A segunda vinda de Jesus Cristo

Pe. Julio Maria espiritualidade

Pe. Júlio Maria mostra que estamos vivendo no fim dos tempos!

PADRE JÚLIO MARIA, C. SS. R.

A segunda vinda de Jesus Cristo

NIHIL OBSTAT
P. C. Semadini, S. J.

IMPRIMATUR

Rio, 13 de Abril de 1913.
Por comissão de sua Excelência
SEBASTIÂO, Bispo Auxiliar.


DUAS PALAVRAS


O trabalho, que se vai ler, saído dos lábios e do coração do grande Redentorista brasileiro que foi o Padre Julio Maria, inaugura a Coleção Cristo Redentor, dentro da qual é nosso pensamento colocoar todas as obras do saudoso orador sacro. Move-nos com isso o desejo, não só de homenagem à memória de um dos maiores vultos que nestes últimos quarenta anos passaram pelo pulpito brasileiro, como também o dever de vulgarizar o mais possível a doutrina da Igreja em palavras e expressões de toda acessíveis à inteligência das mais humildes camadas.
Estamos numa época da vida nacional e da história universal em que se faz mister esclarecer os espíritos e suavizar os corações por meio de uma pregação oportuna e importuna. O Padre Julio Maria foi, na história contemporânea do Brasil, a tuba mais potente e sonora em prol da cristianização da nossa Pátria.
Que "A Segunda Vinda de Jesus Cristo" faça meditar no horror de responsabilidades que nos pesam no sentido de em terras brasileiras se recolocar a Cruz de Jesus Cristo, daqui e dacolá arrancada pela "unificação material" e a "dissolução moral" do mundo, num infernal esforço para que o Anticristo proclame o seu triunfo.

Soares D'Azevedo

 

I

COMO FOI A VIRGEM QUEM REALIZOU E SATISFEZ A ESPERANÇA UNIVERSAL DA PRIMEIRA VINDA DE JESUS CRISTO

“Eu vi e ouvi a voz de uma águia que voava pelo meio do céu, exclamando em brados: Ai! ai! ai! dos habitantes da terra!…
“Et vidi, et audivi vocem unius aquila volantis per medium cali, dicentis voce magna: Va, va, va habitantibus in terra.”
(Apoc. VIII, 13)

O céu que, na visão magnifica do Apocalipse, o discípulo que Jesus tanto amava, viu desdobrar-se diante dos seus olhos, repleto de estrelas uma das quais é um farol destinado a esclarecer a vista do mundo. Esse céu estrelado de verdade é a Igreja. A águia, que João viu voando pelo céu iluminado, é o padre, o pregador católico, cujos brados na derradeira época humana são ao mesmo tempo avisos da Misericórdia e imprecações da Justiça.
Ai! dos habitantes da terra, porque os domina hoje a ambição do gozo, levada aos mais lamentáveis excessos!
Ai! dos habitantes da terra, porque os impele a ambição da riqueza, numa avidez sempre maior e nunca satisfeita!
Ai! dos habitantes da terra, porque em todas as partes do mundo os fascina e atordoa a ambição das posições, o prurido do mando, a vanglória das dignidades!
Ai! ai! ai! dos habitantes da terra, em nenhuma das outras épocas da humanidade mais subjugados, mais escravizados do que hoje pelas três concupiscências: a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e o orgulho da vida.
Da concupiscência da carne, — a luxuria, a imodéstia dos sentidos, o desregramento dos costumes, a virgindade imperfeita de tantos corpos, a nenhuma virgindade de tantas almas, o sensualismo com todo o seu cortejo de males, da concupiscência dos olhos, — o amor das frivolidades mundanas, o apego excessivo aos bens terrestres, os excessos da atividade humana, a dissipação, a curiosidade, a falta de discernimento nos próprios atos da caridade, a falta de discrição no próprio zelo cristão. Do orgulho da vida, — o egoismo, a estima exagerada de si próprio, o falso culto da honra, a susceptibilidade, a altivez, a ambição, o desprezo do próximo, a resistência às leis da Igreja, a violação de todos os deveres divinos.
É inútil negar; à proporção que a sociedade perdeu de vista o ideal católico, tudo se corrompeu, tudo se prostituiu; a aspiração do homem tornou-se  o gozo, a riqueza, o prazer e o bem-estar, Littre faz disto uma nobre confissão, reconhecendo e proclamando que nem o principio de legitimidade, nem o da soberania popular, nem o do equilíbrio internacional, nem o da solidariedade da indústria  e do comércio, sucessivamente propostos desde a Renascença ao governo da sociedade moderna, conseguiram firmar a justiça, a paz e a ordem. O principio de legitimidade produziu o despotismo dos reis; o da soberania popular, a anarquia das nações; o do equilíbrio internacional, as mais audaciosas e criminosas conquistas territoriais; o da solidariedade da industria e do comércio, esse excesso de vida material, esse enorme desequilíbrio na vida moderna entre o físico e o moral do homem, esse medonho industrialismo, que os mais insuspeitos pensadores profligam e condenam, ou na crítica histórica como Taine; ou na economia politica, como Leroy Beaulieu; ou na eloquência, como Castelar; ou na poesia, como Vitor Hugo; lamentando todos que o amor da riqueza, a fome dos prazeres, o culto do dinheiro, a idolatria do progresso material, a barbárie da civilização tenham identificado no homem moderno o espirito com a matéria e substituído completamente pelas maravilhas da industria as maravilhas muito mais preciosas da alma humana.
Vede, dizem, a grandeza material da época moderna nos seus variadíssimos progressos!
Não; ninguém os contesta. Mas de que servem tantas industrias, tantas fábricas colossais, tantos navios enormes, se no centro mesmo de tão excessiva civilização material vemos o homem abatido, enfraquecido, vilipendiado por uma falsa ciência que nega a sua origem divina; por uma arte que o prostitui, dignificando a luxúria; por uma industria que o absorve, reduzindo-o a uma simples máquina, sem alma, sem coração, sem deveres para com Deus; por uma politica que o degrada, animalizando as nações, trucidando a liberdade e repudiando todos os laços do Estado com a Religião?!
De que serve ao homem, ser duplo e misto, que tem corpo, mas também tem alma; que tem necessidades sensíveis e terrestres, mas também tem sede de justiça, de amor e de felicidade; de que lhe serve, quanto à virtude, semelhante civilização?
E como pode ela fazê-lo feliz?
Feliz o homem moderno?! Percorrei o mundo; batei a todas as portas, desde a choupana até o palácio; perguntai ao homem moderno se ele é feliz; e o homem moderno, mesmo na febre dos negócios, no gozo das riquezas, no tumulto dos prazeres, vos responderá: “Não, não sou feliz!...”
A sociedade moderna, escreveu o mais racionalista e anti-cristão dos escritores alemães, a sociedade moderna é um imenso hospital, cujos doentes enchem a atmosfera com gemidos dolorosos.
Por toda a parte, rumores sinistros, desordens, combates, opressões brutais. O socialismo, os partidos políticos, a barbárie da Rússia, a corrupção moral das administrações públicas, a dinamite, o niilismo, a inércia dos homens de Estado, a questão operária, a decadência do regime parlamentar, o embrutecimento das massas, a opressão dos governos, a anarquia, o descontentamento das nações, o pessimismo, o ceticismo na literatura e na arte, na filosofia e na ciência, o realismo, a imbecilidade moral, o homem moribundo e a sociedade agonizante!
Quem assim pensa? Max Nordau!
Um padre católico, neste assunto, não proclamaria melhor a verdade sobre a nossa época; e, sob o ponto de vista de decadência moral, que época histórica sobrepuja a nossa?
A humanidade, é certo, já sofreu uma crise deste gênero; e foi justamente quando Jesus Cristo estava prestes a realizar a sua primeira vinda. Dir-se-ia que para o Criador não havia então lugar na criação. Os maiores excessos,e os erros mais monstruosos enchiam o mundo, onde preponderavam contra a verdade Divina, nas vésperas de sua maior e mais estupenda revelação, a politica de Roma, a filosofia da Grécia, as aberrações do judaísmo e a barbárie desses próprios povos asiáticos, destinados a serem o berço da sociedade moderna. Quer voltemos os olhos para a cidade que domina e abrange o mundo com suas colônias, seus exércitos, seu colossal império material; quer apliquemos o espirito aos sistemas filosóficos da antiga rainha da inteligência e do pensamento; quer contemplemos as lutas estereis da Judeia, ou o movimento bélico das nações asiáticas, por toda a parte ignorância, indiferença pelas coisas divinas, apenas uma sombra de verdade desfigurada.
Entretanto, ou havemos de negar a história da humanidade anterior a Jesus Cristo, isto é, quarenta seculos; ou havemos de afirmar o messianismo, isto é, a esperança que tinha a humanidade do seu libertador. Essa esperança sobrenada no oceano de tantos desvarios, tantos erros, tantos pecados.
Todos os historiadores dão testemunho de que, mesmo nessa época de tamanha decadência, Deus era desejado e esperado!
Não é somente a magnífica psalmodia de David; não é somente a profecia inspirada dos tribunos de Israel; é também a filosofia; é também a poesia; são também as elevações de Plato e os versos de Virgílio que conservam no mundo a esperança messiânica e saúdam de longe o Messias libertador.
A decadência moral, portanto, no paganismo, sob certo ponto de vista, não chegou como a da nossa época, ao extremo da zombaria e do escarnio, com que são recebidas as almas que desejam e que esperam um novo aparecimento de Deus no mundo.
Mas, deixemos para ocasião oportuna a análise, a crítica, a psicologia dessa zombaria e desse escarnio, de que não estão isentos muitos católicos e indígenas, e indaguemos donde procedia a grande esperança.
A queda, isto é, o pecado original é o primeiro mistério histórico do gênero humano, a quem a Igreja ensina que, em consequência desse pecado, o homem nasce com uma natureza viciada e inclinada ao mal. O pecado original, verdade cuja obliteração na sociedade moderna um grande sociólogo, Le Play, demonstrou ser a causa originaria de todos os seus descalabros, nado só na educação e na família, mas também na politica, na administração e no governo; o pecado original não é somente um dogma; é um fato, verificado pelo sentimento intimo do homem e pela manifestação exterior da natureza humana no teatro da história, onde, dentre todos os outros, resumindo-os em dupla de magnifica síntese, avultam dois personagens típicos e originais: — Adão e Jesus Cristo.
Desde Adão, após a queda, a promessa messiânica foi feita à humanidade, a quem Deus mostrou numa futura descendência o inimigo vencido.
Para depositário dessa grande promessa, cuja tradição atravessa todas as gerações, Deus forma um povo encarregado de a guardar e preservar. Os mitos, é certo, a desfiguram; a tradição messiânica se corrompe; mas o povo judeu mostra-a sempre a todos os povos, com o seu duplo caráter de recordação e de esperança; recordação de uma grande catástrofe, — o pecado original; esperança oriunda de uma grande promessa, — a redenção, a qual se efetuaria, tornando-se o Deus dos Judeus o Deus de todo o universo, e operando-se a grande revolução por intermédio de um homem que seria judeu, da casa de David, e que não era senão o Messias, o desejado, o esperado, a expectativa universal: expecta tio omnium gentium.
Deus, que o tinha prometido, para que a humanidade, por uma triste experiência, reconhecesse a necessidade que tinha de un libertador, permitiu que os desvarios da filosofia na Grécia, as loucuras da politica em Roma, os erros e humilhações do próprio povo escolhido, chegassem ao ponto de provar que só a misericórdia divina podia ser remédio a suprema miséria do mundo, miséria em que, entretanto, não naufragou nunca completamente esta divina trilogia histórica: — a queda, a promessa, a esperança.
Como se realizou e satisfez esta esperança?
Na Virgem Maria e pela Virgem Maria.
Ela não é somente a mulher-tipo, na qual se resumem todas as condições, todos os estados da mulher regenerada pelo Verbo. Ela é também o centro de todo o plano divino; é o elo que prende, coordena, harmoniza e torna explicáveis à nossa inteligência e mais do que tudo ao nosso coração as grandes misericórdias de Deus, já na criação, já na redenção, já na santificação dos homens.
Mas, por que motivo do plano da redenção decorrem para a Virgem, que é a mulher-tipo, tantas e tão extraordinárias prerrogativas?
Porque tanto na ordem da criação, como na da redenção, a mulher representa um papel essencial; e, criada como foi a nossa natureza, não a encarando na parte inferior dos sentidos, mas nas suas tendencias mais elevadas e necessidades mais delicadas, ela não se compreende sem essa dualidade, em que Deus dividiu o gênero humano: homem e mulher. O homem da natureza reclamava na ordem da criação um adjutório semelhante, que Deus lhe deu; o homem da graça precisava também, na ordem da redenção, de um adjutório igual, que Deus não lhe negou. Aliás, a Providencia Divina tinha muitas outras e variadas razões para reunir, consorciar, identificar o homem e a mulher na ordem da redenção: razão teológica, razão providencial, razão histórica, razão moral.
Razão teológica, porque criada para sócia, amiga, companheira do homem, a harmonia do plano divino pedia que, na ordem da redenção, Deus não "separasse aquilo que Ele próprio tinha unido, Razão “providencial, porque, tendo o homem e a mulher sido "ambos atores na tragédia da queda, era conveniente que homem e mulher fossem ambos atores na obra da reparação; sendo o inimigo vencido pela mulher, isto é, pela mesma arma com que ele vencera" o primeiro homem.
Razão histórica, porque em todos "os países a mulher esteve escravizada pelo homem aviltada nos códigos, nas leis, nos usos e costumes; tao degradada como esposa, como mãe, como filha, que ela podia com verdade dizer pela boca de Medea na tragédia de Eurípedes: “de todos os seres vivos eu sou o mais infeliz; não me resta senão morrer”. Assim sendo, convinha que ela fosse reabilitada.
Razão moral, porque, se aviltar a mulher é aviltar a família e a sociedade, dignificá-la e reabilitá-la é, pela influencia que ela exerce, enobrecer a humanidade no lar e na pátria.
Razões estas grandes e belas! mas as quais uma outra ainda se pode acrescentar. É certo que, no fundo, a Encarnação honra o homem e a mulher, tendo ambos os sexos, sob esse ponto de vista, honra igual, podendo-se exclamar com o apóstolo: “Não há mais Judeu nem bárbaro, nem cita nem romano; não há mais livre, nem escravo; nem homem nem mulher; são todos um em Jesus Cristo”
No fundo é assim, mas no modo de sua realização a Encarnação honrou de modo especial o sexo masculino, porque foi desse sexo que o Verbo se revestiu de carne: honra tão grande que Deus quis fosse contrabalanceada, fazendo que tal honra o homem a devesse à própria mulher, representada na Virgem Maria, instrumento voluntário da Encarnação, cujo plano Deus fez dependente do prévio consentimento da Virgem.*
A maternidade divina é peculiar à Virgem Maria; mas a honra e fulgor desse privilégio estupendo dignifica e enobrece todo o sexo feminino, porque dele resultou a reabilitação universal da mulher.
Onde e como começou essa reabilitação?
Começou nesse episodio sublime da historia da humanidade, que três vezes por dia os sinos da cristandade lembram ao universo. Começou no mistério inicial da Encarnação, esse que quotidianamente o Angelus recorda, como que nos convidando a meditar a grandeza, a beleza e a lição do mistério.
O Angelus! Um simples dialogo, mas um diálogo em que se decidem os destinos do homem e dos povos; um dialogo, em que Deus pela boca de um Anjo propõe e a humanidade pela boca de uma Virgem aceita o contrato da salvação! Mas não é somente a representação fulgurante de todo o gênero humano o que nós contemplamos na personalidade da Virgem. Em face dela, por assim dizer, estão os gemidos, as lágrimas, as aspirações universais de quarenta seculos. Em face dela, a esperança messiânica, que começou no Paraíso e foi se colocar na pequena casa de Nazaré, como que pede, roga, suplica a sua realização, que sé se consuma quando a Virgem, flor da humanidade, honra da nossa raça, gloria de todos os seculos, aceita e responde: Ecce ancilla Domini!... Fiat!...
Sendo certo que Deus se fez homem, mas com o consentimento da Virgem; que se fez nosso Redentor, mas solicitando e recebendo da Virgem a carne e o sangue com que tinha de aparecer entre nós; certo é por isso mesmo que foi a Virgem quem realizou e satisfez a esperança universal da primeira vinda de Jesus Cristo.
Vós todos que tantas vezes, nas ruas e praças, como nos vossos lares e no seio mesmo das vossas famílias, ouvis, mas sem nenhuma emoção e sem nenhum sinal de reverencia, tocar o Angelus, refleti que os fatos que o Angelus comemora não são fantasias da piedade; são as mais belas e inefáveis verdades da história: o resgate do homem pelo Verbo, a conquista de sua salvação pelo Messias, a glorificação do gênero humano pela Virgem Maria!

 

II

COMO JESUS CRISTO APARECENDO SE REVELOU, NÃO SÓ O MESSIAS ESPERADO E QUE VINHA RESGATAR AS ALMAS, MAS TAMBÉM O JUIZ, QUE DEVE VOLTAR PARA JULGAR O MUNDO.

Ai dos habitantes da terra, porque por toda a parte domina presentemente o orgulho das inteligências.
Todos se julgam competentes e habilitados para todas as coisas; todos se pretendem capazes de julgar e decidir os mais árduos problemas da alma e das sociedades humanas. Não há quem ou no livros ou no jornal, ou na cátedra não pretenda proferir a ultima palavra sobre os homens e as coisas.
Em tal orgulho das inteligências não ha senão o culto do Eu e a apoteose do homem pelo homem, a idolatria que, recusando-se a adoração de Deus, adora, entretanto, com burlescas liturgias de chamadas religiões sociológicas, a própria humanidade com seus vícios, suas paixões, suas tendências para o que é vil e abjeto.
Não; não há negar; o orgulho da inteligência, pavoroso mal da nossa época é a maior aberração da própria inteligência, toda a forca da inteligencia esta no bom senso; e o bom senso prescreve ao homem a humildade, que não é, como se pensa, uma virtude sem brilho e sem glória, mas é verdadeiramente a mais elevada e a mais bela das percepções da razão.
O homem é uma criatura, que nasce e morre sem para isso ser consultado, pagando enquanto vivo, ao pó da terra, o real tributo de uma aparente dominação. Esta dominação não o exime nem as existências da matéria bruta; nem à necessidade, para viver, dos animais, dos minerais e dos vegetais; nem à condição incontestável de simples usufrutuário do globo, que ele não fez e cujo proprietário é evidentemente o Criador. Esta palavra, entretanto, Criador é presentemente, para uma multidão de espíritos, um nome abstrato, para significar somente que não somos eternos; é a forma masculina da expressão criação. Nos livros de moral, ciência, filosofia, politica, fala-se às vezes de Criador, mas isso de um modo vago, sem que se reconheça o Criador como um ser pessoal e vivo.
Deus como pessoa é questão de que os orgulhosos de inteligência não se ocupam; sendo que até mesmo nas ciências naturais a origem da matéria, os seus elementos moleculares, as revoluções dos corpos celestes, tudo isso é estudado e explicado numa multidão de livros com um ateísmo singular e nunca visto noutras épocas da humanidade.
O maior castigo deste orgulho da inteligencia é divorciar-se do bom senso universal, não só no que diz respeito ao mundo físico, como principalmente no que diz respeito ao mundo religioso, onde o tal orgulho intelectual, que é, depois do dinheiro, o maior déspota desta geração, não tolera os dogmas, isto é, as verdades fundamentais do espirito humano, nem mesmo aqueles que em todos os séculos foram  patrimônio sagrado da humanidade.
Para se dar um exemplo da repugnância pelos dogmas, seja este — o da eternidade das penas.
Crença verdadeiramente universal, ela tem por si, não só os ensinos da Igreja, mas a historia, a filosofia da historia, a crítica histórica, a psicologia, a metafísica, a moral, o direito criminal, o direito natural, os atributos de Deus e a economia inteira da redenção. A historia o mostra: a eternidade das penas, isto é, o castigo eterno para o pecador que morre impenitente e sem ter se reconciliado com Deus não é crença somente dos povos cristãos, mas de todos os povos antigos e modernos, judeus ou gentios, bárbaros ou civilizados. A filosofia da história diz uma crença universal exige uma causa universal, e esta é necessariamente a Revelação. A crítica histórica pondera: uma pena que fulmina o homem nas suas paixões não podia ser inventada pelo próprio homem. A metafisica ensina, há necessariamente para todas as coisas, exceto para Deus, um princípio e uma conclusão, sendo que esta, para a felicidade ou para a desgraça final do homem, não pode deixar de ser eterna. A Moral preceitua: assim como duas paralelas não se podem encontrar, assim também não é possível que o bem e o mal, que a virtude e o pecado cheguem ao mesmo fim. Alias, o Direito Natural ensina que somos livres, e Deus não há de forçar à felicidade eterna o homem que não a quer obter.
O Direito Criminal não mede nunca a pena pelo tempo gasto na perpetração do delito, mas, quanto possível, pela intensão do criminoso; não se pondendo, pois, alegar falta de proporção entre o pecado, ato de alguns momentos na terra, e o inferno, castigo eterno, que o pecador só recebe, depois de verificada por Deus a malícia de sua intenção e a infinidade dessa malícia.
Nem Deus poderia recompensar eternamente, se não pudesse também punir eternamente; nem Jesus Cristo seria nosso redentor, porque não nos tendo redimido de nenhum dos males da vida — as enfermidades, as dores, a pobreza, a morte — foi justamente do inferno que veio eximir-nos, oferecendo a todos nós o remédio do seu resgate que, sendo, como é, um remédio de preço infinito, supõe um mal infinito.
Vede!.. ao dogma magnífico da eternidade das penas não faltam razões colossais, argumentos irrespondíveis; mas, na nossa época, os orgulho das inteligências não o aceita e, quando de todo o não pode destruir com a logica, recorre, numa falsa sensibilidade para a misericórdia de Deus que ele aliás não reconhece; como se a misericórdia de Deus excluísse a sua justiça; como se, para Deus — "ser bom e compassivo, fosse mistér ser fraco e imbecil, não tendo senão pelo meio o poder de punir, e galardoando afinal com a mesma ventura eterna o que se humilha, confessando o seu pecado, é o que se exalta cada vez mais no seu orgulho intelectual.
Este orgulho intelectual porém, é justo reconhecê-lo não procede somente da vontade mas também da ignorância.
Os intelectuais de que se trata não tem absolutamente nem a noção do cristianismo histórico, nem a ideia do papel que Jesus Cristo representa na história.
Ignoram que o cristianismo é uma religião essencialmente histórica e não, como supõem, um sistema filosófico, uma teoria humanitária, ou uma abstração teológica. Ignoram que o cristianismo é todo histórico, tanto no fundo como na forma; que o caráter inefável desta religião é ser histórico; que os seus dogmas são fatos; o seu Credo, um complexo de fatos; os seus apóstolos testemunhas dos fatos, o seu longo e belo martiriologio não é senão o sangue derramado para comprovação de fatos.
Ignoram, outrosim, que Jesus Cristo é a grande, a maior figura da história, de tal sorte que a história é incompreensível sem Ele; porque Ele sempre existiu como Deus na história; e como Deus sobrevive na historia.
Quarenta séculos o esperaram; vinte séculos o adoraram, Uma de duas: ou não se aceita a divindade de Jesus Cristo, enorme absurdo, porque Ele nasceu, viveu, falou, morreu, ressuscitou, sendo Pessoa Divina; ou se aceita, e então não se pode recusar, como o faz a falsa sensibilidade moderna, o castigo eterno, a eternidade das penas, o inferno.
Não! não se pode recusá-lo, porque o mesmo Cristo, que prometeu ao homem a felicidade eterna, ameaçou ao homem com a privação dessa felicidade, que é a eterna desgraça. O Cristo da história é outro muito diferente desse que é de moda nos idílios, folhetins, nos artigos frívolos de jornais na semana santa, Descrevê-lo meigo e terno, sem mostrar conhecimento do seu valor, da sua força, da virilidade divina do seu caráter sem revelar a consciência de que Ele é o Homem-Deus, oferecendo ao pecador a misericórdia, mas, para eximi-lo de sua justiça, — é não ter a noção exata do Messias.
Pois bem; seja João Batista, o Precursor, quem dá a noção exata do Messias.
João Batista aparece no momento mais crítico da vida de Israel. O seu país está perturbado pelos partidos, curvado sob o jugo pagão, desorientado pelas paixões e preconceitos. Era tristíssimo o estado da Judeia, profunda a sua decadência política, civil e religiosa, e tão obliterados os sofrimentos que, supondo aspirar liberdade de que o despotismo romano a tinha despojado, de fato não queria senão a escravidão.
Como todos os povos corrompidos e que não o reconhecem nas suas calamidades e misérias o Justo castigo de seus pecados, o povo judeu, volve-se para todos os lados, a procura da salvação; não atina, porém, com o verdadeiro caminho por onde deve seguir.
Repudia sua vocação nacional! o espírito público se enfraqueceu as classes sociais se desmoralizaram, o lar está prostituído; o sacerdócio está aviltado o Templo profanado, o libertador que ele deseja já não é o Messias; é um general forte e poderoso, que, com a espada desembainhada, subJugue Roma e restitua à Judeia a liberdade perdida, Triste; sem dúvida, mas esta é a sorte de todos os povos que apostatam da fé e repudiaram Deus. Esta foi a sorte do povo Judeu, para recurso do qual, entretanto, na sua divina compaixão, Deus lhe envia, para preparar os caminhos do Messias, um profeta singular, predestinado a revelar à sua Pátria os pensamentos e os desígnios divinos.
João Batista é austero; é reto; é nobre; é eloquente. Tem a paixão da justiça e a intrepidez da sua vocação. É da raça dos profetas, e o maior de todos. O mal o contrista e enche de indignação. Não faz milagres, mas a sua vida inteira é um milagre. Verbera os grandes e não adula os fortes. Prega, e a sua pregação é eloquente e sublime, pois que diz à sua pátria a palavra que convém às nações corrompidas: ”Fazei penitencia!...”
Há, na vida de João Batista, em relação ao Messias, um tríplice e magnífico testemunho, expressado como que em três brados divinos da sua palavra ardente e arrebatadora. No primeiro brado, ele anuncia ”Alguém mais poderoso do que eu”. No segundo brado, diz á multidão, referindo—se ao Messias: "Ele está no meio de nós”. No terceiro brado, cercado de discípulos afirma, apontando Jesus Cristo ”Eis o cordeiro de Deus: eis aquele que tira o pecado do mundo”.
Mas, que noção João Batista nos deu do Messias? Lede os Evangelhos; e verificareis que João Batista, o Anjo enviado para preparar os caminhos a Jesus Cristo, não pregou este somente como Salvador.
Pregou a sua divindade, proclamando altamente que Jesus Cristo estava acima dele, como Deus que descia do céu; pregou a sua misericórdia, afirmando que Ele era o Cordeiro de Deus, destinado a tirar o pecado do mundo; pregou a sua justiça, avisando a todos, quanto a Jesus Cristo, que — "a pá na sua mão se acha, que Ele limpará a eira, recolherá o frigo no celeiro, mas, também queimará as palhas num fogo que não se estinguirá..."
Aí tendes, segundo um testemunho autêntico, quem é Jesus Cristo — É o Messias-Deus; é o Messias-Redentor; é o Messias-Juiz.
O testemunho de João Batista pode ser contestado? Não; porque é confirmado pelo próprio Jesus Cristo, que não fez em vão o elogio do Batista, senão para que a nossa devoção ao seu Precursor fosse justa, e a nossa gratidão a tão excelso Profeta, sincera e completa.
O Cristo confirmou os ensinos do Batista. Ele operou como Messias, já na ordem física, libertando o homem das misérias que tanto afligem seu corpo; Já na ordem moral, libertando-o da escravidão do pecado. No Messias-Deus, a onipotência se revela em toda a magnificência dos milagres mais assombrosos. No Messias-Redentor, a bondade desafia a onipotência e se revela à humanidade nas ternuras infinitas do amor crucificado. Não ha, porém, em toda a vida pública de Jesus Cristo, um discurso, uma parábola, uma lição, em que Ele ou explicitamente, ou indireta e implicitamente não se deixe ver ou pressentir como juiz dos homens e do mundo. Promete como Deus; mas ameaça como Deus. Intermediário de uma aliança nova é feliz entre o Homem e a justiça divina que este ofendeu, não de limita a descrever os gemidos, as lágrimas e as dores que serão, em eterno castigo, a partilha dos que recusarem essa aliança; Ele identifica a sua Misericórdia, com essa justiça infinita; declara-se revestido do todos os poderes e prerrogativas dela; Proclama que será o juiz, no último dia do mundo, e que já mesmo revestido da carne humana, absolve ou condena as almas.
Inútil citar textos, não se pode ler o Evangelho sem adorar no Messias o Deus compadecido das nossas misérias, e que, na mais inefável das obras divinas, — a Encarnação, — desceu, em estupenda condescendência, até nivelar-se, com o homem; mas também não se pode lelo, sem temer o Deus que, em memorável diálogo com seus discípulos, rasgando os véus do futuro, e apontando os que no dia do juízo ficarão a direita ou à esquerda, uns por terem querido identificar-se com Ele no amor de Deus e do próximo, outros por não terem querido essa identificação, declara que Ele próprio dirá a uns: ”Vinde, Benditos... gozai a felicidade que vos foi reservada”; e dirá a outros: ”ide, malditos, para a desgraça eterna!”.
Despojar da justiça o Messias, porque é misericordioso! — cúmulo de irrisão? — que só se explica pela decadência em que, na sociedade contemporânea, se acham a ideia, o sentimento, o culto da Justiça.
Tão nobre é esta virtude; que quando se diz— de um homem — é um justo — se lhe tem dado a coroa da perfeição; sendo a Justiça um como que resumo de todas as outras virtudes. Sem dúvida foi nesta acepção que o Divino Mestre prometeu aos que, estando ainda na terra, têm fome e sede de justiça, uma bem-aventurança especial.
Ser a Justiça uma perfeição no homem é não se querer que Deus seja justo!...
Deus não é Deus, senão porque é infinito em todos os seus atributos e enquanto todos esses atributos se harmonizam. Um Deus que não fosse misericordioso, mas somente justo, seria para nós um Deus cruel. Um Deus que não fosse Justo, mas somente misericordioso, seria para nós um Deus imbecil.
Num e noutro caso, como diz ilustre teólogo, seria um Deus imperfeito; e um Deus imperfeito não seria Deus. A Justiça de Deus é infinita como a sua misericórdia; e é por isso que a Escritura, não separando a Justiça da misericórdia, nos diz: "O Senhor é misericordioso, compassivo e Justo..."
Pois bem; Ele já veio na misericórdia... e nenhuma linguagem, nem a dos anjos, poderia descrever os primores da sua compaixão, traduzida nos maiores e mais sublimes amores: o amor de sua Mãe, a Virgem, que Ele eximiu da mácula original; o amor da Igreja, divina esposa que Ele conquistou e deixou na ferra, perpetuando a sua obra redentora; o amor dos homens, magnificamente amados por Ele no Pródigo, na Samaritana. na Madalena, na Cananeia, em todas as vias morais e até em todas as misérias físicas, instituindo para aquelas, como canais da graça, os sacramentos, e inspirando para estas, como alívios da humanidade, os lazaretos, os hospitais, irmãs da caridade, os institutos de beneficência, todos os prodígios da esmola evangélica... Sim; Ele Já veio na misericórdia, oferecendo a todos os homens o resgate da sua paixão e da sua morte.
Ele já veio na misericórdia, para os pobres, porque é o Deus dos pobres, para os ricos, porque é o Deus dos ricos; para os felizes, porque é a alegria verdadeira; para os tristes e desconsolados, porque é o Deus que alivia e consola todas as dores; para os simples, porque é o Deus das parábolas que tanto encantavam o povo; para os sábios, porque é o Deus da ciência verdadeira, Ele já veio na misericórdia; agora virá aparecer na Justiça.
Não desprezeis os avisos do céu dados, na primeira vinda, apenas por um precursor; agora, porém, por milhares de precursores. que, ciente ou incientemente, voluntária ou involuntariamente, de um ao outro estremo do mundo, vos anunciam, nos milagres do sacerdócio, a segunda vinda de Jesus.
Como depois da Eucaristia, o Cristo se multiplicou por todo o orbe em milhares de Cristos, que são os padres; nos mesmos padres, o Precursor do Cristo se multiplica também.
Aliás, maior que a do próprio Precursor é a missão do padre. Ele eleva a obra dos profetas e dos apóstolos. Há entre o padre católico e o profeta de outrora, no sentir de S. Paulo, a distância que separa os dois testamentos. A dignidade do padre prevalece tanto sobre a do profeta, como o novo testamento prevalece sobre o antigo.
O padre católico, continuador visível na terra da obra do Cristo, agora invisível, mas que por ele atua, servindo-se de sua voz, de seu olhar, de suas mãos, de seus pés, de sua vontade; o padre católico tem, para vos anunciar a segunda vinda, prerrogativas ainda maiores do que as que João Batista teve para anunciar a primeira; João Batista não fez milagres; o padre católico opera os mesmos milagres que o Cristo operou, e que presentemente se realizam, não na ordem física, não sobre os corpos, mas numa ordem mais elevada, isto é, sobre as almas.
Quando os discípulos de João Batista foram junto do Cristo certificar-se de sua missão, o Cristo lhes disse: ”Ide e dizei a João o que tendes visto e o que tendes ouvidos os cegos veem, os surdos ouvem, os coxos andam, os leprosos são limpos, os pobres são evangelizados”. O padre católico pode afirmar o mesmo; e, a quem quer que me interrogasse com que autoridade anuncio a segunda vinda, eu responderia: ”com a autoridade d'Aquele que me disse: ide e pregai!... curai os doentes, ressuscitai os mortos, purificai os leprosos, expeli os demônios; com a autoridade dos milagres que eu faço, ressuscitando, no confessionário ou no púlpito, as almas mortas nos seus pecados, limpando as almas cobertas de máculas, dando a força da graça às almas tímidas, curando nelas as doenças morais, milagres muito maiores do que todos os que se realizaram na ordem física; pois que é milagre incomparavelmente muito maior ressuscitar uma alma, absolvendo-a no confessionário, do que tirar da cova e fazer que reviva a um cadáver Já apodrecido...” Eu responderia ainda a quem quer que me interrogasse a minha missão: ”vinde e vede o que eu faço no altar, que é o maior e mais estupendo de todos os milagres, — a consagração do corpo de Cristo; vinde e ouvi a palavra que eu profiro neste púlpito; essa palavra não é minha; é a mesma de Jesus Cristo, que, aparecendo ao mundo, se revelou, não só o Messias esperado que vinha resgatar as almas, mas também o juiz que deve voltar para julgar o mundo!

III

A PROMESSA FORMAL QUE JESUS CRISTO FEZ DE VIR AO MUNDO, SEGUNDA VEZ


Ai dos habitantes da terra, porque, por toda a parte, se contempla hoje este: fenômenos pavorosos o torpor das consciências.
Que ninguém se iluda, mesmo quanto à mora e à religião, com uma certa brandura, uma certa moderação e polidez que, em geral, caracterizam o intelectualismo moderno.
Há, não se podendo com justiça duvidar disso, uma forma nobre e vasta de tolerância abrangendo todas as ideias, todos os sectarismos, todas as escolas. Isto, porém, não traduz perfeitamente a situação das inteligências, nem dá a estatística exata das almas na nossa época.
O que o investigador estudioso apreende nesta época, em enormíssima, quantidade de espíritos, é o torpor da consciência, perfeitamente caracterizado no vago das ideias na inanidade dos pensamentos, na moleza da sensibilidade, nas utopias e quimeras da imaginação, na melancolia, no tédio, no repúdio de todo o sacrifício, que tenda a disciplinar o corpo e a levantar o espirito até os horizontes largos do sobrenatural.
Na ciência, como na filosofia, na literatura, como na industria, a vida perdeu o seu sentido real atrofiando  também em todas as combinações políticas ou diplomáticas, nas quais o que se vê bem caracterizado é o predomínio do bem estar material para o homem, ou para as nações.
A tolerância moderna, que, eu não contesto, orna a geração contemporânea, mas não honra o espírito humano; não o honra, porque a verdade, não existe mais no estado absoluto, e um extraordinário numero de inteligências a não aceita, por mais clara que seja.
A verdade não é mais uma base que possa apoiar deveres ou justificar sacrifícios. A religião para grande numero de almas delicadas é flor mui formosa, mas é uma flor: e, para extraordinário número de imaginações, é quimera brilhante, mas é uma quimera. As almas não têm mais o entusiasmo da vida, a intrepidez da verdade, a coragem da convicção, a virilidade da inteligência. Tolerante, sim, a civilização contemporânea! porém, ela é como que um Panteon colossal abrigando todos os deuses, todas as superstições, todas as religiões, todas as verdades, como todos os erros.
 Daí o fenômeno, cuja fórmula ficou dada na expressão — torpor das consciências; — expressão exata e bem significativa para quem analisa  as almas na nossa época.
Não há mais sarcasmos nem zombarias contra o cristianismo, como em certas épocas; não mais impropérios e invetivas contras as crenças religiosas, como noutras eras; não há mais em geral, ódio sanguinário e declarado contra Jesus Cristo e a Igreja...

Que há, então?
Uma vida sem Deus, sem nenhuma preocupação d'Ele, nem dos grandes problemas humanos que lhe dizem respeito... uma vida sem atrativo pelo sobrenatural... sem temor do inferno, e até mesmo sem desejo do céu...
Sem desejo do céu?!... Sim!
A alma, onde a consciência, por entorpecida, não tem a preocupação da vida futura, é uma desgraça não só para o homem como para a sociedade. Para o homem, porque se o seu destino está limitado pela cova, ele é mais infeliz do que o bruto; e tudo o que a filosofia e a religião prometem à alma, formada à imagem e semelhança do Infinito, não é mais que uma ironia. Para a sociedade, porque, se a vida é apenas um fenômeno terrestre e transitório, o homem tem o direito de exigir a felicidade neste mundo, onde a desigualdade das condições fica sendo uma injustiça, e um direito a revindicação, até mesmo pelas armas, de um quinhão de venturas igual para todos.
Vistes que em enorme quantidade de espíritos não há o temor do inferno. Agora verificareis um mal ainda maior: não há, nem sequer, o desejo do céu. Milhares de homens na época moderna, passam pelo planeta e dele saem, sem noção alguma da vida futura... e fascinados pela mais repugnante e incompreensível materialismo.

Donde procede esta enorme calamidade? Do veneno que a ciência do Nada, a filosofia do Nada, a literatura do Nada, a poesia do Nada, e até a religião do Nada têm infiltrado nas gerações da nossa época.
A ciência do Nada diz pela boca de um Berthelot, para só citar um chefe, que tudo se resolve em átomos e moléculas; a filosofia do Nada lamenta pela boca de um Taine que o cristianismo desequilibrasse a raça humana, fazendo o cérebro do homem imaginar realidades além das da terra. A literatura do Nada lamenta pela boca de Renan que o cristianismo fizesse o paganismo perder o culto de muitos espíritos. A religião do Nada pede Pela boca de Augusto Conte que se adore, não uma entidade real: — Deus; mas uma abstração monstruosa: — a humanidade! A poesia do Nada exclama neste verso libertino de  Theodoro de Banvile:

Eu que não sou devoto
E também não temo a Deus,
Alegremente te entrego,
Natureza, os ossos meus.

Mas esses, direis, são apenas alguns desequilibrados... Não! eles são legiões de homens, em os quais não há a noção do pecado, completamente extinta no direito, na legislação, na política, na diplomacia, na educação, no ensino e até nos usos e costumes. No direito, a irresponsabilidade dos delinquentes,  sustentada pelos mais extravagantes e monstruosos sistemas de criminologia; na política, o cesarismo vestido de saias democráticas; na diplomacia; a — pacificação revestida de armas e acompanhada de grandes exércitos; nas várias relações da vida pública e privada, a medicina não achando nunca as moléstias, onde elas têm a sua origem real, — o pecado.
Como tudo isto se pode exprimir melhor do que pela expressão: o torpor das consciências?!
A consequência máxima, o resultado total desse Torpor é esta: a vida sem oração.
A oração, como admiravelmente definia: Gerbert, é a manifestação de uma indigência que espera, O homem ora naturalmente... O menino pede à sua mãe, o pobre pede ao rico, o fraco pede ao forte. Da oração se pode dizer, afirma um filósofo cristão, que ela é o equilíbrio do mundo; porque sem ela, os fracos, os pequenos, os pobres, seriam esmagados pelos fortes, pelos grandes, pelos ricos. Mas se a oração é tão necessária nas relações recíprocas dos homens, como o não ser nas relações da criatura com o seu Criador?! É uma elevação do espírito a Deus, prestar a mossa homenagem, expor-lhe as nossas necessidades, pedir-lhe o seu socorro. Se é tão bela, quando simples diálogo entre um filho o seu pai, entre um amigo e seu amigo, como o não ser, quando diálogo entre o homem e Deus?! Se a oração é necessária e bela, como não ser eficaz? Eficaz, não só quando é quando é oração da Igreja, a intercessora universal constituída pelo próprio Cristo, mas também quando é oração nacional, ato patriótico e viril dos que não perderam ainda o senso cristão e não ignoram que todas as nações pertencem a Jesus Cristo, ou quando é oração doméstica, o perfume que embalsama o lar doméstico ou quando, finalmente, é simples oração individual, isto é, a da alma humana que nas asas da súplica remonta ao Infinito?!
Como é ridículo opor-se à eficácia da oração uma meia ciência avariada, segundo a qual não podemos admitir nem o milagre, nem a eficácia da oração, porque as leis naturais são inflexíveis e imutáveis?!
Não há tal; e para a ciência verdadeira isto, um é erro grosseiro. Não só Deus, mas o próprio homem pode modificar, suspender e de um certo modo revogar, nos seus efeitos, as leis da natureza.
A natureza é um complexo de forças opostas, mas que se harmonizam; e a lei geral que rege a dinâmica dos seres é esta: — o efeito próprio ou direto de uma força relativamente inferior é sempre anulado, modificado ou suspenso, em casos determinados, pela ação superveniente de uma força relativamente superior. É da essência da lei que, dadas certas circunstancias, a sua ação, ou o seu efeito, seja anulado, modificado ou suspenso pela ação de uma lei mais poderosa.
Sem isto, se a lei ou força produzisse sempre os seus efeitos, a harmonia do mundo desapareceria e seria substituída pelo mais medonho conflito dos elementos.
Suspenda qualquer de vós um corpo nas suas mãos!... não revoga, sem duvida, mas suspende os efeitos da lei da gravidade. Ora, um homem pode suspender o efeito das leis; e Deus não o pode?! Que contrasenso! Um homem pode desviar o curso dos rios, perfurar as montanhas, obrigar o raio a retroceder, modificar as arvores, suspender a dor no doente, cloroformizando-o; pode de mil modos, que enfadonho seria enumerar, suspender os efeitos das leis, e Deus, que é a lei das leis, a força das forças, não o pode!
Orem, rezem, façam oração com sinceridade! Este é o único remédio para o torpor da consciência, que a tantos espíritos não permite presentemente uma cogitação racional sobre o universo, em que nos achamos... Que é este universo? Para onde caminha? Qual o seu fim? Colocado neste planeta que me arrebata, andando centenas e centenas de léguas por hora, passando por entre tantos outros globos esféricos e que se contam por milhões e miIhões, para onde sou levado? Eu morrerei, é certo; meus ossos, minhas cinzas ficarão encerradas nesta imensa, nesta colossal urna funerária, que se chama o globo terrestre; mas este globo terrestre, para onde vai ele?!
Pascal, matemático insigne, não acreditara que um homem pudesse, sem ter perdido o sentimento de sua própria dignidade, deixar de interrogar-se a si próprio: — ”que era eu? donde venho? e para onde vou?...” Pode-se aplicar a mesma sentença da parte do homem em relação aos destinos do universo, afirmando-se que a o homem se impõe, só porque é homem, esta questão formidável: — para onde vai o mundo?
Eu posso, como qualquer de vós, ler o Sistema do Mundo, o livro de Laplace.
Posso ler a descrição, em que Laplace reduz todo o universo físico a uma fórmula mecânica, que nos apresenta o mundo, como um relógio matematicamente construído; mas, não obstante tantos conhecimentos, tamanha erudição matemática do célebre astrônomo, não fico satisfeito e pergunto a mim próprio: até quando este relógio trabalhará? Pois é certo que ele foi construído, e só no tempo começou a trabalhar, como ha de trabalhar eternamente, sem fim?! Absurdo!
Posso como qualquer de vós ler o Cosmos, esse belíssimo livro de Alexandre Humboldt, e ficar como fiquei, na minha minha mocidade, verdadeiramente encantado pela fisionomia do globo, tão magnificamente e com estilo tão mágico descrito pelo ilustre naturalista; mas com a simples conclusão dele, isto é, que um nó encadeia e harmoniza todas as coisas no nosso planeta, não fico satisfeito, e a mim próprio pergunto: para onde vai o planeta?
A própria ciência moderna afirma que ele não pode durar sempre; vacila, entretanto, porque não tem fé nem ouve os ensinos da Igreja, sobre a época e o modo do fim do mundo.
O fim do mundo não é, portanto, uma questão irrisória; é uma questão que se impõe a todo homem, não entorpecida a sua consciência, e que por isso mesmo se impôs aos Apóstolos. Vendo este universo esplêndido que foi dado como morada, quiseram conhecer o fim do universo, e quando chegaria esse fim. Dentre eles, alguns mais ousados formularam o problema e interrogaram o Mestre...
Do Mestre, isto é, de Jesus Cristo, diz São Paulo que Ele iluminou a vida:  Illuminavit vitam. Sim, Jesus Cristo iluminou as almas; esclareceu os maiores problemas do espírito humano ensinou à humanidade a sua origem e o seu fim ensinou-lhe o que é a alma, e que destino o espera na eternidade.
Jesus Cristo revelou tudo o que nos convinha fosse revelado. Não seria possível, pois, que deixasse de revelar para onde segue esta grande peregrinação das gerações humanas; o que se tornará o mundo; se o mundo será aniquilado, ou somente transfigurado; e se Ele, que se dignou a revestir a Divindade de nossa carne e de nosso sangue, aparecendo uma vez na terra pobre e humilhado, não aparecerá segunda vez, de um modo diferente, para dar ao seu reino o complemento que deve ter.
O Mestre respondeu.
Mas, como e quando?
Ele já tinha, glória de um momento, assistido, domingo de Ramos, ao seu grande triunfo messiânico. Já tinha proferido os seus últimos discursos, tentativas sublimes com que buscara reerguer o povo, mobilizar a pátria, fazer da Judeia o arauto da nova humanidade. Saindo de Betânia,  o santuário terrestre, onde se realizaram os mais sublimes episódios da sua amizade; onde ressuscitara Lazaro, fora ungido na cabeça e nos pés pela Madalena, e o encantara a virgindade de Marta; saindo de Betânia, e avistando a cidade que tantas vezes evangelizara, Jesus Cristo chorou.  Lagrimas ardentes, lágrimas, divinas! — elas traduziam o pesar humanitário de tantas almas não o terem recebido pela sua pátria que, Ele sabe, vai sacrificá-Lo.
Sem dúvida, o insucesso de Jesus Cristo é só patente; porque Ele vencerá o mundo; a sua cruz erguer-se-á triunfante sobre o paganismo; seus discípulos proclamarão a sua doutrina, o seu evangelho refundirá o mundo; todos os seculos proclamarão a sua divindade; milhões de almas deixarão, para amá-lo, as mães e os pais; na choupana, como no palácio, nos mendigos esfarrapados, como nos príncipes vestidos de purpura, o seu amor fará prodígios, criando apóstolos e irmãs de caridade; criando o amor das lágrimas, a fome do sacrifício, a sede da imolação.
O seu insucesso, repito, é só aparente; mas a dor que o punge é real, porque o povo Judeu O renega. Esse repúdio nós o compreendemos; a história o explica. A aceitação da verdade não depende somente do seu valor intrínseco, nem também do valor do homem que a profere; depende definitivamente das circunstancias do tempo e do estado moral das almas.
Ora, já vistes precedentemente qual era o estado da Judeia, em plena decadência política e religiosa.
Por isso, respondendo aos apóstolos, antes de ferir o problema que os atormentava, Jesus Cristo refere-se preliminarmente à Jerusalém que, nos desígnios divinos, vai ser a figura do mundo.
Na destruição de Jerusalém, Ele dá uma pré-ideia da destruição do mundo; depois fala do fim do mundo, clara e diretamente, enfim anuncia explicitamente, e como uma promessa que consola os discípulos, o juízo final, precedido dos esplendores de sua segunda vinda.
Identificando sempre Jerusalém e o mundo, enumerando de envolta, umas com outras, as calamidades que hão de preceder o fim do mundo, cujo ultimo dia é também simbolizado pelo último dia de Jerusalém, Jesus Cristo afirma que virá outra vez ao mundo; que, nesta segunda vez; não só uma, mas todas as gerações humanas O contemplarão, não mais como Messias-Redentor, mas Messias-Juiz: ”Tune videbunt Filium hominis venitentem in nube cum potestate magna et magestate...”, Eis ai a resposta do Messias! Sem duvida, bem devemos ponderar que, se a pergunta, dos Apóstolos é a pergunta de toda a humanidade feita pela boca de alguns homens, a resposta de Jesus: Cristo é a resposta de um Deus! Se os homens a ouviram, nela creram, e se desde então para eles foi uma doce preocupação a ideia da segunda vinda, e não só doce, mas também tão ardente e profunda, que a sua expectativa dominou o espírito apostólico; nós, que após vinte seculos de prodígios e milagres temos visto realizadas todas as promessas de Jesus Cristo, como e porque não esperarmos a realização da última que falta?

Não quero antecipar a prédica, que tratará dos sinais da segunda vinda. Eximir-me, entretanto, não posso de fazer-vos uma pergunta, convidando-vos a bem meditá-la: Que crise é esta que o mundo sofre presentemente?
Crise científica? Não; porque então a ciência teria resolvido antes de chegar, como chegou, à bancarrota, não tendo conseguido pacificar as inteligências.
Crise filosófica? Não; porque então a filosofia a teria resolvido antes de ser vítima do desprezo que a nossa época infligiu à metafísica.
Crise política? Não; porque então os estadistas, parlamentares e diplomatas a teriam resolvido, antes que os governos chegassem á tristíssima impotência em que se acham de restabelecer a justiça, a ordem e a paz.
Crise religiosa? Propriamente dita não; por que então a Igreja, o grande e divino médico das almas e sociedades humanas, não teria visto rejeitados os remédios que tem oferecido à humanidade contemporânea.
Sem dúvida, ciência, filosofia, política, religião, — tudo isto entra na crise; mas esta crise universal não se pode caracterizar, senão dizendo-se dela que é a crise humana, isto é, a crise mesma da humanidade, prestes, na impossibilidade verificada de todas as soluções humanas, a encerrar o ciclo de sua existência na terra... Grandes coisas vão suceder.... o céu e o inferno vão se encontrar.
Miguel e Satanás vão pelejar de novo... O Arcanjo,*(* S. Miguel — 8 de Maio) cuja imagem podeis venerar neste templo, e cuja festa a Igreja celebra na missa de hoje, vai desdobrar contra o estandarte dos orgulhosos, que não temem o inferno nem desejam o céu, estandarte dos humildes que se arrependem e confessam e acreditam na segunda vinda de Jesus Cristo. Grandes coisas vão suceder... Já chegou, disse há anos, um vidente, já chegou o princípio destas coisas... Os homens se agitam e os anjos olham... a Igreja espera... e o Cristo tem a cruz suspensa sobre o mundo.

IV

 COMO E PORQUE A FÉ DESEJA A SEGUNDA VINDA DE JESUS CRISTO

Ai dos habitantes da terra, porque não há negar, entre os esplendores da civilização material a mais gigantesca de quantas tem havido, e a magnificência das obras da inteligência, domina na noma época esta moléstia tão funesta: a imbecilidade moral.
Não obstante o orgulho intelectual, de que Já vos falei, o homem moderno é fraco, sem energia, sem virilidade, não compreendendo, parece, o mais belo dos conselhos que o rei da Escritura deu a seu filho: esto vir... sê homem!...
Para ser homem, na acepção mais alta da palavra, não basta o talento nem mesmo o gênio; não basta a ciência, nem mesmo a erudição; é mister possuir essa virtude de que o próprio paganismo fez o elogio; essa virtude, que os moralistas tanto admiram no sustine et abetine do estoicismo, mas de que só o catolicismo dá a noção exata, em ensinando-nos a considerá-la, não como os estoicos, "um meio de vencer o coração é suas ternuras”, mas como o complexo de todas as energias necessárias na defesa, sustentação e desenvolvimento do bem na vida moral: a força.
Não há, sem esta virtude máscula, nem dignidade pessoal, nem intrepidez de espírito, nem coragem das convicções, nem culto do direito, nem amor da Justiça; Não há nem liberdade nem democracia. Se é ela que faz o confessor e o mártir da fé, é também ela que faz o verdadeiro cidadão.
Quem poderá, contestar na nossa época a ausência completa dessa virtude, sem a qual o prazer embriaga, a glória deslumbra, o poder desvaira, a enche de orgulho, e a prosperidade enche de misérias o coração do homem?! Quem pretenderá que ela existe na ciência orgulhosa, na Iiteratura impudica, ou nas falsas, democracias de nossa época, todas elas casadas com o cesarismo, esse sultão esfomeado de repúblicas, mas guardado por exércitos?!
Ninguém pode negar esse fenômeno contemporâneo: a imbecilidade moral.
Mas qual a sua causa principal e a sua consequência preponderante?
A causa é a degradação do caráter, não desenvolvido presentemente nem na educação, nem no ensino; pelo contrário, prejudicado pela preponderância que, em todas as relações privadas ou públicas da vida contemporânea, se dá ao intelectual sobre o moral, não conservando mais cada homem nem na Iiteratura, nem na política, nem nas relações de amizade; um cunho especial pelo qual possamos distinguido; pois que todos se amoldam aos interesses, às conveniências e não têm nem sinceridade nas opiniões, que variam a cada instante, nem noção das palavras, que de todo já perderam o seu valor, seja para elogiar, seja para censurar, seja para amar, seja para odiar.
A causa é essa: - a degradação do caráter. E a consequência máxima da imbecilidade moral qual é? É a fraqueza absoluta da vontade para a prática dos atos mais elevados e nobres do homem, entre os quais os atos de Fé.
A raridade da Fé, nos espíritos contemporâneos de que se trata, não procede somente da ignorância da religião, mas também da fraqueza da vontade.
Sem dúvida, a ignorância entra em grande parte na incredulidade moderna. Não há a noção da Fé, que uma multidão de homens julgam ser uma adesão inconsciente e sem grande valor mental às verdades sobrenaturais; adesão, que Julgam: também não depender deles, muitos dos quais a cada instante dizem: — Ó se eu tivesse fé!... se a fé me fosse dada!
Ignoram duas coisas essenciais: 1a que a fé é um ato da inteligência; 2a que é também um ato da vontade.
Se não há religião sem fé, também não há ciência sem fé. A ciência, ainda em suas afirmações mais ousadas, envolve a fé, porque o objeto de toda a ciência é ao mesmo tempo visível e invisível: visível, nos seus fenômenos; invisível sua substância. Ora, em toda a ciência é pela contemplação dos fenômenos que se chega à afirmação da substância; sendo os fenômenos as coisas que se veem, e a substância a coisa que se não vê. Nenhum sábio vê num pão, num vegetal, num mineral, a força ou a substância que os constitui, mas somente os fenômenos,isto é, a cor, a forma, a figura. Nem o fisiologista vê a vida, nem o matemático vê a unidade. Não é, pois, absurda a fé católica afirmando verdades, de que lhe dão testemunho; realidades, que todos nós verificamos no coração, na alma ou na vida do homem.
Mas não falta ao homem moderno somente esta noção, para bem saber o que é a fé; falta-lhe também a vontade para praticá-la.
A fé não é somente ato da inteligência; é também ato da vontade, a qual (pode-se definir) é a faculdade de amar. Ora, ha dois amores o das coisas naturais e o das coisas sobrenaturais; a maneira por que os adquirimos é idêntica.
Amamos as coisas naturais, porque as desejamos, procuramos e nos pomos em contacto com elas! o ar, a luz, o calor, o perfume, o alimento, as relações pessoais. Não podemos amar as coisas  sobrenaturais, evitando-as, não as procurando, enfim, não os querendo, como verdadeiramente não as quer a nossa época, que por isso vive oprimida pela tríplice calamidade do repúdio da fé: calamidade literária, isto é, o paganismo nas letras; calamidade política, isto é, o espírito revolucionário nas constituições, nos códigos e nas leis; calamidade social; isto é, o pecado do sangue frio, cujas formas são o desprezo do Domingo, a falsificação dos gêneros, a fraude nos contratos, a violação das leis matrimoniais.
Não mostro senão num quadro resumido a descrição da imbecilidade moral. Não podeis negá-la na civilização contemporânea, nem em relação a Deus, nem em relação ao homem. Sem fé como como adorar a Deus? Sem fé como respeitar o homem?
Deus e o Homem! — Os dois maiores mistérios do mundo! Nem os filósofos pagãos conheceram Deus; nem os filósofos modernos tem conseguido definir o homem.
Deus!... A humanidade em todas as épocas, teve a crença  e o sentimento de Deus; mas o conhecimento, — não. Como não teria a ideia e o sentimento de Deus?! Ele se nos revela no espetáculo da natureza, porque ela não tem o caráter de um ser independente e que existe por si próprio; nas instituições da razão, porque esta lê em si próprio verdades absolutas, e que não podia inventar; nos axiomas da consciência, porque sente gravada em si  a  lei absoluta  do dever, que não pode ser produto da sua vontade; no fato da socialidade humana, que é um fato providencial e divino. A esta afirmação quádrupla pode-se acrescentar a da própria ciência moderna que, na síntese do mundo, isto é, no mineral, no vegetal, no animal, no homem, afirma — Deus!
Não O compreendes, entretanto, a filosofia, nem nas enormidades do filosofismo pagão, definindo-o extravagantemente: — Deus é a água; Deus é o fogo; Deus é o sangue; Deus é o círculo; Deus é o quadrado; nem nos absurdos: do filosofismo moderno, definindo-o, ridiculamente; Deus é o axioma; Deus é o nó; Deus é o incognoscível; Deus o ideal; Deus é a humanidade!
Se os filósofos não conseguiram Deus, também os antigos, nem os modernos conseguiram definir o homem.
A antiguidade fez dele um deus, idolatrando-o; o filosofismo moderno fez dele um bruto, degradando-o.
Reduzir o homem a um simples animal aperfeiçoado, não considerado senão somo um bípede sem penas, um mamífero da ordem dos primatas e da família dos bimanos; ver nele apenas um grau superior de animalidade, é atentar contra a metafísica, a filosofia e a própria ciência positiva.
Contra a metafísica, porque duas faculdades primordiais, — a razão e a liberdade, — distinguem essencialmente o homem do bruto. Contra a filosofia, porque no homem não se podem omitir nem confundir os fenômenos, quer na sua multidão, quer na sua variedade; sendo certo, quanto à multidão, que o homem resume e condensa em si tudo o que se acha espalhado pelo mundo: a existência dos seres inorgânicos, a vida aumentativa dos minerais, a vida vegetativa das plantas, a vida sensitiva do bruto; e, quanto à variedade, o homem move-se, assimila, sente, pensa, fala; é um ser livre, é um ser religioso. Contra a própria ciência positiva, porque ensina que o homem se distingue do animal, mesmo fisicamente, isto é, pela perfeição do sistema nervoso e cerebral, pela estrutura e massa encefálica, pela posição da cabeça na altitude vertical, pela fronte descoberta para receber a coroa, e as mãos abertas para receber o cetro da criação. Vê-se, pois, que a antropologia verdadeira, sem dizer toda a verdade, afirma entretanto coisas exatas em relação a essa criatura, que só a filosofia católica define, dizendo que é um ser composto de corpo e alma, formado à imagem e semelhança do Infinito.
Mas, nem a filosofia antiga ou moderna, nem ainda mesmo a verdadeira, nos revelam Deus e o Homem. Quem os revela?...
Foi Jesus Cristo quem revelou Deus ao homem. A primeira vinda de Jesus Cristo não é senão a revelação de Deus na sua Onipotência, na sua Bondade, no seu Amor. A Onipotência, que na criação fez o homem à imagem e semelhança do Infinito, é essa mesma Bondade que, para resgatar o homem, se reveste de nossa carne e, aparecendo no mundo, para enfeitiçar o homem” escravizado pelo pecado, se expande em prodígios de Misericórdia, cujo extremo inaudito é a loucura do Amor crucificado.
Na primeira vinda, Jesus Cristo nos revelou Deus; disse-nos tudo sobre Deus; proferiu, ensinou tudo o que podemos e nos convém saber de Deus; deu-nos todas as provas para nos certificarmos de que era o próprio Deus que se nos mostrava através de sua carne; acumulou prodígios sobre prodígios para provar o que dizia; fez tudo o que só Deus pode fazer; deu o seu sangue, a sua paixão e a sua morte para reconhecermos que, sendo infinita a Misericórdia de Deus, é também como que infinita a malícia do nosso pecado; fundou a Igreja; deu aos seculos futuros a rota que devem seguir; mostrou as recompensas eternas ou os eternos castigos que nos esperam; de tal sorte, prometendo ou ameaçando, se mostrou ser a própria divindade, que de Jesus Cristo diz o mais famoso e triste dos heresiarcas modernos: "Entre Jesus e Deus não ha distinção..."
Jesus Cristo, pois, na primeira vinda, revelou Deus ao homem, Mas, se assim é, para que, perguntareis talvez, para, que a segunda vinda? Não só para que Deus, que Já veio na Misericórdia, venha na Justiça, como também para que se nos revele o segundo dos dois maiores mistérios do mundo: o homem.
Jesus Cristo revelou Deus ao homem mas deixou ao próprio homem revelar-se aos outros homens.
Desde a primeira vinda de Jesus Cristo, Deus ficou de tal sorte conhecido que não há mais mistérios em Deus; dissemos tudo o que é, tudo o que quer de nós, e tudo o que devemos fazer. Cada homem, porém, continuou a ser um mistério para os outros homens, pelo menos no seu interior, nas profundezas do seu coração, nos recessos da sua consciência.
Que homem conhece outro homem? Cada homem é um abismo impenetrável aos olhos de outro homem; e por isso, neste mundo, tantas vezes o mal prepondera e o bem não é vencedor, como seria se os homens fossem realmente conhecidos uns dos outros! Pois bem; a segunda vinda, aclamação universal e triunfante de Jesus Cristo, será a revelação do homem, no seu mérito e no seu demérito, na sua gloria ou no seu opróbrio, na realidade que não podemos aprender presentemente, e que só então aprenderemos; sendo dever de cada homem que aceita a revelação de Jesus Cristo na primeira vinda preparar-se para a revelação da segunda, do modo que nos ensinou.
Que modo é esse? Que preparação é essa?
Tocarei, agora, num dos mais tristes testemunhos da imbecilidade moral, na nossa época, e que — vem a ser justamente a confissão sacramental, omitida, num grande número de homens, por ignorância, e noutro número também grande por fraqueza de vontade.
Jesus Cristo impôs ao homem que quer se salvar uma dupla preparação: a interior, que todo o homem deve fazer, por assim dizer, dentro de si próprio, examinando-se, analisando bem os seus pensamentos, os seus desejos e paixões, vendo se eles poderão ser expostos à grande publicidade da segunda vinda; e também ensaiando desde Já, com humildade, arrependimento e proposito de emenda, a preparação exterior, que é a confissão ao padre.
Já disse e repito: muitos ignoram a economia da confissão, que pode ser considerada sobre tríplice aspeto: o ponto de vista Individual ou psicológico, o ponto de vista social ou coletivo, o ponto vista analógico ou sacramental. No primeiro, os preconceitos contra a confissão são absurdos, porque contrariam a natureza do homem e repelem uma coisa incontestável: a beleza confissão.
No segundo, esses preconceitos são absurdos, porque prejudicam os interesses sociais, desconhecendo um fato incontestável: a utilidade sensível da confissão.
No terceiro são ainda absurdos esses preconceitos, porque desconhecem a economia dos sacramentos, e ignoram esta verdade: a harmonia da confissão.
A confissão é bela na ordem das relações domésticas, das relações civis,  das relações de amizade, das relações morais, das relações literárias; bela perante a Moral, o Direito Natural e a psicologia do coração humano; bela na sua origem e antiguidade, na contextura do seu tribunal, na delegação de que Jesus Cristo revestia o padre para perdoar os pecados, na sublime dignidade do padre que, na confissão é Medico, Doutor, Juiz e Pal. É útil à ordem e à paz da sociedade! É harmonia com todos os outros sacramentos.
Repelir a confissão, uma vez conhecida a sua estrutura, só se explica pela imbecilidade moral, pela fraqueza da vontade, não se sentindo o homem com a energia de fazer uma preparação necessária o a mais eficaz que Deus lhe pudesse dar para a manifestação da segunda vinda.
Mas esta segunda vinda não será uma quimera?
Quimera?!... um artigo do Credo, isto é, artigo de fé, um dogma?!!
 Não! Não pode ser quimera um artigo do Credo, que afirma de Jesus Cristo: ”Iterum venturus est cum gloria Judicare vivos et mortuos”. Jesus voltará glorioso, para julgar os vivos e os mortos.
É um dogma! e dogma claríssimo a vinda de Jesus Cristo, como rapidamente eis nesta tríplice demonstração: a Bíblia nas profecias messiânicas, anunciando todas a dupla vinda, pois que o Messias em todas  elas aparece, não só sob a forma da misericórdia, mas, da Justiça, precedido pelo fogo, como se vê em Isaías, Jeremias, Daniel e Esequiel; o Evangelho, onde o próprio Jesus Cristo, interrogado pelos Apóstolos, anuncia sua segunda vinda, dá os sinais da mesma e recomenda-lhes vigiar e orar: a Jgreja, não só a inserindo no seu Credo, como também abrindo e fechando o ano litúrgico com o mesmo Evangelho da segunda vinda, fazendo-nos como que uma dupla advertência, de que devemos aproveitar, não dando ouvidos a gracejos, zombarias e escárnios; pelo:contrário, esperando essa segunda vinda, que a Fé deseja, porque: — Ele é o fim...
— O fim do universo, que só então dará a Deus a plena gloria para que foi criado; ela é o livramento, o livramento da criação, em todas as suas partes, escravizada pelo pecado, mas esperando a libertação de que nos fala o Apóstolo, quando diz que toda a criação sofre e geme, esperando ser plenamente libertada; ela é o triunfo. O triunfo de Jesus Criso, cuja gloria será na segunda viada onde, quanto foi extraordinária a sua humilhação na primeira; ela é a aspiração dos próprios bem-aventurados, cuja felicidade não será completa antes da ressurreição da carne; ela é o ideal, por assim dizer, do próprio corpo do homem que, separado da alma pela morte, quer de novo unir-se à alma na ressurreição dos corpos; ela é a ordem perturbada pela iniquidade do homem, mas, restaurada pela justiça de Deus; ela é o Evangelho, tantas vezes desprezado, fulgurando sobre a ruína de todos os erros; ela é a Igreja, tantas vezes oprimida, pairando vitoriosa sobre a rebeldia das nações e seus governos; ela é a proclamação universal da Justiça, conculcada por todos os despotismos; enfim, ela é o complemento, isto é, o complemento messiânico, que realizará completamente a obra de Jesus Cristo, dando à humanidade nova que Ele formou no planeta, em magnifica e esplendida renovação física e moral, a realização dessa suplica, que, de um a outro extremo do mundo, milhões de lábios elevam quotidianamente ao Infinito, na mais sublime das orações *Pai!... Venha
nós o vosso reino!..."

V

COMO E PORQUE A RAZÃO ESPERA A SEGUNDA VINDA DE JESUS CRISTO

Ai dos habitantes da terra, porque por toda parte presentemente, uma multidão extraordinária de homens se mostra avassalada por este grande tirano: — O respeito humano.
Nos palácios, em cujas refeições o rico se envergonha de fazer a benção da mesa, e nas choupanas, onde o pobre Já se envergonha de fazer o sinal da Cruz; nos colégios, onde os professores temem proferir o nome de Deus, e nas assembleias, onde legisladores já não querem Jurar por Ele, mas prometer pela honra; nos livros e nos Jornais, nos lares e nas praças públicas; fora e até mesmo dentro dos templos, onde católicos há, em grande numero, que exprimem mal, muito apressadamente, e fazendo muitas vezes, de modo ridículo, os sinais externos da devoção; nos palácios, nas choupanas, nos colégios, nas assembleias, nos livros, nos jornais, nos lares, nas praças públicas, nos templos, por toda parte, o grande tirano penetrou, e impera, auxiliado pelos seus sequazes: o mundo, o diabo, e a carne; o mundo que zomba da devoção; o diabo que mistifica os devotos; a carne que se deixa levar e vencer sem resistência.
Custa a crer como, numa época tão ciosa de independência e liberdade , a maioria dos homens pague tão vergonhoso tributo ao respeito humano, que não é senão uma das  formas, mais, odiosas do despotismo.
Que é o respeito humano? É um atentado contra a dignidade do cristão e um atentado contra a dignidade do homem, simplesmente considerado como homem. Contra a dignidade do cristão, porque o respeito humano obriga o cristão a repudiar de fato a sua fé; contra a dignidade do homem, porque o que faz a grandeza do homem é a sinceridade nos atos e a liberdade na vontade.
Ora, desde que um homem pratica ou deixa de praticar os atos da piedade, dominado pelo respeito humano, isto é, com receio da zombaria, do escárnio ou da censura dos outros homens, ele já não é livre, mas escravo; da mesma sorte que, em outras relações, se ele só por conveniência e interesse simula esses atos, não é um homem verdadeiro, mas um mentiroso.
Pois em relação ao respeito humano — coisa curiosíssima! — é duplo, tem duas faces, duas fisionomias; no estado traduz-se semi-cristianismo; na Igreja, traduz-se em semi-catolicismo. O semi-cristianismo no Estado é uma hipocrisia; o semi-catolicismo na Igreja é uma covardia.
O político, que na administração, ou no Governo, só para não criar complicações ou despertar exigências, aparenta respeito à religião; o político que, em certas e determinadas circunstâncias, transige com  os sentimentos e as emoções da piedade, mas, ao mesmo tempo, deixa que se proscreva  da vida nacional o culto de Deus; da educação, o ensino cristão; das relações privadas e públicas, que envolvem o casamento, a família ou o Estado, toda à influência de Jesus Cristo; esse político, sem dúvida, tem para os usos da política um semi-cristianismo que não revela dignidade, mas astúcia. Isso é verdadeiramente uma hipocrisia.
O católico que nas práticas de sua religião se amolda às exigências do mundo, e, tentando harmoniza-las com os interesses e as conveniências
de sua reputação entre os homens, não faz mais que dissimular e deformá-las; esse católico, tem, para iludir sua consciência e ao mesmo tempo não desagradar aos outros homens, um semi-catolicismo que, não revela força, mas fraqueza, isso é verdadeiramente uma covardia.
A nossa época tão deformada, como já mostrei, pelo orgulho Intelectual, pelo torpor da consciência e pela imbecilidade moral; a nossa época não tem nem a coragem, da verdade; nem a coragem do erro. É uma calamidade ver a política cheia de cristãos, que de fato Já renegaram todas as graças do seu batismo, mas não ousam abrir contra a lgreja uma luta nobre e leal; pelo contrário, o que muito os preocupa é o meio de iludir o espírito católico, explorando-o sempre que é necessário, mas não lhe dando o lugar e a prefonderância, que deve ter no regime social. Os políticos de que se trata são verdadeiramente os decadentes da Razão.
É também uma trsiteza ser o catolicismo cheio de falsos adeptos, que não fazem senão desfigurar a religição em seus princípios e na sua prática, notando-se a este respeito dupla tendência: a dos que, dominados pelo espírito do mundo, enfraquecem a noção do cristianismo até despojá-lo de suas mais justas exigências; e a dos que, só preocupados com as práticas exteriores, desprezam, grandemente a perfeição interior. Os católicos de que se trata são verdadeiramente os covardes da Fé.
Não há, em nossa época, preconceito mais ridículo, nem enormidade mais absurda do que a do erro que separa, como antagônicas e não conciliáveis, — a razão e a fé.
A criação se compõe de três reinos superpostos: — o mundo da natureza, que faz o êxtase do poeta, do pensador, do artista; o mundo das leis da natureza, que faz o encanto do físico, do geometra, do astrônomo, do sábio; o mundo sobrenatural, que faz o enlevo do crente.
Para penetrar no mundo da natureza, o homem tem um órgão apropriado: — os olhos; Para penetrar no mundo das leis da natureza, já não basta este órgão; é mister outro: — a razão. Para penetrar no mundo sobrenatural, é preciso um órgão ainda mais elevado, — e este é a Fé, que eleva a razão a uma esfera superior.
A Fé não amesquinha a razão; completa-a.
É, como disse com muita felicidade um homem de ciência, Moigno, o telescópio da razão, que ela não amesquinha a razão, demonstram-no os  os movimentos científicos e literários do gênio cristão, a opinião dos mais ilustres doutores da lgreja e até mesmo a opnião insuspeita de homens, como Augusto Comte; que, enumerando as conquistas científicas, literárias e estéticas, e industriais do catolicismo, diz dele que é: — a obra prima da sabedoria humana.
Entretanto os políticos não ouvem, quando se trata do catolicismo, as harmonias da razão. O que é tão lamentável como certos católicos não verem os esplendores da Fé. Por isso mesmo, quero hoje, nesta questão da segunda vinda de Jesus Cristo, que a Fé, que afirma, seja aclamada pela razão que confirma.
Visto que a Fé tem muitos e poderosos motivos para afirmá-la, todos eles apoiados neste fundamento inabalável, a palavra de Jesus Cristo que a prometeu formalmente.
A razão, por seu turno, não tem senão motivos mui poderosos para confirmá-la; e, entre estes motivos, o maior e mais poderoso é a iniquidade dos juízos humanos; iniquidade da qual, muito logicamente, a razão deduz a necessidade da segunda vinda, isto é, a necessidade de um outro juízo, que corrija os juízos humanos.
Sem dúvida, a segunda vinda é para temer, a segunda vinda não é mais Deus na misericórdia, mas Deus na Justiça.
A primeira vinda é o Presépio; é o calvário; é o Altar.
O presépio, isto é, a Encarnação! Tudo que há de riqueza lírica no coração, ou de grandeza épica na alma do homem, se acha reunido na Encarnação do Verbo, nesta verdade inefável de um Deus-menino; um Deus fraco, um Deus que desce das alturas do céu e vem se colocar no planeta, compartilhando de todas as nossas vicissitudes!...
O Calvário, isto é, a Redenção! O Calvário, o ponto ao mesmo tempo obscuro e luminoso, separa os duas grandes civilizações da humanidade: o paganismo e o cristianismo! Ponto obscuro, porque simboliza a contingência no Absoluto, o sofrimento no Impassível, a morte no Imortal; e ponto luminoso, porque é o polo; em torno do qual, quarenta séculos em figuras vinte séculos em realidades explêndidas, gira em torno o gênero humano!...
O Altar reprodução quotidiana de Belém e do Calvário; da encarnação e da redenção!
O Altar! Repetição do mesmo sacrifício universal; a margem visível da eternidade circulando o o oceano do tempo!
Sim; a primeira vinda é o Presépio, é o Calvário; é o Altar; ao passo que a a segunda vinda será o Juiz! será o Tribunal! será a Sentença!
E que Juiz? Deus! E que tribunal? o da Eternidade! E que Sentença? A definitiva!
Pois ainda assim o Juízo de Deus na segunda vinda, posto que seja muito temer, pois que se trata de um Juiz infalível, de um Tribunal divino e de uma sentença irrevogável; ainda assim, cada homem deve preferir o Juízo de Deus ao Juízo dos outros homens, tão injusto, tão cruel, tão iníquo, tão tirânico, é, regra quase invariável, tão monstruosamente inexato, que a razão, confirmando a Fé, diz: é necessária a segunda vinda.
O Juízo final, a fé o deduz da palavra de Deus anunciando esse juízo; a razão o deduz da necessidade desse Juízo para corrigir a falsidade dos juízos dos homens sobre cada homem; necessidade tão grande, que para cada homem é preferível o Juízo de Deis ao juízo dos outros homens.
É preferível, diz egrégiamente o clássico Vieira, porque: ”Deus nos julga com o entendimento, no passo que os homens nos Julgam com a vontade; no Juízo de Deus vale a consciência, ao passo que no juízo dos homens a consciência não vale; Deus julga o que vê, más os homens Julgam o que não veem; no Juízo de Deus, valem as boas obras, que são, entretanto, para os homens o que  mais nos faz vítimas de sua inveja, o O Juízo de Deus é Juízo de um dia, mas o dos homens é juízo de todos os dias; Deus Julga o que vê e sabe, e os homens Julgam o que não veem nem sabem; Deus nos julgará num Jugar, os homens nos julgam em todos os lugares, ainda aqueles em que não estamos, e nos Julgam quer estejamos acordados, quer estejamos dormindo; Deus, se mudamos de conduta, de pior para melhor, muda a sua sentença; que nos era contrária, em favorável, como fez com a Madalena e o Fariseu; no passo que, quanto aos homens, quem uma vez errou ou pecou, e por eles foi condenado, ainda que se regenere e fique perfeito e se torne santo, — para sempre está condenado.
Não há, pois, duvida que para nós, antes a Justiça de Deus do que a misericórdia dos homens. Em Deus, a Justiça não se separá nunca da misericórdia; e, proferindo a nossa sentença, Ele pesa tudo, combina tudo, harmoniza tudo, vê tudo que ocorreu em na nossa vida, tudo que influiu sobre nós, averigua exatissimamente o nosso grau de culpabilidade desde que nascemos até que morremos. No homem, porém, a própria misericórdia, quando no-la concede, não é justa, porque não nos dá jamais o perdão com magnanimidade, e sempre com certo desprezo do nosso erro ou de nosso pecado,
O Juízo dos homens é sempre: mentiroso, até mesmo na História, a qual nunca dá à posteridade a medida exata, o valor real de um homem, e tão cheia está de falsidades em relação aos homens e às coisas, que  Agusto Thierry escreveu uma obra: — Erros e mentiras Históricas.
Eis o que vale o Juízo dos homens! Como cada homem não há de preferir, por mais que o tema, o juízo de Deus na segunda vinda? Na segunda vinda, cada homem aparecerá aos outros homens tal qual é, e não como o julgam os homens, muitíssimas vezes com injustiça, e nunca com misericórdia completa, a qual lhes não permitem fazer o ciume, a inveja, a intriga, a mentira, tudo isso de que foi vítima, vemos no Evangelho, o próprio Jesus Cristo, ainda nos seus atos mais dignos de admiração o de louvor; tudo isso de que continuou a ser vitima em todos os séculos, e por motivo precisamente de sua grandeza excepcional, da sua vida maravilhosa, da misericórdia infinita que O trouxe á terra, da qual não saiu, não quis sair, sem dizer primeiro: Felizes aqueles que se não escandalizarem de mim!
Escandalizarem-se d'Ele; escandalizarem-se de Jesus Cristo! Como?! Pois é isto possível?! Sim, é possível, e não só para os pagãos Jesus Cristo foi motivo de um grande escândalo; também para os cristãos é Ele motivo de outro grande escândalo.
Não só os Judeus se escandalizaram de suas obras, não obstante a bondade, a misericórdia e o amor infinitos de que elas eram testemunho... Mais tarde, os políticos de Roma, os filósofos da Grécia, não viram senão loucura em tudo isso que os apóstolos lhes diziam ser verdadeiramente a força de Deus, que os tinha confundido, escolhendo para reformar o mundo, o que no mundo havia de menos poderoso e de menos ilustre..., o que foi motivo para que os pagãos não compreendessem e se escandalizassem. Comparemos, porém, o escândalo dos pagãos com o escândalo dos cristãos, hoje.
O grande escândalo dos pagãos era que Deus tivesse aparecido em forma humana, num presépio, pequeno e frágil.... Corações mesquinhos, que não sabiam de que é capaz o amor!...
O grande escândalo dos cristãos, hoje, é que Ele aparece sobre as nuvens do céu, triunfante e glorioso. Espíritos estreitos, que não compreendem de que é capaz o amor desprezado!...
Para os pagãos, o grande escândalo eram os prodígios que os Apóstolos referiam e reproduziam... Para os cristãos, o grande escândalo é o prodígio que falta, e que deve realizar-se para que se completem as profecias messiânicas e se cumpra a promessa do próprio Messias... Para os pagãos, grande escândalo era que Ele tivesse vindo regenerar os homens... Para os cristãos, que Ele venha glorificá-los em corpo e alma... Para os pagãos, grande escândalo era o que Ele prometia. Os triunfos da Igreja, a derrota dos seus inimigos, a renovação do direito, da justiça, da liberdade para  todo o gênero humano, até então dividido em tiranos e escravos... Para os cristãos, grande escândalo é, depois de terem visto todas essas promessas realizadas, o que não acontecia aos pagãos, ouvirem dizer que Jesus Cristo virá julgar o mundo, fechar o ciclo terrestre da humanidade e dar a seus eleitos, numa esplendida palingenesia física e moral, o que o que São Pedro chama — uma nova terra e um novo céu!... Mas então, se eles não querem isto, se não desejam ver realizada esta esperança magnífica, que querem  eles, os cristãos que se escandalizam da segunda vinda?
Que querem? — Querem que o mundo dure sempre... sempre..., querem a eternidade do mundo com seus vícios, seus erros, seus pecados!

VI

COMO E PORQUE A CONSCIÊNCIA RECLAMA A SEGUNDA VINDA DE JESUS CRISTO

Ai dos habitantes da terra, porque, presentemente, por toda a parte uma triteza imensa oprime os espíritos.
Fala-se muito do progresso moderno; porque não falar também do sofrimento moderado? Esse progresso existe, sem duvida, e eu o tenho reconhecido deste púlpito. Mas esse progresso que tem fabricado tantas riquezas, utilizado tantos elementos, dado tantas aplicações maravilhosas às forças da natureza; esse progresso, pergunto, tem também, produzido virtudes, aumentado a felicidade do homem? Pergunto e respondo com um pensador ilustre: Sim! se entendeis por felicidade o bem-estar físico, o conforto material, a rapidez de locomoção,  em terra e no mar. Não se a felicidade do homem exige bondade, delicadeza, paz e alegria.
O maquinismo é um progresso; mas não é certo que tem produzido o abandono dos campos, o desprezo da vida rural, a cobiça de viver nas cidades? É um progresso o ferro bruto que sai das manufaturas polido e brilhante; mas não é certo que as fábricas, as usinas, as minas, em seus excessos, materializam e embrutecem uma multidão de homens? A imprensa é um progresso; mas não é certo que também é a mentira, a calunia, a corrupção? A grande indústria é um progresso; mas não é certo que o industrialismo, vasto sistema de produção sem freio nem limites, é a opressão do homem, a tirania do trabalho, o despotismo do capital? É um progresso a educação do soldado, o fabrico das armas, o estudo da arte militar; mas não é certo também que o militarismo é um mal, nas despesas que acarreta, nas ameaças com que perturba as nações, nas tendências retrógradas ao extermínio e à barbárie?
Oh! Não divinizemos o progresso de nossa época, o qual, por isso mesmo que é só material ainda não fez nem pode fazer a felicidade do homem realmente desencantado, mesmo no meio dos prazeres, no tumulto dos negócios na febril agitação da vida contemporânea, e, como que, perguntando pela boca de Johannes, o profeta da Dinamarca, à civilização moderna: ”com que tu me podes fazer feliz?”, e ouvindo esta resposta dada pelo poeta alemão Henri Heine: "com champagne, rosas e a dança das ninfas”.
Compreendeis que a felicidade não pode estar nisto; e, então para que negar? o homem moderno é triste.
A sua tristera está estampada na agitação da Polítca, no movimento febril da indústria, no realismo da arte, no ceticismo da filosofia, na sonoridade vã da poesia, na imbecilidade moral, que não dá às asas do homem os voos do Infinito, O homem moderno é triste, e a sua tristeza bem se traduz — no vazio dos corações e na fome das almas.
O vácuo do coração só o pode encher a virtude de cristã; a fome das almas só Deus a pode saciar. Ora, o homem moderno, vós o vistes em prédicas precedentes, não teme o inferno, e nem sequer deseja o céu; não reza, envergonha-se de orar, como se envergonha do todas as práticas cristãs, e, mais do que todas, da confissão sacramental.
O cristão tem necessidades análogas às do homem natural, e por isso mesmo, como há uma medicina para curar as moléstias físicas, há uma medicina para curar as moléstias morais. Sem o remédio que, na ordem da religião, é a confissão dos pecados, não pode o homem curar-se. Há um alimento para a vida da alma, como há um alimento a vida do corpo. Sem o alimento que, na vida da graça, é a comunhão, a alma definha, desfalece, morre; e morre porque não se nutre, e morre porque não come!
A alma comer!.... Mas não é isto um contra-senso?!
Não; é uma verdade, não só de fé, mas também racional e que se traduz em leis científicas. Quais são estas leis? São as seguintes: 1a Todo ser tem necessidade de alimento; 2a Quanto mais elevado é o ser na escala da vida, mais delicado é o seu alimento; 3a Nenhum ser encontra o alimento em seu próprio, organismo, e precisa procurá-lo em organismos exteriores. — A alma humana, pois, como a planta e como o animal, não pode viver sem nutrição; e, como esta analogia à natureza do ser; a nutrição da não é o suco da terra, alimento da planta; pão material, alimento do corpo humano, mas alimento adaptado às suas necessidades espirituais divinas: e como os seres inferiores procuram fora de si o alimento nos reservatórios da natureza, a alma humana deve necessariamente procurar o seu alimento nos organismos em que foi depositado por Deus.
O homem não tem a vida física em si próprio; por mais rico e poderoso que seja, não pode tirar a vida de sua própria substância, e se quer viver, há de pedir ao vegetal, ao animal, ao pó da terra a sua nutrição. Também o homem não pode tirar de si próprio a vida divina; há de pedi-la aos sacamentos, por estes são os organismos sobrenaturais, em que Deus depositou a vida divina.
Sabeis o que é comer, fisicamente falando? É praticar ciente ou incientemente um ato de humildade. É o homem confessar a sua contingência; confessar que não tem a vida em si; confessar que tem um Criador bondoso e que profusamente encheu a terra de alimentos para o homem. Ora; porque não ter o homem a mesma humildade na ordem da religião? Porque não confessar, em relação à alma o que confessa em relação ao corpo? O Criador, tão pródigo quando fez os alimentos para o corpo do homem, excedeu-se em amor e misericórdia quando fez o alimento da alma, porque este alimento é Ele próprio; este alimento é a carne e o tangue de Jesus Cristo na comunhão sacramental. Não comungar! Mas este é o grande vácuo, esta é a grande fome da alma moderna: E porque não comunga o homem moderno? Porque não sabe o que é a Comunhão; porque supõe que o dogma, da Eucaristia é uma coisa absurda, extravagante, ridícula, e não como acontece, uma realidade sublime, uma verdade divina.
Todos os dogmas católicos, por mais transcendentes que pareçam, têm suas raízes na misericórdia de Deus e seus motivos em necessidades profundas do homem. Todos eles assentam sobre este tríplice granito: a Fé, a Razão, a Consciência; não havendo um só dogma católico, do qual não se possa dizer: a Fé afirma, a Razão confirma e a Coonsciência reclama.
Quero dar-vos apenas alguns exemplos.
Parece coisa absurda o dogma da Encarnação, isto é, Deus ter-se feito homem, Mas examinai o homem à luz da psicologa, isto é, em si próprio, e á luz da história, isto é, no teatro exterior em que ele aparece. Verificareis que o maior desejo do homem, na condição normal de sua natureza, isto é quando não desvairado pelo ateísmo, é ver Deus, é possuir Deus, é conviver com Deus; e, percorrendo quarenta séculos, lá está a ânsia, o anelo, o desejo ciente ou insciente da Encarnação. Parece coisa absurda o dogma da confissão; que tanto humilha o homem, posto que seja para muito exaltá-lo. Mas estudai o dogma; e quero que o façais agora com longos raciocínios e abundância de exemplos.
O estomago do homem que bebeu um veneno não anseia tanto por vomitá-lo, quanto o coração que cometeu um pecado anseia por confessá-lo; anseia tanto que, se o homem não o confessa ao padre, vai confessá-lo aos amigos, porque quer um alívio, um remédio. É certo que a confissão, o sacrifício dos lábios, não deixa de ser penosa ao pecador, na ocasião em que se confessa, como não deixa de ser desagradáveis ao homem envenenado as náuseas que sente, antes de expelir o veneno; mas, da mesma sorte que estas náuseas, expelido veneno, são substituídas por um grande bem-estar físico, a humilhação do pecador, depois de confessado o pecado, transforma-se numa grande alegria.
Parece coisa absurda a comunhão sacramental de que vos falei; mas examinai a natureza humana em face de Deus. É certo que, de um lado, o maior desejo de Deus é dar-se, porque Deus é amor, e a grande necessidade do amor é identificar-se com o objeto amado. O amor tende à união, e quer ser um com o objeto amado. Se uma mãe pudesse fazê-lo, misturaria o seu sangue com o sangue de seu filho, meteria seu filho dentro de seu coração, fundir-se-ia com seu filho. A fusão, porém, de um ser com outro só se pode realizar se eles se incorporam e penetram. A mãe não o pôde fazer; mas Deus o pode e o faz, porque, se o não pudesse — oh absurdo! o homem seria mais poderoso para desejar coisas belas e sublimes do que Deus para realizá-las. Mas se é certo que Deus, Amor infinito, deseja e faz a fusão da criatura humana com o seu Criador, é certo que o homem desejou sempre a comunhão, e não tem maior desejo do que este, pois que a sua alma tem fome de Justiça, de beleza e de amor; quer o pão da inteligencia, o pão vivo que desceu do céu.
Eis aí três dogmas, todos três explicados pelas necessidades da própria natureza humana, em cujas profundezas se revelam os motivos e as razões que o homem moderno não apreende, porque está atrofiado, não podendo verificar o que a Fé afirma, a Rezão confirma e a Consciência reclama.
Mes, eu quero, sim! eu quero da segunda vinda de Jesus Cristo, dar-vos a mesma prova peremptória e irrecusável.
Já vistes a Fé afirmar a segunda vinda, porque Jesus Cristo a anunciou e prometeu; e basta, porque Jesus Cristo é Deus, e nem o seu anúncio, nem a sua promessa podem falhar; sendo certo que a segunda vinda é a Justiça de Deus, é o Juízo de Deus, é o Juízo final, um Juízo necessário, porque será a explicação, a justificação, a glorificação da Providência Divina no governo do Universo.
Mas não só a Fé afirma; a Razão confirma a segunda vinda, deduzindo-a da falsidade do Juízo dos homens sobre cada homem; falsidade, que nos  mata, que deve ser corigida e só o será, quando cada homem for conhecido dos outros homens, tal quaI é e não como o fazem o ódio, a inveja, o ciume, o Juízo temerário, a calunia.
o segundo advento que a rasão confirma, também a consciência reclama, e reclama deduzindo a sua necessidade da falsidade do juízo de cada homem sobre si próprio.
Nenhum homem se Julga tal qual é; é regra quase sem exceções, uma coisa é o que ele é, outra — coisa o que ele pensa ser. Ninguém há neste mundo, diz o insigne clássico Vieira, que se descreva com a sua definição; todos se enganam no gênero e também nas diferenças.
Tamanha miséria donde procede? Sem duvida, do orgulho, da vaidade e do amor próprio; fraqueza, contra as quais pareço impotente não só o — "Nosce te ipsum” da sabedoria antiga, como o próprio exame da consciência da sabedoria cristã.
O Nosce te ipsum! que grande sentença!
Mas, quem procura conhecer-se em toda a realidade desse Eu, mais ou menos dominado pelo próprio, o mais enganador de todos os prismas?! O Exame de consciência! que divino preceito!
Mas, quem o faz inteiro, completo, despojado de toda a ilusão, de toda a sutileza, de todo o pretexto para desculpar-se a si próprio, e não achando nunca circunstancias, razões, motivos, pretensos casos de força maior com que se Justifique, julgando que as mesmas coisas em outrem são faltas graves, e em si faltas leves?

Os católicos que se confessam, eu o sei, fazem o exame de consciência; e de santos se refere, nesse assunto, coisas que assombram; como por exemplo: — um Francisco de Borja, longo tempo, cada dia, absorvido na contemplação da sua miséria e do seu nada e tão indigno se Julgando de viver, que não podia compreender como Deus lhe tivesse dado o dom magnífico da vida.
Exagerações! dirão os inchados de si próprios, os convictos da própria excelência, os orgulhosos, e não só esses, mas até mesmo muitos que praticam a vida cristã, porém, que não a praticam sem; nos atos de devoção, pagar algum tributo à vaidade.
Exagerações! dirão tais pessoas; mas o que é certo. é que todo homem é um abismo de misérias e não há negar a verdade do que disse um poeta:

"Na floresta do mal dos nossos corações
Há mais tigres, répteis e sapos, e leões
Do que astros há no céu, no grande azul profundo."

Veja, veja cada um em que companhia vive!
O verso não é um simples tropo, não é apenas uma figura; as paixões, isto é, os ódios, os desejos criminosos, as maquinações torpes, as ambições, as maledicências, as mentiras e calúnias, as invejas, todos estes monstros que o pecado gera em cada homem, são tigres, são répteis, são sapos, são leões: Portanto, cada homem é aquilo que é, e não aquilo que pensa de si próprio; sendo que, se há uma coisa de que ainda os melhores homens, ensinam-no os mestres da Ascética, sejam vítimas na vida mesmo cristã e espiritual é a ilusão, Proteu que toma todas as formas, as mais variadas; que com astúcia e sutileza se mistura aos nossos melhores atos; que, com dissimulação incrível, reveste a máscara da devoção e nos faz muitas vezes supor que é ouro de quilate na nossa piedade o que não passa de moeda falsificada.
Nestas condições, todos bem compreendem que não é falso somente o Juízo dos outros homens sobre cada homem; é também falso o juízo de cada homem sobre si próprio; e, como a segunda vinda será também o corretivo do falso Juízo, que cada homem faz de si próprio, segue-se que, se a razão de cada homem, como vistes, pede que se reforme o juízo falso dos outros homens, a consciência da humanidade reclama a segunda vinda, como emenda do juízo falso de cada homem sobre si próprio. Na manifestação da segunda vinda, será verdadeiramente grandiosa e bela a manifestação das consciências, que, entretanto, já começa na terra para aqueles que se confessam; com este prévio remédio, a vaidade pessoal exime-se de toda confusão no castigo, que há de ser dado à vaidade universal!
A vaidade universal! Como a não ver, e a não detestar, e a não lamentar na nossa época, em que, na esfera material, o homem se tornou um gigante, e só porque cresceu desmedidamente pelo progresso, tendo os seus pés sobre os mares, sulcados por navios colossais, e a sua cabeça clavada até aos céus; devassados por telescópios enormes, quando se lhe fala da Divindade que deve adorar, até, desdenhoso de Deus, com vaidade descomunal, mostra sorrindo o seu ídolo, isto é, essa outra divindade que adora, e que se chama a civilização moderna!
Progresso?!... Civilização?!... não creio! Como chamar civilização, pergunto, fazendo meus os pensamentos e os sentimentos de um sábio ilustre, esses imensos trens de vagões, que um descarrilamento imprevisto ou calculado lança violentamente uns contra os outros; esses empregos que ”obrigam milhares de homens a ficar noite e dia, de pé, sobre as locomotivas, sempre inquietos, trêmulos, esmagados por terrível responsabilidade; esses tuneis intermináveis que a cada instante podem se tornar o túmulo de milhares de pessoas; esses navios imensos, com um centro de gravidade tão alto e uma instabilidade tão grande, que o mais leve acidente pode fazer que naufraguem milhares de homens; essas fabricas colossais que dia e noite lançam torrentes de lavas; esses boulervards transformados em cidades, em que de dia e de noite, incessantemente, se come e bebe; essas bolsas esfomeadas com os seus gritos de compra e venda; esse movimento febril que arrasta os homens dos campos para as cidades; esse serviço ininterrupto das fábricas, feito por homens, mulheres e até crianças; esses exércitos permanentes com que as nações reciprocamente se ameaçam; esse serviço militar obrigatório que dizima as populações; como chamar civilização a tudo isso que, de preferência, se pode chamar barbárie, porque, de fato, é uma barbárie, a barbárie do progresso?!
O gigante moderno está muito orgulhoso; mas não se esqueça de que, em remota ápoca da humanidade, já houve outro gigante; e este, porque achou belas as filhas da terra, isto é, porque se identificou com a matéria; porque um amor louco depravou o seu coração; porque, na embriaguês do seu triunfo, já não olhava para o céu; porque se deixou escravizar e embrutecer pelos sentidos, o castigo veio, veio no dilúvio, que o afogou!
Poderia — agora, parodiando o poeta Castro Alves, mas dando às suas estrofes um intuito diverso, dizer destes dois gigantes, o antigo e o moderno:

”Que dois gigantes tão loucos
Num mundo de pigmeus!
— Eles querem a majestade
Arrancar da mão de Deus!”

Poderia, mas prefiro perguntar: Não ouvis sair das entranhas do mundo um como que ruido imenso, prestes a tornar-se um brado colossal?! Mas Já não é simplesmente um ruido; é um grito, o dos pequenos, e dos infelizes, o dos proletários, o de todas as vítimas desta barbárie do progresso material, que transformou o mundo numa fábrica, a riqueza num soberano, e o pauperismo num vassalo!
É o grito do socialismo, ao qual, entretanto, ”solidário como ele é com a desordem e a anarquia contemporâneas, eu não empresto os meus lábios.
Empresto-os, porém, neste púlpito, e para que repercuta bem alto, e, se de mim dependesse, para que repercutisse pelo mundo inteiro; empresto, digo, empresto os meus lábios ao brado que milhões de almas cristãs, em face de tantas e tão monstruosas iniquidades da nossa época, devem proferir, suplicando:
Vinde, Jesus!

VII


A EVOLUÇÃO HISTÓRICA, AO MESMO TEMPO DIVINA E HUMANA, DA SEGUNDA VINDA DE JESUS CRISTO

Ai dos habitantes da terra, porque, por toda a parte, presentemente, prepondera o egoismo; e, não obstante estar em todos os lábios, ser proclamada em mil associações e clubes, ser uma das mais pomposas promessas das democracias modernas, entrar em todos os sistemas da filantropia, e em todos os códigos ou constituições da política, a Fraternidade, que Jesus Cristo chamou um mandamento novo, já não domina os espíritos, nem seduz os corações.
Um mandamento novo? Sim!
Quando Jesus Cristo apareceu estava grande poção da humanidade dividida em tiranos e escravos; não havia pátria, nem família, nem direitos. Quatro mil anos o homem tinha amado no homem a riqueza, o poder, a inteligência, o gênio, a beleza, a eloquência; mas o homem não tinha amado o homem. E porque o homem não tinha amado o homem? Porque até então nunca ele vira perfeitamente, nos seus semelhantes, tal como depois Jesus Cristo lhe mostrou, através dos véus da matéria, a majestade invisível que se chama a alma. Jesus.Cristo não revelou somente ao mundo o soberano, que desde então vai receber preitos e vassalagens; deu-lhe um trono universal. No mundo fascinado pela nova formosura, só agora contemplada em todo o seu esplendor, o amor das almas de tal sorte enfeitiça os corações, que no homem mais vil e mais desprezado a fraternidade sabe descobrir isso que no-lo faz amar, não porque é da nossa raça, não porque pertence à nossa família, não porque nele palpite o mesmo sangue que corre nas nossas veias, da ero porque é nosso pai, nosso irmão, nosso filho, nosso amigo ou compatriota, mas porque é homem, isto é, porque nele existe, unida e associada ao corpo, uma alma, E porque do amor das almas fez um preceito Aquele que, vindo ao mundo para resgatá-las, disse: ”amai-vos uns aos outros, como vos tenho amado”.
Foi por amor das almas que a Igreja organizou esses grandes e belos serviços fraternais que a humanidade lhe deve: o serviço da palavra, proclamando e ensinando as verdades do Evangelho; o serviço da educação, libertando do erro os espíritos, o serviço de beneficência, aliviando dores, enxugando lágrimas, mitigando todas as misérias físicas; o serviço dos sacramentos, consagrando a vida e a morte do homem.
Se é certo que presentemente no mundo uma queixa, um gemido denuncia o resfriamento dos corações; se o vácuo se faz sentir por toda parte, e se até mesmo entre os católicos um grande número não sabe harmonizar a devoção com  a fraternidade, a culpa, sem duvida, não é da Igreja.
Uma injustiça clamorosa é desconhecer os seus serviços em tudo o que diz respeito à dignificação do homem, quer dessa dignificação se trate no terreno em que se debatem os direitos da razão e os direitos da fé; quer dela se trate na esfera ardente dos problemas políticos, que nos mostram em perpétuo conflito a autoridade e a liberdade; quer, finalmente, procuremos essa dignificação do homem nos domínios mais serenos da piedade e do amor.
A Igreja não foi somente o baluarte da liberdade civil e da liberdade política. Trezentos anos combateu também pela liberdade da alma. Foi à custa do sangue precioso dos seus apóstolos, dos seus confessores e das suas virgens que a conseguiu firmar os direitos e a dignidade da consciência humana, oprimidos e aviltados em Roma por todas as violências do paganismo que, na ordem intelectual, era a razão emancipada de todas as verdades; na ordem moral, a emancipação da carne com todas as cobiças devorando a humanidade; na ordem política, a concentração de todos os poderes nas mãos de um monstro sucessivamente chamado Nero, Calígula, Tibério, senhor absoluto dos corpos e das almas, das consciências e da liberdade, mandando adorar pedra, o cão, o crocodilo e o boi.
Quisera mostrar tudo o que o homem deve à Igreja, quanto à liberdade civil e à liberdade política; mas devo restringir-me, pois que trato da fraternidade à esfera da liberdade moral, assinalando apenas que à  Igreja cabe a glória de ter feito vingar nos códigos e nas leis, em todo o organismo jurídico, o princípio da inviolabilidade humana; e que foi o Evangelho que na família, no lar, na sociedade, em todas as relações da vida, consagrou a alma, nessa consagração que pode por nos lábios de S. Paulo este cântico sublime da fraternidade da ”Já não há Judeu, nem gentio, nem cita, nem bárbaro, nem grego, nem romano, nem livre, nem escravo, nem homem, nem mulher; são todos um em Jesus Cristo”.
Lamentavelmente com a fraternidade da Igreja contrastam não somente a mentira da liberdade política, a impostura das democracias modernas, a perfídia das seitas anti-católicas, a astúcia das sociedades secretas, mas também (porque o não dizer?) — o individualismo na Igreja!
Mas que é o individualismo na Igreja? Tem muitos e variados matizes, desde os moldes estreitos e mesquinhos em que se prende o Evangelho, até as alianças do mundo. Ora, é o farisaísmo, que não vê senão a letra que mata, sem ver o espírito que vivifica; ora é a falsa prudência, que não tem senão as mais culpadas tolerâncias para os poderosos e os grandes do seculo; ora é o rilo, além do qual não transcende o culto, e que o Messias verberou em veementes apóstrofes; ora, a ausência de toda gravidade no serviço de Deus. Tem mil formas o individualismo na Igreja; mas não posso agora tratar senão daquela forma que tem relação com o meu assunto. O individualismo na Igreja, como hoje o considero, é a devoção incompleta, imperfeita, egoística; é de todas as formas  do egoismo a mais repugnante, porque é o egoismo na religião; é a idolatria do eu transportada do mundo para a Igreja; é a preocupação exclusiva de uma alma temendo a Deus, procurando o perdão de seus pecados, querendo a felicidade do céu, mas fazendo tudo isso somente pelo interesse pessoal, e não por amor, porque não tem piedade, e, se teme a Deus, teme-o como escravo ao senhor, como o súdito ao soberano, não como o filho a seu pai.
É claro que o individualismo não abrange, não pode abranger a dedicação, o devotamento, o amor do próximo; e por isso ele é verdadeiramente, da parte dos católicos Indiferentes a sorte de uma multidão de homens que se debatem no erro, no vício e no pecado, o salve-se quem puder dos grandes naufrágios, transportado para a barca da Igreja.
O individualismo não tem a paixão da verdade, não tem a fome do proselitismo, nem o zelo das almas. Rezam e batem nos peitos, mas a sua oração é uma multíplice infração: infração ao sinal que Jesus Cristo deu da verdadeira piedade; infração ao dogma magnífico da comunhão dos santos; infração à lei fundamental, que é dupla, da devoção.
Quanto ao sinal, foi com solenidade que Jesus Cristo disse a todos os seus adoradores de todos os séculos estas palavras, dirigidas aos discípulos que estavam presentes: — ”Eu vos dou um mandamento novo... é que vos ameis uns aos outros, como eu vos tenho amado... e o mundo conhecerá que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos".
Não absolutamente não há outro sinal para disitinguir o verdadeiro  do falso amor de Jesus Cristo...
Quanto ao dogma, nós, católicos, "somos um só corpo no Cristo, e nós somos membros uns dos outros...” Como o corpo é um, posto que tenha muitos: membros, e como os membros do corpo, que numerosos, não são, entretanto, senão um corpo; assim é o Cristo. Nós todos temos sido batizados num só Espírito para formar um só corpo, seja judeu, seja gentio, seja escravo, seja livre!...
Esta linguagem não é minha, é de S, Paulo; não imagineis apenas uma metáfora o que é a expressão de uma verdade belíssima; como uns membros formam um corpo físico; como a família, a cidade ou a pátria, formam um corpo formam um corpo moral, a Igreja forma um corpo  místico.
Todo corpo físico, moral ou místico é regido pela lei da solidariedade. No corpo físico e humano, cada membro sofre ou aproveita do que se passa nos outros. Se o pé sofre, todo o homem sofre; se a cabeça está doente, a febre invade todo o corpo; se o sangue está em mau estado, o estomago pressente. No corpo moral, se um membro se cobre de  vergonha ou de glória, a glória ou a vergonha ressalta sobre os outros membros da família. Da sorte na lgreja, tudo é comum; e a expressão mais alta da solidariedade é o que se chama, a Comunhão dos Santos, isto é,  a comunhão de vida e de interesses, em virtude da qual o que faz ou que possui um membro da Igreja ressalta sobre outros; e não só ha comunhão dos membros da comunhão dos membros da Igreja com Jesus Cristo que é a cabeça, mas também, os membros entre si compartilham reciprocamente de seus bens e do seus serviços.
Dogma magnífico! disse e repito, porque faz a Igreja Católica uma imensa sociedade de assistência mútua e nos apresenta as três regiões que a Igreja Católica abrange, isto é, a terra, o purgatório e o céu, como três províncias federadas do reino de Jesus Cristo, que as faz solidárias entro si, sendo a obra comum de todas as três a redenção do gênero humano.
Que fraternidade a da Igreja. Que calamidade o individualismo! Mas, o individualismo na Igreja não é só egoísmo dos que, cuidando só e exclusivamente de si próprios ou não se interessam pelos pecadores, ou, se se interessam, fazem-no de modo incompleto. E também uma grande lacuna na devoção dos católicos. A lei fundamental da devoção é dupla: a intercessão e a espiação. Interceder é bom; expiar, melhor. Que vemos presentemente? Peregrinações, festas, associações, criação de santuários, sinais de que ha ainda a intercessão. Mas, a expiação e a penitência?
Não é certo que elas estão esquecidas? Por isso mesmo não aparecem ou são raríssimas hoje as conversões. As causas são muitas; mas a principal, diz o Padre Desurmont, grande escritor ascético, é que os devotos não são devotos completos, os católicos não são católicos completos, os cristãos não são inteiramente cristãos e as pessoas consagradas a Deus não são santas quanto deveriam ser.
Numa época de tão grande decadência moral é mister que estas verdades sejam proferidas; ou então não somos dignos do reino de Deus.
O reino de Deus, é verdade, só na segunda vinda: será um reino completo; mas, desde já é uma realidade para lodos os que se queiram incorporar à nova Humanidade de que Jesus é o chefe.
Que é o reino de Deus? a humanidade, diz um filósofo cristão, só conhecia três reinos: o da matéria, o reino animal e o da razão. O homem só operava nesta tríplice esfera; Jesus Cristo, porém, lhe revelou uma nova esfera, um novo horizonte, um novo reino. Este é o reino de Deus, de todas as concepções a mais vasta que a História registra,
porque é o espírito de Deus tomando no Cristo e pelo Cristo posse da humanidade, libertando-a da escravidão dos sentidos, das brutalidades da matéria, dos devaneios da razão, e elevando-a a uma vida mais alta, à vida divina. O reino de Deus não é uma autocracia, uma monarquia ou uma rede pública, uma forma política ou social para proveito de uns com exclusão de outros; é um reino, cujo chefe é Jesus Cristo, cuja lei é vontade de Deus, e cujos súditos são todos os homens. Todos, por que Jesus Cristo convida para o seu reino todos os povos e todas as raças. O reino de Deus não tem o fronteiras; desafia todas as nossas mesquinhas concepções do cosmopolitismo. É o reino universal, eterno, que tem começo desde já e deste já se desenvolve, mas que só encherá o universo no seu triunfo definitivo, isto é, na segunda vinda, quando, numa imensa palingenesia, a humanidade aclamar em Jesus Cristo o rei da criação.
O reino de Deus, como Jesus o inaugurou na terra, parece ser quase unicamente procurado pelos pobres, infelizes e humildes; mas a ingratidão humana não destrói os desígnios de Deus que, no Cristo, o ofereceu a todos os homens.
Todos aqueles a que não satisfaz a realidade presente; todos os que têm um ideal acima das misérias da terra; todos os que têm fome e sede de Justiça podem e devem entrar no reino de Deus. Porque não entram? Porque o reino de Deus sofre violência, isto é, porque não faz parte dele senão renunciando-se a si próprio no que se tem de viu, de imperfeito e de mau.
Os orgulhosos, os satisfeitos de si próprios, os inchados de ciência, os escravizados por suas paixões não entram, não podem entrar no reino de Deus, que começou na primeira e se completará na segunda vinda de Jesus Cristo.
O reino de Deus tem, portanto, uma evolução histórica, ao mesmo tempo divina e humana, e que deve encher todo o intervalo entre as duas vindas Quando se diz: o reino de Deus, não se enuncia uma abstração metafísica, uma fórmula filosófica, uma teoria política, ou uma utopia filantrópica; afirma-se uma realidade ainda incompleta, mas Já esplendida, divina e humanamente falando.
Assim considerado o reino de Deus, como nos ensina um mestre ilustre tem três fases: o começo, o desenvolvimento, e a consumação. O começo se concentra em Jesus e na revelação divina que Ele trouxe ao mundo. o desenvolvimento se opera na Igreja e sua marcha através dos tempos. A consumação será o epílogo glorioso da humanidade na segunda vinda de Jesus Cristo.
Essas três fases ligam-se uma à outra, procedem uma da outra, e de tal modo, que o reino de Deus abrange a totalidade dos tempos e dos séculos; é inseparável da Historia, a qual, ao passo nos mostra nos fatos messiânicos uma evolução, ao mesmo tempo divina é humana, da primeira vinda do Messias, prometido, desejado, esperado no decurso de quarenta séculos, nos mostra também uma evolução divina e humana da segunda vinda, em fatos históricos de vinte séculos, realizando sucessivamente todas as promessas de Jesus Cristo.
A evolução histórica da segunda vinda perfeitamente se carateriza nestes dois períodos distintos; o primeiro, assás longo, em que se desenvolvem os sinais precursores, que Jesus Cristo deu de sua segunda vinda; o segundo, em que, instantaneamente logo que Ele aparecer, se hão de suceder: a renovação do universo, a ressurreição dos mortos, o Juízo final, o fim dos tempos, a realização completa do reino de Deus.
Não devo agora tratar destes assuntos; mas, ponderai quanto é frívolo e ridículo o pensamento de tantos espíritos que, falando-se-lhes da segunda vinda, supõem que se trata de um acontecimento problemático, de um episódio duvidoso, de um fato inverossímil, enfim, de uma fantasia ou de uma quimera; quando, pelo contrario, se tasta de uma consequência logica, do um complemento necessário do epílogo de uma obra de Deus na história.
Que fez a História quarenta séculos antes de Jesus Cristo? Preparar a sua primeira vinda. Que faz a historia desde vinte séculos? Preparar a sua segunda vinda, a qual já não se pode duvidar se realize nesta idade do mundo, deste que o Anjo do Apocalipse passou pela terra e deu o tremendo aviso que, com a conveniente e condigna antecedência; devia preceder o dia do Juízo Final.
Esse anjo foi Vicente Ferrer, a mais extraordinária das personagens que, depois dos Apóstolos, a humanidade já viu e de quem a Igreja, reconhecendo que ele era o que afirmava de si próprio, diz na bula de sua canonização: "Ele teve em si os documentos do Evangelho eterno para evangelizar os habitantes da terra, como o ano que voava pelo meio do céu o dia do tremendo Juízo final, para manifestar a toda a gente tribos e línguas, que se aproximava o Reino de Deus e o dia do Juízo”.
Por que motivo a Igreja, num documento autêntico, usa, em relação a um homem, de expressões tão solenes? Porque; durante vinte anos de sua vida, Vicente Ferrer encheu a Europa de prodígios, e porque, apenas baixou ao sepulcro, começaram a aparecer no horizonte da historia sinais precursores, até então invisíveis, dos últimos tempos.
Como esqueceram os católicos fatos desta ordem e como podemos; em relação à segunda vinda de Jesus Cristo, viver sem meditada, ou pensar que é uma coisa sempre longínqua, muito distante de nós?!...
Pois bem; Afirmo o contrário ; e, afirmando a proximidade da  segunda vinda de Jesus Cristo, não profetizo; anuncio.
A profecia já foi feita há vinte séculos: e por Aquele que deu os sinais para, reconhecermos a época da segunda vinda.
Ainda que eu não fosse padre, Isto é, mais do que profeta, também profeta não precisaria ser para estudar a nossa época, distinguir os sinais do tempo, e exortar os meus semelhantes a não se iludirem quanto à segunda vinda, como os judeus que, por não saberem ler as Escrituras, se iludiram quanto à primeira.
Não profetizo; faço mais do que isso: anuncio!
Precisais de luz, que vos esclareça, de graça que vos ilumine, de força que vos encoraje face deste grande e formidável assunto, o maior que o púlpito cristão presentemente possa oferecer?
Hoje é um dos maiores dias da humanidade e da Igreja; e o dia mais apropriado para alcançardes do céu essa Iuz, essa graça, essa força...
Volvei séculos na fantasia; transportai-vos pela imaginação à mais formosa parte da Asia... Entrai na cidade célebre, de que o Tasso disse, em magníficos versos, avistando-a, no fim de doce peregrinação:
"É ela, é ela mesmo, outra não pode ser,
Que outra cidade pode esta beleza ter?
Um coro de mil vozes em mística união
Brada: é Jerusalém; é a filha de Sião!”
Entrai em Jerusalém... Contemplai o que no Cenáculo se realiza no dia de hoje. É a maior e a mais estupenda do todas as transformações. Um punhado de homens fracos, covardes e inermes a ergue-se intrépido, audaz, valoroso. Num momento se lhes dissipam as trevas da inteligência; iluminados, compreendem o plano divino da Redenção. Num instante, o medo que os fizera fugir do Calvário, onde o Amigo Divino e Mestre Incomparável tinha selado com o seu precioso sangue o testamento universal do Amor Infinito, é substituido pela coragem com que afrontam todas as potências do mundo.
Que tinha sucedido?
O Espírito Santo descera sobre os Apóstolos e os discípulos reunidos no Cenáculo de onde sai, num impeto inflamado, para avassalar todo o universo, a revolução que propôs à humanidade, para todos os séculos da sua vida terrestre, a adoração de um Deus morto!
Estamos também no Cenáculo.... Apóstolos e discípulos estamos reunidos.. Este.dia é verdadeiramente o dia de Pentecostes.
Não é um tropo, uma figura, uma prosopopeia, o que afirmo. Na Igreja nada passa, nada se extingue, nada morre; tudo continua, tudo é perpétuo, tudo é imortal.... Como a paixão e a morte, como o Calvário de Jesus Cristo se reproduzem quotidianamente, incessantemente, em toda a superfície do globo, pela realidade da Missa; também, pelos méritos da Igreja cada Templo é um cenáculo, onde o Espírito Santo se derrama sobre os fieis que suplicam a sua efusão.
Supliquemo-la, essa efusão, e estejais certos de que, da mesma sorte que os Apóstolos e os discípulos em Jerusalém, saindo do Cenáculo, Já não Temiam proclamar a ressurreição do Deus-morto; também vós, saindo hoje deste Calvário, para em entrardes na cidade, que é a nossa Jerusalém, não temereis nem no lar, nem na família, nem na cidade, proclamar a vinda gloriosa, não do Deus-morto, mas do Deus-vivo.


VIII


OS SINAIS MANIFESTOS E BEM VISÍVEIS, NA NOSSA ÉPOCA, DA SEGUNDA VINDA DE JESUS CRISTO

Ai dos habitantes da terra, porque, presentemente, se mostram falsificados dos sentimentos terrestres o mais puro: — o patriotismo, e dos sentimentos divinos o mais belo: — a caridade.
Muitas são as causas que corromperam e degradaram o patriotismo. A vaidade política, a astúcia diplomática, o orgulho nacional, a ambição de poderio e de gloria bastariam, sem dúvida, para explicar como se disfigura, na nossa época, a noção da pátria, e como os espíritos menos orientados pelo verdadeiro civismo e os povos menos solícitos da verdadeira grandeza moral, são esses precisamente os que se inculcam arautos de uma nação, ou modelos dos outros povos.
Bastariam essas causas; mas eu quero assinalar outras, não sem primeiro fazer menção de uma enorme contradição da nossa época no que diz respeito ao fenômeno de que se trata. De um lado, o ideal que prepondera na política, na diplomacia a na educação cívica dos povos é o da elevação de uma pátria sobre as outras, seja pelo progresso e industria, seja pela guerra e conquista. De outro lado, o que mais fascina, hoje, os espíritos é o humanitarismo, isto é, a federação universal dos povos, a totalidade, a universalidade das relações internacionais; é o pacifismo, para o qual a nossa época faz congressos, mas contra o qual,
ao mesmo tempo, prepara o militarismo, a guerra, a conquista. Assinalada a  contradição, devo ainda acrescentar às causas já apontadas da decadência do patriotismo: a confusão do governo com as pessoas que o exercitam e a concepção errônea do cosmopolitismo.
Sabem todos, por instinto, o que é, o que deve ser a pátria. Integralmente considerada, a pátria não é somente o presente; é também o passado. Não é somente o progresso; é também a tradição. A pátria, disse uma voz eloquente, é o berço, a terra natal, a família, a cidade; é uma coisa bela nos sonhos da mocidade, é uma coisa santa nas meditações da idade madura.
Permti que eu acrescente às palavras tão belas palavras minhas. A pátria não é somente o direito, a justiça, o parlamento, simples órgãos pulmonares de um povo, que não respira se não tem vida, e a vida de um povo é o sentimento grande  e forte que tem de Deus. A patria não é somente a bandeira que cobre as pelejas, o sangue que ensanguenta as guerras, o entusiasmo que afronta a morte. A pátira é Deus nos combates, porque é Deus que faz o verdadeiro soldado. A pátria não é somente o entusiasmo que fascina, a liberdade que arrebata, o amor que encanta, Não; a pátria não está somente nestas coisas grandes e belas: a vida, a liberdade, o amor. A pátria para um homem é também a sua pia batismal, o templo dos seus antepassados, a oração que sua mãe lhe ensinou na infância, cruz luminosa que ela lhe mostrou nas paredes do lar domestico, o afeto sacrossanto que da alma materna transbordou na sua, nesta palavra a mais bela de toda língua humana: Deus!
Vós compreendeis como esta noção cristã da pátria está longe da noção dos que a confundem com o governo, com os governantes, ou com a noção dos que pretendem absorver o patriotismo no cosmopolitismo.
O governo de um pais não é a nação, muito menos a pátria. Os governos mudam; as formas políticas variam; os governantes sucedem-se; a pátria permanece.
O cosmopolismo, como o entendem modernamente é um erro. Dizer como Renan que a pátria é um complexo de ideias e de preconceitos limitados, é afirmar um absurdo; é pretender com Brison que o patriotismo exclui a união universal e fraternal dos povos, é repudiar o Evangelho.
O patriotismo é uma afeição legitima, consagrada por Jesus Cristo, Ele veia à terra, é certo, para fazer a unidade entre os homens e substituir aos egoísmos ou defeitos de nacionalidade a ideia de uma nova humanidade, em que por dizer não haja Judeu, nem Gentio, nem Grego, nem Bárbaro. É preciso, porém, distinguir, na personalidade de Jesus Cristo, sua natureza humana e sua missão, Sua missão fazia dEle o homem de todos os tempos, de todas as raças; de todos os lugares, sob o ponto de vista da vocação à vida sobrenatural. Sua natureza humana fazia dEle o cidadão de uma pátria definida, com sentimentos e deveres que Ele não quis repudiar. Jesus quer na terra um só rebanho e um só pastor; eis a humanidade. Mas, ao mesmo tempo, Ele é o Filho de Davi, a gloria do povo de Israel, e, como foi gravado da inscrição da Cruz, o rei dos Judeus: eis a pátria, Alguém escreveu: a humanidade tem o amor, mas à Pátria tem as ternuras de Jesus. Pátria é humanidade, portanto, não se excluem, harmonizam-se no reino de Deus, que terá na segunda vinda de Jesus Cristo, não somente a aclamação triunfal das almas e dos povos cristãos, mas também o Hosana da humanidade!
A falsificação da caridade, presentemente, não é menor que a do patriotismo. O que se chama filantropia apoderou-se dos espíritos; e, mesmo quando a palavra caridade não é excluída e substituida por neologismos vãos e ridículos, a ideia que prepondera é a que confunde a caridade com o serviço, o obséquio, a esmola, a beneficência, a compaixão natural.
O apostolo S. Paulo disse: ”Se eu falar a língua a dos homens e dos anjos, e não tiver caridade, sou como o metal que soa, ou o sino que tine. E se tiver o dom da profecia, e conhecer todos os mistérios e quanto se pode saber; e se tiver toda a fé até ao ponto de transportar montanhas e não tiver caridade, não sou nada. E se distribuir todos os meus bens para o sustento dos pobres; e se entregar o meu corpo para ser queimado, e não tiver caridade, neda disto me aproveita".
Comparai, senhores, comparai esta noção da caridade com a da época moderna, e dizei-me o que pensar de tantos espíritos, sem exclusão de exclusão de católicos, que se supõem caridosos, porque se compadecem das misérias físicas do homem, porque dão esmolas, porque concorrem para a construção de asilos, hospitais, orfanatos"...
Grande e belo, não o contesto, é isso que se pode chamar o apostolado das misérias físicas. As dores, as lágrimas, os gemidos do homem hão de sempre enternecer o coração; nem se há de desprezar, pelo contrário muito é para lourar a solicitude de todos os que se dedicam, de vários modos, ao alívio dos indigentes, ao socorro da pobreza. Jesus Cristo sagrou, com o seu exemplo, essa solicitude e Jamais a Igreja foi Indiferente às necessidades materiais do homem. Não nos esqueçamos, portanto, de que mesmo nessa solicitude deve entrar a caridade; e que os ricos, em relação aos pobres, devem estar compenetrados da ideia, que nos dá a Escritura, quando diz: — ”Beatus qui intellgit super egenum et pauperem”, Feliz aquele que compreende o que é o pobre! Não basta olhar o pobre com os olhos da carne; é preciso olhá-lo com os olhos da inteligência e da fé, vendo nele uma representação mística do Cristo, o grande Amigo dos pobres, o Bemfeitor: compassivo de todas as misérias humanas, e que chorou vendo a multidão esfomeada, — misereor super turbam, — como diz o Evangelho.
O Cristo, porém, não fazia um só benefício ao corpo do homem, sem erguer mais alto o seu intuito e sem dar á bondade da esmola o amor das almas que não existe, hoje, na filantropia dos que confundem a compaixão natural com a caridade. A confusão é grande e lamentável; mas não preciso insistir. No que preciso insistir é que, se filantropia da nossa época basta para dar alívio à compaixão que todo o homem sente, vendo em semelhantes a lepra, a úlcera, a gangrena, não basta para cumprir o mandamento da caridade; não para amar a Deus, identificar-nos com Jesus Criso, nessa caridade que Ele próprio falou aos apóstolos, descrevendo uma, das cenas mais grandiosas da segunda vinda.
A segunda vinda de Jesus Cristo ficou anteriormente demonstrado, não é uma hipótese, uma realidade, uma simples aspiração piedosa; é uma promessa do próprio Jesus Cristo, a qual, sendo o complemento do reino de Deus, que Ele inaugurou na terra, tem por isso mesmo e implicitamente nos fatos históricos que desenvolveram esse reino, uma evolução que ao mesmo tempo é divina e humana. É divina, porque faz parte da revelação a sua marcha histórica. É humana, porque, não só a revelação é um fito histórico; são tambem históricos todos os outros fatos, sobre os quais repousam as verdades da fé.
Uma evolução, onde quer que ela se realize envolve um complexo de fatos que, não só a caracterizam, mas que também servem de sinais para ser reconhecida. Ora, quais são os sinais da segunda vinda de Jesus Cristo?
A Tradição a Escritura, o Evangelho, e de acordo com todas essas fontes da verdade católica, o ensino dos Padres e Doutores da Igreja no-os dão, para governo e direção nossa, como também para justificação da Divina Providencia, a qual não quer que o último ciclo da humanidade no planeta se feche inopinadamente; e por isso a Igreja, proibindo que se marque o dia é a hora, exorta, de vários modos, os fieis a estudarem a época e examinarem os sinas da segunda vinda de Jesus Cristo.
São de duas especies esses sinais: uns que de vem preceder, outros que devem acompanhar a segunda vinda; uns anteriores, outros concomitantes. É preciso não os confundir, como muita gente o faz, tendo sempre no espirito, como sinais únicos da segunda vinda, a perturbação universal do globo terrestre, o escurecer do sol, a invasão das águas; ou, então, o aparecimento do Anticristo e a grande batalha que este deve, em todo o mundo, travar contra a Igreja. Ora, os sinais físicos, de que se trata, são sinais concomitantes, e o simples bom senso diz que não devemos esperá-los para a segunda vinda: O aparecimento do Anticristo, seu reinado e a grande batalha universal precederão de pouco a segunda vinda; e igualmente o bom senso nos ensina que não devemos guardar o preparo das nossas armas para a ocasião em que o inimigo já tenha aparecido e travado o combate.
Que sinais nos ficam então para que, examinados, possam ser nosso socorro e nossa garantia? Os que precedem, com maior ou menor intervalo, a segunda vinda de Jesus Cristo. Esses sinais, caracterizados por fatos, se formam, se desenvolvem e se completam. Os principais são: a apostasia das nações, a raridade da fé, a pregação universal do Evangelho, a conversão dos Judeus, e esse que dentre todos, na nossa época, se destaca como o grande sinal, isto é, o excesso da vida material.
1o Apostasia das nações. — Absolutamente necessária aos homens, a fé também é absolutamente necessária às nações. É um dogma que as nações pertencem a Jesus Cristo: é um fato, entretanto, que mais ou menos todas elas, não católicas, ou mesmo católicas, têm apostado da fé e repudiado Jesus Cristo.
Desde que o paganismo, do sepulcro em que o cristianismo o lançara, foi desenterrado pela renascença, que de novo o introduziu nas letras, nas artes, na filosofia e na política, a tendência das ações foi secularizarem-se cada ver mais, entendendo-se por secularismo o repúdio sucessivo do todos os laços, que uniam a religião aos governos, e a Igreja ao Estado. Não só o cisma e a heresia afastaram reinos inteiros das relações que mantinham com a Igreja; não só, pela chamada reforma, a maior parte da Europa se tornou protestante; as próprias nações católicas foram a pouco e pouco afastando de seus códigos e constituições a base cristã, proclamando em sua legislação todas os liberdades incompatíveis com a preponderância da religião nas relações da vida pública e até da vida privada. Secularizar o casamento, secularizar o ensino, secularizar a educação, secularizar a política, desprendê-la completamente de toda a Influência cristã: eis o ideal mais ou menos realizado das nações modernas, tanto na Europa como na América, onde uma nação, o Brasil, publicamente, oficialmente, proclamou a sua apostasia, banindo Deus de todos os seus códigos e leis, do seu ensino, da sua educação, da sua política e do seu governo.
Dominadas todas, desde 1789, pelo espírito revolucionário, que fez dessa data a maior das catástrofes da história, as nações, na sua quase totalidade, são presentemente pagãs. Não é isto uma declamação, mas uma verdade de bem fácil demonstração.
Qual era a essência do paganismo? Não era, sem duvida, a adoração exterior dos ídolos; era o divórcio entre o homem e Deus. Na ordem intelectual, a emancipação da razão em matéria de dogma; na ordem social, a emancipação da autoridade divina em matéria de governo; na ordem moral, a emancipação da vontade em tudo o que diz respeito aos costumes; na ordem material, a emancipação da lei divina do progresso pelos excessos da civilização material. Ora, qual destes erros não tem sido adotado pelas nações modernas, sem excetuarmos as chamadas nações católicas?! Todas, mais ou menos, estão paganizadas; em todas o espírito revolucionário que as domina e escraviza formou, desenvolveu e tem quase completado a apostasia, que é um dos sinais da segunda vinda, sem que isto exclua os castigos que desde Já lhes vaticinam a filosofia da história, a previsão de grandes homens, o socialismo armado. A filosofia da história, porque esta mostra que pecados iguais atraem castigos idênticos, não podendo, por isso, as nações modernas escapar aos castigos que caíram sobre os povos pagãos. A previsão de grandes homens, entre muitos outros Napoleão, Donoso Cortez, De Maistre, anunciando ao mundo esta dupla barbárie: — a selvagem, que será a dos novos Bárbaros; a sábia, que será a dos revolucionários. O socialismo armado, porque este Já brada e reclama e ameaça.
2o Raridade da Fé. — A Fé é rara presentemente. Para que o negar? S. Paulo tinha profetizado, sem dúvida, o mais anômalo de todos os fenômenos contemporâneos, quando — disse: ”tempo virá em que os homens não suportarão a sã doutrina, mas, impelidos por desejos insensatos e um prurido doentio dos ouvidos, escolherão mestres ao seu arbitrio, fugirão da verdade e voltar-se-ão para as fabulas”.
Presentemente não é só para a fé prática, como a prova o abandono quase universal dos sacramentos, principalmente pelos homens. É para também, e raríssima, a própria fé teórica; pois que, por toda a parte, se verifica um modo de pensar completamente oposto ao Evangelho, e opiniões, máximas, Juízos, diametralmente opostos aos de Jesus Cristo. Mesmo fazendo exclusão dos incrédulos, a fé não se encontra inteira, completa, integral, na maioria dos que se dizem crentes e católicos. Não são poucos os que aceitam certos dogmas, e recusam outros; os que praticam a religião, mas, dominados pelo respeito humano, fazem o menos possível, e quanto possível, às escondidas; os que creem e praticam, porém, maquinalmente; sem consciência do que creem, e do que praticam: os que misturam o profano com o sagrado, fazendo da igreja um ponto de reunião, um passatempo, ou uma simples conveniência de família e de educação. Onde, hoje, a fé intrépida, valente, audaz? Onde?!
Aliás, neste assunto, é preciso dize-los: antigamente havia heresias, hoje não há mais; porque se fundiram todas numa só: o racionalismo:
Sim; o racionalismo abrange presentemente todas as heresias: É a idolatria do homem pelo homem; é o culto do Eu; é a prática das religiões mais extravagantes e absurdas, substituindo a prática da religião revelada.
A fé é rara, quer se trate de fé nacional, e Já vimos a conduta das nações modernas; quer se se trate de fé individual, impossível com as várias formas, que se notam hoje, do chamado pecado de sangue frio, o qual se traduz em muitas, e principalmente nestas iniquidades: a profanação do domingo; o desprezo do jejum e da abstinência; o lucro ilícito na compra e venda; a fraude em todos os contratos; a falsificação dos gêneros, pesos e medidas; a violação das leis fisiológicas do matrimônio, crime monstruoso, luta abominável contra a natureza, contra a religião e contra o próprio amor!
Não há, nem nos povos, a fé nacional, nem numa multidão de homens, a fé individual. Haverá a fé doméstica? Não contesto que ela existe ainda em Iares benditos, em famílias abençoadas; mas, se peneirardes em muitos lares, se observardes o que se passa em muitas famílias, vereis, é certo, duas bandeiras diferentes desfraldadas no mesmo suntuário: a que as mães e filhas sustentam e que diz Fé, e a que sustentam os pais e filhos e que diz Incredulidade.
3o Pregação universal do Evangelho. — Sobre a pregação universal do Evangelho, terceiro dos sinais enumerados, duas coisas, dizem os intérpretes, devemos observar.
Primeira. Não é mister que, antes do Juízo final, o universo inteiro a um tempo conheça ou — professe a religião católica; basta que aos poucos, e sucessivamente ela tenha sido pregada em todo mundo, de outra tenha desaparecido pela heresia, apostasia: ou idolatria. Não é necessário que seja novamente pregada pelos próprios apóstolos, e onde, em épocas remotas, já foram numerosas as igrejas fundadas. A obstinação do Oriente, a cegueira da África não provam contra a universalidade atual da pregação evangélica.
A segunda observação a fazer é que, graças da incessantes viagens de numerosos navegadores, Já se pode afirmar que todo o globo foi percorrido, por mar e por terra; e que nas cinco partes do mundo, por toda a parte, penetrou o Evangelho.
4o A conversão dos Judeus. — Fenômeno em que quase ninguém reflete é esse que o mundo já desde a revolução francesa, a conversão dos Judeus. Como é de fé que, durante a perseguição do anticristo, o povo Judeu em massa deve voltar a Jesus Cristo, era mister que, dispersado como foi pelo mundo, e por todas as nações odiado e desprezado, começasse, com a devida antecedência, a receber o influxo da civilização cristã. Pois bem; a revolução francesa, como mostra ilustre historiador, foi o instrumento de que Deus se serviu para colocar os Judeus no caminho da salvação. Emancipando os Judeus (o que ela tez por ódio anticristão), a revolução de oitenta e nove não fez senão realizar um desígnio divino, isto é, por o judaísmo em contato tão imediato com o cristianismo, que ele se quebrou em pedaços, exatamente como um vaso de barro arremessado contra outro de ferro.
O judaísmo acabou, como sistema religioso. Inumeráveis conversões se operaram. Os Judeus penetraram por toda a parte. Em todos os países, voltam á fé tradicional. Do século passado para cá é tão estupendo o número de conversões, que Drach verificou terem-se convertido, em dez anos, mais Judeus do que antigamente em dois séculos!
5o Excesso da vida material. — Esse é, como disse, o que dentre todos se destaca, na nossa época, como o grande sinal da segunda vinda de Jesus Cristo.
Qual será, perguntaram os discípulos ao Divino Mestre, o sinal da vossa vinda e da consumação das coisas?
Depois de ter dito aos discípulos que do dia e da hora do fim dos tempos não fária a revelação, acrescenta que, de sua segunda vinda, poderão eles reconhecer a época, pelo sinal que lhes vai dar:
"Sucederá na segunda vinda, diz Jesus Cristo, a mesmo que sucedeu no tempo de Noé. Do mesmo modo que antes do dilúvio estavam os homens comendo, bebendo, casando-se, até o dia em que Noé entrou na arca, e não conheceram que vinha o dilúvio, senão depois que ele veio, e os levou a todos, assim sucederá, quando vier o Filho do Homem, Como sucedeu também no tempo de Lot; os homens comiam, bebiam, compravam, vendiam, plantavam, edificavam... e caiu do céu o fogo que consumiu a todos. O mesmo será no dia em que aparecer o Filho do Homem".
Analisemos este sinal, e impossível será que a nossa época não nos encha a todos de uma imensa compaixão; porque ela é claramente, evidentemente a época prevista, e descrita por Jesus Cristo como o grande sinal da sua segunda vinda.
Que pecado há em comer, beber, casar, plantar, edificar?! Evidentemente nenhum, se todos esses atos necessários ao homem, se todos esses atos necessários pelo homem ele os pratica nos limites prescritos pelas próprias necessidades. Que quer então Jesus Cristo significar com isso? Quer significar, dizem os interpretes da Escritura, que Ele ha de voltar, quando a maioria dos homens viver apenas para o corpo: quando comer, beber, vender, comprar, construir, forem a ocupação dominante dos homens; quando, abismados na matéria e escravos dos sentidos, a riqueza, o bem estar físico, o gozo, o prazer, forem o cuidado que lhes absorva o tempo, nenhuma impressão lhes causando as promessas de Jesus Cristo e a voz da Igreja!
Contemplai o excesso de vida material na nossa época: Vede não só o homem animal de que fala S. Paulo, absorvido pela preocupação do dinheiro e dos negócios, indiferente a tudo que não é sensível e material; vede também o que querem, cada qual para seu turno, a política, a indústria, o comércio, a administração, o governo, todos a porfia, trabalhando exclusivamente para o progresso material das nações; vede o que mais ardentemente desejam os povos, descontentes inquietos, rebelados contra toda a autoridade política, não porque detestem realmente o despotismo, ou amem realmente a liberdade, senão  apenas porque aspiram, como o povo romano, no paganismo antigo, panem et circenses — comida e prazeres; vede, é impossível não reconhecerdes no excesso material da sociedade contemporânea uma cópia fiel do excesso material que precedeu o dilúvio, e de que Jesus Cristo fez o grande sinal da segunda vinda.
Todos os sinais enumerados, como já foi dito, se formam, se desenvolvem e se completam. Não se pode precisamente dizer da apostasia das nações, da decadência da fé, da pregação universal do Evangelho e da conversão dos judeus — que nada falte a esses sinais para serem completos, podendo ainda sobrevir alguma coisa. o sinal, porém, dado por Jesus Cristo e que consiste no excesso da vida material da nossa época, parece ter atingido o seu inteiro desenvolvimento, parece completo.
E para que nos iludirmos?! Chegou a época difícil, há vinte séculos apontada por Jesus Cristo, e na qual o homem (oh que traços tão exatos dados profeticamente por S. Paulo!) altivo, soberbo, blasfemo, amante de si mesmo, guarda ainda uma aparência de piedade, mas absolutamente não tem esta virtude, nem a terá, porque aprende sempre, sem chegar nunca ao conhecimento da verdade!
Chegou a época difícil! Que recurso nos resta? Defender a alma! Sim, defendê-la, porque tudo conspira contra ela. Conspiram hoje contra a alma, no mais pavoroso de todos os conluios que o Inferno já fez com o mundo: a mistificação do espiritismo, impelindo-a ao culto real do Demônio, que verdadeiramente sob mil fraudes e astúcias a domina e governa; a aberração monstruosa do positivismo, fazendo a, na mais quimérica das abstrações, adorar—se a si própria; a perfídia das seitas protestantes, desviando-a do Evangelho e da Igreja; as traições e maldades da Maçonaria, fazendo-a receber como ouro puro da caridade a falsa moeda de sua apregoada filantropia; o ceticismo ridículo de milhares de jornais estimulando-a, com zombarias e escárnios, ao desprezo das verdades mais úteis e necessárias da Religião.
Mas não conspiram hoje contra a alma humana, somente o espiritismo, o positivismo, as sociedades maçônicas, a imprensa libertina. conspiram contra ela a ciência, a política, a arte, a própria poesia! Sem duvida, a ciência que conspira contra a alma, não é a ciência verdadeira; nem a política, que animaliza o homem, é a nobre função de governar; nem a industria, que só vê nele o corpo, é o verdadeiro gênio do progresso; nem é este que  se inspira só na matéria, é a que emana do verdadeiro e do belo; nem a poesia, que decanta as podridões do pecado, é essa que repercute no exílio da terra a harmonia do céu. Mas que importa? O mal se propaga; a peste lavra; a impiedade, como um mar, invade tudo: o lar, a fé, a cidade, a pátria, a humanidade.
Oh! meus amigos, neste naufrágio, maior que os de que tendes tido notícia ocorridos no oceano, porque é um naufrágio espiritual, e o mais triste de todas as épocas, porque é um naufrágio na alma, oh! perdei tudo neste naufrágio, a riqueza, o poder, a tranquilidade, a paz; defendei, porém contra tudo e contra todos, a vossa alma criada por Deus e para Deus, e por isto mesmo consagrada pelo Cristo que; na primeira vinda, a resgatou com seu sangue, e na segunda vinda lhe dará a eterna felicidade, entre os esplendores do amor no Infinto!


IX

COMO NÃO TARDA QUE JESUS CRISTO APAREÇA, TRIUNFANTE E GLORIOSO, NA HARMONIA, NA POMPA E NA JUSTIÇA DA SEGUNDA VINDA

Ai dos habitantes da terra, porque tudo prenuncia um grande e extraordinário acontecimento na nossa época; porque a previsão de grandes pensadores, a filosofia da história e uma série de fatos contemporâneos fazem esperar a maior e a mais estupenda das intervenções da Providência Divina na marcha do mundo; porque o próprio mundo está, posto que sem discernir qual seja ele, na expectativa de um sucesso formidável, que mudará a face do universo; e, entretanto, por toda a parte, em enorme maioria, os habitantes da terra vivem, como os contemporâneos do dilúvio, engolfados no presente, descuidados do futuro, absorvidos pelos negócios, só sensíveis aos prazeres e aos gozos terrestres, sem nenhuma preocupação pelo sobrenatural e o divino!
Há, disse e repito, uma expectativa universal! Consciente ou inconsciente, o mundo está sob a impressão e a influência desta expectativa. Ela não é clara, luminosa, fulgurante, como a do messianismo, que precedeu a primeira vinda de jesus Cristo, mas é real e ressalta de todas as tristezas e decepções da civilização moderna. O ruído das fábricas, o fabrico das armas, o espetáculo das populações proletárias, os gemidos do pauperismo, as ameaças do socialismo, a hipótese, não poucas vezes formulada, de novos bárbaros e novas invasões, tudo isso, sem dúvida, faz do nosso período histórico uma época dramática, cheia de terror e de lágrimas. Mas não é isso precisamente o que caracteriza a expectativa atual.
O que a caracteriza, dando à nossa época a aspiração irreprimível de um remédio sobrenatural e divino aos males da humanidade, é a incapacidade radical da ciência e a inércia já verificada da política, para a felicidade do homem; é o malogro completo dessa felicidade pelo pela instrução e pelo progresso. É nisto que se funda a previsão de grandes pensadores, quanto a uma próxima intervenção de Deus na marcha do mundo.
Por seu turno, a filosofia da história afirma que, sendo a história, não uma crônica ou uma gazeta, mas uma construção, ao mesmo tempo humana e divina, obedece a leis, entre as quais, a da analogia, e esta nos autoriza a afirmar que, como a experiência já feita pela humanidade, da sua miséria, determinou da parte de Deus um grande remédio, isto é, a misericórdia da primeira vinda de Jesus Cristo; a experiência já completa do orgulho da humanidade vai determinar, pela contumácia, de que este se reveste, o castigo que deve ter, isto é, a justiça da segunda vinda de Jesus Cristo.
Quanto à série dos fatos contemporâneos que anteriormente enumerei e analisei: apostasia das nações, raridade da fé, pregação universal do Evangelho, conversão dos judeus e excesso de vida material, aos que me ouvem ou leem, sejam católicos ou não católicos, absolutamente lhes não assiste o direito de negar a realidade de tais fatos. Negar tais fatos é negar a verdade notória, histórica; é negar a verdade conhecida, o que constitui um pecado contra o Espírito Santo. Se se trata de um católico, reconhecer tais fatos, mas não acreditar que sejam sinais da maior ou menor proximidade da segunda vinda, é repudiar um ensino tirado da Tradição, da Escritura, do Evangelho, e  da lição dos padres e doutores da Igreja.
O pecado dos que não são católicos, quando negam a verdade conhecida, é grande, e a Escritura o apresenta como uma das formas, mais odiosas da repulsa do Espírito Santo pelo homem que, se é um cego quando, contemplando as magnificências e as belezas do universo, não vê a ordem, a harmonia, a onipotência e a fecundidade de Deus-Criador; se é um ingrato quando, respirando a atmosfera cristã que Jesus Cristo deu ao mundo em prodígios de amor infinito, não vê nesses prodígios a bondade, o devotamento, a misericórdia de Deus Redentor; é em toda a realidade uma criatura racional que se degrada e se avilta a si própria quando, resistindo às graças que lhe dá o Deus Santificador, prefere conscientemente a mentira à verdade, ou proclamando aquela ou não acreditando nesta. O pecado que nega a verdade conhecida, repito, é grande; mas da parte dos  católicos, mesmo em coisas que não sejam dogmáticas, preferir ao ensino da Tradição e dos doutores da Igreja seus próprios juízos e opiniões, é temeridade e tão descomunal e audaz que não se compreende como neles se possa a devoção com semelhante vaidade.
Como quer que seja, a má vontade dos homens não frustra os desígnios de Deus, que se revelam, neste momento tão solene da história do mundo, pelos fatos que, com antecedência de séculos, foram dados como sinais característicos da segunda vinda de Jesus Cristo.
É Ele que a expectativa do mundo aguarda; sem consciência embora do que vai suceder, mas o mesmo tempo com o instinto divino que o adverte que não pode ser reprimido, de que grandes coisas estão reservadas para a época presente e que razões poderosas de ordem humana e divina fazem acreditar ser esta a ultima época da humanidade.
A filosofia da história, a precisão de grandes pensadores e os fatos contemporâneos, usto é, os cinco grandes sinais da segunda vinda de Jesus Cristo nesta época estão de acordo (e esta é uma consideração valiosíssima) com a grande tradição universal, que fixa a segunda vinda no sexto milênio, cujo fim é precisamente o nosso século.
Que tradição é essa que todos, e principalmente os católicos, precisam conhecer?
É uma tradição, dizem-nos os doutores e os publicistas da Igreja, duplamente respeitável: respeitável pela sua antiguidade, porque vem de eras remotas; respeitável pelos nomes que a corroboram. Comum  aos Judeus e aos cristãos, resume o pensamento dos dois povos; entrou na Igreja; manifestou-se desde os tempos apostólicos e é geral entre os padres e os comentadores, que adotam o sentimento de que a segunda vinda de Jesus Cristo se realizará no século em que estamos.
S. Barnabé e S. Justino, nos tempos apostólicos; os grandes doutores do Oriente e do Ocidente; S. João Crisóstomo, S. Cirilo, S. Hipólito e outros comentadores e escritores mais modernos; o sábio Cardeal Belarmino e o célebre Malvenda reproduzem, comentam e justificam essa tradição, da qual, finalmente, o grande e insigne Cornélio a lápide afirma que, comum,  antiga é provável, ela tem por si os pagãos, os cristãos, os Judeus, os Gregos e os Latinos.
Eis, pois, uma tradição formidável, que, não só demonstra o dever que temos de esperar no decurso deste século a segunda vinda de Jesus Cristo, como demonstra também que a esperança dessa vinda em época anterior à mossa não tinha base nem fundamento, não era a expressão da tradição e do ensino católico, como acontece presentemente, em que vô-la anuncio. Está prestes a realizar-se. Não tarda que Jesus Cristo apareça, triunfante e glorioso, na harmonia, na pompa e na Justiça da segunda vinda.
Na harmonia. — Os dois adventos, isto é, as duas vindas de Jesus Cristo à terra são sempre na Escritura consideradas e descritas diferentemente, mas completamente; uma na fraqueza e na obscuridade; a outra na força, na majestade e no triunfo. Na primeira, vem, compadecido da miséria imensa que quarenta séculos, na mais triste das experiências mostraram ao homem a enormidade do pecado, visitar a humanidade, consolá-la e instruí-la. Na segunda, vem, encerrado o tempo de prova, consumar o destino do homem no planeta, completar o reino de Deus, inaugurar, para o gênero humano, o império da eternidade. Na primeira, vem para expiar, sofrer, morrer. Na segunda, aparece para receber os preitos e as homenagens das almas resgatadas. Na primeira, entra silenciosamente no mundo, e nem os vagidos do Presépio, nem as gotas de sangue do Calvário podem revelar uma Onipotência que se fez tão pequena e uma majestade que se fez tão humilde.
Na segunda, aparece como o senhor do Universo, que será então não mais um asilo em que Jesus residirá por algum tempo, mas um trono em que se assentará eternamente. Desta antítese que é só aparente, decorre a mais bela e a mais inefável das harmonias que, caracterizam todas as obras de Deus.
Que seria em Jesus Cristo a humilhação da primeira vinda sem a glorificação da segunda? Um absurdo, se considerarmos a grandeza de Deus; um contra-senso, se considerarmos a pequenês do homem. Sem a segunda vinda, a obra de Jesus Cristo, isto é, o reino de Deus não teria significação, pois que seria uma obra sem epílogo, e o homem seria mais poderoso para zombar da misericórdia de Deus, do que Deus para tirar da sua misericórdia desprezada a glória que, deve confundir o homem.
Vede! a segunda vinda é uma harmonia! O calvário, isto é, a morte de um Deus, imolado pela humanidade, exige que humanidade, coletivamente, veja a sua glorificação.
Também, e por isso mesmo, ainda no meio das dores, envolvido de ignominias, oprimido pelos pecadores, perseguido, Julgado, condenado pelo mundo, o Homem—Deus não afastava nunca de seus olhos a visão magnifica de sua segunda vinda, na qual o mundo que procurou confundi-Lo é por seu turno confundido, assistindo na aclamação universal da terra e dos céus, o triunfo que Ele anunciou mais de uma vez aos seus inimigos, afirmando que veriam mais tarde aparecer vitorioso, sobre as nuvens, com grande poder e grande majestade.
Na pompa. —— O triunfo de Jesus Cristo na segunda vinda exige uma pompa proporcional à sua grandeza; exige que no cenário do universo, que deve receber o seu Monarca, tudo se prepare para recebê-Lo. Por isso é que os intérpretes assinalam, quanto à segunda vinda de Jesus Cristo, dois períodos distintos: um longo, em que os sinais precursores com antecedência de tantos séculos indicados pela Tradição, Escritura, Evangelho, Doutores da Igreja, se formam, se desenvolvem e se completam, como já anteriormente ficou demonstrado; o outro rápido, um quase que instantaneamente, Jesus Cristo, aparece e se realizam as grandes e últimas cenas do drama humano.
Se, portanto, tantos séculos têm sido necessários para o complemento do reio de Deus, dai não devemos tirar nem motivo de desânimo, nem motivo de incredulidade. Não esperar, e não esperar firmemente, numa crise humana tão dolorosa, numa apostasia tão universal, a intervenção de Deus, é despojar a fé católica da sua força racional e da sua divina filosofia. Duvidar da segunda vinda, porque alguma vez, ainda não completos os sinais, ela foi erroneamente anunciada, e por isso não se realizou, é proceder: sem reflexão, como esses homens de que nos fala o apostolo S. Pedro. Eles perguntam, diz o apóstolo, o que se tornou a promessa da vinda do Senhor; pois que todas as coisas, desde a origem, permanecem no mesmo estado; não considerando, acrescenta o apóstolo, que a terra e os céus estão guardados e reservados para o castigo da segunda vinde nem considerando também que Deus não é infiel, nem retarda, como imaginam, o cumprimento de sua promessa, mas espera com paciência que os homens voltem a Ele pela penitência; o que não impede, entretanto, que o dia do Senhor chegue, e que Ele apareça subitamente, quando menos O esperarem.
Na justiça. — A nossa Imaginação não pode figurar, mas o nosso coração pode pressentir qual seja a Justiça da segunda vinda. A primeira vinda foi a loucura do Amor; a segunda vinda será a represália do Amor!
A loucura do Amor?! Sim! Imaginai sobre a cabeça de um Deus que é Homem o peso de todas as iniquidades, todos os crimes do coração, todos os crimes dos sentidos, todas às orgias da humanidade, o orgulho de todas as inteligências, a luxúria de todas as imaginações, todas as aberrações da ciência, todas as profanações da Arte, todos os adultérios da Poesia, os sacrilégios de todas religiões, a ambição dos déspotas, a tirania dos governos, os atentados da política, as iniquidades os juízes, os absurdos da filosofia, as violações da Moral, todos os escândalos do mundo, as aberrações de Sodoma e de Gomorra, as prostituições e Babilônia, as bacanais da Grécia, a ambição e crueldades de Roma, a idolatria dos povos pagãos, as perversidades da nação Judaica, as iniquidades de todos os povos modernos e perfídia das monarquias, a Impostura das repúblicas, a falsidade das democracias, — imaginal tudo isso, e que esse Deus que é Homem, revestido de todos esses pecados, pelo resgate de tudo isso oferece à Justiça a sua morte no Calvário! Terei, ainda assim palidamente descrito a loucura do Amor!
Imaginai agora este Amor desprezado, escarnecido, recusado por uma multidão de seres humanos, que amaram tudo: o gozo, o prazer, a riqueza, a glória, as falsas alegrias deste mundo; que tiveram compaixão para todas os dores, exceto para a dor suprema do Crucificado; que tiveram inteligência para estudar todas as verdades, exceto as verdades que Ele revelou; que tiveram gosto por todos os poesias, exceto pelo poema da Redenção; que não recusaram muitas vezes reconhecer sua ingratidão para com simples benfeitores humanos, mas nunca os preocupou nem afligiu a ingratidão para com o Divino Benfeitor; que estremecem e amam, não lhes nego isso, o lar, a família, a pátria, a humanidade, mas absolutamente não amam Aquele que lhes deu, criando-os, esses tesouros do coração; imaginai. que essas criaturas humanas, assim deformadas pela maior e mais monstruosa ingratidão que se possa conceber, se encontram face a face com Jesus Cristo, como val acontecer na segunda vinda.
Oh! desprezaram na misericórdia do Deus, que é Homem, a loucura do amor; terão na Justiça do Momem, que é Deus, a represália do amor desprezado.
O amor desprezado! Mas sabeis o que Ele é?! Perguntai-o aos episódios mais tristes da vida terrestre, às catástrofes mais pavorosas da história, nos furores mais desesperados das almas, às estatísticas mais horrorosas da criminalidade, aos poemas mais sombrios e aos quadros mais, desoladores, que a Poesia e a Arte têm dado ao engenho humano compôr; evocai de seus túmulos todos os grandes infelizes, que o amor desprezado desolou; perguntai a todos eles o que é o amor desprezado! O amor desprezado não é mais o amor! No homem é ódio; em Deus — é uma necessidade indeclinável da Justiça que, na própria obra da nossa redenção, não pode ser omitida por Jesus Cristo.
Três coisas entram nessa obra: o amor de Jesus Cristo, a liberdade do homem, a Justiça de Deus, o amor foi completo, tão completo que Jesus Cristo pode exclamar, no instante supremo da tragédia divina: consummatum est!... tudo está feito para a salvação do homem! Esta salvação não pode ser dada à força e com violência ao homem, que Deus fez livre e trata, como diz a Escritura com grande respeito: cum magna reverentia disponet nos. O homem não pode, porém, evitar (o que seria o maior dos absurdos) a Justiça, que deve Justiça que vai julgá-lo, e que vai de fato (sem exclusão do juízo particular), Julgá-lo, à face do gênero humano inteiro, na segunda vinda de Jesus Cristo.
Não posso descrever agora as grandes e últimas cenas do drama humano; a renovação do globo terrestre; a ressurreição dos mortos; a assembleia universal do gênero humano no juízo final; o último e definitivo triunfo da Igreja.
O que quero, e o tenho feito na plena e bem clara consciência de uma missão para a qual, estou certo, foi que Deus especialmente me fez padre; o que quero é pregar a proximidade da segunda vinda de Jesus Cristo; é, dar o ”anúncio para o qual Deus me preparou, vinte e cinco anos, na oração, no estudo, na meditação, na penitência, e devo dizê-lo, em muitas e grandes humilhações.
Lamento que hoje não conseguisse dar uma ideia mais completa da harmonia, da pompa e da Justiça com que a segunda vinda de Jesus Cristo vai deslumbrar e confundir o universo.
Alexandre de Humboldt tinha na cabeça uma utopia astronômica. Imaginava fosse dado aos nossos olhos um poder ótico maior, muito maior do que os dos mais poderosos telescópios: Poderia então o homem contemplar com uma força sobrenatural o espectáculo do universo: Que sucederia se se assim fosse? Desapareceria para o homem a apa rente imobilidade do céu... Veria que as estrelas correm em direções opostas.... que nebulosas se condensam em planetas, e planetas se dissolvem em nebulosas... que a Via-Lactea, como um cinto enorme, se divide em mil fragmentos... veria a transIadação do sistema solar... a extinção de certos astros e a aparição de outros.... o homem veria sem a ilusão dos sentidos, a agitação, o movimento, a vida real do Cosmos.
O dogma católico da segunda vinda, que não é uma utopia, mas uma promessa de Jesus Cristo, será na sua realidade, um espetáculo para o universo inteiro, Infinitamente mais belo do que a utopia do celebre naturalista.
O universo inteiro, e não só o homem, vão contemplar o seu Criador!... Desde a pedra bruta, que tem na arquitetura mil aplicações, até o diamante, que dá à vaidade o seu ornato; desde o musgo rasteiro até a árvore gigantesca; desde o zoofito, este primeiro vestígio da circulação, até o homem, suprema função do sangue; as palmeiras; as gramíneas, e as rosáceas; os mamíferos, os peixes, os repteis e as aves; o vento, a nuvem, a neve, o relâmpago, a tempestade, os planetas e seus satélites e os astros inumeráveis; a terra e os mundos múltiplos, iluminados cada um por vários sóis, — o universo inteiro vai contemplar em Jesus Cristo, triunfante e glorioso, um fulgor que, tudo apaga uma fulguração que tudo esclarece, uma claridade sem fim; e, como se as coisas inanimadas  também tivessem inteligência, razão e liberdade, todas elas transfiguradas no homem, de um ao outro extremo do mundo, soltarão pela boca homem, saudando a Jesus Cristo na segunda vinda, um brado Imenso, cujo eco harmonioso já podemos perceber: — é o Hino da Criação!


X

COMO A VIRGEM, QUE FOI PARA A PRIMEIRA VINDA O ALÍVIO DA HUMANIDADE, SERÁ, QUANTO A SEGUNDA VINDA DE JESUS CRISTO, O SOCORRO DAS ALMAS NA PEREGRINAÇÃO DO ANTICRISTO.

Ai dos habitantes da terra, porque, presentemente, não há, em todo o mundo, lugar de onde não se pretenda expelir Deus como um hóspede importuno, que queira receber e exija, sem direito, as nossas homenagens.
Três abominações! três grandes calamidades  da nossa época! E como são absurdas! Nos reinos tão belos da criação, onde o mineral, o vegetal, o animal e o homem, cada uma dessas criaturas eleva, pode-se dizer, um hino ao Criador; — o mineral, na geometria de suas formas; — o vegetal, na força misteriosa da semente; — o animal na junção da força sensitiva à vegetativa; — o homem na perfeição que a razão, a consciência e a vontade dão à simples sensibilidade; nos reinos tão belos da criação não querem ver o Deus que a matemática proclama no número; que a física proclama na luz, no calor e no movimento; que a química proclama na indiferença das moléculas; que a mecânica proclama na transformação das forças; a fisiologia nos fenômenos da vida, e todas as ciências positivas, nas leis fundamentais sem as quais elas não existem! Que absurdo!
Expelir Deus dos regimes sociais! conspirar contra a ação divina, para que não tenha nenhuma influência nem nas leis, nem nos costumes sociais! Absurdo, que ofende ao mesmo tempo à razão, à tradição e à história. À razão, porque a razão humana reconhece que Deus não só auxilia o homem nas dificuldades e vicissitudes da vida privada, nos episódios e cenas variadíssimas do lar doméstico, mas influi também nos grandes e trágicos acontecimentos da vida dos povos. À tradição, porque a tradição nutre todos os povos, que acreditam nessa intervenção providencial e benéfica de Deus, e dão testemunho de sua crença nos templos, nos sacrifícios, nas orações, na súplica universal; à  história, porque a história é uma série de acontecimentos encadeados e dirigidos pela Divina Providência como ensina a Escritura, estão sujeitos os povos e os reis, as nações e os seus legisladores; sendo por Ele que os governantes governam e os legisladores promulgam leis justas; sendo Deus quem esclarece e confunde as nações, recompensando-as; ou castigando-as; sendo que sem Deus ninguém pode compreender a história, essa luta gigantesca e colossal da verdade contra o erro, da liberdade contra o despotismo, da virtude contra o pecado. Mas, absurdo ainda maior do que o da falsa ciência, não querendo ver Deusna criação, e do que o da falsa política, expelindo Deus das sociedades políticas, é o absurdo da falsa religião, profanando o Templo; é o dos falsos devotos, querendo o culto católico, mas não respeitando a presença de Deus nos lugares especiais, que Lhe foram reservados no Universo,
Sem duvida, o universo inteiro é um templo cheio da glória de Deus, presente em todos os lugares, tendo direito a receber as homenagens do homem! Impossível ao homem, onde quer que esteja, evitar a presença de Deus! Eleve-se até aos céus, ou desça até aos abismos! Oculte-se onde lhe aprouver, vive e move-se e opera em Deus! A criatura está de tal modo presa ao Criador e por um laço tão estreito e forte, que nem o pecado pode despedaçá-lo; e nisto está, precisamente a maior malícia, o maior horror do pecado, pois que não o podemos cometer, sem, por assim dizer, nos servirmos de Deus na obra da iniquidade.
A presença de Deus, de tal modo consagra o universo que, em todos os lugares, por toda a parte devemos estar puros e isentos de toda a mácula, certos de que o olhar divino está fixo sobre cada um de nós, e pecar não podemos sem profanar o universo. Há no universo, entretanto, lugares especialmente consagrados à Divindade, e onde o Deus Redentor quer habitar verdadeiramente no mistério inefável da Eucaristia, que responde e Perpetua a vida de Jesus Cristo dando-se aos homens, em todas as suas, prodigalidades, tão realmente como se deu nos trinta e três anos da vida humana na Judeia.
Belém, Egito, Nazaré, Cafarnaum, Tabor, Betânia, Jerusalém, Getsemani e Calvário, — não são, para os que penetram num templo católico, cidades ou lugares remotos; são episódios vivos que devemos contemplar; mistérios, de que podemos nos utilizar; continuações místicas, porém reais, do Verbo Divino, porque a Eucaristia reproduz realmente a sua Encarnação, e, reproduzindo-a, de novo Ele nasce, de novo cresce, de novo se desensolve, de novo prega, de novo se imola e se crucifica, de novo morre e de novo ressuscita.
Ó! como é bela, como é sublime esta verdade da Fé! Também a Eucaristia é a glória da Igreja! e se dos nossos templos tirardes o Deus oculto, mas real, que reside nos tabernáculos, esperando almas que o procurem e lhe peçam a salvação, esses templos não serão mais do que casas de pedra, vazias como as casas de oração dos protestantes...
À beleza e à sublimidade da verdade eucarística corresponde necessariamente um dever, cuja infração não pode deixar de ser a abominação do Templo: — o dever da reverência — que, se em todo o universo é devido a Deus, no Templo o é de um modo especial, e não se pode compreender se realize sem uma disposição de inocência, ou ao menos, de penitência, sem o recolhimento do espírito, sem a decência ou a modéstia exterior.
Quanto á inocência ou á penitência, quantos homens presentemente frequentam os templos com esta disposição?! A Igreja não repele nenhum pecador, mas quer que o pecador, vindo ao templo, comparecendo perante a majestade do Deus Redentor, traga ao menos desejos de justiça e de penitência, quer que compreenda que, sentir-se culpado de pecados e não pensar nos meios de resgatados; ter o coração corrompido e não querer os remédios, que o podem regenerar; separar-se de Jesus Cristo, e nem no lugar onde Ele reside aceitar a união que a Igreja lhe propõe, é desprezar Jesus Cristo, insultar o seu amor, e zombar do ministério de seus sacerdotes.
Quanto ao recolhimento, é preciso que ele se traduza em adoração, ação de graças e súplica. Quantos homens, dos que frequentam presentemente os templos da cristandade, verdadeiramente se prostram diante do Deus Redentor?! Como compreender que tantos homens estejam nos templos sem nenhum sinal de aniquilamento perante a majestade de Deus, sem consciência da miséria de que estão cheios, sem nenhum sinal, nem indício em sua conduta, em seus atos, de que compreendem a grandezas e as maravilhas da Redenção?!
É no templo que se reproduz incessantemente a morte de um Deus, não sendo o altar, no sacrifício da Missa, senão um outro Calvário, e a Missa, a mesma imolação da mesma vitima. É no templo que está patente, como um poço de abundância, o poço sacramental em que se lavam as máculas do pecado, e de onde o pecador sai mais puro e mais branco que a neve. E no templo que o banquete das almas é servido à humanidade com uma simplicidade que disfarça a opulência, pois que o manjar desse banquete é a carne, e o vinho desse banquete é o sangue de um Deus. É no templo que, rivalizando com os sacramentos, a palavra do padre, seja nas alturas do discurso sublime, seja nas simples efusões de uma prática familiar, reproduz os ensinos do Divino Mestre! Desprezar tudo isto não é verdadeiramente profanar o templo?!
Quanto à decência e á modéstia exterior, não são profanações sem nome fazer do luxo uma arma de guerra contra o Deus dos pobres, mas que o é também dos ricos?! aparecer nos templos não só com fausto e vaidade, mas também com imodéstia e imprudência, opondo aos gemidos e às lágrimas, que a Igreja pede pelos pecados, o brilho louco dos diamantes que deslumbram o mundo!! fazer dos vestuários que não têm por fim senão o recato do corpo humano, meios, pelo contrario, de expor o corpo humano, como uma carme pública, das cobiças da luxúria?! Vir aos templos disputar a Jesus Cristo os olhares e as homenagens que somente a Ele são devidos?!
Ah! os católicos que veem ao templo, não para humilhar-se, mas para saciar os vermes da concupiscência, — estes profanam o templo! e o seu proceder é, sem duvida alguma, muito pior, muito mais abominável do que o orgulho da falsa ciência a inércia da falsa política!
Ó! de todos os crimes desta época, o maior de todos e o que mais ultraja à majestade divina é a profanação do Templo, donde hoje, como de todos os outros lugares da terra, parece que o querem expulsar até mesmo aqueles que fazem profissão de piedade.
O Templo! eis a última cidadela que resta a Jesus Cristo! Pouco falta, porém, que lhe seja arrancada; e, arrancada que seja, sitiada como Já está pelo exército inimigo, cujas legiões são os protestantes, os espiritistas, os positivistas e os maçons, entrará nele, arrogante, altivo, soberbo, esse que todas as línguas chamam o Anticristo!
O grande tirano nele entrará com o poder e as operações de Satan, com toda a sorte de prodígios, de sinais e de milagres mentirosos. Não tendo muitos homens recebido a verdade que os queria salvar, Deus, em punição, deixará que eles creiam na mentira; sendo certo, diz o Doutor Angélico, que o Anticristo não seduzirá menos os homens por faustosas promessas de bens terrestres, quanto pelo falaz aparato de seus falsos milagres, com o deslumbramento dos quais excederá em poder a todos os precursores que tem tido, desde a fundação da Igreja.
Ouvistes dizer, escrevia S, João, que o Anticristo deve chegar. Pois desde agora há diversos anticristos. Também S. Paulo, revelando a mesma verdade, dizia: o mistério da iniguidade se opera desde já.
Logo em seu início a Igreja se acha em luta com o império romano, esse monstro furioso, ávido de sangue, perseguidor dos cristãos, e que foi por Deus castigado com a tremenda catástrofe que o aniquilou. À idolatria sucedeu a heresia; à heresia, o maometismo; ao maometismo, a renascença; àrenascença, a reforma; à reforma, a revolução. Todas estas formas do erro têm tido sua personificação em pequenos anticristos, precursores do grande, do último, do mais terrível de todos, do Anticristo propriamente dito que, propriamente dito que, preparado completamnte o enorme exercito que o espera e que é formado por todos os inimigos da Igreja, aparecerá revestido de todo o poder diabólico. S. Paulo o define, dizendo: ”o Iníquo, é o homem do pecado, o filho da perdição”. Os Doutres da Igreja o descrevem como um composto de todos os vícios, um resumo medonho de todos os crimes, o tipo mais acabado da perversidade do inferno, um monstro de iniquidade, tal como a terra nunca viu e do qual os maiores monstros da historia terão sido simples esboços.
Dir-se-ia um demônio revetido de carne humana, dotado de vários talentos, astuto, imensamente poderoso; conseguindo, diante de muitos, fazer-se passar por um novo Redentor; negando a divindade do Cristo; entrando no Templo e querendo ser adorado como o verdadeiro Messias; conseguindo, auxiliado por todas as forças do inferno, deslumbrar e arrastar as nações; firmando, enfim, de um a outro estremo do mundo, o Reino anticristão, de que será o chefe e excedendo no cúmulo do poder, pela crueldade, a fama pavorosa de Nero, Diocleciano, Maomé, e quantos déspotas o precederam; pela hipocrisia, todos os falsos pregoeiros da verdade; pela blasfêmia, todos os maiores os maiores tiranos de que fala a história.
Quando se fala deste reino anticristão e do medonho tirano que será o seu chefe, diz intérprete ilustre, uns sorriem zombando; outros vacilam, em crer, uns julgam que se trata de alguma quimera; outros que se trata de um acontecimento impossível de prever, Isolado, sem conexão com os fatos da vida real, Leviandade e ignorância! Sobre o reino anticristão há duas coisas: uma que foi divinamente predita; outra que é humanamente incontroversa. Assim, é de fé que no fim dos tempos erguer-se-á o reino anticristão, que será o mais terrível inimigo da Igreja pelo seu poder, impiedade, crueldades e meios de sedução; e é certo também que tal reino tem preparações na história e na vida dos homens e dos povos.
As Escrituras nos falam, do Reino anticristão. Os Apóstolos o predisseram; os Padres da Igreja nos dão os seus traços principais. Os hereges, os ímpios, os tiranos foram sempre pelos Doutores da Igreja considerados como precursores do Anticristo, isto é, do chefe supremo e último desse reino, que tem seus delineamentos, seus desenvolvimentos e seus progressos em todas as épocas da história, que no-lo mostra, separando se de dia a dia e cada vez mais do reino de Deus, pelas heresias, pelas perseguições, pelas chamadas liberdades modernas, pelas teorias positivistas, pelo naturalismo, pelo protestantismo, pela maçonaria, pelo espiritismo, pela revolução, isto é, pela ímpia e blasfema declaração dos direitos do homem contra os direitos Deus. Este erro, que não é senão o racionalismo na última expressão, é o erro ultimo; e, chegado que ele seja ao apogeu pela rebelião já universal contra as verdades da Fé, o mundo, em virtude de uma lei nunca desmentida, e da qual vemos esplêndidas confirmações na história, verá surgir um homem que será a personificação exata dos erros, dos vícios, dos crimes, da apostasia da época. Com o recurso das ciências, com o poder da riqueza, com as maravilhas e os prodígios do progresso material, com os meios variadíssimos da malícia que lhe dará o inferno, ele dará contra a Igreja o sinal da grande batalha, que (sem exclusão de anteriores combates parciais), será a última.
É para essa grande e última batalha que caminhamos vertiginosamente; que tudo está em agitação; e temos hoje, diante dos olhos, este duplo oposto fenômeno: de um lado, a unificação material do mundo pela celeridade de todos os meios de locomoção, para que o tirano e seus exércitos possam facilmente percorrer; de outro, a dissolução moral do mundo pela confusão de todas as seitas e falsas religiões numa só heresia, — o racionalismo — para que, sobre os destroços de todas elas, o Anticristo proclame o seu triunfo.
Esse triunfo, posto que efêmero, pois que Jesus Cristo o dissipará com o brilho da sua segunda vinda, terá o tempo necessário, que será de poucos anos, para mostrar num encontro medonho os dois exércitos, que Já presentemente estão bem distintos no mundo: o da Igreja, e o do Anticristo. Não ver que a época da grande batalha é a nossa, é ter olhos para não ver que tudo corre com assombrosa rapidez para os dias tremendos; é também ter ouvidos para não ouvir os avisos de Deus; é, finalmente, como ponderava esse grande pensador e vidente; o Conde De Maistre, professar: a máxima leviana, inventada pela preguiça, para não refletir "que todos os séculos foram sempre os mesmos”, o que é falo, relativamente à nossa época; porque, se é certo que sempre houve ímpios, nunca houve, como agora, uma insurreição geral contra Deus. Evidentemente, diz um escritor ilustre, Desurmont, a nossa época reúne todos os característicos que fazem pressentir para mui breve a grande batalha. Grande batalha, sim! essa que vai desolar as cidades, encher de sangue as capitais orgulhosas, destruir os monumentos da vaidade humana, abrir caminhos, por toda a parte, aos demônios que vão presidir a guerra universal e pôr todas as máquinas de vingança e de extermínio ao serviço do Anticristo que, segundo o ensino católico, só pouco antes da segunda vinda de Jesus, aparecerá pessoalmente: para, durante três anos e meio, dar às perseguições que Já estão começadas em todos os países, o supremo desenvolvimento e o requinte supremo.
Quem em tão tremenda tribulação, como igual ainda não houve no mundo, poderá socorrer as criaturas humanas, que não quiserem curvar-se ao jugo satânico do Anticristo, nem receber na fronte essa marca ominosa, que a Escritura chama o sinal da besta?! Quem?! Aquela mesma amabilíssima e sacratíssima Virgem que, tendo sido para a primeira vinda o alívio da humanidade, será quanto à segunda vinda de Jesus Cristo, o socorro das almas, na perseguição do Anticristo.
Impropriedade seria dissertar sobre as razões, as harmonias, as belezas, as magnificências e a necessidade do culto da Virgem, essa esplêndida figura que, há dois mil anos, recebe, num trono iluminado pela terra e pelo céu, os preitos mais excepcionais da Igreja e da humanidade. Ela não é apenas uma pessoa humana, santifcada e oferecida nos altares da cristandade à veneração das almas; é uma parte integrante do plano divino da redenção; é nesse plano uma cooperadora consciente e voluntária de que Deus não quis prescindir para resgatar e salvar o homem, de cuja carne o Verbo Divino se revestia nela e com a aquiescência dela.
Por isto mesmo o culto da Virgem não é uma devoção livre como a dos outros santos, mas inerente à economia da salvação e necessária ao culto cristão, que não é perfeito da parte dos devotos, se desprezam ou omitem propositalmente essa devoção. Sobre ser necessária, esta devoção é, nas mãos dos devotos da Virgem, uma arma terrível contra o demônio. É por isso que no Livro dos Cânticos o Espírito Santo compara a Virgem Maria um arsenal misterioso, onde o soldado da fé pode a cada instante, sem nunca os esgotar, achar todos os recursos necessários à vitoria nos combates da vida.
Muitas são as invocações, e todas belíssimas, todas deliciosas, sob as quais à alma humana invoca, em suas tribulações, o amparo da Virgem, cujo duplo nome inefável de Mãe de Deus e de Mãe dos homens, parece, não poderia deixar ao nosso arbítrio outras denominações. Tão variadas, porém, são nossas necessidades neste exílio terrestre, quanto variada é a misericórdia de Deus, que nos oferece na Virgem modalidades variadíssimas do poder de que a reveste. Uma dessas modalidades, uma das mais fecundas em resultados práticos para a fé, que invoca a Virgem, é a de invocá-la sob o nome de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.
Ó! é bem de um socorro perpétuo, isto é, constante, Incessante, de cada instante, que o homem precisa para os combates da vida terrestre contra a impiedade, contra a indiferença, contra o respeito humano, contra as variadas tentações do mundo, do demônio e da carne. Esse socorro, o homem o encontra na Virgem, verdadeiramente místico arsenal onde, como diz um asceta, estão reunidos, para vencermos a nós próprios, o capacete da couraça da inocência, o escudo da penitência; e, para vencermos o demônio, armas ofensivas e de ataque: a fecha e a lança, o gládio e a espada.
A função augusta, da Virgem Maria é sempre, em todas as épocas, socorrer a humanidade, que — ela socorreu de modo especial, concorrendo para que se realizasse a primeira vinda de Jesus Cristo. Mas, se é por Maria que a salvação do mundo começou, é por Maria que essa salvação deve ser consumada. Tendo sido a Virgem o caminho pelo qual Jesus Cristo veio a nós na primeira vinda, também Ela o ser, posto que de modo diferente, quando Ele vier a segunda vez. Sendo Ela o caminho seguro para procurar a Jesus e achá-Lo, é também por Ela, com o seu socorro, que os demônios no fim dos tempos não poderão separá-la de Jesus Cristo, nem o Anticristo vencerá na grande batalha, para a qual as almas, mais do que nunca, precisarão do seu socorro; e precisarão tanto que Já Deus, em revelações particulares a seus servos, entre os quais o Bem-aventurado Grignon de Montfort, se dignou mostrar que serão os servos, os devotos da Virgem, os apóstolos e santos, que Ela desde muito já está Preparando para a segunda vinda, os que terão a palma da vitória.
Senhora! a revolução passou pela face do Brasil! Homens e coisas se confundiram num turbilhão!
Ventos malditos arrancaram daqui e dacolá a cruz do vosso Filho, mas não a arrancaram da constelação, em que brilha sobre nós, nem também a arrancaram do coração dos brasileiros, onde com o sangue de todas as mães e com o sorriso de todos os filhos, estão escritas estas, palavras: Virgem Maria.
Virgem Maria! Vosso Filho deu ao Brasil o famoso rio oceânico, a célebre cachoeira impetuosa e um gigante formidável na entrada da mais bela das baias do universo... Daí aos brasileiros, nos combates e na grande Batalha, que se vão travar, uma fé mais vasta do que a imensidade do Amazonas, mais indomita do que a torrente de Paulo Afonso, mais inabalável que o Gigante de pedra.
Grande poeta brasileiro em verso épico pedia a esto gigante:
”Porém, se algum dia a fortuna inconstante
Quiser-nos a crença e a pátria acabar,
Arroja-te às ondas, ó duro Gigante!
Inunda estes montes, desloca este mar!”
Eu Virgem Santíssima, peço-vos o contrario, e muito mais do que isso; — tão grande é o vosso poder e muitíssimo superior ao prodígio que impetro. Se, algum dia, o Anticristo aqui vier, para pessoalmente gravar na testa da cidade, que é a cabeça do Brasil, o sinal da besta; ainda que venha, acompanhado em cortejo por todas as esquadras do mundo escravizadas, fazei que a cidade suba além dos montes, paire acima, muito acima do Gigante de pedra, e tão alto que, levada pelos ventos da fé, nem as esquadras possam atingir a cidade, nem o Anticristo contemplar na Arca os homens salvos pelo vosso amor!


XI

JOÃO BATISTA, PRECURSOR DA PRIMEIRA VINDA E TIPO DA SEGUNDA VINDA DE JESUS CRISTO

Ai dos habitantes da terra, porque por toda a parte, atrofiados os espíritos pelo erro, e corrompidos os corações pelo vício, o ceticismo domina a maioria dos homens, que já não acreditam possam alguns de seus semelhantes, com convicção, sinceridade e intrepidez, dizer-lhes a verdade.
É certo que em todas as épocas da humanidade, ainda as de maior decadência moral, a verdade não deixou nunca de ter os seus testemunhos nem também deixou Deus de dar-lhe órgãos autorizados, interpretes condignos. A história pode com muitos exemplos comprovar esta afirmativa, em qualquer das esferas em que o gênero humano tem realizado no planeta a sua evolução política social ou religiosa, não sendo lícito negar a existência de homens providenciais em nenhuma dessas esferas, muito menos naquela em que gira a verdade propriamente religiosa
Pode-se negar (pois que tudo se nega na nossa época): essa nobre aristocracia de almas generosas e ardentes, que se tem Insurgido sempre contra todas as injustiças, contra todas as violações do direito, contra todas as escravidões da alma humana, das quais a maior é a escravidão do pecado!
Não fica por isso apagado na história o rastro que deixaram essas almas; nem também, fica menos certo que, em todas as épocas, Deus fez brilhar, entre as trevas da terra, os reflexos do céu.
Nunca, nem mesmo antes da nova aliança, nem mesmo antes de Deus revelar-se completamente no Cristo e pelo Cristo, Ele abandonou a humanidade!
Degradado como foi pela prevaricação adâmica o homem não consegue o conhecimento da verdade sem esforço, sem labores; mas a verdade foi sempre de possível aquisição; já porque ela sempre teve na terra, sob formas várias, um deposito divino, já porque Deus a proclamou pelo órgão de homens providenciais.
Na antiga aliança, Deus fez dos profetas, os promulgadores da sua Lei, os defensores do seu direito, os campeões da sua realeza. Honrados pelos seus contemporâneos, glorificados pelas gerações que os viram surgir, os profetas receberam de Deus prerrogativas superiores às dos príncipes e reis; e o poder deles excedeu o de todos os capitães e generais, ainda o deses próprios que avassalaram as nações com os mais brilhantes triunfos militares. Não raro, penetrando o. mistério dos tempos, eles viram no futuro as vicissitudes dos povos, de quem foram os tribunos, anunciando com intrepidez a verdade.
Uma das mais belas páginas da história da Igreja é a das profecias, cuja força é para aquele que as examina na antiguidade, no número, e na harmonia com os acontecimentos, uma força tão grande para a comprovação da verdade religiosa, que excede à do milagre; tendo por isso Jesus Cristo podido afirmar, referindo-se a incrédulos que se não aceitassem o testemunho dos profetas, não aceitariam também o de mortos que ressuscitassem. As profecias do cristianismo, pela anterioridade destas ao acontecimento, pela certeza do acontecimento, pela harmonia da acontecimento, com todos os fatos da história provam a divindade da religião cristã de um modo magnífico e tão divino, que divino não podia deixar de ser o ministério dos profetas, aos quais, entretanto, Deus fez suceder os apóstolos, esses novos mensageiros da verdade, esses mensageiros da lei do amor, encarregados da mesma missão de proclamar a verdade a todas as nações da terra.
Jesus Cristo não lhes dá honra menor do que a honra dada aos profetas. Considera-os seus companheiros; favorece-os com a sua intimidade; distingue-os, chamando-os desde logo à partilha e aos labores da obra redentora apenas iniciada, e para a completa execução da qual o divino Mestre aos apóstolos fez suceder os padres. Estes são os herdeiros dos profetas e dos apóstolos; compartilham de sua honra e de suas prerrogativas; excedem-no mesmo, porque a dignidade do padre (esta é uma verdade de fé católica) está tão acima da dos profetas e dos simples apóstolos, antes de como o Novo Testamento está acima do antigo; sal da terra, luz do mundo, servo de Deus, cooperador da redenção, embaixador do Cristo, continuador de sua obra, dispensador dos mistérios de Deus, ministro da reconciliação, anjo e mensageiro do céu.
mediador entre Deus e os homens, outro Jesus Cristo! Bem sei que estas prerrogativas todas que enumero e que se acumulam no padre fazem do  sacerdócio o escândalo do mundo, o qual não pode compreender tamanha grandeza num homem! Que importam, porém, os juízos do mundo? Certo é que o sacerdócio é a onipotência de Deus na fragilidade de um homem; é o mesmo encargo de que Cristo se revestiu para a salvação dos homens; é que não há dois sacerdócios, o do Cristo e o do padre; que o Cristo e o padre são o mesmo Pontífice, resgatando as almas com o mesmo sacrifício; que o sacrifício que ofereci hoje, no altar, foi por Jesus Cristo, há vinte séculos, antecipadamente oferecido no d'Ele  e identicamente com o d'Ele, ambos iguais.

Compreendo que esta grandeza do padro católico escandaliza a muitos, se é que os não faz sorrir e zombar; é certo que ela me oprime e esmaga a mim próprio, mas que quereis que eu faça? O dogma é o dogma, e, se a vossa sensibilidade moderna, tão efeminada e tão fraca, não pode suportá-lo, eu, num êxtase que já dura vinte anos, beijo quotidianamente as minhas próprias mãos, porque quotidianamente elas elevam por vós e pela vossa salvação no sacrifício, que os meus lábios reproduzem, uma vitima divina.
Eis, portanto, ao menos na esfera da religião, os homens que, mau grado o ceticismo universal, não podemos deixar de chamar homens providenciais: os profetas, os apóstolos, os padres. Não excluo das outras esferas da humanidade a mesma solicitude de Deus. Não nego que na política, na guerra, na diplomacia ou na ciência também apareçam homens providenciais, e que correspondam, em determinadas circunstâncias e condições, às necessidades de cada época ou de cada país. Pelo contrário, proclamo, é Deus que também faz esses heróis: o estadista, o general, o diplomata; o sábio. Fá-los, porém, como dizia S. Agostinho, apenas como simples ornamentos do século presente. Os profetas, os. apóstolos, os padres, Ele os faz para o reino de Deus, para esse império da eternidade que, único, realizada a segunda vinda de Jesus Cristo, subsistirá entre as ruínas de todos os reinos e de todos os impérios.
O ceticismo (volto ao ponto principal) não aceita, nem no presente nem no passado da humanidade, homens providenciais. Mas, ao passo que o ceticismo é uma mentira, porque se opõe à verdade da história; uma vaidade, porque nivela todas as superioridades; um ciúme disfarçado, porque nihil admirare é a sua divisa; ao passo que o ceticismo é uma aberração, a Igreja é, na esfera de ação que lhe compete, a reivindicadora da glória de todos os grandes homens.
Vede esse cuja figura, uma das maiores da humanidade, ela exalça hoje na Missa, no Ofício divino, na liturgia, nos púlpitos da cristandade.
Vede João Batista! Não há um preito razoável, justo, devido, que a Igreja não lhe tenha rendido, desde vinte séculos!
O culto que o imortaliza não tem por base uma fábula ou uma quimera da piedade; funda-se na realidade social de uma época, na vida particular de um povo, no mais irrecusável de todos os documentos humanos — a história — e no mais autêntico de todos os documentos divinos — o Evangelho.

João Batista é verdadeiramente um homem providencial! Uma palavra resume a sua vocação: Precursor! duas palavras resumem o seu caráter: no licet! Três palavras resumem a sua glória: tipo do padres!
Tríplice ponto de vista sob o qual, todos compreendem, não é possível fazer numa prédica mais do que uma análise da personagem de que se trata.
Precursor. — O momento social em que João Batista aparece é o momento mais crítico da vida de Israel. A grande e bela tradição messiânica estava obscurecida na consciência da nação Judaica que, como todas as nações em decadência política, estava dividida em partidos ou antes em facções sem orientação cívica, sem patriotismo capaz de elevar: se acima de lutas estéreis e inglórias. Dominava o país inteiro o ódio entre os romanos que o tinham avassalado, escravizando a Judeia a um Jugo que, aliás, não era senão um justo castigo da Providência Divina, infligido às classes sociais, todas elas; degradadas pela obliteração do sentimento religioso: Precisamente como hoje acontece, os pretensos libertadores de povos oprimidos por meio de ditadores ou de déspotas não viam que a ditadura ou o despotismo — era a personificação — adequada dos erros, de que eles próprios encheram o espírito do povo em discursos ou escritos, em que o governo Justo, a liberdade política, a prosperidade social nunca foram ensinados como frutos da política cristã, mas como conquistas, do espírito revolucionário.
Não eram, pois somente o filosofismo da Grécia, o despotismo de Roma e o paganismo das falsas religiões os fatos ou episódios que davam à época de João Batista uma feição excepcional e  grave; era a situação lamentável do país, de cujo seio ele surgia como um enviado dos céus.
Sem duvida os desvarios do filosofismo tinham atingido na Grécia o último limite da insensatez, demonstrando do que é capaz a razão humana sem a disciplina da fé; o despotismo de Roma dado á ambição de grandeza e poderio os extremos da crueldade para com todos os povos; o paganismo das falsas religiões tinha chegado, por todas as  formas da idolatria, à completa Identificação do homem com a matéria.
O que ocorria, porém, na Judeia era um fenômeno, quiçá, mais grave; era o repúdio pela nação infiel da maior e da mais bela das vocações que Deus possa dar a um povo, predestinando-o a ser o arauto de todos os outros povos, o bem-feitor de todas as nações, o órgão universal da verdade.
Como cada homem, é certo que cada, povo tem a sua vocação; porque cada povo deve realizar no tempo e no espaço o designo divino que preside a  sua formação, e que não raro se deixa ver de envolta com as construções políticas que são simples obras do homem. Nenhuma sociologia pode desmentir a verdade de que nos dá testemunho a Escritura, ensinando que as nações são feitas por Deus e para Deus e que o povo que não servir a Deus será destruído: regnun quod non serviret Deo peribit.
Podem as nações que apostatam ter fábricas colossais, extensas vias férreas, grandes museus, pomposos arsenais e grandes batalhões; podem ostentar aos olhos do estrangeiro todos os faustos do progresso material; podem mesmo atrair por todos os meios lícitos ou ilícitos, que a política ou a diplomacia lhes proporcione, a admiração e o louvor dos outros povos, mas essas nações estão condenadas à morte moral, que lhes darão a desordem, a rebelião, a anarquia, a revolução.
Uma nação, como um homem, não repudia impunemente a sua vocação que, muitas vezes, é bem clara e manifesta! Permiti que vos dê um exemplo, repetindo o que no Instituto Histórico pode sem contestação afirmar do Brasil: ”O cristianismo é a religião histórica do Brasil, cuja vocação, — dar a Jesus Cristo a preponderância social, — não pôde ser duvidosa; porque, quando navegadores ousados aportaram às nossas plagas e diante do mundo espantado desdobraram essa larga página de maravilhas, a primeira coisa que fizeram foi plantar no solo a cruz de Jesus Cristo, erguendo, formada com a madeira e flores de nossas matas, o altar para essa primeira missa, cujo sangue, no divino sacrifício, foi a tinta com que se escreveu a ata inicial da nossa nacionalidade! O Brasil, portanto, não só sob o ponto de vista divino; mas historicamente também, pertence a Jesus Cristo! Pertence por muitos motivos, mas principalmente pela posse, que o direito de todas as nações civilizadas manda respeitar no último dos homens, e que não é possível só jurisprudência brasileira pretenda não deva ser respeitado num possuidor que se chama — Deus!
Foi porque tinha repudiado a sua vocação que a Judeia não compreendeu o papel de João Batista.
Desde muito profetizado como o Anjo, que devia preparar os caminhos do Messias, ele aparece de fato, para despertar as esperanças do povo eleito. Preparado, longos anos, pelo silêncio e pela meditação no deserto; quando, enfim, então entoa a tuba divina da pregação, e anuncia que está próximo o reino de Deus, as massas populares se agitam, o entusiasmo messiânico renasce e a sua boca dos eloquente diz intrepidamente à nação a palavra, que convém aos povos castigados pela Justiça de Deus: fazei penitência.
João Batista não teme os grandes, nem lisonjeia os pequenos, o pensamento, que tantos anos cresceu e se desenvolveu na sua alma, expande-se, impetuoso e ardente, dá à sua palavra os ardores da convicção, e ao seu apostolado a maior e a mais completa de todas as recompensas, o louvor do próprio Messias, que aparece, dando à Judeia a prova suprema de que João tinha sido verdadeiramente o seu precursor. O movimento operado, porém, por João Batista, foi efêmero e não salvou a nação da maior de todas as catástrofes.
Non licet! — Uma palavra resume, como se acaba de ver, a vocação de João Batista. Duas palavras, como se vai ver, resumem o seu caráter. Como está hoje degradado isso que faz a grandeza moral de um homem e que se ele não tem ou deixa corromper-se, nem o talento, nem o poder, nem a glória Ihe podem indenizar tamanha, desgraça!
O caráter é, sem dúvida, no naufrágio moral da nossa época, uma das maiores perdas, não compensadas pela audácia que caracteriza a inteligência moderna, reclamando e protestando contra todos os despotismos. Tais reclames e protestos não e emanam da probidade da alma, da pureza da consciência, da retidão do entendimento: Não são, pode-se dizer afoitamente, produtos do caráter; porque todos vós tendes a experiência comprovando que, pelos próprios homens que reclamam e protestam, na esfera social, os princípios que chamam de liberdade, igualdade e fraternidade; por eles mesmos esses princípios são aceitos ou rejeitados, segundo as conveniências pessoais e as circunstâncias em que se acham colocados.
Nem é possível que o caráter se possa formar e firmar com os princípios e as máximas, que vigoram presentemente na preparação do homem para os combales vida pública, confundindo-se lamentavelmente a educação com a instrução. Daí tão grande imbecilidade moral, na nossa época, e a necessidade de se lhe colocar diante dos olhos os grandes modelos da humanidade em força, virilidade, caráter.
O de João Batista edifica os espíritos, ainda depois de vinte séculos, em que ouvimos não só os primeiros e mais, eloquentes brados que anunciaram a primeira vinda de Jesus Cristo, mas também a apóstrofe inflamada, indignada e intrépida com que diria e repetia ao monstruoso tirano, que se chamava Herodes: non licet! Não permitido não vos é ter como vossa a mulher de vosso irmão!
Quem não conhece o tétrico episódio que custou a João Batista o ódio, o cárcere e a morte?! Para que repetí-lo no púlpito?! O que é mister é que episódio não tenha nos olhos de quem quer seja o valor apenas de um fato individual, e a coragem de João Batista não se afigure a quem quer que seja um predicado vulgar.
Herodes é o tipo do homem corrompido pela luxúria e no qual nem os laços do casamento, nem os laços do sangue podem prender e subjugar o apetite depravado.
João Batista é o tipo do homem, não só fortalecido pelo poder da inteligência, que basta para apreender o que é verdadeiro e o que é justo, mas também pela força da vontade, indispensável para desmascarar a mentira e proclamar a injustiça.
Herodes é o vício, pretendendo egoisticamente, ainda com a usurpação dos mais sagrados direitos, o gozo do pecado.
João Batista é a virtude ofendida, com sua altivez, sua audácia, seus alarmes eloquentes.
Herodes é a imbecilidade; João Batista é o caráter.
A luxúria do primeiro, produto da sua fraqueza moral, sem duvida, a ninguém ainda beneficiou; a coragem do segundo, produto do seu caráter, vinte séculos tem aproveitado a todos os oprimidos; e à advogada imortal dos direitos, principalmente dos direitos do casamento e da família, — à Igreja — tem dado, como arma e escudo invencível, esse non licet com que profliga, condena, anatemaliza o adultério, o divórcio, o chamado amor livre!
Em que época mais do que na nossa época, e em que país mais do que neste pais, pode ser hoje oportuno o non licet de João Batista, fulminando o adultério de Herodes, vingando a santidade da família, proclamando a indissolubilidade do casamento?!
Certamente em nenhuma outra época, e em nenhum outro pais; mas o que é certo também é que o perigo, que correm, hoje no Brasil o casamento, o lar doméstico e a família, não provém de que faltem inteligências que compreendam o perigo, mas de que faltem em número necessário caráteres que, bem alto o proclamem.
Tipo do padre, — Estas três palavras resumem a gloria de João Batista! Sem dúvida, ele não foi, nem podia ser o tipo do padre nos atos propriamente sacerdotais, entre os quais o sacrifício que Jesus Cristo ainda não tinha instituído na Ceia e consumado de modo real no Calvário; mas foi o tipo acabado do padre nas virtudes que farão sempre a grandeza e a fecundidade do ministério sacerdotal: a humildade, o desinteresse, a penitência, a coragem de dizer a verdade a todos, mesmo a um Herodes, com risco da própria vida; o esquecimento de si, o amor do dever e da justiça levado até ao martírio. Foi o tipo de padre no apostolado da palavra, no ardor da pregação, no entusiasmo pelo Mestre Divino, que desceu do céu para iluminar às almas os caminhos por onde Jesus Cristo as procura. Foi o tipo do padre anunciando ao mundo um reino novo, o reino de Deus, que o Messias devia inaugurar. Foi o tipo do padre, porque este é verdadeiramente um precursor da segunda vinda, como João Batista o foi da primeira.
Para a primeira bastou, nos desígnios de Deus, um precursor, o que condizia com a simplicidade, a humildade, o nenhum fausto com que Jesus queria aparecer no mundo. Quanto à segunda vinda, às pompas, à magnificência, ao esplendor da vitória com que Jesus Cristo tem de aparecer, Deus julgou conveniente, não um, mas muitos precursores; e tantos são os padres católicos, quantos são os precursores da segunda vinda, alás mais elevados em dignidade do que o da primeira. João Batista apenas mostrava, indicando-o às multidões, o Messias que tinha chegado. Os padres o entregam, dão-no verdadeiramente às almas nos mistérios inefáveis da graça sacramental. João Batista deu num momento o testemunho de que o Messias Já estava no mundo. Os padres dão, a todos os instantes, o testemunho de que, sob a forma sacramental eucarística, o Messias continua e está sempre no mundo. João Batista pregou o Messias não só como Redentor, mas também como Juíz, avisando a todos quanto a Jesus que — a pá na sua mão se acha; que Ele limpará a eira; recolherá o trigo no celeiro, mas também queimará as palhas num fogo que se não extinguirá. Aos padres cabe e cumpre também o pregar o Messias-Juiz, pregar o juízo final, ensinar às almas o que frequentemente dizem no Credo, celebrando a missa: ”Iterum venturus est cum gloria Judicare vivos et mortuos”: Ele voltará de novo e com glória para julgar os vivos e os mortos”.
Não posso meditar na missão excepcional. do padre, sem que a minha consciência se revolte contra uma das grandes, das maiores injustiças da civilização contemporânea: — a proscrição do padre, — proscrito verdadeiramente do respeito, da veneração, das homenagens, dos privilégios que lhe são devidos.
Nesta. ápoca. em que o racionalismo venceu tudo que é tradicional, nenhuma tradição mais desprezada que a do sacerdócio; e verdadeiramente o grande vencido é o padre, Já porque a noção do sobrenatural se obliterou aos espíritos completamente emancipados da Fá já porque a falsa devoção de uma multidão de católicos não compreende os deveres da piedade para com o padre, já porque o próprio padre se deixou vencer.
Para os incrédulos, — o padre é como que um fantasma de outras idades; interposto como uma sombra entre os resplendores da luz, que na sua batina, não deixa ver senão a túnica de Nessus do ridículo.
Para os falsos católicos — é um simples funcionário da Igreja, encarregado por ela de servi-los nos diferentes misteres do culto; não é o continuador do Messias, o comparticipante de seu sacerdócio, o distribuidor divino dos tesouros da redenção.
Pois bem, eu não acuso, não quero acusar os incrédulos ou ímpios! Que eles façam do padre um exilado na terra de que tomaram conta, embriagados pela sua civilização e pelo seu progresso! Se eles não acreditam em Deus, na alma e na imortalidade; como hão de acreditar na grandeza do Padre!! O meu protesto, o protesto que levanto bem alto e que quero sobreviva à minha morte; o protesto que desejo para todo o sempre fique gravado nos anais do púlpito e quando já eu esteja no meu sepulcro, ainda dele se desprenda como a voz de um cristão indignado, o meu protesto é contra os falsos católicos desta geração, cúmplices deste grande crime: o desprezo do padre!
Não poucas vezes o tereis verificado!
Sem a menor reverência eles ou elas passam pela frente do mesmo padre, de cujas mãos acabaram muitas vezes de receber a absolvição ou a comunhão sacramental, se por acaso o encontram nas ruas ou praças públicas.
Sem a menor reverência eles ou elas falam de seus sermões; sem a menor reverência eles ou elas discutem com ele os artigos da fé; sem a mínima reação da caridade filial eles ou elas ouvem, contra suas faltas reais ou imaginárias, verdadeiras ou caluniosas, as mais tremendas acusações. Se por qualquer eventualidade encontram eles ou elas o Padre e um dos ricos; dos grandes ou poderosos da terra, para estes, o maior servilismo, e para o Padre, na mesma ocasião, a omissão dos mais elementares deveres da delicadeza e da polidez!
Eis a situação!
Que cumpre ao padre fazer, ele que por seu turno, diga-se também, se deixou vencer, assimilando o esprito do mundo, identificando-se com os usos e costumes do século, não mostrando sempre seu entusiasmo pela maior e mais sublime de todas as vocações? Qual o grande dever atual do padre católico?
Reagir, na esfera do ministério sagrado, contra tudo e contra todos, que queiram despojá-lo de sua grandeza sobrenatural! reivindicar os seus direitos sagrados! exalçar a sua dignidade sacerdotal desconhecida! exprobrar a uma multidão de católicos a perfídia que os avilta! pregar os dogmas ainda os menos agradáveis aos cristãos decadentes da nossa época! examinar e não esquecer os sinais do tempo! dar por bem compensadas todas as derrotas aparentes da Fé, neste período da história humana, com os resplendores do vulto triunfante e glorioso que já se desponta no horizonte!!!...
Sim; eu o diviso!!... Não, meus amigos, não é um vôo da fantasia, uma quimera da imaginação!... É a convicção profunda do dogma, a certeza iluminada da fé!!... Eu o entrevejo nas realidades magníficas da sua promessa!...., única que falta para completar o ciclo imponente das profecias!!...
A minha visão aumenta! eu o contemplo! Como que fita a Igreja com os olhos repletos de amor, porque é a única das suas obras que permanece santa e imaculada na superfície do globo!!... Como que deliciam os seus ouvidos o gemido e as lágrimas dos Justos, que mantêm ainda, opostos às Iniquidades da terra, o equilíbrio do mundo!!...
A minha visão aumenta! Ele se aproxima!!...
João Batista, sai do teu sepulcro!... Empresta me a tua boca!... quero ter nos lábios essa voz formidável que espantou a Judeia!.. mas não é agora, paral verberar os pecados que eu tá peço emprestada! é para dirigi-la, como uma tuba inflamada, ao próprio céu e para enviar este grito ao Messas-Juiz:  Vinde, Jesus!

XII

A SEGUNDA VINDA DE JESUS CRISTO E A DEVOÇÃO DO SAGRADO CORAÇÃO

Ai dos habitantes da terra, porque presentemente, mesmo nos cristãos e católicos, a fé é fraca, vacilante, tíbia; e semelhante tibieza não é senão isso que Deus detesta, como ensina a Escritura, por não ser frio, nem quente, mas propício ao vômito.
Onde o visor, a energia; a coragem, a intrepidez de que outrora se revestia a fé, não só agitando os espíritos, mas movendo povos, nações inteiras à reivindicação dos princípios ou das coisas da religião?! Que entusiasmo há hoje pelos grandes ideais religiosos, que encheram belos períodos da historia?! Que homens se destacam hoje à frente das nações e que personifiquem na política, na diplomacia ou na ciência uma ideia cristã!!
O mesmo apóstolo que, com tão belas palavras, fez isto que se pode chamar o hino da Caridade, ensinando que ela é mais que a compaixão, mais que a lágrima, mais que a dor, que a tortura física, mais que o sangue derramado, mais que o martírio, porque é o amor, e sem o amor nenhuma, coisas tem valor; o mesmo apóstolo também entoou o que se pode chamar o canto triunfal da Fé quando no-la descreve como a visão do que não se vê, como a posse do que não se tem, como a certeza do que nos é prometido, e como gozo do que esperamos ainda!
É desta Fé que se pode perguntar: onde está ela hoje?! A fé que contemplamos, e de que podemos Julgar pelos atos da maioria dos cristãos e católicos, não é uma fé raquítica, acanhada, sem elevação nem grandeza?! E não é tão excepcional hoje — a Fé inteira, ardente, intrépida e que se alguns a têm ainda, e dela dão testemunho, o mundo se admira e não acredita?!
E porque não mais acredita o mundo nos entusiasmos da Fé, senão porque ele verdadeiramente tocou ao período da vida em que o organismo, esgotada a seiva, enfraquecido o sangue, enervada a sensibilidade, atinge a decrepitude?
A fisiologia nos ensina que o homem tem infância, mocidade, virilidade e velhice com decrepitude, que o impele para a morte: Estes são os períodos da vida do homem, que a filosofia verifica igualmente na vida das nações.
As nações são o homem coletivamente considerado. As mesmas leis de vida e de morte regem o homem individual e o homem coletivo. Não só a fisiologia proclama estas verdades; a historia nos mostra que o mundo tem percorrido estes períodos: infância, mocidade, virilidade e velhice.
A grande tradição universal, de que já vos falei, dá para a existência do mundo o percurso de seus mil anos. e fixa o nosso milênio, que terminará no prazo de um século, como o último.
É direito de qualquer católico, principalmente de um pregador, insistir no que pela Igreja não é proibido crer, antes permitido, e além disso autorizado com o exemplo de padres e doutores da Igreja.
Insisto, pois, no que diz respeito a essa tradição, repetindo com o grande e insigne comentador Cornelio a Lapide: 1o — é comum aos Judeus, aos Gregos, os Pagãos, aos Latinos, e portanto, —antiga e universal; 2o — é uma opinião provável.
Cornelio a Lapide da a lista numérica dos doutores e padres da Igreja que adotam a tradição, afirmando que, desde que se não marque DIA E HORA para o fim dos tempos, lícito é acreditar que este se verifique no sexto milênio. O Cardial Belarmino, no livro De Summi Ponticis potestate, sustenta e defende a tradição, a qual é adotada e aceita nos Esplendores da Fé por um dos maiores sábios da nossa época, — Moigno; desenvolvida e defendida, ainda no século passado, pelo ilustre publicista católico — Gaume, em dois livros: Onde estamos? e Para onde vamos?; aceita pelo Cardial Manning, no seu livro: — Domínio temporal de Jesus Cristo — e bem recentemente por das glórias da Igreja: Faber, insigne místico, e Desurmout, o insigne asceta.
Perante a tradição, portanto, não é aceitável a mocidade do mundo. Mas essa pretensa mocidade tem sido negada também pela história. A história nos mostra como o mundo revestiu sucessivamente as indicações, as ideias e os hábitos caraterísticos das diferentes idades da vída no homem individual, Já porque ele foi sucessivamente sociedade doméstica, sociedade civil, sociedade nacional, sociedade universal; Já porque finalmente, e este é o fato principal comprobatório da decrepitude do mundo, ele começou desde quatro séculos a decair, chegando, pela apostasia da fé e repúdio de Deus, aos limites que a revelação e a tradição universal lhe assinam.
Abri a historia! Que vides? No fim do século XV, uma só família de povos cristãos, o mesmo símbolo, o mesmo culto, a mesma lei; em toda a parte um só Deus, uma só fé, um só balismo! E depois?... Que sucedeu a essa unidade? Renascença... Reforma... Revolução... Socialismo...
Desde o fim do século XV caminha ou não o mundo, de grau em grau, invariavelmente, numa decadência, num abatimento continuo? Que foi a Renascença? A ressurreição do paganismo na literatura. A Reforma? A ressurreição do paganismo na religião. A Revolução francesa? A ressurreição do paganismo na política. Que é o Socialismo? A ressurreição da barbárie.
São ou não sintomas de morte?! Como negar que a velhice do mundo tocou a decrepitude?! Que se pode imaginar para evitar a catástrofe?... O rejuvenescimento do mundo? A restauração cristã? A regeneração por uma nova religião?
A primeira hipótese é um absurdo; a segunda, um milagre; a terceira, uma blasfêmia.
Um absurdo o rejuvenescimento do mundo, porque nada na criação rejuvenesce. Como os rios não soltam para a sua nascente, como o homem não volta da velhice para a virilidade, nem da virilidade para a mocidade, nem da mocidade para a infância, também as nações não retrogradam de para outra idade. Nunca tal se viu na história; nem mesmo com a invasão dos bárbaros, ou com o dilúvio, pois que, num como noutro caso, o mundo não foi remoçado, foi absorvido.
Um milagre a regeneração cristã do mundo! E que milagre extraordinário, descomunal, inaudito! O mundo, repudiando tudo o que adora presentemente; revogando, nas diferentes nações, todas às leis, todas as constituições, todos os códigos; substituindo em tudo isso pelos princípios católicos que abomina, os princípios revolucionários que glorifica no Governo, na administração, na política, no ensino, na educação; transformando radicalmente as suas letras, as suas ciências, as suas artes, as suas indústrias em arautos da religião, que está banida de todas essas esferas da atividade humana na nossa época; substituindo, nas democracias e monarquias, a soberania do povo, que é o seu ídolo, pela soberania de Deus, que é o seu fantasma; não só libertando a Igreja, mas dando à Igreja na vida domestica, na vida civil, na vida política o lugar que lhe pertenceu e de onde foi expelida; o mundo, enfim, erguendo sobre as ruínas é os destroços desta civilização uma civilização completamente católica, simbolizada, não mais nos estandartes de suas seitas anticristãs e de suas lojas maçônicas, mas na Cruz de Jesus Cristo!
Que milagre! que milagre extraordinario, descomunal, inaudito!... E onde está escrita a promessa deste milagre? Pois: não é irrisório substituir, pela quimera de um milagre que não foi prometido, a segunda vinda de Jerus Cristo prometida para triunfo definitivo da Igreja e castigo do mundo, quando chegasse à apostasia completa?!
Resta ainda uma das três hipóteses formuladas: a regeneração do mundo por uma nova religião. Uma nova religião! Mas isto é uma blasfêmia, porque a hipótese de uma nova religião implica a afirmativa de que o cristianismo não é uma religião divina e revelada; de que Jesus Cristo não é Deus; de que a Igreja não é a mestra da verdade; de que o Evangelho não basta para a salvação das almas; de que o mundo deve esperar um novo Messias, nova Igreja, novo Evangelho!
O que o mundo deve esperar, bem o vedes, é o seu Julgamento, a sua sentença, a sua condenação. E, para regenera-lo, compadecido dele, é que Deus lhe tem enviado, nas grandes crises e nos momentos históricos mais oportunos, ora esses que se podem chamar — enviados da verdade, ora esses que se podem chamar — enviados do Amor.
Convencer da verdade, ou persuadir do amor, — tal se nos manifesta, na evolução histórica da humanidade, o desígnio principal, da Providência Divina, suscitando na Igreja, em todas as épocas, esses, de quem já se vos disse, o conveniente e o necessário.
E o sofisma, é o erro, é a heresia que oprimem o mundo? Deus suscita os Santo Agostinho, os São Bento, os São Bernardo, os Santo Inácio de Loiola, os São Domingos, os Francisco de Sales, os ”Afonso de Ligório, enviados da verdade, que a proclamam, defendem, vingam!
É a tibieza que faz esfriar os almas? Deus suscita os Francisco de Assis, os Vicente de Paulo, os D. Bosco, as Helena, as Juliana, as Santa Tereza de Jesus, as Clara de Montefalco, as Margarida Maria, enviados do Amor, que o rescendem e o fazem reviver em chamas fulgurantes!
Solicitudes divinas em revelações carinhosas não tem faltado ao mundo em nenhuma época; (mas, na Idade moderna, de todad ad revelações do
Amor a maior e a mais estupenda de todas é, sem dúvida, a do século XVII. A revelação do Sagrado Coração de Jesus é verdadeiramente o grande e divino remédio oferecido ao mundo para que, no meio da tibieza que o resfria, se inflamem, ao menos, as almas que não perderam ainda o senso do divino e o instinto da salvação.
Preciso expender algumas considerações sobre a origem, a beleza, a necessidade, a harmonia, o objeto e a oportunidade desta devoção; e terei, assim, pela grandeza e magnificência do assunto, dado um complemento condigno a esse outro, que foi o tema da presente série de prédica, a qual não concluirei hoje sem primeiro dar bem alto testemunho do meu contentamento em relação ao bom pároco desta paróquia e aos auditórios que tantas vezes encheram o templo. Do zelo do pároco, de seu manifesto interesse pela doutrinação, do muito que fez pela eficácia e o exito das prédicas; igualmente, do silêncio e do respeito, da compostura e atitude sempre nobre dos auditórios tão numerosos que as têm ouvido, levo a mais grata impressão.
A origem da devoção ao Sagrado Coração de Jesus pode-se dizer que remonta ao Calvário onde, segundo a expressão do Evangelista, em relação a Jesus Crucificado: ”um dos soldados lhe abriu o lado com uma lança, e imediatamente saiu sangue e água”.
Impossível era que este episódio não preocupasse sempre, em todos os séculos, a piedade católica; e por isso, em todas os épocas, o Coração traspassado de Jesus foi objeto das mais belas e doces meditações. Cipriano, Ambrósio, Agostinho, os doutores e os padres da Igreja, sempre contemplaram com enlevo o Sagrado Coração, que também dos fiéis recebeu, não um culto explícito e formal como nos nossos dias, mas as efusões mais delicadas da ternura que sempre despertou. Na doutrina dos doutores e na piedade dos fiéis também, antes da nossa, em todas as ápocas cristãs, a arte se inspirou, representando o Coração de Jesus como o grande manancial do amor, que corre na torrente do Precioso Sangue. Quantas almas ardentes e apaixonadas se extasiaram diante do Coração de Jesus, ainda mesmo antes dele ser pregado como objeto de uma devoção especial! Nunca, é certo, Ele deixou de ser contemplado, adorado, amado; nem o contrário se pode compreender, pois que, desde o Calvário, o Coração de Jesus ferido, deixando correr sangue e água, fascinou as almas; a umas suscitou contemplações sublimes; a outras, êxtases terníssimos; a não poucas, desejos inflamados de penetrarem bem fundo nesse Sagrado Coração, o qual a numerosos servos se revelou, mas sobretudo, com extremos de ternura inaudita, no século XVII, a essa que Ele próprio tinha, desde longo tempo, preparado para ser numa grande revelação, a apóstola de uma devoção nova, que desse ao mundo o testemunho mais alto, depois da Pentecostes, da misericórdia de Deus. Esta apóstola, essa enviada do amor, é Margarida Maria, cuja vida chamaria um romance, se não fora antes um poema ao mesmo tempo divino e humano, porque é um poema escrito com as lágrimas de uma mulher e o sangue de um Deus.
Não! não pude, sem a mais visa emoção, que ainda neste momento se reproduz em minha alma, contemplar, há poucos anos, em Paralemonial, pequena mas célebre cidade francesa, o santuário em que um Deus esquecido pelo homem, pelo homem desprezado no seu amor, sem poder resignar-se a esse desprezo e a esse esquecimento, vem, não mais como um Deus que exige e  ordena, mas como um mendigo que suplica, pedir, rogar, suplicar o amor dos homens, fazer de órgão dessa súplica, não mais doutores ilustres, teólogos iluminados, apóstolos impelidos pelo ardor do proselitismo, mas uma mulher, uma virgem, uma religiosa.
Já tinha visto, com estes olhos, em Montefalco, pequena cidade italiana, no coração que lá está intato, como todo o corpo de Santa Clara da Cruz, falecida no século XIII, todos os instrumentos da crucificação de Jesus Cristo, formados numa reprodução maravilhosa, com os nervos, as veias, as artérias dessa extraordinária e sublime devota da Paixão. Aproximando, um do outro, os dois estupendos prodígios, e vacilando sobe qual fosse o maior, a mim próprio disse, recordando a incredulidade, a descrença, o ceticismo de tantos espíritos de nosso tempo: ”Meu Deus! como diante destes prodígios poderei compreender que o maior dos labores da Igreja, a mais difícil de suas tarefas, o mais pesado dos seus apostolados, seja, não o de abater as potências da terra, humilhar e vencer os impérios, sair triunfante das revoluções, mas persuadir o homem de que Deus o ama!
E que maior amor que o do Sagrado Coração?
A beleza desta devoção é a beleza mesma do Coração de Jesus. Pelo muito que num homem nos encante o coração, imaginai que encanto não deve ter para nós o Coração de um Deus.
Se eu fora obrigado (aproprio-me do pensamento de um belo espírito), se eu fora obrigado a adorar uma criatura humana, não adoraria nela a inteligência, por mais elevada que fosse, nem mesmo atingindo às raias do gênio; não adoraria nela a eloquência, por mais ardente e remontada, que fosse, nem mesmo atingindo o sublime; não adoraria nela a beleza, por mais peregrina e completa que fosse, nem mesmo realizando o ideal da Arte. Não; eu não adoraria também numa criatura humana, nem o poder, nem a fortuna; adoraria o coração!
A ciência, eu sei, pretende que o coração seja simplesmente uma víscera; a fisologia diz dele que é simplesmente um músculo; a medicina nele não vê senão caldeira do sangue, o laboratório da vida. Todos os povos, porém, de acordo com Deus, veem no coração de um homem o resumo desse homem.
Tamanha para Deus é a beleza do coração, que não se vê na Escritura que Deus tenha jamais pedido a um homem sua inteligência, seu valor ou sua glória; ao passo que, frequentemente Ele diz nos livros santos, ao homem: dá-me o teu coração. Tamanha é para o povo, em toda a parte, a beleza do coração, que nunca o povo soube fazer maior nem melhor elogio de um homem do que dizendo: é um homem de coração.
Certo é, entretanto, que, colocado entre duas correntes, uma que o impele para o grande e o mais sublime de todos os devotamentos, e outra que o atrai para todas as misérias da terra, numa multidão de seres humanos, o coração vive repleto de todas essas iniquidades, de que o Divino Mestre fala no Evangelho, e que, segundo a sua expressão, fazem o homem imundo.
O coração do homem necessita, portanto, de um crisol em que se purifique, de uma pira em que, se abrase, de um modelo que ele reproduza.
O homem tem tudo isso na devoção do Sagrado Coração.
O Coração do Homem-Deus!... Quem pode descrevê-lo?
Se não posso descrever a perfeição da sua inteligência; a perfeição do seu caráter, a perfeição da sua vontade; como poderei descrever a perfeição do seu coração que, em Jesus também, como em todo o homem, o resumo do homem!
O próprio Jesus Cristo: disse: ”aprendei de mim que sou manso e humilde de coração”.
É preciso, portanto, para satisfazer a necessidade que há desta devoção, considerar certas verdades.
Uns não veem no Coração de Jesus senão um objeto material, isto é, o laboratório carnal do sangue que resgatou o mundo: é de menos. Outros referem ao adorável Coração todas as  operações da vida teândrica de Jesus: é demais. O coração, no sentido que nos ocupa, deve ser considerado como o centro da sensibilidade, o órgão do amor e da dor; e devemos no Sagrado Coração de Jesus considerar especialmente, com abstração das outras operações, a séde de suas afeições e sofrimentos; o que não impede outra verdade, isto é, que o objeto da devoção é duplo: espiritual e material. o objeto espiritual, — o amor do Coração de Jesus — é o principal; mas o objeto material, — o coração de carne, a porção material da santa humanidade, — não é menos digno de nossas homenagens.
Jesus Cristo, na grande revelação, distinguiu o duplo objeto, o material, dizendo: eis este coração... e o espiritual, acrescentando: que tanto amou os homens.
Desejo, esperança, alegria, tristeza, tudo isso se encontra no Coração de Jesus, fonte de amor, fonte de lágrimas e humilhações, fonte de repouso e de paz.

Fonte de amor, — ele encerra e nos fala do amor de Jesus por seu Pai Eterno, por sua Mãe imaculada, pela Igreja, sua esposa imortal, e pelos homens, cujos sofrimentos fez seus.
Fonte de lágrimas e humilhações, — ele nos recorda a dor de Jesus, humilhado no seu amor, ma sua dignidade, na sua honra, nenhum homem havendo que tenha sido mais ferido na sua sensibilidade, mais desprezado no seu amor.
Fonte de repouso e de paz, — ele nos mostra a paz e o repouso de Jesus nesse Sagrado Coração, isento de todo o pecado, e por isso mesmo em tranquilidade absoluta,
A devoção do Sagrado Coração é, na. época presente, uma devoção de perfeita harmonia com o estado das almas, e a de maior oportunidade nas condições atuais do mundo.
Homem moderno!... o que mais te enfeitiça hoje é o terrestre, o material, o sensível... Pois bem aí tens um crisol divino, para te purificares.
Mundo!.... o que te envolve hoje como num manto de gelo, o que te resfria é a tibieza da fé, tão vacilante, tão fraca, e aliás já tão rara que não podes mais duvidar, serem chegados os últimos tempos. profetizados, caraterizados pelo próprio Divino Mestre. Pois bem; foi o próprio Divino Mestre quem mais de uma vez revelou ter sido esta devoção guardada para os últimos tempos; ser ela o remédio oferecido ao mundo para que o mundo se aqueça; o. remédio prodigalizado às almas: para que as almas se salvem. ——dos — »
tlas, porque está proxima a serunda Jesus Cristo, devem as almas entregarse vidal, sem mais lutar nem combat renunciar, sem esforço, a toda a esperaaça de se formar e de se revesie de 167 !
Não! Engano completo! A segunda vinda de (Jesus, pelo contraro, exige das almas e do mundo melhor e mais clara compreensão de seus deveres.
Da parte das almas, — o cnldado da perfeição individual deve ser mais ativo, a oração mais fervorosa, a penitência mais proporcional aos pecados cometidos; e, outrossim, o combate contra os inimigos da Igreja, a peleja pela reforma social, a atividade nas associações, na imprensa, a vida civil e política devem ser maiores que nunca.
Da parte do mundo, — suas enormes iniquidades exigem enormes reparações. Para o mundo como para o homem, individualmente considerado, todo tempo é tempo propício para reparar o crime a professar a virtude.
Por pequeno que seja, como é certo, o intervalo que nos separa da segunda vinda de Jesus Cristo, nem a morte do homem, nem a morte do mundo justificam a inação, a negligência, a abstenção da luta.
A morte, como disse alguém, é uma ideia forte e viril; é a expressão da energia e da atividade; e eu acrescento: a ideia da morte deve inspirar entusiasmo e não covardia.
No homem, a morte é um livramento; no mundo será uma palingenesia. Livramento deste peso ignóbil que arrasta para o terrestre; palingenesia isto é, transformação deste estado incompleto, irregular e perturbado do globo e da criação num estado melhor e definitivo. A morte do homem não é somente um livramento; será, após uma separação transitória, a reunião, a reunião da alma e do corpo na perfeição primitiva e adâmica, podendo assim o homem dirigir à morte vencida esta apostrofe sublime: ”morte, onde está a tua vitoria?!... morte, onde está o teu aguilhão?!”
A morte do mundo não será uma simples palingenesia, isto é, uma simples renovação física do universo; será, para a humanidade, um novo meio vital, uma nova condição de existência gloriosa, um viver que, sem dúvida, não podemos compreender agora, porque é um mistério, mas em que devemos crer, porque cremos em tantos outros mistérios, que aliás ninguém nega a luz, o calor, o movimento, a força.
Não! nada morre; tudo é imortal!
A morte! Rainha efêmera!
Portanto, ó vós que me ouvis: sursum corda!
Despedacemos as cadeias do pecado; e não seremos oprimidos pela única morte, que é real e não aparente, a morte que se chama inferno!
Sursum corda! Calquemos aos pés a mentira, a vaidade, o orgulho; e os corações se elevem até ao Coração de Jesus!
Sursum corda! Adoremos este Sagrado: Coração; e, resgatados e salvos, teremos todos o gozo inefável de contemplá-la nos esplendores da segunda vinda!