para com a Sociedade que não guardou para si só os mais íntimos pensamentos do Coração de Jesus.

I

Foi com bastante pena, mas não sem premeditação, que me resignei a deixar na sombra a santidade da Esposa que Nosso Senhor misteriosamente associou a Si.
Os fatos, relatados com a mais modesta simplicidade. já lhe puseram suficientemente em evidência as eminentes virtudes. Numa Conclusão, parece convir que desaparece completamente esta filha de predileção — que terá aliás sua glória na terra como no céu.
— O principal fim de Jesus não foi propô-la como exemplo.
Não lhe falou tão abundantemente para atrair sobre ela a admiração das multidões. Soror Josefa não foi senão uma voz. Nada mais. Existiu unicamente para a Mensagem e a Mensagem não era d" modo algum para ela. Determinou Cristo que ela nada fosse. Nunca a tirou do seu nada. Trabalhou para ainda mais aniquilar esse nada no decurso dos seus dias de luz.
Lux lucebat in tenebris. Josefa desejou acima de tudo a obscuridade da sua miséria. Se ainda hoje for tratada “como escória”, mais feliz há de ficar. A Mensagem terá assim algum ensejo de chegar até nós sem obstáculos, como ela esperava.
Não esconderei que me senti, por assim dizer, ofuscado pela Presença de Cristo vivo, quando, fiel às instruções do Mestre e da sua Confidente procurei esquecer completamente a existência de Josefa Menéndez. Tive imediatamente a evidência de que era, de fato, o próprio Cristo que aqui falava.
Não havia perigo de ilusão. Supérfluo se tornava o discernimento dos espíritos. Bastava distinguir a voz cie Jesus. Reconheci-a na mais límpida claridade lai qual a percebem as almas nas horas de graça e, principalmente tal qual o Evangelho e os santos nô-la deram a ouvir no decurso dos séculos. Impossível é enganar-se, o timbre da voz que confiou a Soror Josefa os Segredos do Coração misericordioso de Cristo é exatamente o mesmo que o do Salvador do Evangelho e do Deus de Amor de toda a eternidade. Deus caritas est. Desde o começo dos séculos, Deus nos convida ao Amor.
Prior dilexit nos. Se a lei quer que O amemos com todo o nosso coração com toda a nossa alma, com todas as nossas forças (Deut. CS), foi Ele que primeiramente nos impeliu, com infinita perseverança, a responder ao Amor imenso que tinha a cada um de nós.
Quantas vêz&s nos repetiu que nos queria mais que uma mãe.
Seria apenas de ontem a voz terna e sedutora que nos fez esta declaração insensata: És minha Esposa e Eu sou teu Esposo! “Vozes de júbilo e de alegria, vozes de dois Esposos que cantam: Louvai Iavé dos exércitos pois Ele é Bom e sua Misericórdia perdura para sempre”. (Jer. XXIII, II).
Quando Nosso Senhor disse à Irmãzinha coadjutora que nos amava “loucamente”, nós já ouvíramos o Esposo por excelência nô-lo repetir em linguagem que todos os homens de carne poderiam compreender.
Sua Misericórdia? deveríamos conhecê-la, desde que Deus nos começou a falar; ultrapassa toda imaginação: Se meu Senhor “a terra está cheia de vossa Misericórdia”, (Ps. 118, 64) vossa Escritura Sagrada transborda de bondade pelos pecadores; a história secreta das almas é a narração ininterrupta de vossos Perdões extraordinários que coisa alguma descoroçoa.
Mensagens mais eloquentes que a de Josefa, quantas já tem recebido a humanidade não c certo? Quando os miseráveis vinhateiros da “casa de Israel” deram cabo dos servos do pai de família, espancando a um matando a outro, lapidando ao terceiro o Bom Mestre enviou de novo outros servos, em maior número que os primeiros, e eles os tratam do mesmo modo.
Então enviou-lhes seu Filho, dizendo: Respeitarão a meu Filho”.
Mas quando os vinhateiros viram o Filho, disseram uns aos outros: “Eis o herdeiro; vinde, matemo-lo e teremos a sua herança”. Ora, que vinha anuncia?
aquele Filho dileto? Que Deus era Caridade que Deus amava de tal modo os vinhateiros que lhes dava o único Filho seu. E eis que nós o crucificamos porque nada compreendemos de seu testemunho. Mas, antes de morrer e de nos comunicar seu próprio Amor (o Espirito Santo, que é o laço substancial da Santíssima Trindade), o Filho único nos revelou as profundezas de Deus. Seu Evangelho transborda de bondade. É verdadeiramente, do começo ao fim, o Evangelho dos pecadores .
É a exaltação do arrependimento. É a pública e manifesta preferência pelo publicano, pelo filho pródigo, pela ovelha desgarrada, pelos doentes, p;ola adúltera e pela Madalena humilhada e contrita. Nesta carta eterna de Misericórdia são as Bem-aventuranças solenemente prometidas aos pobres, aos perseguidos, às vítimas da injustiça aos infelizes que choram seus pecados e suas dores. Milagres em profusão são distribuídos a todos os mutilados da vida que, do fundo do abismo chamam a Cristo por socorro. Ouvem-se mesmo gritos mais pungentes e mais profundos do que todos os que subiam aos ouvidos do Salvador, pois Jesus clama no meio da turba, na praça pública, como se fosse o mais mendigo de todos os mendigos que têm fome e sede de ventura e justiça.
“No último dia da festa que é o dia solene, Jesus, de pé, disse em voz alta: “Se alguém tem sede, venha a Mim e beba; aquele que crê em Mim, de seu seio, como dizem as escrituras fluirão rios de água viva”. Dizia ele isto do Espírito, (isto é do amor do Pai e do Filho) que deviam receber aqueles que creem nele, pois o Espírito ainda não havia sido dado, porque Jesus ainda não fora glorificado”.
(Jo. VII. 37) Chama a Si os que trabalham e são oprimidos: “Vinde a Mim, vós todos que estais cansa¬ dos e sobrecarregados, e eu vos darei repouso”. (Mat. XI, 28). “Vim para que tenhais vida e para que estejais na abundância”. (Jo. X. 10).
E, antes de expirar sob nossos golpes lançou ainda o grito de angústia: “Sitio”; Tenho sede!
Este clamor que deveria encher todos os espaços e todos os tempos e ressoar no fundo de todos os corações, ai! quão raros são aqueles que O ouviram como Apelo pessoal! Alguns disseram, em verdade, não somente com os lábios, mas com o testemunho de sua vida e de sua morte: “Et nos credidimus caritati”: Nós cremos na caridade. Mas grande número de cristãos e principalmente de pecadores ficaram surdos a estes Apelos do Amor.
Depois de arautos de todas as condições, doutores, mártires, confessores, virgens, crianças, dirige-se a nós Josefa Menéndez, com acento mais comovedor que nunca. É herdeira de um segredo que não foi escondido nem alterado no decurso dos séculos. Eis o grande FATO ATUAL que eu queria salientar. — Quando leio as suas conversas íntimas com Cristo, creio ouvir, não somente as Margaridas Marias que a precederam, mas também os mais ilustres doutores e os santos mais clássicos, se assim me posso exprimir, da Nova Aliança. A Mensagem de Jesus será transmitida por uma religiosa coadjutora ou por Santo Agostinho? Somente pelo seu conteúdo não se poderia distinguir. Pois o grande doutor da graça nos falou, com eloquência igualmente pura, mais opulenta e mais inflamada porém, da Bondade e da Misericórdia de Deus para com os pecadores: “ó imensa Ternura paterna! ó inestimável Caridade! Para libertar o servo, entregaste o Filho... ó Caridade! ó Ternura de Pai! Quem jamais ouviu tais coisas? Quem não ficaria estupefato com vossas Entranhas de Misericórdia? Quem não admiraria a vossa Bondade? Quem não cantaria a excessiva Caridade de vossa Dileção?” (1).
“Amo-Vos, ó meu Deus amo-Vos e quero amar- Vos cada vez mais. Dai-me a graça de Vos desejar, de Vos amar, tanto quanto quero, tanto quanto devo.
Sois a Imensidade e deveis ser amado sem medida, principalmente por nós que amastes sem medida, que salvastes sem medida, a quem destes tantas e tais provas de Amor!” (2)
Efusões apaixonadas que chegam ao delírio de um espírito embriagado pela graça, encontramo-los ainda mais em Santo Agostinho que em qualquer outro autor místico. Quer meditemos as elevações de S. Bernardo sobre o amor de Deus e seu Comentário dos Cânticos, quer leiamos as obras mais conhecidas dos monges místicos da Idade Média; se, logo depois dessa leitura latina, abrimos o “Apelo ao Amor” da pequenina coadjutora do “Sagrado Coração”, não veremos, senão diferenças superficiais, como entre uma grande e uma pequena Hóstia consagrada. Foi certamente o mesmo Coração de Jesus que amou, procurou, chamou, perdoou cumulou de delicadezas os mais miseráveis pecadores. É ele, não hesito um segundo em crê-lo, é ele que continua, há séculos, a nos propor íntima união consigo e a felicidade inefável de ser Esposas do Verbo incarnado. Só um exemplo dou entre mil.
Josefa nos fala, com predileção, não somente da Paixão de Jesus em geral mas especialmente das Cinco Chagas. “Eis as Chagas — diz um dia Nosso Senhor — abertas sobre a cruz para resgatar o mundo da morte eterna e lhe dar a vida. São elas que obtêm Misericórdia e Perdão para tantas almas que irritam a Cólera do Pai. São elas que, de ora em diante, lhes darão Luz. Força e Amor. Esta Chaga de meu Coração é o Vulcão divino onde quero que se abrasem minhas Almas escolhidas”. (3).

(1) “O imensa pietas, o inestimabilis caritas! ut liberares servum, Filium tradidisti... O Caritas! o pietas! Quis audivit talia? Quis super tanta misericordise viscera non obstupescat?
Quis non miretur? Quis non collaetur propter nimiam caritatem tuam qua nos dilexisti”. (Meditação, S. Agostinho).
(2) “Amo te Deus meus, amo te et magis atque magis amare volo. Da mihi, ut desiderem te, ut amem te, quanturo debeo. Immensus es et sine mensura debes amari, praesertim a nobis, quos sic amasti, sic salvasti, quo quibus tanta et talia fecistl”. (Solilóquios).
(3) Apelo ao Amor. Cf. 1921: 20 de fevereiro, 25 de março, 30 de junho. 22 de julho; — 1922: 19 de fevereiro, 14 de maio.
29 de agosto: 1923: 30 de março. l.° de abril. 17 de junho, 29 de agosto. 5 de outubro, 28 de outubro.

Mas Agostinho tinha ouvido os mesmos anelos.
Escreveu: “As chagas de Jesus Cristo estão cheias de Misericórdia, cheias de Ternura, cheias de Suavidade e Caridade. Traspassaram-Lhe as Mãos e os Pés, abriram-Lhe o Lado com um golpe de lança; por esses canais é-me permitido saborear quão suave é o Senhor meu Deus... Redenção abundante nos é dada nas Chagas de Jesus Cristo, nosso Salvador, grande multidão de doçura, a plenitude da graça e a perfeição das virtudes”.
Não é uma vez mas cem vezes, que o santo convertido o doutor da Misericórdia, convida à confiança as almas pecadoras, sobretudo aquelas cujos crimes levam ao desespero.
E que alma piedosa não leu ao menos uma vez na vida, as temas súplicas de São Bernardo?
“Em teu desespero não digas jamais: minha iniquidade é grande demais para que eu obtenha perdão Absolutamente não. Absolutamente não. Pelo contrário, maior é a Bondade paterna de Deus que toda a iniquidade”.
“Quanto a mim, cheio de confiança, o que me falta, tomo-o às entranhas do Senhor, porque transbordam de Misericórdia e não faltam frestas pelas quais escoem as graças. Vararam-Lhe as Mãos e os Pós, abriram-Lhe o Lado posso agora, por estas Feridas, tirar mel da pedra e óleo do rochedo duríssimo, isto é, saborear e ver que o Senhor só tinha pensamentos de paz e eu ignorava...
Clamam estes pregos, clamam estas Feridas- Deus verdadeiramente está em Cristo reconciliando o mundo consigo. Abre-se às escâncaras o santuário deste Coração ao qual nos conduzem todas as Chagas de seu Corpo. Abre-se o grande Sacramento do Amor do Pai; escancaram-se para a nossa alma as Entranhas de Misericórdia de nos~o Deus...
“Não são visíveis a todos essas Entranhas, pelas Feridas? Onde seria mais patente que em vossas Chagas, a verdade que Vós Senhor, sois suave e manso rico em Misericórdia? Ninguém tem mais piedade do que Aquele que dá a vida pelos homens que mereceram a morte e que foram condenados a perecer. Por isso, o merecimento meu está na Misericórdia do Senhor”.
Minha intenção, relatando estes belos textos, é lembrar que existe no tesouro espiritual da Igreja uma infinidade de outros, tão pungentes, tão encorajadores quanto estes, cujo segredos hoje se nos revela Havíamos tomado o triste hábito de os esquecer, como esquecemos os mortos. Eles revivem aqui à nossa memória.
As confidências da humilde Soror Josefa são ecos literal da grande Voz divina que, em cada época com paciência e condescendência adoráveis, quer novamente persuadir-nos de que ele é o Amor, o Amor infinitamente liberal e infinitamente desinteressado, o Amor infinitamente misericordioso, o Amor infinitamente impaciente por fazer de todos os homens um só Deus em Cristo. Crê-lo-emos afinal?
Mas, com esta volta à tradição não tenho em mira apenas atestar a autenticidade indiscutível da Mensagem do Coração de Jesus. Não é em favor de Soror Josefa que venho dar testemunho, mas contra todos nós. Esta perseverança de Cristo acusa a nossa surdez espiritual, nosso endurecimento, nossa leviandade de espírito, nossa ingratidão, nossa tibieza, que são verdadeiramente assustadoras e que deveriam lançar-nos no estupor. Por meio de sua Esposa, o Coração de Jesus geme ainda hoje, pela centésima vez, sobre nossa indiferença, como havia feito sobre a incompreensão dos discípulos de Emaús: “ó homens sem inteligência, cujo Coração é lento em crer tudo o que disseram os Profetas!” (Luc. XXV, 25).
Deveríamos estar profundamente inquietos. Não será para temer que, com algum pretexto fútil — sob pretexto por exemplo, de que não nos devemos fiar demasiadamente em videntes, nem em “vãos dizeres de mulheres” (Luc. XXIV, 11) — sob pretexto de que as revelações privadas não interessam diretamente à fé, e que a imaginação é sempre mais viva do que se pensa, — sob pretexto de que aparições infernais tornam suspeitas visões celestes — sob pretexto, enfim, de que não saberíamos discernir o verdadeiro do falso, nos fenômenos místicas — não será para temer que alguns dentre rós hesitem em dar generosa difusão e alcance mundial às Palavras divinas que nos apresenta Soror Josefa?
A Samaritana logo correu para contar aos compatriotas o que aprendera com o Bom Mestre (Jo. IV 28). Madalena apressou-se em anunciar aos Discípulos que vira o Senhor e que ele lhe dera uma Mensagem (Jo. XX 18). Como poderíamos tardar em dar a conhecer às almas as riquezas insondáveis do Coração de Jesus?
Não nos desculpemos dizendo que nada há de novo nessas Revelações privadas, pois é justamente porque Cristo clama há muitos séculos, com o mesmo brado de Amor e de Misericórdia, que estamos obrigados, hoje, muito mais do que ontem, a não tolerar que seus gritos sejam abafados por nossas dúvidas e discussões supérfluas. Para crer no Amor de Jesus será preciso sermos convidados a pormos, nós mesmos, a . mão na Chaga do lado ferido pela lança? Ouçamos antes a palavra de Jesus: “Beati qui non viderunt et crediderunt”.

II

A força da Mensagem transmitida por Josefa não vem, porém, apenas da sua continuidade perfeita com a Revelação eterna da infinita Misericórdia do Salvador: resulta igualmente da sua OPORTUNIDADE manifesta.
Desejaria eu salientá-la, ainda uma vez, diante das almas a quem este livro atingir. Quem não se impressionaria com a perfeita concordância de pensamento entre a “Mensagem do Coração de Jesus” e a recente encíclica do Santo Padre Pio XII sobre o Corpo místico de Cristo. “Mystici Corporis Christi”. A Mensagem é de 1920-1923; a Encíclica, de 29 de junho de 1943. No decurso dos vinte anos que as separam apareceram as condenações das heresias modernas pelo Papa Pio XI; a guerra abraçou o universo, o cardeal Pacelli foi eleito para a Cátedra de Pedro. Sua Santidade Pio XII condenou mais de tuna vez os erros é esclareceu a fé dos cristãos. Ora, o que Cristo disse por seu Vigário em 1943 confirma com evidência os Desejos que na intimidade 5e um convento, o mesmo Cristo manifestara em 1923 à sua humilde serva. Entre as duas formas de ensino, percebo entendimento harmonia, convergência de ideias que permitem claramente discernir a direção atual do Espírito Santo na Igreja. Quer meditemos as palavras transmitidas pela ignorante religiosa, quer estudemos a doutrina do Soberano Pontífice, sentimo-nos convidados, de ambos os lados, a levantar das ruínas a civilização cristã, sobre os alicerces da caridade. Parece-me que há aí fato novo que dá à Mensagem, importância capital. Trata-se de verdadeira convocação de cristãos para uma restauração mais perfeita do mundo. Deus quer inaugurar uma era de progresso no desenvolvimento do Corpo místico de Cristo. Contentar-me-ei com assinalar essa concordância sobre alguns pontos.

1.° Primeiramente, Nosso Senhor parece recomendar a Devoção ao Sagrado Coração de maneira mais premente que nunca.
As revelações de Paray tinham dissipado as heresias do medo e particularmente, as do Calvinismo e do  Jansenismo. Sabe-se com que magníficas e incomparáveis Promessas tentava ele atrair as almas tímidas. Não há dúvida que a Igreja foi pouco a pouco respondendo a esse Apelo, em todo o universo. Depois de dois séculos de esforços perseverantes, os apóstolos do Sagrado Coração conseguiram tornar compreendida, saboreada, amada, essa devoção que, durante muito tempo, fora considerada suspeita. Quão difícil é para Jesus tornar-se amado pelos homens como deseja! Hoje. o Coração de Jesus vem dizer-nos que não está ainda satisfeito com nossas adorações e nossos sacrifícios muito parcimonioso?.
Não foi saciada a sua sede. Longe disso, precisa cada vez mais, de amor e de confiança. Convida-nos a amá-Lo com insistência tão apaixonada que já não se pode duvidar que esta devoção Lhe seja cada vez mais cara, que a Santíssima Trindade dela se agrade do modo particularíssimo e que a considere como e meio mais eficaz de glorificar a Deus e salvar as almas. O que é novo na Mensagem é a forca com; que; Cristo insiste na revelação de seu Amor. Ninguém nos falou jamais com tanto fogo daquilo que possuía de mais caro quanto Jesus, neste momento, nos fala da sua Misericórdia. Donde devemos concluir que somos, infelizmente, muito pouco pressurosos em haurir nesta Fonte de Vida.
O Cristianismo de hoje está sendo arrastado à catástrofe que ameaça lançar a humanidade inteira numa espécie de desespero. Quem nos salvará? Quem nos poderá dar certeza da vitória da fé? Nestas horas de tempestade, Cristo, ainda uma vez, aparece aos corações puros para nos dizer: Respondei com confiança aos apelos do Coração de Jesus. Daí virá a salvação.
Daí, a vitória.
Na sua Encíclica “Annum Sacrum” de 25 de maio de 1899, Leão XIII, lembrando a “Vitória próxima e insigne” que augurara a Constantino a aparição da cruz no céu, assim se exprimia: “Hoje. outro Símbolo divino, presságio felicíssimo, aparece-nos aos olhos: é o Coração Sacratíssimo de Jesus encimado pela cruz e resplandecente com brilho incomparável no meio de chamas; a ele devemos pedir a salvação dos homens, é dele que a devemos esperar”.
Também o Santo Padre Pio XII nos declara, na sua última Encíclica, que ‘com alegria verifica” os progressos da devoção para com o Sagrado Coração de Jesus e o ardor que numerosos espíritos põem em "meditar mais profundamente as Riquezas insondáveis de Cristo conservadas na Igreja”, pois nele está toda a nossa esperança.

2.° As épocas passadas, entretanto tiveram também seus tormentos. A barca de Pedro sempre esteve prestes a sossobrar. Que aconteceu de extraordinário em nossa época, para que o Senhor nos tenha enviado uma Mensagem inédita?
Aconteceu que o século em que vivemos é um século de ferro que, atacando diretamente a virtude de Caridade quer elevar um novo ídolo, não somente o da Ciência, mas o da Força.
Uma propaganda desenfreada tenta convencer os homens de que serão deuses somente com o poder das armas; mas que devem para isso desprezar a caridade que os paralisa, os deprime e os avilta, e precipita povos e indivíduos à decadência. Felizmente, a lei selvagem preconizada pela humanidade moderna não é a lei de Deus, pois seria facílimo ao Onipotente expulsar os homens das terras pacíficas como expulsou, outrora seus primeiros pais do Paraíso e condená-los à carnificina sem fim ou ao inferno. Mas a Força de Deus está no amor aos homens desgarrados. Quer derramar Misericórdia, perdoar-lhes, torná-los felizes. Era o que Josefa Menéndez estava encarregada de lhes repetir na véspera do desastre em que tão profundamente caímos. Por sua boca, fala Jesus às almas que já não creem no Amor. Eis porque repetirá centenas de vezes a mesma palavra: “Vinde a Mim!” “Tende confiança”.
“Eu vos amo”. “Sou Misericórdia”.
Por seu lado, na mesma época e pelas mesmas razões, como eco da Voz de Cristo, lembra nosso Santo Padre que a caridade é a glória suprema e a maior potência do homem: “Se na própria natureza é o amor coisa excelente, fonte da verdadeira amizade, que dizer do Amor celeste; derramado pelo próprio Deus em nossas almas? Deus é caridade e aquele que permanece na Caridade, em Deus permanece e Deus nele” (Jo. IV, 16). Ora esta caridade, segundo a lei por Deus estabelecida tem por efeito fazê-la recair, por uma reciprocidade de amor, sobre nós que o amamos, conforme as seguintes palavras: “Se alguém Me ama, meu Pai também o amará e nós viremos a ele e nele estabeleceremos Morada” (Jo. XIV 23).
É unicamente assim que seremos todos juntos, não somente como deuses — mas um só Deus com file por Cristo Jesus. E é assim que venceremos, não apenas algumas nações, mas o mundo inteiro e mesmo os demônios. Só assim teremos, não apenas a Força do super-homem. mas a do Espírito Santo. “Foi no ardor dessa chama celeste, continua o Santo Padre, que tantos filhos da Igreja se regozijaram de padecer opróbios por Cristo, de tudo afrontar, tudo vencer, até o último sopro de vida e a efusão do próprio sangue.
“Ó admirável condescendência da divina Ternura para conosco! Desígnio inconcebível da imensa Caridade!
Veio a Mensagem em hora crítica, opor-se às seduções de Satanás.
Convida-nos a imitar a Bondade do Salvador pelos pecadores, fracos, feridos, doentes, crianças aos quais teve nosso Salvador Amor particularíssimo.
Repete-nos o ensinamento do Apóstolo cujas palavras o Santo Padre cita: “Os membros do corpo que mais fracos parecem são os mais necessários, e aqueles que julgamos menos honrosos são os que de mais veneração cercamos”, (Cor., XII, 22-23).
“Gravíssima afirmação, acrescenta Pio XII, que, consciente da obrigação imperiosa que presentemente nos incumbe, estimamos dever repetir, enquanto, com profunda aflição, vemos os aleijados, os dementes ou os afetados de doenças hereditárias, como um fardo inoportuno para a sociedade”. Jesus quer que a lei da Caridade governe as relações dos homens entre si e dos homens com Deus.

3.° Eis porque, no momento solene em que, sobre os escombros desta sociedade destruída até os alicerces, renasce nos filhos de Deus a esperança de mais bela, mais feliz e mais sólida civilização, era urgente que viesse Cristo reanimar-nos a fé por meio da ir- mãezinha Josefa. Tínhamos necessidade de ouvir o “Apelo ao Amor”, para nos recordarmos de que a Verdadeira sociedade dos homens deve ser uma “gloriosíssima sociedade de amor” e que entre os povos, deve reinar a FRATERNIDADE CRISTÃ. Aos problemas internacionais, aos problemas sociais tão numerosos, tão diversos, tão complexos, não bastam as soluções de justiça, as quais são obscuras, inextricáveis, frágeis, falazes. Uma única solução há para todas as questões, uma solução que suprime todas as dificuldades: é a fé na Caridade. Poder-se-ia dizer que um único obstáculo se opõe ao entendimento fecundo e feliz' dos operários é patrões, das raças e das pátrias, o egoísmo. E é tão poderoso o egoísmo que não pode ser vencido senão pelo Amor de Cristo e pela união de todos os membros em um só Corpo cuja cabeça é Cristo.
“O amor do divino Esposo, diz-nos Pio XII, de acordo com a Mensagem do Coração de Jesus — estende-se tão amplamente que, sem excluir ninguém, abraça em sua Esposa o gênero humano inteiro. Se nosso Salvador derramou o próprio Sangue, foi a fim de reconciliar com Deus sobre a cruz todos os homens, estivessem embora separados pela nação e pelo sangue, e de os unir em um só corpo”.
E o Santo Padre não receia estender esta Caridade aos próprios inimigos da Igreja.
“O verdadeiro amor... exige também que nos outros homens, ainda não unidos conosco no corpo da Igreja, saibamos reconhecer irmãos de Cristo segundo a carne, chamados conosco à mesma salvação eterna. Sem dúvida, não falta quem, infelizmente, mesmo hoje em dia, exalte orgulhosamente a luta, o ódio, a inveja, como meio de glorificar a dignidade e à Força do homem. Mas nós, que discernimos dolorosamente os lamentáveis frutos dessa doutrina, sigamos a nosso Rei pacífico que nos ensinou não somente a amar aqueles que não pertencem à mesma nação ou à mesma origem. (Luc. IV, 33, 37) mas a amar até aos nossos inimigos (Luc. IV, 27, 35; Mat. V, 44-48).
Impregnando nossa alma com a suave doutrina do Apóstolo das nações, celebremos com ele o comprimento, a largura, a altura e a profundidade do Amor de Cristo (Efésios III-18): — Amor que não podem romper as diversidades de povos e de costumes, que não podem diminuir as imensas extensões do oceano, nem podem desagregar as guerras e as empresas por qualquer causa justa ou injusta”.

4.° Mas a Caridade que reconciliará a todos os homens, até os mais irritados entre si, não pode agir eficazmente senão pelo sangue derramado em espírito de reparação. Um dos pontos essenciais da Mensagem — o mais importante talvez — é o Apelo do Sagrado Coração à colaboração dolorosa com sua Paixão, para completar o que falta aos frutos de seus Sofrimentos.
Por intermédio de Josefa, Jesus volta sempre à necessidade e ao poder de nossa reparação.
“Para salvar uma alma é preciso sofrer muito...
as almas correm à perdição e meu Sangue está perdido para elas! Mas aquelas que Me amam e se imolam como vitimas de reparação, atraem a Misericórdia de Deus. Eis o que salva o mundo!,..
“Glorifica-Me por meu Coração. Apresenta-O como vítima de Amor pelas almas e, de maneira especial, pelas que Me são consagradas. Vive comigo, assim como vivo contigo... Teu sofrimento será o Meu, e Meu sofrimento será o teu. ”
Centenas de palavras semelhantes são ditas a Josefa, como se tal discurso fosse muito fácil de esquecer. Se as considerarmos atentamente as palavras com que Jesus convida a pequena vítima a imolar-se com Ele pelo resgate do mundo, ou pela salvação de certos pecadores dos quais o Sagrado Coração parece tê-la encarregado — estas palavras, que voltam a todo o momento nas divinas confidências, encerram uma doutrina capital que as almas fervorosas nunca meditariam nem divulgariam demasiadamente. Nós não vivemos, não sofremos, não morremos para nós mesmos. Cristo, que é nossa única cabeça, estabeleceu entre todos os membros de seu Corpo, tão estreita e tão profunda solidariedade, tão perfeita “comunicação” de orações e de merecimentos, que nós podemos, se quisermos, aproveitar-nos da redenção de Jesus, e todo homem, por sua vez, pode, se quiser, aproveitar - se do excesso de Misericórdia e de Graças que qualquer Vítima voluntária, unida à única Hóstia do Calvário, tenha obtido por outrem.
Afirmam-se nisto a originalidade, a transcendência do Cristianismo. Ora, o Soberano Pontífice nos ensina a mesma doutrina e nos dá a ouvir as mesmas súplicas prementes. Sua Encíclica sobre o Corpo místico nos recorda, depois da de Pio XI, “Miserentis-simus”, que a reparação é dever urgente, para a salvação das nações cm guerra. Quer que aceitemos caminhar sobre as pegadas sangrentas de nosso Rei, que com ele morramos, para com ele vivermos, que participemos piedosamente, mesmo diariamente se possível, do Sacrifício eucarístico, que aliviemos os infortúnios de tantos indigentes, que dominemos este corpo mortal pela penitência voluntária; em resumo, “que completemos em nossa carne o que falta à Paixão de Cristo para o seu Corpo que é a Igreja”.
“Para o seu Corpo que é a Igreja”, isto é, por todas as almas pecadoras, por tal ou tal alma em particular, pois não há nenhuma que, em razão de nossa mútua dependência, não possa ser revificada, restaurada, salva por aquelas que por ela sofrem em Jesus Cristo.

5.° Na Mensagem do Coração de Jesus e na Encíclica sobre o Corpo místico alia-se, a essa obcessão que deveríamos ter de Reparação, o mesmo pensamento de um recurso constante à Virgem Co-redentora. Impressionante é esta concordância e merece ser recordada como fato altamente significativo.
No trato familiar de Nosso Senhor Jesus Cristo com a sua Esposa, Maria, intervém constantemente para consolar Josefa quando está em desolação para tranquilizá-la quando tem medo, para prepará-la quando se desorienta, para fortificá-la quando se intimida, para encorajá-la quando está abatida com a sua fraqueza, para excitar-lhe a confiança quando o demônio a ataca e, principalmente para ensinar-lhe a segui-La no caminho do Calvário quando ela é instada à compaixão e à reparação.
A Mensagem do Sagrado Corarão, em resumo, nos dá a lição de que a Palavra de Deus não pode frutificar em uma alma humana senão por intermédio da Santíssima Virgem e com seu socorro materno. Em toda ocasião, ã Mediação de Maria é necessária. Ora, o Santo Padre tornou-se eco deste Plano divino; Se, em verdade, tomamos a peito a salvação da universal família humana, resgatada pelo Sangue divino, devemos passar nossos votos pelas mãos da Virgem Mãe." Por muitas razões, podemos ter confiança plena em sua intercessão; Lembremo-nos principalmente de que “foi Ela que, isenta de toda mácula pessoal ou hereditária, sempre estreitamente unida a seu Filho, O apresentou sobre o Gólgota ao Padre Eterno, unindo o holocausto de seus direitos e de seu amor de Mão, qual nova Eva, por todos os filhos de A,dão manchados com o pecado original; assim Aquela que, corporalmente, era Mãe de nossa Cabeça Divina tornou-se espiritualmente Mãe de todos os seus membros, por um novo título de sofrimento e de glória.”
Toma-se-nos muito mais fácil o dever de Reparação, quando somos sustentados pelo exemplo e pela oração da Mãe de Jesus Cristo.

6.° Todos esses ensinamentos que as circunstâncias atuais tomam tão urgentes não os deveriam meditar os Dirigentes e Militantes da Ação Católica? Uma das razões que decidiram o Soberano Pontífice a publicar, aos 29 de junho de 1943, uma Encíclica sobre o “Corpo Místico” — embora a guerra ameaçasse incendiar a Itália e a própria Roma — era que entre os próprios fiéis “circulavam, às vezes, opiniões inexatas ou inteiramente errôneas que arrastavam as inteligências fora da trilha reta da verdade”. Contra tais desvios espirituais devem precaver-se os membros da Ação Católica pois a sublime doutrina do Corpo Místico os une mais estreitamemte a todos os cristãos à hierarquia eclesiástica e ao Soberano Pontífice em pessoa.
Os militantes da Ação Católica, que se compenetrarem profundamente da Mensagem do Sagrado Coração, estarão maravilhosamente preparados para compreender os erros modernos e as verdades doutrinais, as quais a Encíclica pôs verdadeiramente em evidência.
A devoção cada vez mais confiante ao Coração Misericordioso de Jesus, a convicção profunda de que a caridade de Cristo é a fonte de todos os bens espirituais e de que não devemos contar com os nossos próprios méritos nem desesperar de nossas misérias (pois o amor divino explora até nossas faltas para a extensão do seu reino, mas é atado por nossas pretensões orgulhosas), a fé viva no poder construtor da caridade para estabelecer entre todos os homens uma santa Sociedade de Amor — a esperança inconfundível de que um dia tudo o que existe sobre a terra e no céu será conduzido à unidade do Corpo místico, — a força do Espírito Santo que nos leva a cooperar com nossas orações. nossos sacrifícios, nossa penitência, nossa mortificação, nossos esforços desinteressados e generosos na redenção da humanidade culpada, a piedade filial para com a Medianeira de todas as graças, todos estes sentimentos hauridos na meditação das recentes Palavras de Cristo devem preservarmos do falso misticismo que, em vez de humilhar o homem e de glorificar a Criso, concede ao homem “atributos divinos que pertencem a Cristo”, — do “falso quietismo” que entrega unicamente a Cristo a salvação do mundo “excluindo e negligenciando a. cooperação do homem”,
— do “racionalismo” que considera absurdo o que ultrapassa e domina as forças do espírito humano, — do "naturalismo" que baseia a sua confiança na Força jurídica e social da Igreja e da ação humana, e não na divina Assistência do Espírito Santo. — enfim, de todos os sistemas que rebaixam os meios sobrenaturais
— como a oração, a confissão, o sofrimento, a caridade para com os pobres — e que exaltam o poder dos meios de que o homem pode dispor sem ter em conta a comunhão dos santos, e de todos os membros do Corpo místico de Jesus Cristo.
A Mensagem contém, por conseguinte o Antídoto dos ERROS que — segundo os avisos do Santo Padre — mais ameaçam os fiéis. Não nos saltam aos olhos sua oportunidade e sua novidade? Todos os que estão cegos, acerca dos males de nosso tempo perceberão que o “Apelo ao Amor” é muito mais do que uma biografia edificante. Deve, se não formos surdos à Voz de Cristo, marcar data na história da espiritualidade em França e do apostolado católico.
Resta-me confessar os pensamentos secretos que a Mensagem de Soror Josefa Menéndez me sugeriu a respeito do futuro da Sociedade do Sagrado Coração.
Quando a Virgem visitou em Pessoa, a sua prima Isabel, esta não se pôde conter e lançou um grande grito: — “Exclamavit! voce magna!” Bendita sois — disse — entre as mulheres e bendito o fruto de vosso ventre!”
E ela acrescentou as seguintes palavras que foram çomo que “prelúdio do Magnificat”: bem-aventurada aquela que acreditou! porque serão cumpridas as coisas que lhe foram ditas de parte do Senhor.
“Beata quae credidisti, quoniam perficientur ea, quae dicta sunt tibi a Domino”.
Eu carecia certamente de fé se estivesse convencido de que a Mensagem inaugura, para a Sociedade do Sagrado Coração, uma era nova de santidade e de fecundidade apostólica. A vontade de Deus, está claro, por mais liberal que seja, não produz seus efeitos de Misericórdia senão sob condição.
Ê necessário que, primeiro, correspondamos a seus desejos com total generosidade e confiança, se não quisermos que fracassem as suas mais firmes promessas.
Mas, quem hesitaria em realizar do melhor modo possível o Programa divino, traçado com tanto Amor pelo Esposo das Almas, e cujas linhas principais tentei pôr em evidência? Ah! quem não amaria sem medida o Coração que se entregou sem medida?
Sim, estas grandes palavras escritas com letras de fogo na Mensagem:
“DEVOÇÃO AO SAGRADO CORAÇÃO, CARIDADE, BONDADE, CONFIANÇA, ABANDONO DOM TOTAL, HUMILDADE, COMPAIXÃO, REPARAÇÃO, SALVAÇÃO DAS ALMAS, MEDIAÇÃO DE MARIA", como não estariam, gravadas no fundo do Coração de toda religiosa do Sagrado Coração?
Como não haviam de ser praticadas, com heroica fidelidade, estas virtudes que sempre foram as marcas características da Santa Madre Madalena Sofia Barat e de sua família espiritual? A missão da Sociedade do Sagrado Coração, na Igreja e na Ação Católica, depende estreitamente de sua confiança ,no Coração de Jesus e, por conseguinte, da importância que der à sua Mensagem.
Cristo poderia ter-se dirigido às almas por intermédio de uma contemplativa. Preferiu, para melhor atingir seu fim, procurar colaboradoras numa Ordem dedicada à educação das moças. Ninguém julgará que o acaso lhe dirigiu a Eleição. Estou persuadido de que, uma doutrina, uma moral, uma espiritualidade, não poderão penetrar profundamente no corpo e na alma da humanidade se, por meio da educação, as gerações jovens não assimilarem seus fermentos vigorosos. Pois a massa não cresce senão por um fermento. Penso com gratidão imensa na graça que a Sociedade do Sagrado Coração recebeu para formar militantes de Ação Católica e Mães de família, as quais, — neste século de terror diabólico em que as almas estão, ao mesmo tempo, deprimidas pelo temor e exaltadas pela presunção, — terão fé inabalável e vitoriosa no Amor e na Misericórdia de Deus, e haurirão, nesta mesma fé. coragem para resgatar uma multidão de almas por meio de sua união reparadora com o Coração traspassado de Jesus Cristo. A Mensagem é antes de mais ninguém confiada a esta Sociedade. Possa ela não subestimar sua importância atual, mas fazer frutificar a semente até o cêntuplo.
R. Padre Fr. Charmot, S. J.

 

ALGUMAS NOTAS SUPLEMENTARES DE JOSEFA SOBRE O INFERNO

Soror Josefa escreveu muito sobriamente sobre este assunto. Só o fez por obediência e para entrar nos Desígnios de Nosso Senhor, como lhe dissera a Santíssima Virgem, no dia 25 de outubro de 1922:
“Tudo o que ele permite que vejas ou que soíras das penas do inferno é... para que o dês a saber às tuas Madres, sem pensar em ti, mas unicamente na Glória do Coração de Jesus e na salvação de muitas almas.”
Alguns extratos destas notas foram citados na presente biografia (Cap. V: “Entrada nas trevas de Além-túmulo”). Aqui vão muitas outras.
Nota Josefa, em primeiro lugar e frequentemente o maior tormento do inferno: não poder amar.
“Uma das almas danada gritava: — Eis aí meu tormento... querer amar e não mais poder. Não me resta outra coisa senão ódio e desespero.
Se algum de nós, que aqui estamos pudesse fazer um só ato de amor, isto já não seria inferno!... Mas não podemos; nosso alimento é odiar e abominar!” (23 de março de 1922),
É ainda uma dessas desgraçadas almas quem fala:
“O maior tormento aqui, é não poder amar Aquele que devemos odiar. A fome de amor nos consome, mas é tarde demais... Tu também sentirás esta mesma fome: odiar, abominar e desejar a perdição das almas... é este o nosso único desejo!” (26 de março de 1922).
Josefa escreve o seguinte, por obediência, e apesar das repugnâncias de sua humildade:
“Todos estes dias em que sou arrastada ao inferno, quando o demônio ordena aos outros que me martirizem, eles respondem: “Não podemos... seus membros já foram martirizados por Aquele... (designam a Nosso Senhor com uma blasfêmia); então ele manda que me deem enxofre a beber... e respondem:
“Reparei também que, quando eles me acorrentam para me levar ao inferno, nunca podem atar-me pelo lugar em que usei instrumentos de penitência. Tudo isto escrevo para obedecer” (1.0 de abril de 1922).
Também nota Josefa as acusações com que a si mesmas se increpam aquelas almas infelizes. “Alguns rugem pelo martírio que sofrem nas mãos. Penso que que roubaram porque dizem: (Onde está o que tiraste?... Malditas mãos!... Por que aquela ambição de ter o que não era meu, e que não poderia guardar...
senão alguns dias?...”
“Outros acusam as próprias línguas, os próprios olhos... cada um, aquilo que lhe havia sido motivo de pecado: “Bem pagas estão agora as delícias que tomavas, meu corpo!... e foste tu que quiseste!... (2 de abril de 1922).
“Parece que as almas se acusam principalmente de pecados contra a pureza, de roubos, negócios injustos, e que a maioria dos condenados por estas causas é que estão pagando”. (6 de abril, de 1922).
“Vi muita gente do mundo cair naquele abismo e não se pode explicar, nem compreender o grito que lançavam, e como rugiam assustadoramente.
“Eterna maldição!... engajei-me, perdi-me... estou aqui para sempre... não há mais remédio... maldito sejas!”
“Alguns culpavam tal pessoa, outros tal circunstância, e todos, a ocasião da sua própria queda”. (Setembro de 1922).
Hoje, vi cair no inferno grande número de almas, creio que eram pessoas do mundo. O demônio gritava: “Agora, o mundo está em ponto de bala para mim...
Conheço o melhor meio de agarrar as almas!... é excitar nelas desejos de gozar! eis o que me garante a vitória, o que as traz aqui em abundância!” (4 de outubro de 1922).
“Ouvi o demônio ao qual uma alma acabava de escapar, forçado a confessar sua impotência: “Confusão! confusão!... como escapam tantas almas? eram minhas!... (e ele lhes enumera os pecados). Trabalho sem repouso e, entretanto, escapam-me... É que há alguém que sofre e repara por elas!” (1 de janeiro de 1923).
“Na noite passada, não estive no inferno, mas fui carregada para um lugar onde não havia luz, somente um fogo ardente e vermelho no centro. Fui estendida e amarrada, sem poder fazer um só movimento. Em volta de mim, estavam sete ou oito pessoas sem roupa, e os corpos negros eram iluminados apenas pelos reflexos do fogo. Estavam sentados e falavam:
“Dizia um: “É preciso grande precaução a fim de que não conheçam nossa mão, pois somos facilmente descobertos.”
“O demônio respondia: “Podeis entrar pelo sentimento de indiferença... sim, creio que a estes, dissimulando-vos a fim de que não percebam, podereis tomá-los indiferentes ao bem e ao mal e, pouco a pouco, inclinar a sua vontade para o mal. A esses outros, tentai-os com ambições; que só procurem seu próprio interesse... o aumento da fortuna, sem se inquietarem se é ou não legítima. Excitai naqueles o amor do prazer, a sensualidade. Cegue-os o vício! (Então, ele dizia palavras obcenas.)
“Aqueles outros., entrai-lhes, pelo coração... sabeis para onde se inclinam os corações... ide... ide... com firmeza... que eles amem, se apaixonem...
“Trabalhai sem repouso, sem pena, é preciso perder o mundo... não me escapem essas almas!”
“Os outros respondiam, de vez em quando: “Somos teus escravos... trabalharemos sem descanso. Sim, muitos nos combatem, mas nós trabalharemos dia e noite sem trégua. Reconhecemos teu poder... etc.”
“Assim todos falavam e aquele que creio ser o demônio dizia horríveis palavrões. Ouvi ao longe um ruído como que de taças e de copos, e ele gritava:
“Deixai-os embriagarem-se, depois tudo nos será fácil... Acabem seu banquete, já que tanto gostam de gozar... É a porta pela qual entrareis.”
“Acrescentou coisas tão horríveis que não se podem dizer nem escrever. Depois, como que mergulhando na fumaça, desapareceram (3 de fevereiro de 1923).
“O demônio gritava com raiva porque uma alma lhe escapava:
“Excitai-lhe o temor! desesperai-a. Ah! se ela confiar na Misericórdia daquele (e blasfemava de Nosso Senhor) estou perdido! mas não! enchei-a de medo, não a deixeis um só instante e sobretudo desesperai-a.”
“Então, o inferno se encheu com um só grito de raiva e, quando o demônio me lançou fora do abismo, continuou a ameaçar-me. Dizia entre outras cousas:
"Será possível?... será verdade que criaturas fracas tenham mais poder do que eu que sou tão poderoso! Mas esconder-me-ei para passar despercebido!...
o cantinho mais pequeno me basta para colocar uma tentação: atrás de uma orelha, nas folhas de um livro debaixo de uma cama... algumas não fazem caso de mim, mas eu falo, falo... a custa de falar, ficam algumas palavras... Sim, hei de esconder-me em lugar onde não me encontrem” (7-8 de fevereiro de 1923).
Josefa nota ainda, voltando do inferno:
“Vi caírem muitas almas. Entre elas, uma menina de quinze anos que amaldiçoava os próprios pais, porque não lhe haviam ensinado o temor de Deus nem que existia inferno. Dizia que sua vida, embora curta, tinha sido cheia de pecados porque concedera a si mesma todas as satisfações que seu corpo e suas paixões exigiam dela. Acusava-se principalmente de ter lido maus livros” (22 de março de 1923).
Ela escreve ainda: “Certas almas amaldiçoavam a vocação que tinham recebido e à qual não haviam correspondido... a vocação que haviam, perdido, porque não tinham querido viver escondidas e mortificadas” (18 de março de 1922).
“Uma vez em que fui ao inferno, vi muitos padres, religiosos, e religiosas que amaldiçoavam seus Votos, suas Ordens, seus Superiores, e tudo o que teria podido dar-lhes a luz e a graça que haviam perdido...
“Vi também prelados... Um se acusava a si mesmo de ter usado ilegitimamente de bens que não lhe pertenciam” (28 de setembro de 1922).
“Padres amaldiçoavam a própria língua que consagrara, os dedos que tocaram em Nosso Senhor, as absolvições que haviam dado sem saberem salvar-se a si mesmos, a ocasião que os havia levado ao inferno... (6 de abril de 1922).
"Um padre dizia: “Comi veneno, servi-me de dinheiro que me não pertencia...” e se acusava de ter usado o dinheiro que lhe haviam dado para missas, sem as dizer”.
“Outro dizia que pertencia a uma Sociedade secreta na qual traíra a Igreja e a religião e que, por dinheiro, facilitara horríveis sacrilégios e profanações”.
“Um outro dizia que estava condenado por ter assistido a espetáculos profanos, depois dos quais não deveria ter celebrado missa... e de ter assim vivido sete anos”.
Josefa repara que a maioria das almas religiosas mergulhadas no abismo se acusavam de pecados horrendos contra a castidade... pecados contra o Voto de Pobreza... uso ilegítimo de bens da comunidade... de paixões contra a Caridade (invejas, ressentimento, ódio etc.), de desleixo e tibieza... de comodidades que concediam a si mesmas e que arrastavam a pecados mais graves... de más confissões por respeito humano, de faltas de coragem e sinceridade etc....
Eis, finalmente, o texto completo das notas de Soror Josefa sobre “o inferno das almas consagradas".
(Ver biografia cap. VII, 4 de setembro de 1922).
A meditação desse dia era sobre o juízo particular da alma religiosa. Minha alma não podia afastar esse pensamento, apesar da opressão que sentia. De repente, senti-me atada e acabrunhada com tal peso que num instante percebi, com, mais claridade do que nunca, o que é a Santidade de Deus e como Ele aborrece o pecado.
“Vi, como num relâmpago, toda a minha vida diante de mim, desde a minha primeira confissão até o dia de hoje. Tudo estava presente: meus pecados, as graças que recebi no dia da minha entrada em religião, minha Tomada de Hábito, meus votos, as leituras, os exercícios, os conselhos, as palavras todos os socorros da vida religiosa. Não há expressão que possa dizer a confusão terrível que a alma sente nessa hora: “Agora, tudo é inútil, estou perdida para sempre.
Como nas descidas precedentes ao inferno, Josefa não acusa em si pecado algum que tenha podida conduzi-la a tal desgraça. Nosso Senhor só quer que ela experimente as consequências, como se ela própria as tivesse merecido. Continua ele: “Instantaneamente, achei-me no inferno, mas sem ter sido arrastada como das outras vezes. A alma ali se precipita por si mesma, como se desejasse desaparecer da vista de Deus para poder odiá-lo e amaldiçoá-lo!
“A minha alma deixou-se cair num abismo cujo fundo não se pode ver, pois é imenso!... Imediatamente ouvi outras almas se regozijarem vendo-me nos mesmos tormentos. Ouvir aqueles horríveis gritos já é um martírio, mas creio que nada é comparável em dor à sede de maldição que se apodera da alma e, quanto mais maldizemos, mais aumenta a sede. Nunca tinha experimentado aquilo. Outrora, a minha alma ficava cheia de dor diante daquelas horríveis blasfêmias, embora não pudesse produzir nem um ato de amor. Mas hoje, dava-se o contrário! “Vi o inferno como sempre, longos corredores, cavidades fogo... ouvi as mesmas almas a gritar e a blasfemar pois — como já escrevi muitas vezes — embora, não se vejam as formas corporais sentem-se os tormentos, como se os corpos estivessem presentes e as almas se reconhecem. Gritavam: “olá, aqui estás! Como nós!... éramos livres de fazer ou não aqueles votos!... mas agora...” E maldiziam seus Votos.
“Então, fui empurrada para aquele nicho inflamado e esmagada como que entre duas tábuas ardentes, e como se ferros e pontas em brasa se me enfiassem no corpo”.
Aqui, Josefa torna a descrever os múltiplos tormentos que não lhe poupam um só membro. “Senti como se quisessem, sem o conseguir, arrancar-me a língua, tormento que me reduzia a extremos de dor: os olhos pareciam sair-me das órbitas, creio que por causa do fogo que tanto os queimava! Não havia uma só unha que não sofresse horrível tormento. Não se pode nem mover um dedo para buscar alivio, nem mudar de posição, o corpo fica como que achatado e dobrado pelo meio. Os ouvidos são acabrunhados com os tais gritos de confusão que não cessam um instante. Um cheiro nauseabundo e repugnante asfixia e invade tudo; é como se carne em putrefação estivesse queimando com piche e enxofre... mistura que não se pode comparar a coisa alguma deste mundo. Tudo isso senti como das outras vezes e, embora fossem horríveis estes tormentos, nada seriam se a alma não sofresse. Mas sofre de maneira que não se pode descrever.
"Até agora, quando eu descia ao inferno, tinha dor intensa porque pensava ter saído da religião e estar condenada por isso. Mas desta vez, não. Estava no inferno com um sinal especial de religiosa, e de alma conhecida e amada por Deus e via outras almas de religiosas e religiosos que traziam o mesmo sinal.
“Eu não saberia dizer como se reconhece este sinal; talvez porque os outros condenados e os demônios os insultam de modo especial... muitos padres também!
“Não posso explicar o que foi este sofrimento, muito diferente dos que experimentei das outras vezes, pois se o tormento de uma alma do mundo é terrível nada é em comparação com o de uma alma religiosa.
“Sem cessar um instante, as três palavras: Pobreza, Castidade, Obediência se imprimem na alma como um remorso pungente”.
“Pobreza! Eras livre e prometeste! Por que então procuraste aquele bem-estar?
“— Por que ficaste apegada àquele objeto que não era teu? — Por que deste aquela comodidade a teu corpo? — por que tomaste aquela liberdade de dispor de coisas que eram bens da Comunidade? — Não sabias que não tinhas mais direito algum de possuir? que a isso havias renunciado livremente? Por que aqueles murmúrios, quando alguma coisa te faltava ou parecias menos bem tratada do que outras? Por que?
“— Castidade! Tu própria fizeste este Voto, livremente, e com plena consciência do que exigia...
Tu própria impuseste a ti mesma essa obrigação...
Tu mesma a quiseste. E depois como a guardaste?
Por que, então, não teres ficado num estado em que pudesses conceder a ti mesma gozos e prazeres?”
“E a alma responde, sem cessar, com inexprimível tortura:
“— Sim, fiz esse voto e era livre... poderia não o ter feito, mas eu própria o fiz e era livre”. “Não há palavras que exprimam o martírio desse remorso — escreve Josefa — junto aos insultos dos outros condenados”. E continua:
“— Obediência! Tu mesma tomaste a obrigação de obedecer à tua Regra, aos teus Superiores, livremente. Então, por que julgavas o que te ordenavam?
Por que desobedecias à voz do regulamento? Por que dispensavas a ti mesma de tal obrigação da vida comum? Lembra-te da suavidade da tua Regra... e não a quiseste... E agora rugem as vozes infernais, deves obedecer-nos a nós e não por um dia, não por um ano, não por um século... mas para sempre... para a eternidade... Foste tu que o quiseste: eras livre!"
"A alma lembra-se sem cessar, que havia escolhido a seu Deus por Esposo, que O amava acima de tudo... que por Ele havia renunciado aos mais legítimos prazeres e a tudo o que tinha de mais caro no mundo, que no começo da vida religiosa saboreara as doçuras, a Força e a pureza daquele Amor divino, agora, por uma paixão desordenada... tem que odiar eternamente, esse Deus que a elegera para amá-Lo!
“Essa necessidade de odiar é uma sede que a consome. Nem uma recordação que lhe possa dar o mais pequeno alivio. “Um dos maiores tormentos — acrescenta Josefa — é a vergonha que a envolve...
Parece que todas as almas danadas que a cercam lhe gritam, sem cessar:
“Que nós nos tenhamos perdido, nós que não tínhamos os mesmos socorros que tu, que há de extraordinário?... Mas tu! Que te faltava? Tu que vivias no Palácio do Rei... tu que comias à Mesa dos eleitos”. “Tudo o que estou escrevendo — conclui ela — não é senão uma sombra ao lado do que a alma sofre, pois não há palavras que possam exprimir tormento semelhante”. (4 de setembro de 1922).

 

NOTAS SUPLEMENTARES

OS ENSINAMENTOS DO PURGATÓRIO

Josefa nunca desceu ao purgatório, mas viu e ouviu numerosas almas vindo pedir-lhe orações e algumas dizendo que, graças aos seus sofrimentos, haviam escapado ao inferno. Essas almas, em geral, acusavam-se humildemente das causas de sua estada no purgatório (Ver bibliografia cap. V “Entrada na trevas de Além-Túmulo”)
Acrescentamos aqui alguns pormenores: “Eu tinha vocação e perdi-a com uma leitura má. Tinha também desprezado e arrancado meu escapulário”.
(27 de julho de 1921).
“Estava eu mergulhada em grande vaidade e prestes a me casar. Nosso Senhor se serviu de um meio muito duro para me fechar as portas do inferno”.
(10 de abril de 1921).
“Minha vida religiosa foi longa, mas passei os meus últimos anos a cuidar de mim e a me satisfazer mais do que a amar a Nosso Senhor. Graças aos méritos de um sacrifício que tu fizeste, pude morrer com fervor e é ainda por causa de ti que não estou no purgatório por longos anos, como o merecia. O importante não é a entrada na religião mas a entrada na eternidade”. (7 de abril de 1922).
“— Estou no purgatório há um ano e três meses.
Sem teus pequenos atos, eu ainda lá ficaria durante longos anos. As pessoas do mundo têm menos responsabilidades do que as almas religiosas. Quantas graças recebem estas, e que responsabilidade se não as aproveitarem!... As religiosas mal sabem como as faltas são aqui expiadas!... A língua horrivelmente atormentada expia faltas ao silêncio, a garganta ressecada expia faltas contra a caridade, e a sujeição desta prisão, as repugnâncias em obedecer... Na minha Ordem, há pouco gozo e pouca comodidade, mas a gente pode sempre chegar a arranjar alguma suavização... e como é preciso expiar, aqui, a menor falta de mortificação!... Reter os olhos para evitar uma pequena curiosidade, custa às vezes grande esforço... e aqui... os olhos são atormentados com a impossibilidade de ver a Deus!” (10 de abril de 1622).
“— Uma outra alma religiosa se acusa de faltas de caridade e de murmurações por ocasião da eleição de uma de suas Superioras”. (12 de abril de 1922).
“ ... Estive no purgatório até agora... porque durante a minha vida religiosa falei muito e com pouca discrição. Comunicava a miúdo minhas impressões e minhas queixas e essas comunicações foram, para várias de minhas Irmãs de hábito, causa de muitas faltas de caridade.
“— Aproveite-se bem desta lição — acrescentava a Santíssima Virgem, presente à aparição — porque há muitas almas que caem nesse escolho”.
E Nosso Senhor sublinhava ainda esse grave aviso com as seguintes palavras:
“Esta alma está no purgatório por causa de faltas de silêncio, pois este gênero de faltas arrasta muitas outras; primeiramente, falta-se à Regra; em segundo lugar, há frequentemente, nessas faltas, pecados contra a caridade ou o espírito religioso, procura de satisfação pessoal, desabafos de coração que não convém às almas religiosas, e isto tudo sem contar que não somente a própria pessoa é culpada, mas arrasta consigo uma, ou várias outras. Eis porque está essa alma no purgatório e se consome em desejos de se aproximar de Mim”. (22 de fevereiro de 1922).
“— Estou no purgatório, porque não tive bastante cuidado com as almas que Deus me havia confiado, não sabia bastante o que valem as almas e que dedicação exige tão precioso depósito". (19 de agosto de 1922).
“— Estive no purgatório um pouco menos de hora e meia, para expiar algumas faltas de confiança em Deus. E verdade que sempre O amei muito, mas com certo temor. É verdade também que o julgamento de uma alma religiosa, é rigoroso porque não é nosso Esposo, mas nosso Deus que nos julga. Entretanto, é preciso, durante a vida, imensa confiança em sua misericórdia e crer que ele é bom para nós... quantas graças perdem as almas religiosas que não têm bastante confiança nele”. (Setembro de 1922).
Estou no purgatório, porque não soube tratar as almas que Jesus me confiou com o cuidado que mereciam... Deixei-me levar por sentimentos humanos e naturais sem ver Deus nas almas que me eram confiadas, como o devem sempre os Superiores; pois, se é verdade que toda religiosa deve ver, em sua Superiora, Deus Nosso Senhor, a Superiora também deve vê-Lo em suas filhas...”
“— Obrigada a vós que contribuistes para me livrar das penas do purgatório...”
“— Ah! se as religiosas soubessem até onde pode conduzir um movimento desregrado... como trabalhariam para dominar sua natureza e domar suas paixões”. (Abril de 1923).
“— Meu purgatório será longo, pois não aceitei a Vontade de Deus, nem fiz o sacrifício da minha vida com resignação bastante, durante a doença.
“A doença é uma grande graça de purificação, é verdade, mas se não nos acautelamos, pode também ser ocasião de nos afastarmos do espírito religioso...
de esquecermos que fizemos Voto de Pobreza. Castidade e Obediência, e que fomos consagradas a Deus como vítimas. Nosso Senhor é todo Amor, sim, mas também todo Justiça!” (Novembro de 1923).